O
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou, a 8 de
setembro, o Relatório de Desenvolvimento
Humano “Tempos incertos, vidas instáveis: Construir o futuro num
mundo em transformação”. O documento aponta que, pela primeira vez em 32
anos de cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a saúde, a
educação e o padrão de vida de uma nação, cai globalmente em dois anos
consecutivos, regressando ao nível de 2016 e revertendo boa parte do progresso
para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
É uma
reversão generalizada, visto que mais de 90% dos países decaíram na pontuação
do IDH em 2020 ou em 2021 e mais de 40% caíram nos últimos dois anos, sinalizando
que a crise se está a aprofundar em muitos deles, não se sabendo os efeitos da
guerra na Ucrânia, que já provocou, além dos danos diretos, vários danos
colaterais a nível global.
Como
alerta o PNUD, o mundo está a enfrentar crises, umas atrás das outras, preso
num ciclo de apagamento de “incêndios” e incapaz de enfrentar “as raízes dos
problemas”, pelo que, sem uma radical mudança de rumo, pode estar a caminhar
para uma espiral de privações e de injustiças.
O
relatório revela que várias camadas de incerteza estão a acumular-se e a
interagir para, de forma inédita, desequilibrarem a vida. Com efeito, os
últimos dois anos tiveram devastador impacto para biliões de pessoas em todo o
planeta, quando crises como a da covid-19 e a da guerra na Ucrânia se sucederam
e interagiram com amplas transformações sociais e económicas, com mudanças
planetárias perigosas e com o aumento acentuado da polarização.
Embora
alguns países comecem a levantar-se, a recuperação é desigual e parcial,
engrossando ainda mais as desigualdades no desenvolvimento humano. Os mais
duramente atingidos são, em particular, a América Latina, a África Subsariana e
o Sul da Ásia. No entanto, consideram-se na base o Sudão do Sul, a República
Centro-Africana, o Chade, o Níger e o Burundi. Ao mesmo tempo, Suíça, Noruega,
Islândia, Hong Kong, Austrália, Dinamarca, Suécia, Irlanda, Alemanha e Holanda
ocupam os 10 primeiros lugares o IDH, enquanto a Espanha se fica pelo 27.º
lugar.
Por
isso, Achim Steiner, administrador mundial do PNUD, apelou à solidariedade internacional para se
continuarem os progressos num mundo que “tenta desesperadamente responder a
crises sucessivas” e advertiu contra o risco de se pensar apenas a curto prazo.
E, reconhecendo que, em tempos de inflação ou de crise energética, pode ser
“tentador” delinear soluções rápidas como subsidiar os combustíveis fósseis e
assumir outras táticas de alívio imediato, sustentou que isso desdiz as
“mudanças sistémicas” de que o mundo precisa a longo prazo.
Como estamos
“coletivamente paralisados” rumo a essas mudanças sistémicas, Achim Steiner
sustenta que, num mundo marcado pela incerteza, “precisamos de um sentido
renovado de solidariedade global para enfrentarmos os nossos desafios comuns e
[precisamos de estar]
interconectados”. Por outro lado,
declarou que “temos uma estreita janela de oportunidade para reiniciar os
nossos sistemas e construir um futuro com ação decisiva sobre as alterações
climáticas e a criação de novas oportunidades para todas as pessoas”.
Entre os
óbices à mudança necessária, sobressaem a insegurança e a polarização (uma
alimenta a outra), a impedir a solidariedade e a ação coletiva necessárias para
enfrentar as crises a todos os níveis, tornando-se os países mais inseguros os mais
propensos a visões políticas extremistas.
Já antes da
covid-19, se viam os paradoxos do progresso com a insegurança e com a
polarização. Porém, agora, com um terço das pessoas stressadas em todo o mundo
e com quase dois terços de pessoas desconfiadas umas das outras, enfrentam-se
grandes obstáculos à adoção de políticas que funcionem para as pessoas e para o
planeta. Para administrador mundial do PNUD, esta análise visa “ajudar a romper
esse impasse e a traçar um rumo alternativo à incerteza global”, ou seja,
dar-nos uma janela, ainda que estreita, para reiniciarmos os nossos sistemas e
garantirmos um futuro baseado em
ações climáticas decisivas e novas oportunidades para todas e [para] todos”.
Para
tanto, recomenda-se a implementação de políticas com foco em investimento (das
energias renováveis à preparação para pandemias) e em segurança, incluindo a
proteção social, de modo a preparar a sociedade para os altos e baixos deste
mundo incerto. Além disso, a inovação, nas suas formas tecnológica, económica e
cultural, pode desenvolver capacidades para respondermos a quaisquer desafios
que tenhamos por diante.
E
Pedro Conceição, um dos autores do relatório, sustenta que, “para navegar na
incerteza”, é mister “dobrar o desenvolvimento humano e olhar para lá da
melhoria da riqueza ou da saúde das pessoas”, bem como “proteger o planeta e
fornecer às pessoas as ferramentas necessárias para se sentirem mais seguras,
recuperarem o controlo sobre as suas vidas e terem esperança no futuro”.
***
Neste panorama, os dados do Eurostat, conhecidos
em 15 de setembro, revelam que 27% da população da União Europeia da (UE) estão
em risco de pobreza ou de exclusão social.
Em 2021,
21,7% da população da UE estavam em risco de pobreza ou de exclusão social, uma
ligeira subida face aos 21,6% de 2020.
Por outro lado, das 95,4 milhões de
pessoas na UE (94,8 milhões em 2020) em risco de pobreza, cerca de 5,9 milhões
(1,3% do total da população da UE) viviam em agregados expostos simultaneamente
aos três riscos de pobreza e de exclusão social: risco de pobreza ou a viver em
agregados com intensidade laboral ‘per capita’ muito reduzida ou em situação de
privação material e social severa.
Em 2021, corriam
risco de pobreza na UE 73,7 milhões de pessoas; 27 milhões estavam em privação
material ou social severa; e 29,3 milhões viviam em agregados de baixa
intensidade laboral.
A Roménia (34%), a Bulgária (32%) e
a Grécia e Espanha (28% cada) foram os países com maiores taxas de pessoas em
risco de pobreza ou de exclusão social em 2021. Em contraste, as menores taxas
de pessoas em risco foram registadas na República Checa (11%), Eslovénia (13%)
e Finlândia (14%). E, em Portugal, em 2021, havia 22,4% de pessoas em risco
de pobreza ou de exclusão social (20,0% em 2020), a oitava maior taxa entre os
Estados-membros e acima da média da UE (21,7%).
***
A pandemia
induziu Portugal a subir de 13.º para 8.º na lista de países da UE com maior
risco de pobreza ou de exclusão social, com uma subida da taxa de pobreza e de exclusão
social para 21,7%, em termos médios. Só o primeiro ano da pandemia fez quase
230 mil novos pobres.
A pandemia fez
subir para 2,3 milhões os portugueses em risco de pobreza ou de exclusão
social, o equivalente a 22,4% da população. E os dados do Eurostat confirmam o
agravamento e vão mais longe, mostrando que Portugal passou a ser o oitavo pior
da UE na lista de países com maior risco de pobreza ou de exclusão social em
2021. Antes da pandemia, a nossa taxa de pobreza ou de exclusão era a 13.ª mais
elevada. Agora, estamos pior, porquanto este aumento de 2,4 pontos percentuais
representa o pior agravamento nas condições de vida das famílias a nível
europeu.
Os dados
relativos ao bloco europeu fazem perceber que, apesar da pandemia, 12 países diminuíram
a taxa de pobreza. Em termos médios, a taxa de pobreza e de exclusão social
subiu para 21,7% – ligeira subida face aos 21,6% do ano anterior –, afetando
agora 95,4 milhões de pessoas. Nos extremos da lista estão a Roménia, que soma
34,4% da sua população em situação de pobreza ou de exclusão, e, no outro lado,
a República Checa, com 10,7% da sua população ameaçada por estes problemas.
Este
agravamento não devia surpreender, pois o Inquérito
ao Rendimento e Condições de Vida, do Instituto Nacional de Estatística
(INE), de dezembro de 2021, referente aos rendimentos do ano anterior, já
mostrava que o primeiro ano da pandemia fez 228 mil novos pobres, o equivalente
ao número de cidadãos do Porto. Analisadas as contas do que foi o primeiro
retrato das condições de vida pós-pandemia, 18,4% dos portugueses estavam já
abaixo da linha de pobreza (mais 2,2 pontos percentuais do que no ano
anterior). Tratou-se do maior agravamento desde 2003, numa inversão da
tendência decrescente que se vinha a registar desde 2015.
Se ao risco
de pobreza se somar o da exclusão social, aumentam para 2,3 milhões os
portugueses que estão mal. É de recordar que a categorização estatística rotula
em risco de pobreza todos os que são obrigados a viver com menos de 554 euros
líquidos por mês. Já o risco de pobreza ou de exclusão social abarca ainda os
que vivem em agregados familiares com intensidade laboral per capita reduzida
(que trabalham, em média, menos de 20% do tempo de trabalho disponível) ou em
situação de privação material e social severa, isto é, com dificuldade em
aceder a pelo menos cinco de um conjunto de 13 itens, que abarca da
dificuldade em ter uma refeição de carne ou de peixe de dois em dois dias a
manter a casa aquecida ou custear o acesso a roupa e a calçado.
As mulheres
foram as mais prejudicadas, a par dos desempregados e das famílias
monoparentais. Entre estas, duas em cada três famílias com crianças são pobres,
o que traduz um agravamento em 5% da pobreza, dos anteriores 25% para 30%. Do
mesmo modo, o aumento da pobreza entre as mulheres foi de 2,5 pontos
percentuais (dos 16,7% de 2019 para os 19,2 por cento de 2020), acima do agravamento
de 1,9 pontos percentuais entre os homens.
E não menos
preocupante é o agravamento da pobreza entre os trabalhadores: entre 2019 e
2020, o número de trabalhadores pobres subiu de 9,6% para 11,2%.
O Governo
não ignora a realidade, pois o seu programa, que entrou, em abril, no
Parlamento, fixa o propósito de retirar 660 mil pessoas da pobreza até 2030,
entre as quais 170 mil crianças e 230 mil trabalhadores, além de ter, na
legislatura anterior, estabelecido o programa de erradicação da pobreza. Porém,
são mecanismos que arrancam com muita dificuldade, exceto no papel.
Ora,
se não queremos cair na fossa da recessão, que Paolo Gentiloni, comissário
europeu para a economia admite como possível, temos de aproveitar a janela de
oportunidade referida pelo administrador mundial do PNUD e todos os agentes de
mudança devem deitar mãos à obra.
2022.09.19 – Louro de Carvalho
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