A 6 de setembro, Adriano Moreira foi homenageado no Pavilhão do
Conhecimento, em Lisboa, em cerimónia organizada pela Casa de Trás-os-Montes e
Alto Douro de Lisboa, pois nasceu o homenageado em Grijó de Campo Benfeito, no
concelho de Macedo de Cavaleiros.
No decurso da
sessão, Isabel Moreira uma das filhas do homem (advogado, professor, político,
ministro, líder partidário e conselheiro de Estado) e deputada do Partido
Socialista (PS), proferiu um discurso genuinamente emocionado.
Para a cerimónia o Presidente da República escreveu um longo texto em
referência aos 100 anos do político com a maior longevidade da história
democrática portuguesa.
Marcelo Rebelo
de Sousa recordou o político centenário como ministro do Ultramar no período da
ditadura e como presidente do Partido do Centro Democrático Social (CDS) em
democracia, agradecendo, em nome dos Portugueses, “tudo o que fez, tudo o que
faz, pelas nossas Forças Armadas, pela nossa Língua, pela nossa Cultura, pela
nossa Portugalidade”.
Destacando que Adriano Moreira foi também professor
universitário, recordou o percurso do político, que se dividiu entre dois
regimes, e frisou
que este homem, há muito, entrou na História apesar de toda a sua vida ter sido
feita de “desencontros históricos”. Com efeito, no dizer do Chefe de Estado, “chegou
sempre cedo demais ou tarde demais a esses encontros”, mas, “vindo
de Trás-os-Montes profundos, ostensivamente orgulhoso das suas raízes, subiu os
degraus da vida, se fez estudioso, e académico”.
Considerou o
Presidente da República que Adriano Moreira chegou “cedo de mais”, ao sonhar
converter uma escola de quadros coloniais, depois ultramarinos, em Academia tão
nobre quanto outras de outros tempos”, tendo de “encontrar atalhos e esperar
pacientemente para que o óbvio acontecesse”. E sublinhou que foi “pioneiro, em
domínios da Ciência Política, das Relações Internacionais, da Geoestratégia
prospetiva”, sendo precisas “décadas até se entender como antecipara o futuro”.
Evocando as
ambições do homenageado, o Presidente da República observou que o jovem
governante quis reformar Política e Direito Coloniais e Ultramarinos, o que,
para muitos, “trazia rutura em excesso, e, para muitos outros, aportava com, pelo
menos, uma década de atraso”.
Todavia, nas
palavras de Marcelo, os seus quarenta anos de idade contrastavam com a “anciania
do poder instalado” e o perfil deste político “não tinha os pergaminhos do cursus honorum do regime, nem a rede de
lealdades no seu seio, nem a aquiescência de um líder, que encontrara na guerra
o argumento moral e vocal para continuar, como se o tempo fosse eterno e tudo à
sua volta acompanhasse esse seu tempo fora do tempo”.
Marcelo
enfatizou que, na apreciação deste homem, “não
há nem direita, nem esquerda, nem civis, nem militares, nem apóstolos das suas
lutas, nem críticos de algumas das suas atitudes, nem antigos, nem novos, nem
novíssimos, nem conhecedores de há tempos sem fim”, mas apenas Portugueses.
E assentou em que a História “acolheu bem Adriano Moreira, antes de a
Providência ou o Fado lhe terem proporcionado o mais raro do raro – viver e tão
intensamente que se pôde permitir o por todos invejável – ser o último a contar
o que viu e viveu, sem a possível contradita dos contemporâneos”, sendo sempre “ímpar
no pensamento, na oratória, na conquista das almas, na natural adesão dos
alunos, discípulos, seguidores, na intuição do essencial”.
Paulo Portas,
observa que que “Adriano Moreira é um sábio”, no que é acompanhado por muitos dos
que o leem os seus escritos ou lhe escutam as entrevistas. Augusto Santos
Silva, atual presidente da Assembleia da República e, como Portas, ex-ministro
da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, aponta que Adriano Moreira se distingue
por duas grandes qualidades: a solidez e coerência do percurso intelectual e a
capacidade de abertura e diálogo com outras correntes de pensamento e opinião –
duas áreas em que Portugal beneficiou da sabedoria do centenário político e
académico, num século de vida, com muitas décadas de serviço a Portugal no
Direito, na Academia, na política, em ditadura e em democracia. E João Bosco
Mota Amaral, ex-presidente do Governo regional dos Açores e da Assembleia da
República, arrumando a faceta política de Adriano Moreira no domínio do
“complexo”, prefere exaltar o “mestre” com influência além-fronteiras e acentua
que “mais do que o seu notável
percurso político, aliás complexo”, o impressiona, neste vulto, o “grande
apego à Universidade e ao magistério correspondente”.
Na verdade, estamos perante um percurso
de vida bem complexo. Adriano Moreira, enquanto jovem, começa como simpatizante da
Oposição Democrática, assinando uma lista do Movimento de Unidade Democrática (MUD),
em 1945. Por ter acompanhado Teófilo Carvalho dos Santos na defesa da
família do general Marques Godinho, acaba preso, tal como a viúva e um filho do
general, no Aljube, acusado de “ofensa à dignidade do Estado”, sendo companheiro de cela de Mário
Soares, que ali se encontrava preso por motivos políticos, circunstância que os
tornou amigos. Não obstante, movido pelas teses do tropicalismo (ideia
desenvolvida por Gilberto Freyre de 1900 a 1987) – pelas quais a colonização
feita pelos Portugueses, nos trópicos, foi diferente das restantes colonizações
europeias, diferença que se manifestou na miscigenação e na inerente interpenetração cultural
– aproxima-se do regime do Estado Novo, mas mantendo relações de
amizade com antissalazaristas históricos, como Fernando de Abranches Ferrão e
Acácio de Gouveia, além do já referido Carvalho dos Santos.
Como ministro do Ultramar no Estado Novo, fica associado ao fim do
estatuto de Portugueses de segunda, mas também à reabertura do Campo do
Tarrafal.
O
artigo 2.º do Estatuto do Indigenato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.666, de
20 de maio de 1954, considerava indígenas “os
indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente
nelas, não possuam ainda a ilustração e hábitos individuais e sociais
pressupostos para a integral aplicação do direito público e privado dos cidadãos
portugueses”. Foi abolido pelo Decreto-Lei n.º 43893, de 6
de setembro, com Adriano Moreira. Pela
Portaria n.º 18539, de 17 de junho de 1961, assinada por Adriano
Moreira, ao abrigo dos artigos 4.º e 5.º do Decreto n.º 43600, de 14 de abril
de 1961, foi criado, em Chão Bom (Ilha de Santiago, Cabo Verde), o campo
de concentração do Tarrafal, eufemisticamente “Campo de Trabalho de Chão
Bom”. E, pela Portaria n.º 18702, de 24
de agosto de 1961, criou igualmente o
campo de trabalho de Missombo, em Angola. Os dois últimos são atos políticos hoje
altamente criticáveis.
Na sua ação
como governante viria estabelecer uma política reformista, que teve como
principal marca a abolição do Estatuto do Indigenato (que impedia a quase
totalidade dos habitantes das colónias de adquirir a nacionalidade portuguesa)
permitindo aos indígenas acederem à cidadania portuguesa,
usufruindo do direito a fixarem-se e circularem em todas as parcelas do
território nacional e também o do acesso à educação; levou a cabo a adoção de
um Código de Trabalho Rural; criou escolas do Magistério Primário; e fundou o
ensino superior nas colónias, ao fazer arrancar os Estudos Gerais
Universitários, em Angola e em Moçambique.
Salazar
revelou-lhe que não podia concordar com várias das suas políticas, pelo que
mudaria de ministro se não as alterasse. E, como revelou o próprio (que apoiou
a ação de Dom Sebastião Soares de Resende, Bispo da Beira), respondeu: “Vossa Excelência acaba de mudar de ministro.”
Frustrados os seus planos, foi na academia que sempre
encontrou lugar de recuo na atividade política, mas de avanço no
conhecimento. É “um dos pioneiros da introdução da Ciência Política nos
estudos de nível universitário no nosso País. Possuindo grande capacidade de
fazer discípulos, espalhou influência pelas Universidades Portuguesas, dos
Países de Língua Oficial Portuguesa e do Estrangeiro, onde os seus livros são
lidos e o seu ensinamento respeitado, como salienta Mota Amaral. Santos Silva distingue três “facetas fundamentais” na atividade
académica de Adriano Moreira. A primeira relaciona-se com o estudo
do Estado português na perspetiva histórica e da longa duração, procurando
identificar os interesses nacionais permanentes de Portugal, consolidados ao
longo dos tempos. A segunda tem a ver com os estudos sobre Segurança e Defesa,
em que é pensador crucial no contexto português e mestre de sucessivas gerações
de militares e outros profissionais de segurança. E a terceira relaciona-se com
o pensamento político, onde tem procurado partir da matriz democrata-cristã para
consolidar um pensamento político de centro-direita democrático em Portugal,
inspirado na doutrina social da Igreja.
Centenário, Adriano Moreira não desiste e continua a
partilhar a sua sabedoria. O gosto de refletir em público e de fazer pensar
leva-o a manter o seu magistério ativo, em conferências e artigos de jornal,
que “não são meras provas de vida e de domínio pleno das suas faculdades
mentais, mas verdadeiras lições de sabedoria de quem viveu muito e partilha
generosamente a experiência adquirida”, como enaltece Mota Amaral. E Santos Silva, em quadrante diverso, não tem
dúvidas quanto ao seu contributo de para Portugal, dizendo que a sua
contribuição nas facetas académicas apontadas “tem sido absolutamente essencial para o
avanço dos estudos em Portugal sobre o Estado, sobre a Segurança e Defesa e
sobre o pensamento político na pluralidade de correntes e opiniões que é, sem
dúvida, um fator de enriquecimento desses estudos”.
2022.09.07 – Louro de Carvalho
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