É a conclusão da análise
custo-benefício para a reabertura da Linha do Douro
entre Pocinho e Barca d’Alva (“um projeto de interesse regional e nacional”),
elaborada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte (CCDR-N). O regresso dos comboios a este troço permitirá criar 6.455
empregos no prazo de 26 anos e, “por cada euro investido, o produto
interno bruto (PIB) aumentará em 1,4 euros”.
Os estudos abundam, a pressão é enorme e as vantagens são enunciadas com a
merecida ênfase.
Só é estranho que os pensantes da nossa praça não tivessem questionado o XI
Governo Constitucional e os governantes diretamente ligados à decisão de barrar
a circulação ferroviária naquele troço e noutros: Cavaco Silva, primeiro-ministro;
e Miguel Cadilhe, Valente de Oliveira e João Maria Oliveira Martins, ministros,
respetivamente, das Finanças, do Planeamento e da Administração do
Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
O regresso dos comboios a Barca d’Alva é tema com mais
de uma década de promessas. A
reabertura da Linha do Douro até à fronteira foi anunciada pela então
secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, no Pocinho, em 10 de
setembro de 2009. E nunca aconteceu.
O tema voltou à baila em fevereiro de 2017, quando foi noticiado que seriam
necessários 43 milhões de euros para reabrir a Linha do Douro do lado
português, como noticiou o jornal Público.
Em outubro de 2018, o troço Pocinho-Barca d’Alva foi colocado como uma das 48
ligações com potencial para gerar mais-valias para a economia e o território.
E, em junho de 2019, foi lançada a petição popular da reabertura da
linha, que obteve um total de 13.999 assinaturas. O primeiro subscritor
foi Miguel Cadilhe, ex-ministro das Finanças nos X e XI governos de Cavaco
Silva, que determinou o fecho da ligação e que mostrou arrependimento por ter
validado a decisão. A petição foi aprovada por unanimidade pela
Assembleia da República em março de 2021.
Dois meses depois, foi constituído o grupo de trabalho para a reabertura do
troço, coordenado pela CCDR-N e que integrou autarcas em representação da
Comunidade Intermunicipal do Douro (CIM Douro), como a Régua, e membros da
Infraestruturas de Portugal (IP).
Em dezembro de 2021, na celebração dos 20 anos do Douro como património da Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em Lamego, Ana Abrunhosa, ministra da
Coesão Territorial, anunciou: “Vamos fazer a linha do Douro. É um
desígnio deste território. Mal andariam os governos que não apoiassem o projeto.”
Em abril de 2022, o ministro das Infraestruturas e da
Habitação, reafirmou a intenção de reabrir esta ligação: “A Linha do Douro é fundamental, pois a região do
Douro é das mais bonitas do mundo. Um dia, temos de levar a linha até ao fim. O
país tem restrições orçamentais e tem de definir prioridades, mas não podemos
desistir de ter toda a linha do Douro eletrificada e em uso.”
Sem comboios em circulação desde 1 de janeiro de 1989, o troço em causa 27,11
quilómetros de extensão e é considerado um “investimento importante para o
dinamismo do Douro“. Pressupõe-se que a linha seja
reaberta em 2027, depois de um investimento de cerca de 75 milhões
de euros, calcula a IP num estudo técnico de abril de 2022. Figueira de Castelo
Rodrigo, Vila Nova de Foz Coa, Torre de Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta são
os quatro municípios com ganhos diretos, mas os benefícios estendem-se a outros 17 concelhos, como Vila
Real, Régua, Lamego, Tarouca, Alijó e Sabrosa.
O novo comboio permitirá poupar mais de meia hora na viagem
entre Pocinho e Barca d’ Alva –
passando de 50 para 19 minutos. O “choque positivo nas condições
de mobilidade” captará passageiros que viajem de carro e de autocarro
pela região, bem como pessoas que não frequentam ainda o local. A reabertura do troço fará baixar os custos gerais de transporte
em 37%, de 24,3 para 15,4 euros. A poupança de tempo e de custos
proporcionará benefícios para os consumidores de 20 milhões
de euros em 26 anos. Porém, a vertente turística é a
principal justificação económica para a reabertura da linha, tendo em
conta que a população residente entre Pocinho e Barca d’Alva caiu 1,9% por ano
na última década: “A atividade turística será importante, inclusive, para o
crescimento de mobilidade de pessoas no território, mesmo num cenário caraterizado
por um forte declínio populacional da população residente”, refere o documento
da CCDR-N.
Com o número de turistas a crescer, espera-se que sejam criados
6.455 empregos em toda a região, dos quais um terço (2.379) será nos
quatro concelhos entre Pocinho e Barca d’Alva. Hotelaria e restauração e
bebidas são os ramos de atividade que mais postos de trabalho poderão criar.
“Ao contribuir para a criação de emprego, o projeto está a dar um
contributo para inverter o abandono do território com externalidades positivas
importantes, como a preservação da natureza e limpeza das florestas“,
destaca a análise em refer. A Linha do Douro atravessa paisagem cultural
considerada Património Mundial pela Unesco desde 2001.
O regresso dos comboios a Barca d’Alva poderá gerar benefícios de 94,094
milhões de euros, o que compara com custos de investimento de 44,66 milhões de
euros. Em termos líquidos, o valor é de 49,433 milhões de euros. Assim, a taxa de rentabilidade é de 8,37%, o que proporciona uma “margem
de segurança importante num quadro” em que a localização do
investimento se encontra num território com fortes problemas demográficos e com
fracas oportunidades de investimento. A CCDN-N vai mais longe: “Dada a rentabilidade económica do projeto, recomenda-se a sua
execução.” Mesmo em cenário de estagnação ou de diminuição de 50% dos
turistas, a taxa de rentabilidade económica nunca será inferior a 2,85% –
patamares aceitáveis a nível económico.
A reabertura do troço só não é positiva a nível financeiro, porque o
investimento é feito pelo Estado e os benefícios ficam na região. Porém,
revertem para o Estado pela receita fiscal.
Os estudos relativos à reabertura da Linha do Douro
até Barca d’Alva deveriam ter sido apresentados a 25 de maio, na Régua, tendo estado prevista a presença do ministro das
Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, e da ministra da Coesão
Territorial. Contudo, a sessão foi cancelada, na véspera, pela CCDR-N, sem
marcação de nova data. Quer dizer que a vontade política é, no mínimo, dúbia!
Também não há referência alguma a esta abertura no programa regional do
Norte 2021-2027, da mesma entidade, que esteve em consulta até à semana
passada. “A sucessão de decisões que não se compreendem nem são explicadas
às populações e os constantes atrasos estão a mergulhar uma região, que poderia
ser a primeira da Europa a atingir a neutralidade carbónica, num abismo
económico e social profundo” – diz o presidente da Associação Vale
d’Ouro, Luís Almeida.
O presidente da câmara da Régua, José Manuel Gonçalves (PSD), que não tem
feito declarações sobre o assunto nas últimas semanas, em abril, considerava “demasiado
óbvia a rentabilidade da linha” e que seria “seria mais difícil criar um
cenário de não viabilidade do que o contrário”.
O presidente da câmara de Freixo de Espada à Cinta, Nuno Ferreira, salienta
que a ligação “será um passo importante para o desenvolvimento de toda esta
Região do Douro Superior e Vinhateiro, uma forma de potenciar o turismo e os
negócios associados, como a indústria hoteleira, a economia local e os produtos
endógenos, a divulgação do património cultural, arquitetónico e paisagístico, a
mobilidade de pessoas e bens, a sustentabilidade e a coesão territorial”. E,
vincando que o estudo de viabilidade “comprova a rentabilidade desta linha e as
suas mais-valias para as populações e toda a região”, acredita que, em
breve, seja anunciada a reabertura deste troço ferroviário que será benéfico
para Freixo de Espada à Cinta, pela sua proximidade a Barca d’Alva.
E o presidente da câmara de Foz Côa, João Paulo Sousa (PSD), “aguarda com
serenidade mas com sinais de preocupação, dado o tempo que já passou”, uma
decisão política sobre a matéria.
A decisão final está nas mãos do Governo.
***
A Linha Ferroviária do Douro, com
203 km entre o Porto – S. Bento e Barca d´Alva, foi concluída em 1887, depois
de a engenharia vencer os acidentes naturais do vale através de 26 túneis e 30
pontes, do que resultou um percurso inesquecível por cenários de impressionante
beleza.
É uma obra hercúlea, à época, com a
abertura do seu traçado e construção de túneis e pontes. Dos referidos túneis,
23 foram abertos quando não havia máquinas de perfuração. E alguns têm uma
extensão que ainda hoje surpreende como foi possível a sua construção.
O comboio foi, em muitos anos, a
forma mais direta e rápida de escoar mercadorias e transportar pessoas dos
distritos de Bragança, Vila Real e Guarda. A ligação internacional foi encerrada
a 1 de Janeiro de 1985 e o lanço entre Pocinho e Barca D’Alva fechou
a 18 de Outubro de 1988.
Na década de 1990, iniciou-se um
programa de modernização de parte da Linha do Douro, que incluía a sua duplicação
e eletrificação, pois a Linha do Douro foi o ponto de origem das quatro vias
férreas em Trás-os-Montes: a Linha do Tâmega, a Linha do Corgo, a Linha
do Tua e a Linha do Sabor. E, considerada a mais bela em Portugal, é a que
tem mais potencialidades turísticas, sendo percorrida parcialmente por comboios
históricos rebocados por locomotivas a vapor. Nesta linha de bitola ibérica,
entroncavam as quatro linhas de via estreita, todas descativadas. Nenhuma está
ao serviço ferroviário e foram transformadas em ecopistas em partes do seu
percurso.
A desativação provocou a degradação da via e de equipamentos, o que
encarece a modernização…
2022.09.24 – Louro de Carvalho
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