O
eurodeputado socialista Manuel Francisco Pizarro de Sampaio e Castro, de 58 anos, tomou posse, a 10
de setembro, como ministro da Saúde, sucedendo a Marta Temido, que apresentou o
pedido de demissão a 30 de agosto, segundo o que diz, após a escolha do
sucessor, porque sentiu, a determinada altura, que estava a ser mais parte do
problema do que da solução.
Regressado
a Portugal “cheio de determinação e vontade de trabalhar”, disse, à margem da Academia Socialista, que decorreu entre 7 e
11 de setembro, que, pelo seu “percurso enquanto médico, não podia recusar este
convite para voltar a Portugal”. E elogiou a antecessora: “Queria prestar a minha
homenagem e o meu reconhecimento à Dra. Marta Temido pelo
trabalho extraordinário que fez nestes quatro anos em defesa da saúde dos
portugueses e do SNS”, sendo que dois “coincidiram com pandemia de covid-19”.
Nascido a 2 de fevereiro de 1964, é, desde 2019 eurodeputado no Grupo da
Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu. Além
disso, é líder da distrital do Partido Socialista (PS)
do Porto. Licenciado em medicina e especialista de Medicina Interna,
foi secretário
de Estado da Saúde, primeiro, e secretário de Estado Adjunto e da Saúde entre
2008 e 2011, nos governos de José Sócrates, com a ministra
Ana Jorge. Posteriormente, em 2013 e em 2017, foi
candidato pelo PS à Câmara Municipal do Porto, tendo
perdido as duas eleições para Rui Moreira, ficando em segundo lugar.
O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) e o presidente da Associação
Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP) consideram que a escolha é “sensata” e “equilibrada”, mas sustentam que é preciso
mudar as políticas na Saúde, nomeadamente ao nível da gestão e da
atratividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já a bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE) lembra que o governante
foi o responsável pelo fim da carreira destes profissionais, pelo que,
segundo diz, é uma “oportunidade para corrigir essa questão”.
Segundo Miguel Guimarães, bastonário da OM, o novo ministro “conhece bem o sistema de saúde português, não só
o SNS, mas também o setor privado e social”, bem como os sistemas de saúde na União Europeia (UE), devido à sua passagem
pelo Parlamento Europeu (PE). Tem a noção do que está a acontecer e
a fazer-se noutros países, o que é importante, porque “não estamos sozinhos no
mundo, nem na Europa”. Por outro lado, enaltece a “relação
mais empática” e “fácil” de Manuel Pizarro com as pessoas, o que lhe
permite ser “um bom gestor de recursos humanos”. E, porque é “um homem que se
dedica à política há muitos anos” no PS, “tem peso político dentro do
próprio Governo“, o que pode ser “positivo”.
Já Gustavo Tato Borges, presidente da ANMSP, aponta a
nomeação de Pizarro como “escolha equilibrada” entre a manutenção das
políticas do primeiro-ministro e a “aproximação às vontades e às reclamações
dos profissionais de saúde”. Sendo próximo de António Costa, seguirá
a linha que o Governo traçou, mas pode trazer uma oportunidade
aos restantes profissionais de saúde.
Todavia, tanto o bastonário da OM como o presidente da
ANMSP admitem, que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças poderão travar
algumas mudanças na Saúde. Com efeito, o primeiro-ministro disse que
as políticas de saúde são as “definidas independentemente do ministro que vem”. Por isso, Miguel Guimarães pede ao chefe de Governo que
adapte essas políticas ao titular da pasta. E Tato Borges avisa que Pizarro
pode “trazer um consenso aprimorado [com] algumas das soluções que vão sendo
apontadas pelo setor”, desde que António Costa e Fernando Medina “lhe deem as
condições e o espaço necessários”.
Menos otimista surge Ana Rita Cavaco, bastonária dos
Enfermeiros, esperando que o ministro diga que políticas vai implementar. Mas
insta, desde já, o governante a corrigir o erro nas carreiras, pois, como explicita,
“quando, em 2009, o Dr. Pizarro foi secretário de Estado, terminou
com a nossa carreira, que tinha precisamente o risco, a penosidade,
fazia a distinção e a valorização de graus académicos de todos os
profissionais, uma idade de reforma mais baixa”. A bastonária lembra que, na altura, ficou acordado criar um outra, em substituição, que nunca entrou
em vigor. Portanto, sustenta que, agora, o Dr. Pizarro tem oportunidade de
corrigir a situação.
Por seu turno, os partidos com assento parlamentar exigem
transformações profundas no SNS, nomeadamente no respeitante à falta de capacidade
do sistema e à falta crescente de cuidados de saúde. A Iniciativa Liberal
defende que “só uma reforma
profunda do sistema”, baseada “na concorrência entre
prestadores e na liberdade de escolha dos doentes, poderá dar aos portugueses
cuidados de saúde com a qualidade e celeridade que merecem”. Outros partidos querem
que o ministro não coloque à frente de tudo a ideologia ou as perspetivas
pessoais.
O bastonário da OM observa que o ministro terá dois
grandes desafios pela frente. O primeiro diz respeito ao capital humano. “Temos muitos médicos em Portugal, mas cerca de 50% estão fora do
SNS”, diz. Por isso, o ministro é desafiado a criar as condições adequadas para
que os médicos optem por ficar no SNS e não por trabalhar no setor privado ou no
estrangeiro, opinião partilhada por Tato Borges, que estende esse quesito
a outras categorias profissionais do setor, como os enfermeiros. A par disso,
Miguel Guimarães considera “urgente” criar um novo modelo de gestão do SNS que
valorize “a flexibilidade de processos e procedimentos para contratar pessoas,
para comprar equipamentos”, dê autonomia às unidades de saúde –
hospitais e agrupamentos de centros de saúde (ACES) – e permita o financiamento destas unidades de saúde “de acordo com as
necessidades que têm perante a sua população de referência”. Isto
é, que sejam orçamentos reais e não fictícios, como tem acontecido até agora. E
Tato Borges insiste igualmente na “autonomização das diferentes entidades funcionais
do SNS”, dotando-as de “financiamento adequado e dando-lhes competências e
ferramentas”. Aliás, o Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de
agosto, pretende, entre
outras medidas, mais autonomia para os ACES, nomeadamente nas contratações.
Além do capital humano e do novo modelo de gestão, o
bastonário da OM elenca outros problemas a resolver no atinente aos serviços de
urgência e aos cuidados de saúde primários, pois, como refere, “não temos atualmente médicos de família para todos os portugueses
e é importante atingir este objetivo”, quando “existem meios para o fazer porque
existem médicos de família suficientes no país para que cada doente possa ter
médico de família”.
Numa altura em que o SNS enfrenta maiores debilidades
na sequência da pandemia de covid-19, especialmente na área da obstetrícia,
com encerramentos de urgências, Tato Borges sublinha que o desafio mais
urgente “é a questão da organização dos serviços de urgência hospitalares e a
maneira como eles se articulam uns com os outros e com os cuidados de saúde
primários”. Por outro lado, e no que toca à área da saúde pública, o presidente
da ANMSP refere a urgência de acabar com as juntas médicas
nas unidades de saúde públicas, para que “possam desenvolver o seu
trabalho adequadamente”, bem como dotá-las do financiamento necessário para
poderem responder às necessidades. E dramatiza a necessidade de criar um sistema de informação em
saúde pública, que permita aos médicos analisar os dados e “servir melhor a
população”.
No dia 9, o Presidente da República associou a escolha
de Manuel Pizarro para ministro da Saúde ao decreto-lei que cria a direção
executiva do SNS, enquadrado no novo estatuto do SNS, e que Marcelo Rebelo de
Sousa entende ser uma aproximação à sua opinião sobre a matéria. “Tudo indica
que é uma solução que evolui para uma posição próxima daquela que tinha
defendido, no sentido de haver uma separação clara entre as
decisões políticas ao nível de ministro e ministério e a gestão mais
independente, mais autónoma, mais isenta através de outra instituição que não
diretamente o Ministério”, explicou o chefe de Estado.
Por sua vez, o primeiro-ministro disse que o governante “tem todas as
condições para prosseguir a execução do programa de Governo e dar continuidade
às reformas que estão em curso”, prosseguindo a estratégia de
reforço do SNS. Para cumprir essa tarefa, poderá
contar com mais dinheiro. “Desde que sou
primeiro-ministro, o orçamento do SNS já subiu mais de 40% e o número de
profissionais de saúde mais de 20%. Iremos continuar a reforçar o plafond e haverá um novo reforço em 2023”,
adiantou o chefe do Governo. Este ano, a
despesa do SNS cresceu para um valor recorde de 13,321 mil milhões de euros,
com o peso da Saúde na despesa total das Administrações Públicas a representar
13,2%. A “fatia de
leão” vai para as despesas com pessoal (5,204 mil milhões), para a aquisição de bens (2,595
mil milhões) e para pagar aos fornecedores (4,751
mil milhões). O financiamento é quase
todo feito através de transferências do Orçamento do Estado, sendo as receitas
próprias quase residuais. Em 2022, a Saúde vai receber o
dinheiro da cobrança do imposto sobre as bebidas alcoólicas, bem como a
contribuição extraordinária da indústria farmacêutica e sobre os dispositivos
médicos.
No entanto, como alertou o ministro
das Finanças, além de dinheiro, é preciso
“investir muito na gestão e na organização”. Lembra a
aprovação do estatuto do SNS, em julho, que dará “novas perspetivas para a
carreira – designadamente a possibilidade de regulamentar a dedicação plena dos
médicos”, como as “ferramentas para ter não só mais meios como
sobretudo melhor organização e uma gestão mais eficiente”.
Manuel Pizarro, admitindo que “serão sempre necessários mais
meios” e que é muito importante utilizar da forma mais eficaz possível os meios
de que dispomos, disse abraçar “este desafio muito exigente com
determinação e vontade de trabalhar em prol da saúde dos portugueses e do SNS”.
***
A demissão e a sucessão de ministro deviam ser normais em
democracia, sem se esperarem desafios, já que o Programa de Governo foi redigido
com solidez. Não obstante, dada a polémica, nem sempre justa, com Marta Temido,
a demissão e a sucessão foram matéria repenicada na comunicação social.
Deparam-se objetivos, porque a realidade mudou. Porém, é de questionar a quem
atribuir a culpa do falhanço. Por exemplo, como se justifica o iminente encerramento
da Maternidade Alfredo da Costa quem tem 55 obstetras e mais 16 formandos na
área, como refere Vital Moreira no blogue “Causa nossa”. Não haverá excesso de comodidade
corporativista?
2022.09.10
– Louro de Carvalho
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