A área da Educação é apontada
como a que padece de crise mais que supina. E, se até há pouco tempo, se olhava
para alguns países europeus, com ênfase para a Finlândia, hoje consensualiza-se
a asserção de que a crise educativa é do tamanho da Europa. Provavelmente não se
entende a crise como extensiva ao mundo inteiro, porque, a fazer fé em dados
dos programas internacionais, como o PISA (Programme for International Student
Assessment), de avaliação de competências na leitura, na
matemática e nas ciências, por parte dos alunos de 15 anos, há países,
nomeadamente da Ásia, que surpreendem pela positiva. Por outro lado, há lugares
onde nem é conveniente falar em crise, pois o acesso à educação elementar é muito
precário. E, nos Estados de regime de informação blindado, não há problemas em qualquer
setor de atividade.
Da Itália à
Suécia, da França à Alemanha, de Portugal à Finlândia, é flagelo a falta de professores.
Vários países enfrentam grandes dificuldades em recrutar docentes para substituir
os milhares que se reformam (aposentam), abandonam a profissão ou entram de
baixa médica (alguns por burnout laboral). O envelhecimento da classe na Europa
– mercê da política de retardamento da reforma ou aposentação e da crescente diminuição
do cálculo da pensão – acelera a erosão desta profissão de desgaste rápido, assoberbada
por inútil trabalho de fichas, de grelhas e de relatórios (muita burocracia). E
alguns fatores como a desvalorização política e social da profissão, a exiguidade
salarial, a falta de perspetivas de carreira, a pressão dos pais (as aulas à
distância mostraram-no nas respetivas fases de teletrabalho na pandemia) e de alguns
grupos sociais, as turmas difíceis, sobretudo na escola pública (graças à falta
de valores, ao facilitismo e à deseducação na família) e a prepotência de alguns
dirigentes, geram a crise da vocação docente, difícil de ultrapassar.
Todos estes fatores tornam a profissão mais complexa e stressante e, por
isso menos, atrativa para os jovens, sobretudo se as condições de trabalho e os
níveis de autonomia profissional não acompanham o grau de profissionalização
exigido para corresponder às expectativas das nossas sociedades. É o que pensa
Karine Tremblay, analista da divisão de políticas da OCDE e que foi responsável
pelo maior estudo internacional sobre professores (TALIS).
Países que
recrutaram professores em larga escala nos anos 80 assistem a aposentações em
massa, tendo de encontrar substitutos. Em Portugal, país territorial e
socialmente muito assimétrico, assiste-se a situações que, à primeira vista,
não se entendem: engrossa o número de docentes dos quadros que ficam sem componente
letiva, mercê da redução drástica e crescente do número de alunos em algumas
escolas, sobretudo no interior, em que se acentua mais o crescente inverno demográfico
nacional; e muitos alunos ficam sem professor porque os que ocupam lugares dos
quadros se aposentam, entram de baixa médica ou se deslocam por motivo de
doença do próprio ou de familiares (às vezes, inexistente), ficando sem
componente letiva em muitos casos. E isto não se resolve com soluções
provisórias, mas com medidas estruturantes. Para já, remenda-se!
E mal se
fala da ação educativa diária em contextos difíceis e de tantas outras atividades
na escola.
Para atenuar os problemas, vários países improvisam soluções como o recurso
a profissionais sem formação pedagógica, o aumento do número de alunos por
turma e medidas mais radicais, como a adotada na cidade alemã de Gelsenkirchen,
que reduziu o horário dos alunos do 1.º ciclo em uma hora por falta de docentes,
conta o “Financial Times”. Na Alemanha faltam cerca de 40 mil. Em Itália, o
envelhecimento do corpo docente leva professores sem vínculo a ocupar 150 mil
lugares. Em França, no início do ano letivo, ficaram por preencher 4 mil vagas.
Para tornar a profissão mais atrativa, o Presidente Mácron quer aumentar os
salários dos docentes em 10%, garantindo um mínimo de €2000 líquidos à entrada
da carreira. E também os países nórdicos são afetados pelo problema. Na Suécia,
é preciso formar 153 mil professores até 2035. E a Finlândia, historicamente
apontada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) como
um dos melhores sistemas educativos do mundo, é afetada pela falta de docentes,
que os sindicatos atribuem às condições de trabalho e aos baixos salários.
Há perda de tempo letivo no caso de professores de baixa que não são logo substituídos
(agora a substituição faz-se em 12 dias, contra os anteriores 30) e recurso a
profissionais sem formação completa, havendo o risco de este constrangimento
redundar em pior qualidade do ensino e em deterioração da satisfação dos
próprios professores, com subsequente abandono da profissão.
Em Portugal, o ano letivo começou com cerca de 60 mil alunos sem aulas a,
pelo menos, uma disciplina. Devido ao crescente volume de aposentações, é preciso
recrutar 34.500 professores até 2030. Mas os níveis de formação são
insuficientes e a procura por cursos de ensino caiu na última década. Além dos
salários baixos em comparação com outras carreiras (um professor ganha, à
entrada, à volta de €1100 líquidos e cerca de €2000 no topo), há entraves à
progressão (em duas mudanças de escalão, a progressão está sujeita a vagas definidas
arbitrariamente) e esperam-se anos para entrar nos quadros – fatores que
desmotivam eventuais candidatos.
Carlinda Leite, coordenadora do grupo de trabalho para agilizar o
recrutamento de docentes, frisa que “é preciso tornar a profissão mais
atrativa”, sendo uma prioridade reformular a formação de professores de modo a
facilitar o acesso à profissão. Assim, o acesso aos mestrados que habilitam a lecionar
no 1.º e no 2.º ciclos, exclusivos para licenciados em Educação, será alargado
a diplomados de outras áreas. A ideia é captar para a docência pessoas que hoje
não podem entrar.
Investir em campanhas para atrair jovens para cursos de ensino, apostar em trazer
de volta antigos professores que deixaram a profissão, recuperar estudantes que
abandonaram cursos nas áreas onde faltam mais docentes, como Matemática e
Biologia, e tornar a vinculação aos quadros mais rápida são outras medidas
propostas. E penso que se deve abrir a docência a licenciado em área do saber
que não está voltada para a docência, profissionalizá-lo (tipo profissionalização
em serviço) e equipará-lo a mestre. Afunilar a formação inicial de professores
em cursos superiores voltados só para o ensino, sem o bastante aprofundamento
científico, coarta a atividade do profissional, que tem de saber fazer mais alguma
coisa.
***
Também a escola privada tem dificuldade de contratação e vê docentes a
fugir para a pública.
Quando tem de contratar, são cada vez menos os candidatos a aparecer, obrigando
a aumentar a dimensão das turmas e a pagar horas extraordinárias aos docentes
da casa para impedir que alunos fiquem sem aulas. Mas, em muitos casos, os
horários estão no limite. O problema vem a agravar-se com a fuga crescente de
professores para o ensino público, onde a carreira, apesar de tudo, é mais
atrativa. Alguns acolhem-se aos colégios porque ou não têm a profissionalização
(vai-lhe valendo a Universidade Aberta) ou não querem ir para longe de casa. “Em
termos salariais, é mais aliciante lecionar no público”, admite Rodrigo Queiroz
e Melo, diretor-executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino
Particular e Cooperativo (AEEP). Tem remédio: pagar melhor (Não se diz que os privados
gerem melhor que o público?) e anular a precariedade da carreira.
Até há pouco tempo, muitos preferiam lecionar em colégios, pois, no ensino
público, tinham de esperar vários anos até entrar nos quadros e até conseguir
um lugar perto de casa. Mas a escassez de docentes é tal, sobretudo na região
de Lisboa e no Algarve, que a vinculação se tornou mais rápida. Há, pois, o
risco de êxodo de professores do ensino privado para a escola pública. Dantes,
quando se punha um anúncio, apareciam-me vários currículos; agora são poucos e
as candidaturas espontâneas, que eram às dezenas, praticamente desapareceram, sobretudo
nas Línguas, na Matemática e no Português, como contam alguns diretores de
escolas privadas. A concorrência do ensino público é maior agora. É raro um
docente passar do público para o privado, mas o inverso é comum. Ciente da
gravidade do problema, o diretor-executivo da AEEP assume que “os colégios vão
ter de pagar melhor aos professores para conseguir recrutá-los e mantê-los”.
Alguns dirigentes tiveram de fazer um grande investimento para melhorar a
grelha salarial, de modo a torná-la mais atrativa e evitar saídas. Para já, o
investimento ainda não se refletiu no valor das propinas. Mas a maioria dos
externatos terá de as aumentar para conseguirem subir os salários. Por isso, as
famílias terão de fazer um esforço maior para conseguir manter os filhos no
privado e, para algumas, isso poderá deixar de ser opção.
Diz o responsável da AEEP que aumentar o número de alunos por professor e o
tempo de trabalho autónomo dos estudantes é outra inevitabilidade e que o ensino
apoiado na tecnologia pode levar a aumentar o rácio de alunos por professor. Em
vez de um docente explicar um teorema a 25 alunos, pode ter um vídeo bem feito
com a explicação, que é visto ao mesmo tempo por 200. Ora, isso é caminho para desvalorizar
o professor, massificar a aula e anular a relação pedagógica. Não é de longe
que se chamam ou picam os bois – diz o povo.
Ante a falta de professores, que motivou uma reunião pede ao Governo que
alargue o leque de cursos que dão habilitação para a docência e dê autonomia aos
colégios para contratar candidatos sem formação pedagógica – o que é absurdo,
se for tornado prática corrente.
O Despacho n.º
10914-A/2022, de 8 de setembro, diz
preencherem os requisitos de formação para as áreas disciplinares dos
diferentes grupos de recrutamento os titulares (a contratar pela escola): de
licenciatura em Educação Básica, para os respetivos grupos de recrutamento; de qualificação
de nível VI, ou equivalente, que constitua requisito de acesso ao 2.º ciclo de
estudos, e tenham obtido, no quadro dessa qualificação ou em outros ciclos de
estudos do ensino superior, os requisitos de formação fixados para os
respetivos grupos de recrutamento.
E, se nenhum candidato
reunir tais requisitos, a escola pode contratar titulares de licenciatura que
disponham de 120 créditos obtidos na área científica correspondente à
disciplina a lecionar.
Em nota final, julgo indecente falsear os números do vencimento bruto anual
do docente em início de carreira e no topo, que são, respetivamente, 21 516,60€
e 47 671,26€, muito aquém dos valores indicados pelo Expresso, de 16 de setembro. E dizer que o aluno no ensino público,
como referia o anterior ministro da Educação, fica mais caro que no ensino
privado pode ser estatisticamente correto, mas injusto. Com efeito, os dinheiros
públicos têm de custear o ensino de todos os alunos, transportes escolares, refeições,
auxílios económicos, necessidades educativas especiais, organização de exames, os
salários mesmo em baixa médica, etc. Dividir o somatório pelo número de alunos
pode dar mais que no privado, que só custeia ensino (mais barato) e refeição.
2022.09.26 – Louro de Carvalho
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