Negado pelo
Tribunal Constitucional (TC) o provimento do recurso da União Nacional
para a Independência Total de Angola (UNITA), de 13 de setembro, sobre o processo de
contagem dos votos nas eleições gerais de 24 de agosto, em que o maior partido
na oposição pretendia ver a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) a recontar os
votos, João Lourenço, o presidente reeleito de Angola, tomou posse para o
segundo mandato no dia 15 de setembro, ato em que também ficou investida a
vice-presidente Esperança Costa (pela primeira vez
é uma mulher a ocupar o cargo).
Assim, o TC confirmou o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e
o seu candidato, João Lourenço, como vencedores com 51,17% dos votos, seguido
da UNITA com 43,95%. Por conseguinte, o MPLA elegeu 124 deputados e a UNITA,
que se mantém a contestar os resultados, admitindo recorrer aos tribunais
internacionais, elegeu 90 deputados, quase o dobro das eleições de 2017. Além
disso, o MPLA indicou dois vice-presidentes e dois secretários de mesa da
Assembleia Nacional e, na mesma proporção, o partido UNITA. Também o Partido de
Renovação Social (PRS), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e o
estreante Partido Humanista de Angola (PHA) elegerem dois deputados cada. Ao
invés, a Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral
(CASA-CE), a Aliança Patriótica Nacional (APN) e o P-Njango não obtiveram
assentos na Assembleia Nacional, que na legislatura 2022-2027 conta com 220
deputados.
A cerimónia da tomada de posse, que
decorreu junto ao Memorial Agostinho Neto (em homenagem ao primeiro presidente),
com a presença de 12 chefes de Estado, sendo o presidente português o único
europeu (disse que as relações entre Angola e Portugal são excelentes),
revestiu-se de pompa e circunstância, tendo sido tomadas medidas de reforço do dispositivo de defesa e de segurança, pelo suposto clima
de fortes contestações aos resultados eleitorais.
Na verdade,
os preparativos decorreram em ambiente de fortes medidas de segurança,
sobretudo em Luanda, onde se registaram demonstrações de material bélico por
parte das forças de defesa e segurança, ante as contestações de cidadãos que
olhavam o cenário como ato de intimidação.
O analista de
política Albino Pakisi criticou esses excessos da demonstração de força, mas,
em reação, o Tenente General José Maria Marques disse que a movimentação das
forças e meios que se registavam em algumas artérias de Luanda visavam apenas a
preparação para a cerimónia da investidura do Presidente da República e
Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, descartando qualquer ato ou
intuito de intimidação.
O líder da UNITA não compareceu na
cerimónia em sinal de desconforto e de contestação pela decisão do TC, mas
garantiu que o seu partido marcaria presença na Assembleia Nacional, que seria,
aliás como foi, inaugurada no dia 16. Porém, sabe-se que o partido abandonou a
sessão inaugural do parlamento angolano em discordância do MPLA sobre a
indicação dos vice-presidentes da mesa e pelo facto de o Presidente da
República não ter falado nas eleições autárquicas. Com efeito, o partido
vencedor já não detém a maioria “esmagadora” ou qualificada, como dizem alguns,
mas continua com maioria absoluta. Não obstante, o MPLA já veio a terreiro
garantir que as eleições autárquicas se realizarão em 2024, como previsto.
***
No discurso
de tomada de posse, em sessão pública saudada pelos apoiantes, apesar das
alegações de fraude eleitoral, o chefe de Estado prometeu “ser o Presidente de
todos os angolanos” e governar em prol do desenvolvimento económico e social e do
bem-estar da população.
João Lourenço, felicitando o povo angolano, “o real e verdadeiro grande
vencedor” das eleições de 24 de agosto, “as mais disputadas eleições gerais da
história da jovem democracia angolana, elogiou os
angolanos por fazerem as melhores opções e escolherem “com muita responsabilidade
o futuro do seu país”. E, observando que os eleitores “apostaram na
continuidade como forma segura de garantir a paz, a estabilidade e o
desenvolvimento económico e social do país”, felicitou todos os partidos e
coligações pela sua participação nas eleições, “o que contribuiu para o fortalecimento
da nossa democracia”.
O Presidente
prometeu que, no segundo mandato, dedicará todas as suas forças e atenção à “busca
permanente das melhores soluções para os principais problemas do país, a
começar pelo setor social e pelo bem-estar da população”. Nestes termos,
continuará o investimento “no ser humano como principal agente do
desenvolvimento, na sua educação e formação, nos cuidados de saúde, na
habitação condigna, no acesso à água potável e à energia elétrica, no
saneamento básico”, bem como o incentivo e a promoção do setor privado da
economia, “para aumentar a oferta de bens e serviços de produção nacional,
aumentar as exportações e criar cada vez mais postos de trabalho para os
angolanos, sobretudo para os mais jovens”.
Continuando
“o cidadão em geral, o trabalhador e o jovem em particular” no centro das
atenções, João Lourenço assegurou que vai trabalhar para que a economia
angolana “possa garantir ao trabalhador um salário condigno e um poder de
compra que seja compatível com a capacidade de aquisição dos bens essenciais de
consumo da cesta básica”.
Também
prometeu continuar e concluir infraestruturas como o porto de águas profundas
do Caio em Cabinda, os aeroportos de Cabinda, de Mbanza Congo e o Internacional
António Agostinho Neto em Luanda, as refinarias de petróleo de Cabinda, do Soyo
e do Lobito, entre outros, e comprometeu-se a construir sistemas de captação,
tratamento e distribuição de água do BITA e da Quilonga para solucionar o
défice de água de Luanda, assim como os canais e barragens no âmbito da luta
contra os efeitos da seca no sul de Angola.
No âmbito da igualdade de género, defendeu a igualdade de oportunidades e
a promoção da mulher nos mais altos cargos do Estado, nos cargos públicos e de
liderança em diferentes setores da sociedade angolana.
E,
insistindo na prevenção e no combate à corrupção e à impunidade, que ainda
prevalecem, afirmou: “Vamos todos trabalhar na educação das pessoas para a
necessidade da mudança de paradigma, de vícios, más práticas e maus
comportamentos instalados e enraizados há anos.”
João
Lourenço disse contar com “a participação e o escrutínio de todos”, desde os
deputados, as organizações não-governamentais, as classes profissionais, os
sindicatos, o setor empresarial, os académicos, as Igrejas e os ‘media’.
Garantiu que
Angola continuará a trabalhar para proteger o planeta das alterações
climáticas, nomeadamente com programas de educação ambiental com vista a
desencorajar a desflorestação e as queimadas, com ações concretas de redução do
consumo dos derivados do petróleo e da utilização da lenha para consumo
doméstico ou industrial e com investimento em fontes limpas de produção de
energia como barragens, parques fotovoltaicos e projetos de hidrogénio verde.
Prometendo a melhoria
dos salários e das condições de aquartelamento dos militares “logo nos
primeiros dias” do seu Governo, pois a defesa da integridade territorial, da
soberania e da ordem pública “é sagrada para um país como Angola, que viveu
décadas de conflito armado, alcançou a paz e a estabilidade há vinte anos e
pretende preservá-las a todo custo”, disse: “A formação contínua dos efetivos,
assim como a melhoria das condições de aquartelamento das tropas e dos seus
salários, é algo a que nos dedicaremos logo nos primeiros dias da entrada em funcionamento
do executivo.” Por isso garantiu encontrar “as melhores soluções de financiamento para o reequipamento e modernização
das Forças Armadas Angolanas, para as colocar ao nível do prestígio granjeado
ao longo dos tempos”.
Por fim, é
de registar a preocupação pela paz mundial. Neste sentido, desafiou Rússia a dar o primeiro passo no
caminho para a paz. É um desafio diplomaticamente relevante, na medida
em que Angola nunca condenou a Rússia pela invasão da Ucrânia. Foi até um dos
35 países do mundo que não condenaram a invasão russa da Ucrânia, numa votação
na Assembleia Geral das Nações Unidas em março. Porém, no discurso de tomada de
posse, sustentou que a Rússia deve tomar a iniciativa de pôr fim ao conflito
com a Ucrânia para evitar o escalar do conflito e para abrir caminho à reforma
do conselho de segurança das Nações Unidas. A este propósito, referiu:
“Tendo em
conta a necessidade de se evitar o escalar do conflito, consideramos importante
que as autoridades russas tomem a iniciativa de pôr fim ao conflito [na Ucrânia],
criando assim um melhor ambiente para se negociar uma nova arquitetura de paz
para a Europa e abrir caminho à tão almejada e necessária reforma do Conselho
de Segurança das Nações Unidas”.
Em termos
gerais, disse que “a República de Angola tem sempre defendido a importância do
recurso ao diálogo e a resolução pacífica dos conflitos, primando pelo respeito
inequívoco do direito internacional”. E, focado na diplomacia, lembrou que
Angola tem desempenhado, “com algum sucesso”, um importante papel na resolução
de conflitos nas regiões da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
(SADC) e na Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos,
exemplificando com “o caso da República Centro-Africana, o conflito fronteiriço
entre o Ruanda e a República Democrática do Congo ou ainda entre o Uganda e o
Ruanda” – mas assegurando que “a solução depende sempre da vontade política”
das partes envolvidas.
***
O discurso é
promissor. Veremos como se vão cumprindo as promessas, redesenhando e
desenvolvendo os projetos. Entretanto, parafraseando o apelo do Secretário do
MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, é importante que todos os angolanos
mantenham sempre a serenidade e respeitem sempre a pessoas e as instituições
públicas.
2022.09.17 – Louro de Carvalho
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