É
o voto formulado na Declaração Final do VII Congresso de Líderes das
Religiões Mundiais e Tradicionais, que se realizou em Nursultan, no Cazaquistão,
de 13 a 15 de setembro e que foi encerrado no dia 15. O Papa Francisco participou
nas sessões plenárias de abertura e de encerramento, ouvindo e discursando.
Na sessão de
abertura oficial, o Bispo de Roma falou em nome da “fraternidade que a
todos nos une enquanto filhos e filhas do mesmo Céu”, numa comunhão
de criaturas livres que nos leva a crescer uns com os outros. E, considerando
que o congresso decorre “numa terra que, ao longo dos séculos, foi percorrida
por grandes caravanas” e que, nestes lugares, incluindo a antiga rota da seda, se
entrelaçaram “tantas histórias, ideias, crenças e esperanças”, fez votos para
que “o Cazaquistão continue a ser uma terra de encontro entre
quem está distante”, numa “rota fraterna para, juntos, caminharmos rumo à paz”.
Observando
que “chegou a hora de despertar daquele fundamentalismo que polui e corrói toda
a crença” e de “tornar límpido e compassivo o coração”, acentuou que “precisamos
de religião para responder à sede de paz do mundo e à sede de infinito que
habita o coração de cada homem” e reivindicou a liberdade religiosa –
que não se pode limitar à liberdade de culto, mas que deve incluir o direito de
professar publicamente a sua fé e de a propor (não impor) – “como condição
essencial para um desenvolvimento verdadeiramente humano e integral”. Por isso,
são de favorecer contextos de respeitosa convivência das diversidades religiosas,
étnicas e culturais como a forma melhor de valorizar os traços específicos de
cada um, de unir os seres humanos sem os uniformizar, e de promover as suas
aspirações mais altas sem cortar as asas ao seu impulso.
E
Francisco aproveitou o ensejo para deixar quatro desafios, convocando a todos “para
uma maior unidade de intentos”: ajudar os irmãos e irmãs a não esquecer
a vulnerabilidade que nos carateriza para não cairmos em falsas
presunções de omnipotência suscitadas por progressos técnicos e económicos, que
não bastam por si sós, mas para nos tornarmos artesãos da solidariedade e da
comunhão; lutar pela paz, tudo fazendo
para que ela nunca seja destruída, em vez de promovida; abraçar o estilo do acolhimento
fraterno, sem descartar quem quer que seja, em nome do lucro ou da
comodidade, mas receber, promover e integrar todos os que se sentem
desenraizados; e assumir claramente a custódia da casa comum, que é
preciso proteger ante as convulsões climáticas e a mentalidade da exploração, espelhada na desflorestação, no
comércio ilegal de animais vivos, nas explorações agropecuárias intensivas,
levando ao eclipse da visão respeitosa e religiosa do mundo desejada pelo
Criador, que impõe como “imprescindível favorecer e promover a custódia da vida
em todas as suas formas”.
***
O congresso,
organizado pela presidência do país, dividiu em grupos de trabalhos as mais de cem
delegações de participantes para analisarem o tema central sobre o papel dos
líderes no desenvolvimento espiritual e social da humanidade após a pandemia de
covid-19.
Na sessão de
encerramento, foi lida A Declaração Final,
documento que pensa nas gerações futuras para aumentar o diálogo e a paz no
mundo. E Francisco, que participou também nessa sessão, fez um discurso em que
falou sobre a Declaração Final, do
direito concreto da liberdade religiosa, do caminho urgente do diálogo
inter-religioso e do apelo para nos empenharmos pela paz e não pelos
armamentos.
De facto, o
documento, que visa ajudar a reforçar os pontos citados pelo Papa em discurso,
será compartilhado com autoridades, líderes políticos, figuras religiosas
em todo o mundo, bem como com importantes organizações regionais e
internacionais, organizações da sociedade civil e especialistas. E será distribuído
como documento oficial da 77.ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas,
podendo os seus princípios ser disseminados em todos os níveis regionais e
internacionais, para que “a paz e a prosperidade reinem em todos os povos e
países”.
O documento,
que representa a posição comum dos participantes do Congresso, é dividido em 35
pontos para “aumentar o diálogo entre confissões, religiões e civilizações”. E os
líderes declaram que o evento consigna “esforços conjuntos para reforçar o
diálogo civil em nome da paz e da cooperação”.
Sobre conflitos
militares, assume-se que são atos que geram tensões e reações em cadeia,
destruindo o sistema de relações internacionais. Além disso, “o extremismo, o
radicalismo, o terrorismo e todas as outras formas de violência e guerra, seja
qual for o seu fim, não têm nada a ver com a verdadeira religião e devem ser
rejeitados nos termos mais fortes possíveis”.
O pluralismo
e as diferenças de religião, bem como de raça, género e linguagem “são uma
expressão da sabedoria da vontade de Deus, com a qual Ele criou o homem”, razão
pela qual é inaceitável qualquer ato de coerção “para com uma determinada
religião ou doutrina religiosa”. O texto, que pede apoio para todas as
iniciativas que implementem o diálogo inter-religioso e interconfessional,
enfatiza a comunhão com os esforços das Nações Unidas e de qualquer outra
entidade para promover o diálogo entre civilizações, religiões e nações; exorta
os Estados a garantir condições de vida dignas para os seus cidadãos e a
reduzir a discrepância de bem-estar entre os diferentes países do mundo;
encoraja a preservação dos valores espirituais e das diretrizes morais nas
sociedades; e reconhece a importância do papel dos líderes das religiões e da
diplomacia religiosa. Assim, devem ser “o objetivo de toda pregação religiosa”
a tolerância, o respeito e a compreensão mútua.
A pari, exige a
não identificação do extremismo e do terrorismo com nações e religiões amantes
da paz; a expansão do papel da educação e instrução religiosa; o reforço da
instituição familiar; a igualdade de género nas sociedades e a proteção da
dignidade e dos direitos da mulher; e o apoio às áreas do mundo afetadas por
conflitos militares e desastres naturais ou causados pelo homem.
Os líderes
das religiões do mundo assinaram o documento na promessa de dar novos passos em
favor da paz e reconhecendo a importância e o valor do Documento sobre a Fraternidade Humana de Abu Dhabi, assinado em 2019 pelo Papa e pelo Grão Imame de
Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyib.
No seu
último discurso no Cazaquistão, que concluiu o VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais,
Francisco comentou a Declaração Final,
que enaltece a liberdade religiosa como um direito concreto e o diálogo inter-religioso
como caminho urgente, insubstituível, necessário e sem retorno.
O Papa
agradeceu a todos por “caminharem juntos” durante esta visita ao país, através
da riqueza de crenças e culturas da população, “testemunha de tantos
sofrimentos passados”, mas que oferece um exemplo de futuro com “a
multirreligiosidade e multiculturalidade extraordinárias” – tudo “sob o signo
do diálogo, ainda mais precioso neste período tão difícil sobre o qual se grava,
para lá da pandemia, a loucura insensata da guerra”. Discorreu o Santo Padre:
“Há demasiados ódios e
divisões, demasiada falta de diálogo e de compreensão do outro. Isto, no mundo
globalizado, é ainda mais perigoso e escandaloso. Não podemos avançar assim,
ora unidos ora separados, ora interligados ora dilacerados por demasiadas
desigualdades. Obrigado, pois, pelos esforços que visam a paz e a unidade.”
Lembrando
que o lema da viagem, Mensageiros de paz e de unidade, “está no plural, porque o caminho é
comum” e tem sido abraçado desde o início da história do Congresso, em 2003,
até à Declaração Final, deste ano,
segundo a qual “o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e qualquer outro
incentivo ao ódio, à hostilidade, à violência e à guerra nada têm a ver com o
autêntico espírito religioso e devem ser rejeitados nos termos mais decididos
que for possível”. Além disso, acrescentou o Pontífice, o respeito mútuo deve
ser essencial, “independentemente da sua pertença religiosa, étnica ou social”.
Por isso, a
Igreja Católica crê na “unidade da família humana” e que “os homens constituem
todos uma só comunidade”. Assim, desde o início destes congressos, a Santa Sé, sobretudo
através do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, é participante ativo. Com
efeito, “o caminho do diálogo
inter-religioso é um caminho comum de paz e para a paz”, necessário e sem
retorno, pois não se trata apenas de “uma oportunidade”, mas de “um serviço
urgente e insubstituível à humanidade, para louvor e glória do Criador de todos”.
Maia: o Papa assegurou que “o homem é também o caminho de todas as
religiões” – o ser humano concreto, frágil e maravilhoso, “que, sem o Criador,
se obscurece e, sem os outros, não subsiste”. E destacou o espírito que permeia a Declaração
Final em três palavras: paz, mulher e jovens. A
paz, além de urgente “é a síntese de tudo, a expressão dum grito do coração, o sonho
e a meta do nosso caminho”. A mulher,
que “é caminho para a paz”, precisa ter a dignidade defendida a condição
social melhorada. E os jovens, que são “os mensageiros de paz e de unidade de
hoje e de amanhã”, precisam de que lhes coloquemos nas mãos “oportunidades de
instrução, não armas de destruição”, de que os escutemos sem medo de nos deixar
interpelar por eles e, sobretudo, de que edifiquemos um mundo pensando neles e
com eles.
2022.09.15 – Louro de Carvalho
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