Avolumam-se, cada vez mais, as necessidades de todo o
tipo que afetam a população de Gaza e cresce o número de habitantes que já não
têm que comer. Com efeito, a ajuda que entrou naquele território palestiniano
caiu para metade, relativamente a janeiro, de acordo com a agência da Organização
das Nações Unidas (ONU) que ali presta ajuda aos refugiados (UNRWA).
“A ajuda deveria aumentar e não diminuir”, para
satisfazer as enormes necessidades dos dois milhões de habitantes da Faixa de
Gaza, que vivem em condições de desespero, afirmou, na rede social X (antigo Twitter), Philippe Lazzarini, comissário-geral da organização,
atribuindo a redução à insegurança decorrente das operações militares das
tropas israelitas, que levaram ao colapso da ordem civil e à falta de vontade
política para fazer entrar ajuda em segurança.
Escrevendo na mesma plataforma, a 25 de fevereiro,
Lazzarini disse que, apesar de ter alertado, com outras agências da ONU, para a
situação de fome iminente e de ter apelado ao acesso humanitário regular, desde
o dia 23 que não entrava no território qualquer ajuda. “Os nossos apelos foram
negados e depararam com ouvidos surdos”, denunciou.
De resto, ao longo de fevereiro, o número de camiões
com ajuda que lograram autorização não atingiram a centena. “Às vezes, a UNRWA
teve de interromper temporariamente o descarregamento dos fornecimentos devido
a questões de segurança […] severamente afetada, devido à morte recente de
vários polícias palestinianos em ataques aéreos israelitas”, lamentou.
No entanto, continua latente a ameaça de uma ofensiva,
em larga escala, das tropas israelitas sobre Rafah, onde se calcula estarem
abrigados cerca de milhão e meio de pessoas. Operações terrestres e combates
intensos continuam na Faixa de Gaza, sobretudo em Deir al Balah e Khan Younis. E
mais de dois milhões de pessoas enfrentam crises ou níveis piores de
insegurança alimentar.
Enquanto isso, só uma das três condutas de água de
Israel está operacional, mas com menos de metade da capacidade. Para piorar a
situação, 83% dos poços de águas subterrâneas estão inoperacionais, tal como a
totalidade dos sistemas de tratamento de águas residuais. Na região norte de
Gaza, “não há acesso a água potável”.
Não raro, perante descarga de rações alimentares em
alguns pontos do território, há cenas de luta violenta entre os necessitados de
comida e de bebida. É a necessidade de sobrevivência.
***
Entretanto, enquanto prossegue a guerra de Israel em
Gaza e na Cisjordânia e aumenta o sentimento de insegurança, realizou-se, em
Jerusalém, a tradicional Via Sacra da segunda semana da Quaresma. Assim, a 23
de fevereiro, mais de mil crianças e jovens que frequentam as escolas cristãs
da cidade, acompanhados de inúmeros familiares e de professores, percorreram as
ruas de lenços brancos na mão, pedindo a paz para todo o Mundo e, em especial,
para a Terra Santa. Neste ano, sob “A Via Sacra… Um Caminho de Paz”, a
procissão que recorda a via de Jesus carregando a cruz foi organizada pela
Custódia da Terra Santa e envolveu 12 instituições (incluindo duas escolas da
Igreja Anglicana e a escola da Igreja Apostólica Arménia) e vários grupos
católicos.
“Podemos dizer que foi uma Via Sacra ecuménica, havia
praticamente todas as igrejas, portanto, cristãos de todas as confissões unidos
em oração, unidos no desejo de percorrer a via que Jesus percorreu para nos
salvar. E o nosso desejo é caminhar com Ele, como seus discípulos, como
discípulos de Jesus, invocando o dom da paz, pois sabemos que Jesus morreu pela
reconciliação da Humanidade. E, portanto, não há oração melhor do que, ouso
dizer, a que celebra a paixão e a morte de Jesus, para invocar o dom da paz”,
declarou ao Vatican News, a 26 de
fevereiro, o padre Francesco Patton, Custódio da Terra Santa.
A Via Sacra começou na Igreja da Flagelação e
terminou na Igreja de São Salvador. As primeiras oito estações
corresponderam ao percurso tradicional da Via Dolorosa de Jesus. Em cada
estação, a seguir à leitura bíblica e à oração, duas crianças soltaram um par
de pombas, sinal dos desejos de paz e de liberdade. “Todos rezaram para que
esta guerra acabe. Rezaram pelos seus irmãos que estão em Gaza, que morrem de
fome, de sede, de frio. Muitos estão feridos, não têm possibilidade de tratamento.
Hoje foi um dia de clamor ao Senhor pela paz”, observou o padre Ibrahim Faltas,
vigário custodial e diretor das Escolas Terra Santa, que também participou.
O padre Faltas enfatizou a importância da liberdade de
culto à luz de relatórios recentes que sugerem que o governo israelita está a
considerar restringir o acesso à Esplanada das Mesquitas-Monte do Templo no mês
do Ramadão. “Jerusalém deve estar aberta a todos; essa é a sua
natureza. As pessoas não podem ser impedidas de ir rezar, em qualquer
idade. Todos têm o direito de orar nos seus locais de culto. Se no Ramadão
as pessoas não conseguirem chegar às mesquitas, será um problema significativo”,
declarou à Catholic News Agency.
Por sua vez, o padre Francesco Patton considerou: “Nos
momentos em que parece que as pessoas não conseguem chegar a um acordo, devemos
bater com mais insistência à porta de Deus com as nossas orações, para que
aqueles que devem e podem oferecer uma solução para esta guerra possam ser
guiados de volta à razão.”
***
Longe de Jerusalém, no âmbito católico, a Pax Christi dos Estados Unidos
da América (EUA), em cooperação com cerca de uma dúzia de organizações, promoveu,
na Quarta-feira de Cinzas, junto à Casa Branca, em Washington, uma celebração
que marcou o início da campanha quaresmal pelo cessar-fogo em Gaza, que se
compõe de “uma série de ações estratégicas semanais não violentas […], para
apelar ao católico presidente Biden e aos membros do Congresso, em especial aos
que são cristãos, a que sigam o caminho de Jesus de amor corajoso, [e para os exortar]
a apelarem, publicamente, a um cessar-fogo bilateral, para [se] evitar a perda
de mais vidas, e a apoiarem a desmilitarização, em vez de fornecerem mais ajuda
militar ou armas a Israel”.
Pressionam os políticos dos EUA, em especial os cristãos, a
“concentrarem-se na libertação dos reféns israelitas e dos prisioneiros
palestinianos detidos sem um processo justo” e a “apoiarem uma forte
assistência humanitária e o reinício do financiamento do governo dos EUA à
UNRWA, a agência da ONU que apoia os refugiados palestinianos”. Na verdade, os
responsáveis deveriam “trabalhar no plano diplomático para pôr fim ao cerco a
Gaza e à ocupação do Território Palestiniano, a fim de abordar as causas
profundas da violência, responsabilizar-se pelos danos causados e levar todas
as partes a uma paz duradoura e justa que proteja todas as vidas humanas e
garanta a segurança e a sustentabilidade a longo prazo no Médio Oriente”.
Outras organizações cristãs, em várias partes do Mundo, também aproveitam a
Quaresma para realizarem peregrinações pela “via dolorosa da solidariedade”, em
que os passos da Paixão de Cristo são inspiração para a proximidade às vítimas
da guerra na Palestina.
“A nossa oração é que, nesta Quaresma, ao meditarmos na vida e na Paixão de
Jesus, possamos aprofundar a nossa solidariedade com o que os nossos irmãos e
irmãs palestinianos vivem diariamente”, refere um dos sites promotores, vincando: “Estamos empenhados em levar a sério o
duro testemunho do corpo de Cristo na Palestina sobre a verdade do que está a
acontecer”.
Tal como as organizações israelitas de defesa dos direitos humanos e os
grupos pacifistas judeus, também eles querem afirmar, com rigor, que aquilo a
que os Palestinianos estão a ser sujeitos se enquadra na definição de apartheid e de ocupação militar.
Acolhendo o saber dos especialistas que, na esmagadora maioria, identificam a
intenção genocida na guerra em curso, estão empenhados na sua prevenção. Como
Jesus ensina, tentam que o ‘sim’ signifique ‘sim’ e falar a verdade. Fazem-no,
seguindo o exemplo de tantos Palestinianos, incluindo os cristãos, que têm
estado na linha da frente do movimento não-violento, apelando a um cessar-fogo
duradouro e ao fim da ocupação, para que possa começar uma paz reparadora.
***
As lideranças de organizações de diferentes religiões terminaram, a 21 de
fevereiro, junto à Casa Branca, uma peregrinação de oito dias para pressionar
Biden a exigir de Israel o cessar-fogo na Faixa de Gaza. A caravana pelo fim desta
guerra, que reuniu líderes religiosos, ativistas e artistas, começou a 14 de
fevereiro e fez paragem, no percurso, em várias cidades dos EUA.
Foram organizadores o Conselho Nacional das Igrejas de Cristo nos EUA;
Rabbis pelo Cessar-Fogo, Fé para as Vidas Negras; e o Capítulo de Filadélfia do
Conselho para as Relações Americano-Islâmicas. E contou com o apoio de dezenas
de organizações, como a Voz Judaica para a Paz, a Fundação do Instituto
Árabe-Americano, a Pax Christi dos EUA; os Aliados Judaico-Cristãos para uma Paz
Justa em Israel e Palestina e o Ano-Violência Internacional.
Em proclamação citada pela Pressenza –
International Press Agency –, os organizadores pediam a Joe Biden e ao
Congresso que “deixem de financiar o armamento de Israel e dediquem os seus
esforços a aumentar a ajuda humanitária à Palestina”. “É nossa responsabilidade
coletiva advogar por uma solução pacífica e defender os princípios da justiça e
da compaixão. Ou semeamos sementes de não-violência hoje, ou colheremos a
inexistência amanhã”, vincaram.
***
Também o secretário-geral do Conselho Mundial de
Igrejas (CMI), Jerry Pillay, se empenhou, a 100%, na que designou de “missão
especial”. Este líder, que representa 352 igrejas protestantes, ortodoxas, anglicanas
e evangélicas em todo o Mundo, esteve em Israel e na Palestina, para “tornar
mais forte” e audível o apelo “por uma paz justa” na região. Para isso,
reuniu-se com líderes religiosos, sociais, e políticos, destacando-se um
encontro com o presidente palestiniano, Mahmoud Abbas e outro com o Presidente
israelita, Isaac Herzog.
Abbas garantiu que “o seu governo está preparado para
participar em processos de diálogo com o governo israelita, a fim de
estabelecer um futuro pacífico e estável para todas as pessoas”. E alertou, em particular,
para a “necessidade de obrigar Israel a parar os ataques a santuários e a propriedades
islâmicas e cristãs em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia”. E, elogiando os
esforços do CMI para “apoiar o povo palestiniano na conquista da sua liberdade
e independência”, sublinhou “a urgência imediata de um cessar-fogo”. Isaac
Herzog, por sua vez, concordou com a “importância de trabalhar para um
cessar-fogo e do papel das religiões na ajuda à criação de um Mundo em que
existam paz, segurança e proteção para todas as pessoas e para a criação”.
Em conversa “muito franca, justa e cordial”,
Pillay expressou a sua preocupação com a perda de mais de 27 mil vidas em Gaza,
na maioria mulheres e crianças, reiterou que a violência e as guerras não são a
solução para nenhum problema e frisou a necessidade de diálogo para acabar com
a guerra e criar um futuro melhor para os povos de Israel e da Palestina.
Também levantou questões conexas com a liberdade de
religião e da prática religiosa, evocando um relatório sobre as restrições
adicionais previstas pelo governo israelita no Ramadão. Referiu a informação
partilhada em encontro de chefes de Igrejas na Terra Santa sobre o tratamento
desrespeitoso aos cristãos da parte de jovens extremistas israelitas, o que o presidente
israelita reconheceu e que censurou por “inaceitável”, estando o caso a ser
abordado.
Partilhando a preocupação com o bloqueio da ajuda
humanitária, foi-lhe garantido que as necessidades de ajuda estão a ser
atendidas pelo governo e por organizações israelitas.
No final desta “missão especial” – que incluiu
encontros com os dois chefes de Estado, o encontro com os patriarcas e chefes
das Igrejas em Jerusalém, a visita à Igreja do Santo Sepulcro, um almoço no
Clube de Escuteiros Árabes Católicos, a reunião com o Comité Cristão
Internacional, e um encontro com o xeque Azzam Khatib, diretor do Waqf Islâmico
em Jerusalém –, reconheceu que “não é uma tarefa fácil encontrar soluções
viáveis e justas” para o conflito.
Porém, avisa que a violência não dará paz e insta a que
as potências envolvidas procurem o cessar-fogo imediato e iniciem diálogos para
estabelecer paz, segurança e proteção justas em Israel e na Palestina. E apela
à comunidade internacional, mormente aos líderes políticos, a que apoiem estes
esforços e ajam com urgência.
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Entretanto, Joe Biden dizer acreditar num cessar-fogo
e ter advertido Israel para excessos cometidos, mas mantém o apoio logístico e diplomático.
Por outro lado, era bom que os decisores, que não deviam precisar das religiões
para fazerem a paz, fossem sensíveis a esta movimentação religiosa pela paz.
2024.02.28 – Louro de Carvalho
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