Os partidos políticos têm dificuldade em apresentar
propostas concretas e eficazes sobre o correto posicionamento de Portugal nos
conflitos em curso na Ucrânia e em Gaza e, ultimamente, no Mar Vermelho, quando
o país tem compromissos internacionais, designadamente com a Organização das Nações
Unidas (ONU), com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), com a
União Europeia (UE) e com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP),
sobretudo países africanos, no âmbito da cooperação.
É certo que os problemas internos – habitação,
pensões, educação, economia, saúde, salários, impostos, envelhecimento da
população, etc. – são o que preocupa os cidadãos, mas Portugal não é uma ilha,
pelo que deve articular-se com o resto do Mundo, sobretudo com a ONU e com os
países e as organizações com que tem afinidade histórica, geográfica e
estratégica.
Ora, para lá das diferenças ideológicas em relação à
NATO e à UE, os programas partidárias não sugerem soluções inovadoras para os problemas
estruturais das Forças Armadas (FA). A Defesa continua a responder mal à
pressão mediática e só as declarações de Donald Trump sobre países devedores à NATO e o
desprezo que mostra para com a UE trouxeram o tema ao debate.
A guerra na Ucrânia conta quase dois anos e o conflito
em Gaza vai no quinto mês. Apesar da atenção mediática que os dois focos de
instabilidade internacional despertam, a política externa e a de Defesa têm
sido ângulos quase nulos na campanha para as próximas eleições legislativas.
Além de remetidos para o epílogo dos programas eleitorais, andaram praticamente
arredados dos debates televisivos, até Donald Trump dizer que, se for eleito presidente
dos Estados Unidos da América (EUA), encorajará a Rússia a fazer o que
quiser com países devedores da NATO.
O compromisso de investimento de 2% do produto interno
bruto (PIB) na Defesa, assumido, em 2014, na cimeira de Gales, pelos
Estados-membros da NATO para uma década (até 2024) é pouco ou nada referido nos
programas eleitorais, pelo menos, de forma específica e calendarizada. Em 2023,
o governo português consignou 1,48% à Defesa, apontando 2030 como o ano para
atingir a meta, incumprindo em seis anos o compromisso assumido.
Referências mais ou menos explícitas ao Leste europeu
e ao Médio Oriente e ao enquadramento de Portugal em organizações como a ONU, a
NATO e a UE constam nos programas dos oito partidos com assento parlamentar. As
posições vão do aprofundamento da
participação nacional na NATO, caso do Partido Socialista (PS), à saída da
NATO, casos do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE),
passando pelo reconhecimento da Palestina como Estado independente, defendido
pelos partidos à esquerda do PS, incluindo o Livre e o partido
Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Neste último caso, o PS defende, “intransigentemente,
a solução de dois Estados” e contribuirá, “no quadro das instituições
internacionais, para a promoção de uma paz justa e estável através da
convivência de um Estado palestiniano e de um Estado israelita, vivendo lado a
lado em paz e segurança”.
A Ucrânia é referida em todos os programas, exceto nos
do Chega e do PCP, em que o nome surge
uma vez e em menção meramente circunstancial. O PS continuará a
contribuir para a autodefesa da Ucrânia, como caminho para uma paz justa e
estável e para sancionar a Rússia. A Aliança Democrática (AD) – que integra o
Partido Social Democrata (PSD), o partido do Centro Democrático Social (CDS),
sem representação parlamentar, e o minúsculo Partido Popular Monárquico (PPM) –
continuará a “acompanhar a defesa da
Ucrânia, na linha das diretrizes europeias”, e o processo de
alargamento da UE. A Iniciativa Liberal (IL) põe a tónica na entrada da Ucrânia
na UE. O Livre diz “apoiar a Ucrânia na defesa contra a invasão russa”. O BE defende
a “criação de uma Cimeira pela Paz na Europa, para um fim negociado da invasão
russa à Ucrânia, em alternativa à escalada armamentista”. E o PAN quer “uma
avaliação internacional independente dos danos ambientais causados pela invasão
russa da Ucrânia” e “a participação de Portugal no financiamento e
operacionalização de tais medidas”.
Quanto à guerra em Gaza, o BE advoga uma “iniciativa
para investigação e julgamento do Governo de Israel por crimes de guerra e de genocídio”.
O PCP aponta “as opções erradas do governo PS que, de braço dado com toda a
direita (e, por vezes, com partidos à esquerda), colaboram e apoiam a criminosa
e belicista política dos EUA, da UE e da NATO na guerra da Ucrânia e de
genocídio na Palestina”. A referência do Chega à Ucrânia é mais circunstancial,
ou seja, depender dos outros para nos alimentarmos é facto que o conflito torna
ainda mais evidente.
Quanto à NATO, o PS defende o aprofundamento da
participação portuguesa em diversas instâncias multilaterais (incluindo a NATO);
a AD propõe-se divulgar as atividades da NATO, para a “aproximar dos cidadãos”;
o Chega elege como prioridade “aumentar o investimento na Defesa Nacional,
cumprindo as metas orçamentais decorrentes dos compromissos com a NATO e da UE”;
e a IL vai no mesmo sentido.
O PCP propõe a “dissolução dos blocos
político-militares, designadamente da NATO, com a qual o processo de
desvinculação do país das suas estruturas deve estar articulada”, e a rejeição
da nossa participação militar em “missões de ingerência e agressão contra
outros povos”. Tal posição rejeição estende-se à “militarização da UE” e ao
“incremento dos meios financeiros alocados à escalada armamentista”. Já o BE defende a saída de Portugal da NATO,
um “desarmamento negociado e multilateral” e “a conversão da Base das Lajes num aeroporto
plenamente civil, exigindo aos EUA as indemnizações devidas pelos danos
ambientais e sociais causados”.
A NATO não é referida uma única vez nos programas do
Livre e do PAN.
A situação interna merece atenção nos programas, que
surgem depois de, em carta entregue, em janeiro, ao Presidente da República e
aos diversos grupos parlamentares, o Grupo de Reflexão Estratégica Independente
(GREI) ter alertado para a “insustentável situação” dos militares das FA. “No
contexto atual em que se agravam as situações de guerra no Mundo e às portas da
Europa, é grave que não se tenha ainda ouvido uma palavra sobre Defesa e Forças
Armadas por parte de nenhum dos partidos políticos”, lamenta o almirante Melo
Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Armada (2005-10) e presidente da Assembleia
Geral do GREI, citado pelo Diário de
Notícias.
O documento – da lavra de ex-chefes militares, a
suprir o que os chefes em exercício não podem dizer, segundo o estatuto –
sustenta que é “ao nível da seleção, do recrutamento e da retenção que as
dificuldades que se sentem são maiores e mais gravosas”. Para os signatários,
“a vontade política” dos governos tem conduzido a uma situação “inadmissível”,
que “importa reverter tão breve quanto possível e antes que seja demasiado
tarde e de consequências ainda mais gravosas para a Defesa Nacional (e sinais
disso mesmo, convenhamos, já vão surgindo)”.
No entanto, não há especial rasgo na rubrica da Defesa,
nos programas eleitorais. O elemento mais relevante, da parte do
PS, é a necessidade de desenvolver capacidades europeias de Defesa, isto é, do
aprofundamento da Segurança e Defesa europeias. É algo novo na política externa
portuguesa, que tem priorizado a NATO nestas matérias. Haverá, pois, uma suave
mudança de posição, no sentido de, independentemente da NATO, se assumir o
aprofundamento da Segurança e da Defesa europeias. A AD tem menos elementos marcantes,
face ao programa do PS.
O Chega afirma que é vital Portugal
permanecer na UE, mas quer manter intactas as caraterísticas de base de um Estado
soberano: Defesa, Segurança, Justiça, Assuntos Internos, Política externa, Economia.
É uma contradição insanável. Também a IL tem posição desdizente da proposta
tradicional dos partidos neoliberais, porque estes propalam a necessidade de um
Estado mais magro e exíguo. Ora, defender que Portugal deve investir bastante
mais em Segurança e em Defesa não encaixa no discurso de um partido neoliberal.
O PCP, com a Coligação
Democrática Unitária (CDU) tem uma posição mais tradicional nas relações
internacionais, vincando a solidariedade e pondo em cima da mesa questões como
a Palestina ou o Sara Ocidental, mas sabendo que há limite para a ingerência na
vida política interna dos outros Estados. E o Livre defende, de forma explícita,
o reconhecimento da Palestina como Estado independente. E essa é a grande
diferença, por exemplo, em relação ao PS. No espectro destes partidos, o Livre
está mais próximo do PS do que do BE ou da CDU.
***
As declarações de Trump sobre a Rússia e os países
devedores à NATO levaram Jens Stoltenberg, secretário-geral da Aliança
Atlântica, a clarificar que 18 dos 31 países da NATO já investiram, pelo
menos, 2% do PIB na Defesa. E trouxeram o tema para os debates em Portugal.
No debate a dois, Pedro Nuno Santos defendeu o
cumprimento do objetivo dos 2%, por se tratar de um compromisso internacional,
mas apelou à mobilização da indústria nacional em linha com a sua proposta de
desenvolvimento de setores específicos da Economia; e Mariana Mortágua referiu
que o reforço dos mecanismos de Defesa e de Cooperação deve ser feito no quadro
da UE, defendendo uma auditoria ao investimento nesta área para que este seja
“transparente”.
Já no debate com Paulo Raimundo, Mortágua tinha
afirmado que a UE precisa de ter voz própria na cooperação para a Defesa, que
deixe de servir interesses de outras potências como os Estados Unidos [da
América]”.
No frente a frente PCP-Livre, o tema mereceu
comentários dos dois líderes focados na guerra na Ucrânia. Raimundo disse que
“estranharia que o PCP fosse penalizado” nas urnas por defender a paz e
insistiu que os intervenientes não se limitam à Ucrânia e à Rússia, mas incluem
a NATO, os EUA e a UE, sendo necessário encontrar uma solução de paz e não uma
escalada do conflito. Para Rui Tavares, a UE é a única hipótese que os Europeus
têm para fazer face à “instabilidade” e garantir uma “união contra todos os
imperialismos”, russo ou norte-americano. “Não podemos abandonar a Ucrânia”,
declarou ainda.
Não há propriamente coragem nem transparência
identifica nos programas ou nos debates. A AD e o PS são ambíguos. Reafirmam os
compromissos com a NATO e a UE, referem o contexto geopolítico, que é preciso
acautelar e para o qual Portugal deve estar à altura, mas, na prática, não
dizem, por exemplo, o que significa e como chegar aos 2% do PIB para a Defesa. Procuram ter uma política de defesa que aponta
o reforço do investimento, a modernização, as novas ameaças (ciber), mais
reservas, o incentivo ao recrutamento e a cooperação com alianças, mas sem
grandes inovações e com compromissos difusos que levantam dúvidas quanto a
implementação efetiva.
Os outros partidos tratam a Defesa, sobretudo, “como
política social (Chega, PCP, BE e Livre) ou como política económica (IL),
mostrando quererem mais e melhores salários e subsídios, mais peso para associações
profissionais”, mas sem dizerem para que temos as FA.
É natural que os programas eleitorais tenham uma
componente forte de resposta às preocupações prioritárias dos cidadãos. Contudo,
o tempo e o modo das campanhas eleitorais deixam pouco espaço para debater
estratégias de médio e longo prazo e questões estruturais. Os debates fixam-se
mais nos ataques aos erros e incompetências dos adversários, sendo as questões
relevantes abordadas pela rama e, não raro, bloqueadas pelos moderadores, que
insistem em pormenores.
O que preocupa os Portugueses é o aumento do custo de
vida, a saúde, a habitação e os impostos. Todavia, as questões da Defesa podem
impactar o quotidiano das pessoas, pois, em contexto de conflitualidade, há
perturbação nas cadeias de valor e os preços dos produtos aumentam, o que faz
parte do quotidiano e evidencia a primeira prioridade: o aumento do custo de vida.
2024.02.19 – Louro de Carvalho
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