Sempre que há
eleições de interesse nacional – presidenciais, legislativas, europeias (não
refiro as autárquicas, pois, excetuando os municípios de Lisboa ou do Porto e,
episodicamente, o de outra grande cidade, têm interesse local) –, os órgãos de
comunicação social organizam debates entre os diversos candidatos no sistema de
frente a frente e, às vezes, entre todos os candidatos.
Habitualmente,
os candidatos a Presidente da República (PR) exprimem-se como entendem, sem que
os jornalistas e os comentadores lhes criem grandes ruídos na comunicação, a
não ser em casos excecionais. Nas eleições para o Parlamento Europeu (PE),
praticamente não se fala das questões europeias; ao invés, é usual aproveitar a
campanha para fazer o ajuste de contas com o governo em funções, no alinhamento
com (ou ao arrepio da) maioria parlamentar.
Já para as
eleições legislativas – de escolha dos deputados à Assembleia da República
(AR), da qual dimanará o governo, em condições a aferir pelo PR – a situação
torna-se mais complexa.
Não estão
agora, diretamente, em causa políticas mundiais ou europeias, tidas como
bastante longínquas, nem projetos pessoais, face ao país que temos, ou as
funções restritas que a Constituição da República (CRP) reserva para o chefe de
Estado.
Na preparação
das eleições legislativas, discutem-se projetos de governação e luta-se por
lugares na AR, a qual, segundo o nosso ordenamento político-constitucional, se
arvora ao estatuto de casa da maior representação possível dos cidadãos
portugueses. Por isso, organizam-se debates a nível nacional, em rádio e
televisão, com os líderes dos diversos partidos, mormente com os líderes dos
partidos com assento parlamentar, e dá-se vez e voz a todos os partidos nas
páginas dos jornais. Além disso, organizam-se debates em cada círculo eleitoral
(nos 18 distritos do Continente, nas duas Regiões Autónomas, no círculo da
Europa e no circulo de fora da Europa), em que intervêm os cabeças de lista; e
há tempos ou espaços de antena nos meios de comunicação social.
Ora, eu
gostaria de ver e de ouvir os candidatos e creio que os cidadãos, em geral, também
gostam e precisam de os ouvir. Porém, cria-se tal ruído em torno da sua
comunicação que é difícil percebê-los.
Antes de
mais, os candidatos interrompem-se e mutuamente e acusam-se, também mutuamente,
de serem interrompidos. Por outro lado, passam demasiado tempo no ajuste de
contas com governações passadas, com sentido de voto diferente do que agora
defendem, com alegadas faltas de competência ou de experiência e com o
enrolamento de algumas verdades em meia dúzia de inverdades ou de meias
verdades. Assim, pouco tempo resta para a apresentação e clarificação das suas estratégias
e propostas.
Depois, vem o
papel dos moderadores de debate. Em vez de levantarem, sucintamente, as
questões e distribuírem, equitativamente, o tempo pelos intervenientes,
jugulando as interrupções (têm de ter habilidade para isso), insistem nas
questões, encarecem pormenores, acusam o candidato que não respondeu
minimamente e questão e, às vezes, tentam conduzir o debate, deixando entrever
tendências pessoais ou partidárias. Sei que é difícil o papel do moderador, mas
é necessário que seja bem desempenhado. O
moderador deve saber gerir o tempo de debate.
E, quando
três operadoras de televisão organizam um debate mais longo com os ditos dois
principais candidatos, dos quais só um deles virá ao ser primeiro-ministro (PM),
cada um dos três moderadores quer marcar posição ou fazer render o peixe, em
nome próprio ou da estação de televisão que serve.
Sobre o
moderador ou entrevistador que tenta condicionar a resposta, recordo o sucedido
com Álvaro Cunhal e Margarida Marante, in
illo tempore. A entrevistadora disse que o entrevistador não respondera à
pergunta, dando a entender que pretendia um determinado tipo de reposta. Porém,
Cunhal retorquiu: “À senhora cabe orientar a pergunta e a mim cabe orientar a
resposta.” (cito de cor) E sobre o espaço que o moderador deve dar aos
intervenientes num debate, ficou famoso o remoque de Álvaro Cunhal a uma farpa política
de Mário Soares, sei interlocutor: “Olhe que não, senhor doutor, olhe que não!”
(cito de cor)
Depois de
cada debate, vem o esquadrão de repórteres, a mostrar as entradas e saídas dos
candidatos, eventuais episódios de bastidores ou de rua, e de comentadores
(jornalistas e ou políticos). A reportagem de rua e de bastidores pode não ter
interesse, mas é inócua. Não são assim os comentários, que têm feito perverso.
É passar um
atestado de menoridade ou de incompetência aos ouvintes ou aos telespectadores,
enxamearem de comentários os temas que foram objeto de debate. Cada cidadão que
viu e ouviu deve ter o ensejo (direito e dever) de tirar as suas conclusões.
Entendo que seja útil uma súmula do que foi dito, mas não um outro debate longo,
em que pontificam posições pessoas e partidárias dos comentadores. Os cidadãos,
tratados como ignaros, ficam perplexos com o que ouvem e são levados a
acreditar nos comentadores, em vez de acreditarem nos candidatos.
Recordo que,
a princípio, gostava muito dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI.
Nem sempre concordava com o comentador, mas ele dava a panorâmica do que tinha
sucedido na semana. E confesso que até aprendi bastante. Porém, irritavam-me
duas coisas. Quando queria encerrar uma questão, sentenciava: “Ponto final,
parágrafo!” Tique de professor primário a ditar. E, como pretexto para esmiuçar
a resposta a uma determinada questão, dizia: “É preciso explicar ao povo, as
pessoas não entendem…” Ou: “O povinho não entende!” Presunção excessiva.
Não juro, mas
creio que tudo isto é propositado. Os grupos económicos que administram
estações de rádio e de televisão tentam organizar-se para orientarem o sentido
de voto dos eleitores, tal como as diversas empresas de sondagens. Todos dizem
que as sondagens valem o que valem, mas elas são publicadas dia após dia, mesmo
em campanha eleitoral. Houve tempo em que era proibida a sua publicação no
tempo mais forte da campanha eleitoral. Porém, como tal proibição estava
conotada com legislação do dito “Verão Quente” de 1975, teve de ser revogada,
tal como foi reformulada a legislação sobre reportagem de congressos e sobre tempos
de antena, em nome de um novo pluralismo e da suposta maior liberdade de expressão
e de informação.
Pior do que
tudo isto, é a avaliação que um grupo alargado de jurados dá à prestação de
cada candidato no debate, chegando à conclusão, por vezes, unânime de que foi
este candidato que ganhou o debate e foi o outro que perdeu. Às vezes, vem o
empate baralhar os ânimos.
Ora tudo se
faz em nome do pluralismo, mas é um pluralismo aparente e enviesado, pois,
disfarçado de prestação de serviço público de esclarecimento ao eleitor,
pretende condicionar o voto. Alguns eleitores dispensam-se de ouvir e ou de ver
os debates, bastando-lhes saber, no dia seguinte, quem ganhou o debate.
Depois,
admiramo-nos do crescimento da abstenção e do desinteresse dos cidadãos pela
política!
***
Em quase
todas as campanhas eleitorais, mormente para as eleições legislativas, se tem
afirmado que os debates são pobres, superficiais e que não abordam as questões
que mais interessam. Por isso, fiquei espantado, ao ouvir um comentador
político televisivo dizer que os debates eram bons, desta vez, e que os
candidatos estiveram bem. Não sei se já mudou de ideias. No entanto, devo dizer
que os debates importam, embora não esgotem a estratégia eleitoral. E, se são
melhores do que em outras ocasiões, isso deve-se aos candidatos, mas também à
situação política internacional de guerra mundial aos pedaços, às contradições
do projeto europeu e à magnitude da situação nacional, com problemas de
habitação, de escola, de gestão da saúde, de carga fiscal, etc.
É claro que
muita da movimentação contestatária se fundamenta em necessidades reais, no
desleixo governativo (inspirado numa certa filosofia neoliberal europeia e
norte-americana) pelos problemas dos cidadãos e na tensão criada pela transição
energética e climática, mas há também um intuito desestabilizador que está
escondido por trás das movimentações europeias e nacionais, algumas das quais,
protagonizadas por alguns movimentos inorgânicos (por alegada falta de
operacionalidade do movimento reivindicativo tradicional), não são genuínas nem
consequentes.
Quanto a
matérias não abordadas ou abordadas de forma inadequada, verifica-se que os jornalistas
(moderadores), que são seletivos, formatam as perguntas pelo diapasão dos
clichés, pelo viés estabelecido, reiterando, em excesso, temas colados a cada
partido, pelos casos, pelas polémicas embaraçosas e pelas bandeiras mais
berrantes, alimentando o ciclo vicioso dos sound bytes.
Assim,
perguntam sobre política externa, se querem encostar o Partido Comunista
Português (PCP) à parede, a propósito da Ucrânia. Perguntam pela NATO e por
política de Defesa, para focarem divergências entre o Bloco de Esquerda (BE) e
o Partido Socialista (PS), pela possibilidade de coligação pós-eleitoral. E
ficam em branco as questões do Mundo, da União Europeia (UE) e da
geoestratégia, como se o país fosse uma ilha, “desgarrado da Europa, imune a
dinâmicas geopolíticas e a crises internacionais”, como escreve Capicua no Jornal de Notícias (JN) de 20 de fevereiro, em artigo intitulado “Os jurados”.
Os candidatos
só são questionados pela viabilidade ou pela validade de uma medida, se está em
causa impedimento da venda de imóveis a não residentes, o condicionamento das
diretrizes da UE. Não se questiona o Chega, quando promete tudo e mais alguma
coisa, sem suporte em meios de financiamento sustentáveis e sem ter em conta a
sanidade das contas públicas, a necessidade da redução da dívida e a de manter
o superavit. Não se questiona a
Iniciativa Liberal (IL) e, em certa medida, a Aliança Democrática (AD), quando
acenam com o choque fiscal diminuindo largamente os impostos, mas garantindo
maior qualidade dos serviços públicos.
Em contrapartida,
perguntam – e reperguntam –, no que são acompanhados por comentadores políticos
ilustres sobre a configuração das coligações pós-eleitorais e sobre se
viabilizam um governo minoritário da força política contrária que tenha vencido
as eleições sem conseguir maioria parlamentar (Isso, à partida, também condiciona
o voto). Porém, quando um candidato anuiu a dizer que viabilizaria um governo de
minoria da adversária força política (ficando o outro interveniente no silêncio),
garantindo que, em nome da humildade democrática, não apresentaria moção de rejeição
do programa de governo nem votaria a favor de qualquer outra, logo veio a
questão se viabilizaria o primeiro Orçamento do Estado, ao que o interpelado
respondeu que seria temerário comprometer-se com um documento que se desconhece
Como observa
Capicua no JN, “os jornalistas, que
têm o triplo do tempo de antena dos candidatos (!), queixam-se [de] que estes
não falam de coisas fundamentais, peroram sobre os assuntos ausentes, sobre a
falta de profundidade das explicações, lamentando que não haja rasgo e que se
rebatam mais as propostas alheias do que se exponham as próprias”. E, a seguir,
comenta: “[…] Pontuam e avaliam como jurados de um concurso de danças de salão.
[…] Muitas vezes, avaliam como vitorioso o dançarino despreparado, que pisa
todos os pares […] e pontapeia os adversários quando a música não o favorece,
tomando-o como o centro da coreografia política, apontando as luzes para a sua
ridícula prestação e aplaudindo a sua capacidade de impactar a plateia.”
Os jornalistas
equiparam polos de extrema-esquerda, com aduções baseadas em números e em factos,
e de extrema-direita, com propostas irrealistas e mal relacionadas com a
verdade.
***
Tudo isto
seria evitável, se dessem mais espaço e voz aos partidos, ou seja, se comentadores
e jornalistas não quisessem protagonizar o espaço pré-eleitoral e praticar um
novo caciquismo.
Sejam só jornalistas
ou só comentadores, não protagonistas nem avaliadores. Deixem falar os partidos
e não façam lavagem ao cérebro dos eleitores, que já são maiores e sabem
avaliar!
2024.02.20 – Louro de Carvalho
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