O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, decidiu mudar a
liderança militar do país, com a demissão, a 8 de fevereiro, do chefe das forças
armadas, general Valeriy Zaluzhnyi – que era apenas o comandante das forças
terrestres –, e com a sua substituição pelo general Oleksandr Syrskyi, decisão
que está a ser muito contestada no país.
Após meses de
especulação sobre possível relação tensa entre Zelensky e Zaluzhnyi, o chefe de
Estado afastou de Kiev este general, popular no país, mas ressalvou que deverá
“permanecer na sua equipa”. Esta mudança de peso ocorreu
numa altura em que Zelensky reiterou que quer infligir “perdas sistemáticas” às
forças russas, neste ano. A decisão está, contudo, a ser criticada pelos
principais partidos da oposição, sustentando que se trata “de um grande erro”,
que não será entendido nem pela comunidade internacional, nem pela sociedade
ucraniana. E Vitali
Klichko, presidente da Câmara de Kiev, atirou: “Espero que as autoridades justifiquem estas
mudanças perante a sociedade.”
Entretanto, a 9 de fevereiro, o presidente russo,
Vladimir Putin, em longa entrevista ao jornalista
americano Tucker Carlson, a primeira concedida a um jornalista ocidental, desde
o início da guerra, disse que é “impossível” uma derrota russa na Ucrânia
e garantiu que “não tem interesse” em invadir a Polónia, a Letónia ou outro
país da Aliança Atlântica – Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN/NATO) –, e que só o faria, se esta atacasse o território russo.
Quanto à situação no terreno, a Rússia disse ter neutralizado
19 drones ucranianos em quatro regiões, que teriam como alvo infraestruturas
energéticas no país.
***
A Troca de
comando surge num momento crítico da guerra com a Rússia e, provavelmente,
significará uma arriscada mudança na estratégia ucraniana.
O homem que
liderou as forças armadas da Ucrânia, durante dois anos, perdeu esse emprego, após
10 dias de boatos e de especulações – e meses de relacionamento desgastado.
Porém, Zelensky disse que teve com Zaluzhnyi uma “discussão franca sobre o que
precisa de ser mudado no exército: mudanças urgentes.” E referiu que “o
sentimento de estagnação nas zonas do Sul e as dificuldades nos combates na
região de Donetsk afetaram o ânimo da população”.
A remoção de
Zaluzhnyi de comandante-chefe sucede quando estão as unidades ucranianas em
desvantagem em várias partes da longa linha da frente, especialmente nas
regiões orientais de Donetsk e Kharkiv, carentes de cartuchos e de outras
munições e de soldados experientes. Ao mesmo tempo, a máquina de guerra russa funciona
a todo vapor e tem um conjunto de homens muito maior do que a Ucrânia, para
reabastecer as suas linhas. Além disso, a Rússia contorna as sanções
internacionais e as suas receitas petrolíferas ajudam a financiar a guerra.
De acordo
com uma pesquisa recente na Ucrânia, os que acreditam que os acontecimentos vão
na direção errada aumentaram de 16%, em maio de 2022, para 33%, em dezembro de
2023. O clima do público é realmente mais sombrio.
É improvável
que Syrskyi proporcione mudança radical de estilo, mas pensa-se que esteja mais
próximo de Zelensky. Esteve no comando das forças terrestres desde a invasão
russa, mas foi criticado por estender a defesa de Bakhmut com grande custo
humano. Os subordinados descrevem-no como carente de empatia e alguns soldados chamam-no
de “General 200” (200 é o código militar para mortos em combate). Porém,
segundo Matthew Schmidt, diretor do programa de Assuntos Internacionais da
Universidade de New Haven, em Connecticut, “é visto como uma escolha
consensual”. Dizem que é muito soviético, ou seja, sem imaginação, mas capaz,
que não aceita bem verdades incómodas – algo que Zaluzhnyi fez – e que “é o
melhor do pior tipo de general.”
Schmidt diz
que há poucas opções no momento. “Talvez seja uma fase da guerra em que uma
escolha segura seja a atitude certa.” As tarefas mais urgentes de Syrskyi serão
estabilizar as linhas da frente, reabastecer as tropas esgotadas de algumas das
melhores brigadas da Ucrânia, acelerar a chegada de munições ocidentais às
linhas da frente e lidar com a situação até que isso aconteça. Deve pensar a ênfase
a pôr em ataques de longo alcance contra infraestruturas russas, tais como
depósitos de combustível e bases militares, integração de aeronaves de combate
F-16 em planos de batalha e o rápido desenvolvimento da geração de sistemas não
tripulados.
Face aos
constantes ataques russos em torno de Avdiivka e de Kupyansk, “a primeira
prioridade é garantir manter a atual linha de contacto”, diz Schmidt, vincando
que “a fraqueza tática de Putin não significa que não possa matar milhares dos
seus soldados, na tentativa de tomar porções significativas de território”,
tendo qualquer chefe de gabinete de respeitar esse risco.
Unidades da
linha de frente em diversas áreas vulneráveis disseram à CNN
que tinham crónica falta de munições, sobretudo de projéteis de artilharia
ocidentais de 155 mm. Numa posição de canhão, as tropas foram reabastecidas com
cartuchos de fumaça, após esgotarem as suas munições altamente explosivas. “É
melhor do que não ter projéteis”, disse um soldado.
O chefe da
Inteligência Militar Ucraniana, tenente-general Kyrylo Budanov, disse à CNN,
no final de janeiro, que a munição é um dos fatores mais decisivos. Com o
pacote de ajuda militar de 61 mil milhões de dólares da administração Biden
bloqueado no Congresso, os Estados Unidos da América (EUA) têm enviado pacotes
mais pequenos, e a desaceleração começou a afetar o planeamento e as operações
militares ucranianas. E Schmidt defende que a prioridade é enviar projéteis de
artilharia para a frente, para impedir que os Russos explorem a pausa na ajuda
dos EUA. Cada projétil de artilharia disponível para disparar torna menos necessária
a infantaria para manter a linha.
Desobstruir
o caminho de ajuda militar dos EUA e aumentar a produção europeia de munições
são prioridades críticas, se a Ucrânia quer passar da posição de espera para
uma reação. A União Europeia (UE) reconhece ficar muito aquém do objetivo de
produzir um milhão de munições de artilharia para a Ucrânia, até março,
estimando que o número será cerca de metade desse valor. Dmytro Kuleba,
ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, disse é de granadas que o soldado
na frente de batalha mais precisa. Sempre assim foi, é e será. “O principal
objetivo é garantir que a escassez de granadas nunca se transforme em ausência
de granadas, disse.
A reserva de
mão-de-obra da Rússia é, pelo menos, três vezes maior do que a da Ucrânia.
Budanov disse à CNN do que as forças russas
dentro e perto do território ucraniano “consistem apenas em 510 mil militares”.
As unidades mais profissionais da Ucrânia estão exaustas por dois anos de
combate ininterrupto, com as suas fileiras reduzidas por baixas. A infantaria
está dramaticamente desfalcada. A Ucrânia não refere números, mas os EUA
estimam que cerca de 70 mil soldados ucranianos foram mortos e quase o dobro
desse número ficaram feridos.
A escala e a
velocidade da mobilização adicional na Ucrânia é questão política espinhosa e fonte
do conflito entre Zelensky e Zaluzhnyi, que disse que os militares precisavam
de mais meio milhão de soldados e criticou lacunas na legislação que permitem
aos cidadãos fugir às suas responsabilidades. Para a CNN, Zaluzhnyi
escreveu: “Devemos reconhecer a vantagem significativa desfrutada pelo inimigo
na mobilização de recursos humanos e como isso se compara com a incapacidade
das instituições estatais na Ucrânia de melhorar os níveis de mão-de-obra das
nossas forças armadas sem o uso de medidas impopulares.”
Um projeto
de lei aprovado no parlamento reduziria a idade mínima para o recrutamento de
27 para 25 anos (o que Zelensky não assinou em 2023) e introduziria punições severas
para pessoas que desrespeitassem as regras de mobilização. Os cidadãos em idade
militar seriam obrigados a trazer consigo os documentos de registo militar.
Versão mais
ambiciosa do projeto foi retirada no meio de críticas públicas, restando saber
se a nova medida é eficaz na resolução de deficiências graves. Zelensky está
preocupado com a capacidade do governo de pagar exército permanente maior (o
salário da linha da frente é seis vezes o salário médio ucraniano, de três mil
dólares por mês) e com risco político. A população continua comprometida com a
luta, como se vê nas pesquisas de opinião, mas está exausta.
Zaluzhnyi
argumentou que, dada a maior reserva de mão-de-obra e blindados da Rússia, a
Ucrânia precisa de mudança radical na sua tecnologia de campo de batalha: por
exemplo, drones mais sofisticados e outros sistemas não tripulados forneceriam
inteligência em tempo real e informações precisas sobre alvos. E sugeriu que a
aceleração desse investimento, bem como a adoção da tecnologia cibernética,
poderia produzir resultados dentro de cinco meses. Os Russos continuam a
cometer erros, mas aprendem e adaptam-se, sobretudo, na exploração de drones de
ataque e de reconhecimento e na guerra eletrónica.
Budanov
disse à CNN que os russos seguira as ‘lições aprendidas’ e
tiraram as suas conclusões. O número de sistemas não tripulados de todos os
tipos, incluindo sistemas terrestres e assim por diante, aumentou
significativamente.
Soldados ucranianos
que defendem os céus ao redor da capital, Kiev, dizem que os Russos utilizam
novas camuflagens, rotas de voo enganosas e inovações de engenharia, para
tornar os seus drones e mísseis mais difíceis de derrubar; e exploram a
tecnologia de planagem, para lançar bombas aéreas com maior precisão, uma das
razões pelas quais a ofensiva ucraniana no sul fracassou no verão de 2023. Por
isso, a Ucrânia tem de aumentar as suas tecnologias, como reconheceu Zelensky,
no discurso em que anunciou a mudança de liderança. A indústria doméstica de
drones, em expansão, é fundamental nesse esforço e já está a mostrar
resultados.
Drones de
primeira pessoa, ou FPV, implantados na área de Avdiivka tiveram efeito
devastador nas tentativas russas de cercar a cidade, infligindo pesadas perdas
a tanques e veículos de munições. São meios muito mais baratos, mas não menos
eficazes, de destruir equipamento e pessoal inimigos do que os sistemas de
mísseis antitanque e munições de artilharia.
A introdução
dos F-16, prevista, no mínimo, para esse semestre, minará a vantagem dos Russos
nos céus, mas o objetivo de Zaluzhnyi de obter a superioridade aérea absoluta
para permitir à Ucrânia partir para a ofensiva parece distante. Integrar os
novos aviões de combate numa estratégia de batalha global será tarefa crítica
para Syrskyi.
Uma área em
que os Ucranianos têm tido sucesso é a extensão dos ataques contra
infraestruturas militares russas, ligações de transportes e refinarias, até
lugares tão distantes como São Petersburgo e o extremo oriente russo. O recente
ataque de drones ou veículos aéreos não tripulados a uma refinaria em
Volgogrado foi a última vitória de uma série de ataques direcionados. Mais
significativo ainda, e apesar de praticamente não ter marinha própria, as
operações especiais dirigidas por Budanov e o Serviço de Segurança (SBU)
“permitiram à Ucrânia reprimir a frota russa do Mar Negro, no porto, ao mesmo
tempo que destruiu múltiplas defesas aéreas e locais de munição na Crimeia”, de
acordo com o Instituto Naval dos EUA.
A Ucrânia
foi pioneira no desenvolvimento de drones marítimos, para destruir vários
navios de guerra da frota do Mar Negro. Drones aéreos, mísseis e operações de
sabotagem perturbaram a logística russa. Precisam de interditar as linhas de
abastecimento da Rússia na Ucrânia e de fazer com que o público russo sinta a
guerra na vida quotidiana. Se Putin tiver de movimentar recursos para proteger
a sua retaguarda, significa ter menos para atacar.
Ao longo de
2023, o otimismo entre os aliados e os comandantes da linha da frente da Ucrânia
deu lugar a clima mais sombrio. A avaliação sombria de Zaluzhnyi, em dezembro,
foi que “provavelmente não haverá um avanço profundo e bonito”, um comentário
que não o tornou querido pela presidência. A exaustão interna, as disputas
entre aliados (UE vs Hungria) e a paralisação no Congresso dos EUA contribuem
para a perspetiva sombria, mas Putin ficou animado com a hipótese de
Donald Trump voltar à Casa Branca.
Ocupar o
lugar de Zaluzhnyi não será fácil. Mick Ryan, um general australiano reformado
que visitou a Ucrânia e se reuniu com funcionários do alto escalão, descreve-o como
um “líder militar carismático e popular”. “É uma figura heroica – é impossível
desvalorizar as suas conquistas”, disse à CNN um soldado que
luta em Zaporizhzhia.
Syrskyi tem
as suas próprias conquistas, especialmente a defesa de Kiev, nos primeiros dias,
e a ofensiva relâmpago que recuperou áreas de Kharkiv, em setembro de 2022. Mas
o conflito mudou grandemente, desde então. No futuro imediato, a liderança
ucraniana deve mostrar unidade, após transição confusa. Myhailo Podolyak,
conselheiro do gabinete do presidente, disse que “durante uma guerra, a
competição política, especialmente ao nível do exército, dos generais e dos
políticos, não parece tão boa”. E incutir novo sentido de propósito é tanto
mais importante quanto a Ucrânia enfrenta uma janela de vulnerabilidade. Como
diz Matthew Schmidt, Putin “pode atirar corpos ao inimigo, usando a quantidade
russa para superar a qualidade ucraniana” – uma abordagem estalinista do campo
de batalha que “está incorporada na cultura estratégica russa”.
***
Enfim,
embora em impasse, a guerra está para durar. E o Congresso dos EUA terá de continuar
a disponibilizar pacotes de apoio.
2024.02.11 – Louro de Carvalho
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