O Papa convidou Jo Bailey Wells, bispa da Igreja de Inglaterra e
secretária-geral adjunta da Comunhão Anglicana, para participar na reunião de
fevereiro do Conselho dos Cardeais (C9), que decorreu nos dias 5 e 6, na Casa
Santa Marta, no Vaticano. Conhecida por defender que “a igualdade de género faz
parte do plano de Deus”, a anglicana foi uma das mulheres que Francisco quis
escutar – e que os seus conselheiros escutassem – sobre “o papel feminino na
Igreja”.
Além de Jo Bailey Wells, o Papa voltou a convidar a irmã salesiana Linda
Pocher, professora de Cristologia e de Mariologia na Pontifícia Faculdade de
Ciências da Educação Auxilium de
Roma, que já havia estado presente na última sessão do C9, em dezembro de 2023,
em que o tema começou a ser debatido, e chamou Giuliva Di Berardino, consagrada
da Ordo Virginum, da diocese de Verona, na Itália, professora e gestora de
cursos de espiritualidade e de exercícios espirituais.
No caso de Jo Wells, 58 anos, que faz
parte da primeira geração de mulheres ordenadas vigárias na Igreja da
Inglaterra, em 1995, é de
assinalar a sua experiência em papéis de liderança. Em 1998, tornou-se a
primeira mulher decana de uma universidade de Cambridge e já esteve à frente de
comunidades, na África do Sul, no Uganda, no Sudão do Sul e no Haiti. Casada
com um padre anglicano e mãe de dois filhos, é autora de vários livros e fala,
regularmente, sobre o papel das mulheres na Igreja e na sociedade em geral.
Jo Wells,
conhecida pela sua defesa da “igualdade de género”, liderou uma reunião
inter-religiosa com a presença do papa Francisco, no Cazaquistão, em outubro de
2022. Também foi capelã do arcebispo de Canterbury, o mais alto dirigente da
Igreja da Inglaterra.
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A presença de mulheres nas reuniões de um órgão exclusivamente masculino e,
em particular, a participação da bispa Jo Bailey Wells, foi saudada por muitos,
que a têm como um marco de progresso significativo no esforço de Francisco para
tornar a Igreja mais inclusiva e acolhedora de todas as vozes e para implementar
o conceito de sinodalidade nos mais altos escalões do catolicismo, assinala o
jornal Crux, na sua edição de 6 de
fevereiro. Em contrapartida, outros criticam a inclusão das mulheres neste
encontro de cardeais, em particular, uma mulher anglicana, interpretando o
gesto do Papa como “um aceno às vozes católicas a favor da ordenação das
mulheres ao diaconado e ao sacerdócio”.
Porém, se o Papa, como tudo indica, pretende continuar a reflexão sobre “o
papel feminino na Igreja”, o mais provável é que se mantenha a presença das
mulheres nestas reuniões. Aliás, já são muitas, embora insuficientes, as
presenças femininas em organismos da Cúria Romana, talvez proporcionalmente
mais do que nos órgãos de debate e de decisão nas dioceses. Já têm participado
nas assembleias gerais do Sínodo dos Bispos e, na última, já puderam votar.
Uma Igreja em que a maior parte dos seus elementos é do ramo feminino não
pode deixar de ter em conta o ser da mulher e o seu papel na sociedade e na
Igreja. Isto, sem falar da ordenação diaconal, presbiteral ou, mesmo episcopal.
Com efeito, mesmo sem aceso aos ministérios ordenados, não faltam espaços de
debate e de decisão em que as mulheres podem participar e até liderar. São
exemplos disso: os conselhos pastorais; as catequeses; a organização social e
caritativa; os ministérios de leitor, de catequista, de acólito; os tribunais
eclesiásticos; os meios de comunicação social, entre outros,
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Recorde-se que os membros do Conselho dos Cardeais, ou C9 (em razão do
número dos seus componentes), após a sua renovação levada a cabo, a 7 de
março de 2023, são: o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé; o cardeal Fernando Vérgez Alzaga, presidente da
Comissão Pontifícia para o Estado da Cidade do Vaticano e do Governatorato do
Estado da Cidade do Vaticano; o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de
Kinshasa, República
Democrática do Congo; o cardeal Oswald
Gracias, arcebispo de Bombaim, na Índia; o cardeal Seán Patrick O’Malley,
arcebispo de Boston, nos Estados Unidos da América (EUA) e presidente da
Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores; o cardeal Juan José Omella
Omella, arcebispo de Barcelona; o cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo do
Luxemburgo; o cardeal Sérgio da Rocha, arcebispo de São Salvador da Bahia, no
Brasil; e o cardeal Gérald Lacroix, arcebispo do Quebeque, no Canadá, sendo de
assinalar que este último participou na reunião, apesar de ter informado que
iria afastar-se, temporariamente, das suas funções, no final de janeiro, na
sequência de acusações de abuso sexual de que é alvo, que remontam a
1987 e 1988, com uma adolescente de 17 anos e que nega “categoricamente”.
O secretário
da Comissão é dom Marco Mellino, bispo titular de Cresima, na Tunísia.
O cardeal
Fridolin Ambongo – presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África
e Madagascar (SECAM) – tornou-se uma das vozes contra o Fiducia
supplicans, documento do Dicastério para a Fé que permite a bênção a casais
em situação irregular e a pessoas em união homossexual.
O Conselho
dos Cardeais tem origem nas Congregações Gerais que antecederam o conclave em
que foi eleito o Papa Francisco. Está em funcionamento desde setembro de 2013,
ano em que Francisco foi eleito. O seu objetivo é ajudar o Papa “no governo da
Igreja universal” e foi também “estudar um projeto de revisão da Constituição
Apostólica Pastor bonus na Cúria Romana”.
Por ter expirado o mandato dos membros do Conselho de
Cardeais, Francisco renovou, a 7 de março de 2023, a constituição deste órgão,
integrando purpurados das diferentes partes do Mundo.
Também o Instituto para as Obras de Religião (IOR), criado
durante a II Guerra Mundial, no tempo do Papa Pio XII, foi remodelado, na mesma
data, tendo em conta algumas normas constantes da nova constituição Praedicate Evangelium, que reestruturou a Cúria
romana.
O C9 foi instituído por Francisco, meses depois de ter
inaugurado o pontificado, tendo a primeira reunião ocorrido em outubro de 2013.
O seu papel consiste em ajudar o Papa no governo da Igreja, incorporando
diferentes visões e sensibilidades. Nos trabalhos de largos anos depois da
entrada em funções, dedicou-se à preparação da reforma da Cúria Romana, uma
“encomenda” do conjunto dos cardeais na fase prévia ao último conclave que
elegeu Francisco.
Os purpurados escolhidos em 2023 tiveram a sua primeira
reunião, no Vaticano, a 24 de abril.
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De acordo com um quirógrafo (documento autógrafo) de Francisco,
datado de 7 de março de 2023, o IOR, conhecido por Banco do Vaticano, passou a
ser dirigido por uma única pessoa, a ter uma estrutura mais simples e órgãos com
funções mais claras, para evitar sobreposições e repetições de competências.
Como se tornou norma no governo central da Igreja, os mandatos passarão a ter a
duração de cinco anos, renováveis uma só vez.
Doravante, no novo Estatuto, em vez de um órgão de direção constituído
por um diretor e um vice-diretor, passar a existir apenas um diretor-geral. Além
disso, funcionarão uma Comissão Cardinalícia e um Conselho de Superintendência.
Quanto a este último órgão, ao qual compete definir a estratégia do IOR, e
eleger o diretor (depois nomeado pela Comissão Cardinalícia), o quirógrafo
define normas para situações de conflito de interesses.
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Segundo um comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, divulgado a 6 de
dezembro de 2023, o C9, reunido com o Papa Francisco, debruçou-se sobre a
“dimensão feminina da Igreja” e sublinhou a necessidade de sobre este tema
“ouvir, também e sobretudo, cada comunidade cristã, para que os processos de
reflexão e de tomada de decisão possam beneficiar da contribuição insubstituível
das mulheres”.
O comunicado,
citado pelo Vatican News, nada
adiantava quanto ao modo como terá lugar essa desejável “contribuição
insubstituível das mulheres”, nem sobre como se irão desenrolar “os processos
de reflexão e de tomada de decisão”, ou sobre que matérias concretas versarão
tais processos. A sala de Imprensa da Santa Sé também nada referia sobre as
reflexões que o conselho escutou da irmã Linda Pocher, de Lucia Vantini e do padre
Luca Castiglioni, todos teólogos e docentes em institutos italianos do ensino
superior. No entanto, sabe-se que, nesse encontro, o Papa convidou os teólogos
a refletir sobre a Igreja como “mulher e esposa” e disse que “um dos pecados
cometidos” foi a tendência a “masculinizar a Igreja”.
Os cardeais conselheiros terão dedicado, em dezembro, algum tempo da sua
reunião de dois dias com o Papa a examinar a situação mundial atual,
particularmente o “conflito em curso na Ucrânia e a grave situação na Terra
Santa”, bem como os trabalhos em curso na COP28. Em matérias mais internas à
vida da Igreja, o C9 ouviu uma apresentação do cardeal Sean O’Malley,
presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, sobre o ponto da
situação da organização das conferências episcopais nacionais relativa àquela
proteção. O comunicado da sala de Imprensa indica que a primeira sessão da
Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, havida durante o mês de
outubro, foi também um dos temas em análise.
A primeira reunião do C9 renovado teve lugar a 24 de abril de 2023 e ficou
marcada para fevereiro de 2024 a primeira reunião do ano.
É a sinodalidade também nos altos escalões da hierarquia eclesial e o ecumenismo
possível na cúpula da Igreja Católica.
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Enfim, o Vaticano vai dando passos e as dioceses, que têm menos recursos,
avançam mais a medo. Porém, a sorte protege os audazes!
2024.02.07 – Louro de Carvalho
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