A duração total de cada megaprocesso até trânsito em julgado, sem
possibilidade de recurso, é, em média, de oito anos, e a fase de investigação é mais morosa do que a de
julgamento. São duas das conclusões do estudo “Processos de especial
complexidade”, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (TJCL), divulgado pelo
Conselho Superior da Magistratura (CSM).
O estudo, que foi apresentado a 8 de fevereiro, no âmbito da conferência
“Megaprocessos – Quando a justiça criminal é especialmente complexa”, no TJCL,
entre os dias 8 e 9, foi realizado a partir de 140 processos de
criminalidade complexa distribuídos na comarca de Lisboa, de 2013 a 2023. Entre
estes, estão processos como o Banco Português de Negócios (BPN), o caso EDP
(que envolve Ricardo Salgado e Manuel Pinho), a Operação Marquês, mas exclui a recente
Operação Influencer e um dos maiores processos da justiça: o caso do Universo
Espírito Santo.
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É de anotar que a participação na referida conferência foi vedada aos
procuradores por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), pelo que o
debate só contou com a participação de juízes, de advogados, de órgãos de
polícia criminal, de académicos e de jornalistas. De facto, a PGR assume que
“o momento não é de todo propício a que, no contexto do mencionado
evento, essa reflexão possa ser feita com rigor e serenidade” e
considerou “desaconselhada a participação de magistrados do Ministério Público [MP]”.
Uma bela “lei da rolha” da PGR!
O tema dos megaprocessos é muito debatido por serem processos especiais e
“mais complexos”, impondo necessidades logísticas superiores aos processos
comuns. Por isso, “não permitem o tratamento e julgamento no
tempo considerado adequado, levando, muitas vezes, a que a imagem da Justiça saia
prejudicada”, segundo o comunicado da conferência.
“Salvaguardar esta situação é uma preocupação antiga da Comarca de Lisboa,
que se tem debruçado sobre o assunto. Nesse sentido, os Gabinetes de Apoio aos
juízes e ao presidente da Comarca realizaram, ao longo dos últimos dois anos,
um estudo quantitativo e qualitativo sobre os processos de especial
complexidade ali tramitados”, refere a Comarca de Lisboa.
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Segundo o estudo, todas as fases processuais são
mais céleres, quando há medidas de coação privativas da liberdade, como a prisão
preventiva ou a prisão domiciliária, sendo que os períodos mais
rápidos, neste contexto, decorrem entre a acusação e a fase seguinte e a decisão
instrutória e o julgamento. Na totalidade dos processos analisados, 77% têm uma fase de investigação mais demorada, face à de
julgamento. Assim, os processos mais morosos, na fase de inquérito, não
correspondem aos mais demorados, na fase de julgamento.
Entre as causas da morosidade dos processos, está o número de testemunhas quando são ouvidas mais do que
uma vez ou quando se ouvem menos testemunhas por sessão, o número de sessões de julgamento e a existência de “incidentes”, como o pedido de
escusa do juiz, o pedido de perícias, as recusas do juiz, a arguição de
nulidades ou o conflito negativo de competência.
Entre os tipos de crime dos processos que mais demoram a investigar, na
fase de inquérito, estão o terrorismo, a fraude, a discriminação
racial, o branqueamento e o abuso de confiança; na fase de instrução,
contam-se o abuso de poder, a falsificação, a corrupção e o peculato; e, na
fase de julgamento, sobressaem os crimes de extorsão/coação, de abuso de poder,
de abuso de confiança, de abuso de autoridade militar e de peculato.
Entre todas as fases do processo, a duração total até
trânsito em julgado, na Comarca de Lisboa, é de oito anos e um mês, em média.
Ainda assim, 6% dos processos demoram mais de 15 anos, até ficarem concluídos.
E, nos 57 processos sem trânsito em julgado, a decorrer na Comarca
de Lisboa, a média é de nove anos e três meses, ou seja, superior
aos processos que já transitaram em julgado. O maior número de processos
situa-se entre os oito e nove anos (21%). Cerca de 9% dos processos demoram
mais de 15 anos. E, analisando a duração total dos processos com e sem medidas
de coação, conclui-se que há predominância de processos até oito anos de
duração total, quando há medidas de coação privativa da liberdade. Já
nos processos sem medidas de coação, existe uma maior distribuição ao longo do
tempo.
Relativamente às fases processuais dos processos sob estudo, conclui-se que é possível verificar a relação de tempo das três fases, “sendo
que, em 77% dos processos, a fase de investigação é superior à fase de
julgamento”. Na fase de inquérito, dos 132 processos
analisados, verificou-se que, em média, a duração é de três anos e oito meses. A
maioria dos processos duram até três anos e apenas 6% duraram mais de sete
anos. Na fase de instrução, dos 118 processos considerados, a duração
média foi de cinco meses e 25 dias. “Apesar do valor médio indicado,
verifica-se que, na maioria dos processos, 53% (62), esta fase dura até três
meses. No entanto, 18% (21) dos processos apresentam uma duração superior 14 a
nove meses”, lê-se no estudo, que refere: “Se for tida em consideração metade
do tempo médio de instrução, dois meses e 28 dias, existem 51 processos com
esse tempo ou tempo inferior. Assinala-se, porém, que em 10 processos a
instrução durou menos de um mês.”
Na fase de julgamento, dos 109 processos analisados, a duração
média é de cerca de dois anos e três meses. “Na maioria dos
processos, 57% (62), a fase de julgamento tem uma duração inferior a dois anos
e somente 9% (nove) dos processos duram mais de cinco anos”, diz o estudo.
Com julgamento realizado até metade do tempo médio, um ano e um mês,
encontraram-se 44 (40,4%) processos, havendo seis em que esta
fase durou menos de seis meses. “Quando se tem em consideração o dobro do tempo
médio de julgamento, quatro anos e seis meses, encontram-se 11 (10,1%)
processos com valores iguais ou superiores. Destes, sobressaem quatro em que o
julgamento durou mais de sete anos”, lê-se no estudo.
Os megaprocessos, ou processos de especial complexidade, englobam vários
tipos de crimes que podem ir do branqueamento ao peculato. No estudo, foi
analisado apenas o crime principal ou mais relevante, tendo em conta o número
de crimes totais no processo associado ao crime-base, a distinção do crime-base
dos crimes instrumentais e o crime-base numericamente prevalecente em sede das
várias fases. Em 55 processos, o crime principal é o de associação criminosa
(40%), mas, como este crime “tendencialmente cai em sede de
julgamento”, nestes casos, o estudo focou-se no crime seguinte mais relevante. “Verifica-se que o crime com maior incidência é a burla (com
35 processos – 25% do total), seguida da fraude e da corrupção. No outro
extremo (com apenas um processo), temos vários tipos de crimes”, refere o
estudo.
Considerando os processos já com trânsito em julgado, 68 processos, os mais morosos foram os relativos à extorsão/coação, à fraude
e ao abuso de poder, que tiveram uma média de
duração de mais de 10 anos. Já os menos morosos, foram os processos
com crimes de auxílio à imigração ilegal e ao roubo, com uma média de quatro
anos.
O estudo conclui ainda que, relativamente ao número
de crimes, não parece haver relação com a duração da fase de inquérito. “Apesar
de o processo com o maior número total de crimes (7679 crimes) ter demorado
quase sete anos em fase de inquérito, o processo que demorou mais tempo tinha
apenas um total de 32 crimes”, refere o estudo. E, tendo em consideração o
prazo médio da fase de inquérito, por grupo de número de arguidos, parece haver
ligeira relação, mas não muito definida. Ou seja, conforme aumenta o número de
arguidos, o prazo do inquérito diminui.
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O advogado
Paulo Saragoça da Matta, um dos oradores da Conferência, diz que não há “demora
na Justiça penal”. A Justiça penal, tal como a cível, recuperou imenso dos
atrasos da década de 90 do século XX e do início deste século. Porém, nos
megaprocessos, todos os tempos são, por definição, mais dilatados, dando a perceção
pública (em regra, os megaprocessos são mediáticos) de que a Justiça penal é morosa. Assim, a demora limita-se aos megaprocessos.
Em sua
opinião, não há que ‘partir’ nenhum megaprocesso: apenas cumprir o que a Lei estabelece.
Só se
deve criar um megaprocesso, quando não há outra solução para realizar as
pretensões punitivas do Estado, e não seja caso para separação de processos. Contudo,
pensa que as investigações de alguns departamentos de investigação e
ação penal (DIAP) usam o método oposto. Seguindo a metodologia
do Fio de Ariadne, encontram “verdades” que têm de demonstrar. E, em vez de
autonomizarem cada verdade, optam por inserir no mesmo sistema vários
problemas. Assim, se começam por procurar a corrupção numa adjudicação pública,
acabam por inserir, no processo, a investigação e acusação desse ato corrupto e
de mais uns tantos e a de recebimentos indevidos de vantagem, de prostituição
de menores, de pornografia infantil, de imensas fraudes fiscais e de branqueamentos
de capitais. É um errado paradigma de
modelo investigatório
Desconhece
as razões da proibição de os procuradores participarem na conferência sobre o
tema. Sabe que, na PGR, se tomam decisões a bem da República. Havendo 77% dos processos
mais demorados na fase de inquérito do que na fase de julgamento,
pensa que é “muito difícil fazer investigação criminal em processos de extrema
complexidade”. Os megaprocessos são, em regra, de extrema complexidade, sobretudo
se incidirem nos “crimes de catálogo especial”: corrupções, oferecimento ou
recebimentos indevidos de vantagem, branqueamento de capitais, etc. São crimes
de rasto muito difícil de detetar (hoje mais detetáveis do que antes, mercê das
alterações legais dos últimos 20 anos), por serem, muitas vezes,
transnacionais, por ocorrerem sob um véu de silêncio. Ninguém, por exemplo, declara
ao serviço de finanças proventos ilícitos de atos de corrupção. Por isso, isso
é “ilógico de falar em fraude fiscal, por não declaração de proventos
emergentes de corrupção”, pois “nunca ninguém tal defendeu para os proventos do
tráfico de droga, por exemplo.
Assim,
os inquéritos têm de ser longos. “O que é complexo, é complexo.” Por isso, espanta-o a posição de juízes, de
procuradores, de jornalistas e de comentadores mediáticos (“especializados em
processo penal”, sem terem “entrado num julgamento penal”), quando entendem que é excessivo o tempo de instrução que dura dois anos, sovando os juízes de instrução criminal (JIC) a cargo de quem o processo pende, se antes houve um inquérito de
seis anos. O mesmo diz das críticas aos Tribunais
de Julgamento. E assente: “Do erro do MP ou do advogado pode nada resultar, mas
do erro do julgador pode resultar a destruição de uma família, além do óbvio
sofrimento para o condenado.”
Quanto
à comunicação (ou falta dela) da parte do MP/PGR, diz que, em vez de avaliar a
sua prestação, deve “dar-se a precedência às instituições para se justificarem
do que fazem, porque fazem, ou o que pensam fazer no futuro, perante as
experiências do passado”. E da prestação de contas, perante a sociedade e perante
cada utente da Justiça, por parte da Magistratura Judicial e do MP, considera-a
“apenas simbólica e interior aos próprios corpos judiciários respetivos”.
Questionado
se faz sentido deixar de existir a fase de instrução, no processo penal, refere
que, “se for para ter uma instrução igual à que temos tido desde 1988” e como a
querem muitos operadores da Justiça e comentadores, “podem acabar com ela”.
Porém, “nunca deveria ser abolida”, pois “a submissão de alguém a julgamento
penal é um ato de grande gravidade, altamente lesivo do arguido, tal como em
tempos o Tribunal Constitucional [TC] considerou”. Por isso, “não deve ser uma
macaqueação de instrução”, que o é, hoje, na maioria dos casos. Se é fase para contraditar a decisão de acusar, só é séria, se nela se permitir exercer contraditório à prova só “produzida’ pelo MP
com vista a acusar e se nela se permitir apreciar nova prova que
infirme a carreada pelo MP em inquérito”. Se for
para cumprir um mero formalismo, será inútil.
Não
pensa que haja perseguição dos políticos ao MP, mas que há políticos a não cumprir
o seu dever e que o MP age com mais liberdade do que antes. Quanto a falhar,
todos podem falhar!
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Pelo
exposto, é lamentável que responsáveis judiciários travem o debate sobre temas
tão sérios. É sempre invocável, se quisermos, a falta de condições para o debate.
2024.02.08 – Louro de
Carvalho
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