Há semanas, a França é o epicentro da mais recente vaga de protestos do
setor agrícola, que afloram, de forma dramática, em outros países. Na Itália, na
Bélgica, na Alemanha, na Grécia, na Polónia, na Roménia, em Espanha e também em
Portugal, milhares de agricultores contestam a quebra de rendimentos, face à
subida da inflação e dos preços da energia, à legislação ambiental, à
concorrência desleal de alguns mercados externos e aos acordos de comércio
livre.
A fim de obviar aos bloqueios de estradas, os governos desdobram-se em
anúncios de medidas e de pacotes financeiros. Porém, a maior parte do descontentamento dirige-se a Bruxelas, que impõe, em nome
da “transição verde”, medidas ambientais com altos custos e sobrecarregadas de
burocracia, tal como se insurge contra a importação de bens de
países terceiros a baixos preços, em particular de cereais e de outros produtos
agrícolas da Ucrânia, e contra os acordos de livre comércio que a União
Europeia (UE) tem assinado nos últimos anos, incluindo o que deveria ser
ratificado, em breve, com os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai).
É conhecida a oposição do Presidente francês, Emmanuel Macron, ao acordo
entre a UE e aquele bloco regional. A 30 de janeiro, Eric Mamer, porta-voz do
Executivo comunitário, confirmou não estarem reunidas as condições para fechar
o acordo, mas que “as negociações prosseguem”, contrariando o pedido de Paris
para que fossem encerradas.
Entretanto, Macron pediu uma revisão sobre as importações
da Ucrânia, assunto que foi discutido num encontro, a 31 de janeiro em
Bruxelas com Ursula von der Leyen, e debatido entre os 27 Estados-membros, na
cimeira europeia de 1 e 2 de fevereiro.
Antevendo o Conselho Europeu, o Executivo comunitário propôs, a 31 de
janeiro, medidas de salvaguarda que limitam os volumes de certos produtos
sensíveis, como aves de capoeira, ovos e açúcar, prevendo um travão de emergência, para estabilizar as importações, pondo como
limite os volumes médios de importação em 2022 e 2023. Se tais valores
médios forem ultrapassados, serão repostas as taxas e direitos aduaneiros. Estas
medidas surgem no quadro da prorrogação, a partir de junho, da isenção de taxas
alfandegárias à importação de produtos agrícolas ucranianos. O objetivo é
apoiar Kiev e proteger os agricultores mais afetados na UE, nomeadamente nos
países vizinhos. Outra proposta é renovar, por mais um ano, a suspensão das
taxas a importações da Moldova, em vigor desde julho de 2022, o que, tal como
as restantes medidas, tem de receber luz verde do Parlamento Europeu (PE) e do
Conselho da UE.
O governo francês estima que dez mil pessoas participam nas manifestações,
em diferentes pontos do país. Em resposta às exigências de melhor rendimento
pelos seus produtos, menos burocracia e proteção contra importações baratas, o novel
primeiro-ministro, Gabriel Attal, anunciou a implementação de controlos
sobre produtos alimentares estrangeiros, a fim de garantir concorrência leal no
setor agrícola, e prometeu multas para os retalhistas de
alimentos que não cumpram a lei destinada a garantir uma parcela justa das
receitas para os agricultores, enquanto o ministro da Agricultura, Marc
Fesneau, anunciou, em entrevista à Sud Radio, um pacote
de 80 milhões de euros para os produtores de vinho, para
cobrir as perdas e aumentar a liquidez, aguardando mais propostas antes do
final da semana.
Os protestos multiplicam-se por toda a França, desde o outono, em boa parte
contra a nova política agrícola comum (PAC) da UE e contra o fardo da transição
verde. As principais reivindicações são remuneração para os seus produtos,
menos burocracia e proteção contra as importações. O governo reforçou a
presença policial, sobretudo em Paris, para impedir que os manifestantes entrem
na capital, depois de terem cercado a região com barricadas congestionadas.
Porém, segundo a agência France Presse, a maioria dos sindicatos agrícolas
franceses apela à suspensão dos bloqueios de estradas. “O movimento não para,
transforma-se”, declarou o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos
Agrícolas (FNSEA), Arnaud Rousseau, em conferência de imprensa, prometendo novas mobilizações, se os anúncios feitos pelo primeiro-ministro não
forem concretizados no prazo de 15 dias e se não entrarem em vigor em junho.
Na Bélgica, os agricultores bloquearam o acesso ao porto de Zeebrugge, um
dos principais do país, encheram Namur de tratores e protestaram no exterior da
sede da Comissão Europeia.
Neste clima de descontentamento, o Executivo comunitário anunciou que
aprovaria, a 1 de fevereiro, a revogação temporária das normas
que obrigam a manter algumas terras em pousio, outra questão criticada
nas manifestações em curso na UE, tendo o governo francês já pedido nova
revogação da obrigatoriedade de deixar 4% das terras em pousio.
Na Alemanha, a mobilização dos agricultores tem cariz mais nacional, pois a
indignação foi causada pelo anúncio da redução nas subvenções e, em particular,
a eliminação de benefícios fiscais sobre o gasóleo agrícola. Do governo de Olaf
Scholz exige-se a isenção de impostos sobre os veículos agrícolas e florestais
e o apoio ao gasóleo agrícola. A Associação Alemã dos Agricultores, principal
organizadora das manifestações, criticou, em carta aberta ao chanceler, a
vontade “até agora irreconhecível” do governo federal de fazer mais concessões
ao setor agrícola, apelando a um “sinal claro de que a agricultura na Alemanha
deve ter futuro e que está assegurada a [sua] competitividade”.
Na Grécia, milhares de agricultores e criadores de gado têm organizado
protestos, com bloqueio de estradas, contra o aumento dos custos de produção e
a diminuição dos rendimentos. Embora o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis,
tenha anunciado, 30 de janeiro, que o governo aumentará a ajuda – de dois mil
euros para o máximo de dez mil euros – a cada produtor da região central do
país, onde as cheias de setembro dizimaram as colheitas, os agricultores
consideram a medida insuficiente e exigem que as indemnizações do Estado sejam
pagas desde já.
Outras das principais reivindicações são a revisão da PAC da UE,
cuja aplicação reduz o rendimento para metade, e a redução dos custos de
produção, através de isenções fiscais para os combustíveis, bem como uma
indemnização pela diminuição de lucros e por uma série de catástrofes naturais.
As três principais organizações agrícolas espanholas prometeram mobilizações
em todo o país. A Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), a UPA – União
de Pequenos Agricultores e Ganadeiros e a Coordenadora de Organizações de
Agricultores e Ganadeiros (COAG) querem mudanças, a nível da UE, nas políticas
governamentais e na aplicação pelas comunidades autónomas. Destacam a concorrência desleal e a luta dos agricultores contra um
mercado desregulado que importa de países terceiros, a preços baixos, e com
regulamentos desiguais. É “contradição e hipocrisia” que põem em causa a
viabilidade de milhares de explorações agrícolas.
Por isso, exigem a suspensão da ratificação dos
acordos com o Mercosul e com a Nova Zelândia, e a das negociações com o Chile,
o Quénia, o México, a Índia e a Austrália, bem como o aumento dos controlos das
importações provenientes de Marrocos. Os motivos dos protestos em
Espanha abrangem a PAC, que implica burocracia insuportável e com custos
ambientais.
A nível nacional, pedem a alteração e o alargamento da lei sobre a cadeia
agroalimentar, para proibir práticas desleais, de modo que os preços dos
agricultores cubram os custos de produção, e apelam à criação do observatório
das importações e que a batalha em Bruxelas seja reforçada, para exigir
reciprocidade para todos os produtos agrícolas e pecuários que entram no
território da UE. E, nas comunidades autónomas, exigem “reformas urgentes em
termos de simplificação dos procedimentos burocráticos que asfixiam os
profissionais da agricultura”.
Também centenas de
agricultores portugueses se juntam aos protestos dos noutros países europeus.
De norte a sul, cortando o acesso a várias estradas e autoestradas, reclamam a
valorização do setor e condições justas.
O protesto foi da iniciativa do Movimento Civil de Agricultores
e decorre a partir do anúncio, pelo governo, de um pacote de mais de 400
milhões de euros para mitigar o impacto provocado pela seca e para reforçar o
Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC). O pacote abrange apoio à produção, no valor de 200 milhões de euros, cujo maior
impacto será nas regiões mais afetadas, como o Alentejo e o Algarve, e uma
linha de crédito de apoio à tesouraria de 50 milhões de euros, com taxa de juro
zero. Por outro lado, o governo baixará o imposto sobre os
produtos petrolíferos (ISP) do gasóleo agrícola para o mínimo permitido, “uma
redução de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos”, ou seja 55%, de
acordo com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que vem dialogando
com os agricultores. E está previsto um reforço de 60 milhões de euros
no primeiro pilar do PEPAC, nos apoios à produção, de modo a assegurar
as candidaturas aos ecorregimes agricultura biológica e produção integrada.
O segundo pilar do PEPAC será reforçado, com 60 milhões de euros,
para assegurar, “até fevereiro”, o pagamento das candidaturas às medidas de
ambiente e de clima.
Para a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), este compromisso “dá
razão às suas exigências e corrige o erro de gestão do Ministério da
Agricultura, possibilitando que o setor agroflorestal invista nos modos de
produção biológica e integrada”. Porém, em comunicado de 31 de janeiro, em que
afirma entender a revolta do setor, o presidente da CAP, Álvaro Mendonça e
Moura, ressalva não ser aceitável pôr em causa o funcionamento do mercado único
europeu, através de bloqueios que impedem a circulação de mercadorias, levando
à deterioração de produtos e que impõem elevados prejuízos aos produtores. E avançou
que o governo vai reverter os cortes previstos para os agricultores, no âmbito
do PEPAC, que poderiam, no caso da agricultura biológica, ascender a 35%.
Porém, a reversão carece de autorização especial da Comissão Europeia, que o
Ministério da Agricultura comprometeu-se a agilizar de imediato.
***
Além dos motivos de protesto comuns aos demais agricultores europeus, há protestos
específicos dos agricultores portugueses e até diferentes de região para região.
Se, na
zona Centro, as principais preocupações são os elevados custos dos fatores de
produção e os apoios ao setor através do PEPAC, mais a sul, especialmente na
Península de Setúbal e no Alentejo, mais afetados pela seca, os agricultores
pedem que o governo regule os preços e conceda licenças para fazer furos ou
captações de água para rega. Os agricultores da zona de Aveiro protestam contra
custos elevados de produção; e os do Baixo Mondego querem garantia de ajudas do
PEPAC, até 2027. Em Lamego, onde os setores da fruta e do leite são os mais
representados, a crítica visa os atrasos nos seguros das colheitas (sobretudo
tendo em conta os prejuízos advenientes da geada e do granizo), a morosidade da
aprovação das candidaturas para a construção de mecanismos de proteção antigeada
e antigranizo, os elevados custos de produção e a discrepância das regras entre Portugal e Espanha.
Mais a
sul do país, como é óbvio, os problemas dos agricultores têm a ver, sobretudo,
com a seca e com a alimentação dos animais. E, em Vila Verde de Ficalho, a três
quilómetros de Espanha, apelou-se por um “tratamento igual” ao que recebem os
agricultores no país vizinho, bem como pela devolução
das ajudas da agricultura biológica e da produção integrada.
***
Estes dramáticos protestos afetam outros setores, nomeadamente o das
empresas de transporte de mercadorias, e podem fazer claudicar os mecanismos de
distribuição, pelo que a
Comissão Europeia prepara, com a presidência semestral belga do Conselho, proposta
de redução de encargos administrativos dos agricultores, a debater pelos
ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros da UE, a 26 de fevereiro.
Contudo, é de assinalar, que, apesar de estarmos a cavar o inferno climático, a
transição energética e verde torna-se muito custosa e envolve inúmeras contradições,
como a subsidiação a combustíveis fósseis (gasóleo), o aumento da circulação automóvel,
a magreza da ferrovia e a sua não eletrificação.
2024.02.03 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário