A Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus ou Start Campus, que está a
desenvolver o Data Center, megacentro de dados em Sines, denominado Sines 4.0, recebeu uma
injeção de 25 milhões de euros dos acionistas, no final de 2023, no primeiro aporte de fundos,
desde que eclodiu a operação Influencer, que investiga suspeitas de corrupção que estiveram na
base da queda do XXIII Governo Constitucional, o terceiro liderado por António Costa.
Uma fonte próxima do grupo referiu que há faturas com os empreiteiros e custos de estrutura para
suportar; e outra garantiu que os parceiros mantêm a intenção de continuar com o investimento.
Sem acesso à banca, o projeto – iniciativa dos americanos da Davidson Kempner, parceiro
financeiro, e dos britânicos da Pioneer Point Partners, parceiro operacional, que controlam a Start
Campus, através de uma rede de empresas que vai desde as ilhas Caimão – vem sendo financiado
com recurso a fundos próprios dos acionistas.
De acordo com o portal dos atos societários do Ministério da Justiça, a Start Campus já recebeu
208 milhões, através de 15 emissões de obrigações realizadas por oferta particular, entre junho de
2021 e o final de 2023. Esse dinheiro serviu, sobretudo, para a aquisição dos terrenos e do
equipamento para desenvolver o que é considerado o segundo maior investimento estrangeiro em
Portugal, depois da Autoeuropa, na ordem dos 3,5 mil milhões de euros.
A anterior injeção ocorreu pouco antes das buscas do Ministério Público (MP) no âmbito da
Operação Influencer, a 7 de novembro, devido a suspeitas de corrupção, envolvendo membros do
governo (ou a ele afetos) relacionados com vários grandes negócios em curso no país, incluindo
o lítio, o hidrogénio e o Data Center hiperescalador Sines 4.0 (designação do megaprojeto).
O caso precipitou a demissão do primeiro-ministro (PM) António Costa e, consequentemente, a
demissão de todo o Executivo, levando o país para novas eleições, marcadas para 10 de março.
O MP suspeita que a Start Campus contratou o advogado Diogo Lacerda Machado, por este ser
amigo do PM, pagando-lhe 6.533,32 euros líquidos, por mês, para influenciar o governo e
entidades públicas a tomarem decisões favoráveis ao grupo empresarial. Foi-lhe ainda dada uma
opção para ficar com 0,5% do capital.
Uma das suspeitas recai sobre a “lei malandra”, que teria a intenção de favorecer a Start Campus,
mas que acabou fora do diploma do simplex, o do licenciamento de obras promulgado pelo
Presidente da República, a 4 de janeiro. É o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.
A Start Campus era liderada por Afonso Salema, que renunciou ao cargo de CEO, após ter sido
constituído arguido no âmbito da Operação Influencer. Com ele saiu o administrador Rui Oliveira
Neves, sócio da sociedade de advogados Morais Leitão, posição que viu ser suspensa. A Start
Campus foi igualmente constituída arguida no âmbito da Operação Influencer e obrigada a pagar
uma caução de 600 mil euros como medida de coação. E Salema foi substituído por Richard Dunn,
que dá continuidade a um projeto de 3,5 mil milhões de euros, que promete criar 1.200 empregos
diretos “altamente qualificados” e oito mil empregos indiretos até 2028, três anos mais tarde do
que estava previsto inicialmente (2025). Porém, em novembro de 2023, o empreendimento ainda
estava na fase de projeto-piloto.
***
A Start Campus ambiciona instalar, em Sines, um enorme campus, para centros de dados, a norte
da antiga central termoelétrica da EDP, que, durante anos, aqueceu as águas da praia de São
Torpes. Com a primeira fase do projeto quase concluída, mas acumulando três anos de atraso,
face à calendarização, o futuro do empreendimento está ensombrado por suspeitas da Influencer.
O projeto, denominado Sines 4.0, foi anunciado em abril de 2021, um mês depois de ter sido
considerado, pelo governo, projeto de Potencial Interesse Nacional (PIN).
Nos termos em que foi anunciado há quase três anos, o Sines 4.0 seria composto por um conjunto
de cinco edifícios de grande dimensão para alojar servidores, em conjunto com um edifício inicial
de menor dimensão, a que o grupo empresarial chamou NEST. A escolha da localização prendia-se
com o acesso a fontes de energia renováveis e com a proximidade da costa e de um importante
ponto de amarração de cabos submarinos. Esses cabos são infraestruturas críticas que atravessam
oceanos e pelas quais circula o grosso das comunicações intercontinentais. Sem eles, não existiria
a Internet como a conhecemos.
Então, o governo comparou a dimensão do projeto com a da fábrica automóvel da Volkswagen
em Palmela: “É, sem dúvida, o maior investimento estrangeiro que o país captou desde a
Autoeuropa”, afirmava, em abril de 2021, Eurico Brilhante Dias, então secretário de Estado da
Internacionalização e que atualmente lidera o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS).
Um comunicado do grupo empresarial explicava que o Sines 4.0 seria “um dos maiores projetos
de campus de centros de dados na Europa”, para “dar resposta à explosão de procura, por parte
de empresas tecnológicas internacionais que fornecem serviços como streaming, redes sociais,
comércio eletrónico, gaming, educação online, videoconferências, computação na cloud e outras
aplicações de processamento de dados”. O facto de se situar perto da antiga central elétrica a
carvão permitiria à Start Campus aproveitar infraestruturas existentes, para recorrer à água do mar
para arrefecer os servidores, por exemplo.
Está previsto o lançamento do Sines 4.0 em seis fases, correspondendo a primeira ao NEST, com
uma “capacidade útil de produção” – isto é, a capacidade energética consumida pelos servidores
– de 15 megawatt (MW), seguindo-se os cinco restantes edifícios, com 90 MW cada. Desde o
primeiro momento, a Start Campus chamou ao Sines 4.0 de “mega data center“, a designação
atribuída pelo Data Center Institute aos centros de dados com capacidade para albergar mais de
nove mil bastidores com servidores.
Cerca de um ano depois da apresentação ao público, a Start Campus deu conta do início da
construção do NEST, com um investimento inicial estimado de 130 milhões de euros, e de
algumas alterações ao projeto, pois referia 2027 como ano da conclusão da construção (ao invés
de 2025) e mencionava que o Sines 4.0 seria composto por oito edifícios de 60 MW, além do
NEST (ao invés dos cinco edifícios com 90 MW). A empresa esperava concluir a construção do
NEST no primeiro trimestre de 2023.
Segundo uma “memória descritiva” do Sines 4.0, disponível no site da Agência Portuguesa do
Ambiente (APA), o NEST “constitui o projeto-piloto” do empreendimento. “O projeto NEST
inclui a conceção, a construção e a colocação em funcionamento de um edifício de processamento
de dados para hyperscalers e respetivas infraestruturas, que, depois de construídos, formarão a
universalidade que será cedida a hyperscalers, para estes ali desenvolverem a atividade de
processamento de dados propriamente dita”, lê-se no documento. “O NEST poderá ser utilizado
por um ou mais hyperscalers, simultaneamente ou não, para funcionar como plataforma de teste
de equipamentos e de conhecimento e familiarização com a localização e suas infraestruturas.
Hyperscaler é o termo usado para empresas tecnológicas cujos modelos de negócio estão
dependentes da gestão de enormes quantidades de dados.
Afonso Salema noticiava, em março de 2023, que o NEST ficaria operacional “no final de
setembro”, depois de um “ligeiro atraso”, e explicava que “o projeto está a correr bastante bem”
e que a empresa tinha antecipado a compra de “grande parte do equipamento”, para escapar aos
constrangimentos das cadeias de abastecimento que se verificaram ao longo de 2022. Porém, não
referiu as dificuldades encontradas, quanto ao facto de, alegadamente, grande parte do projeto
estar inserida numa Zona Especial de Conservação (ZEC), o que exigiria uma Avaliação de
Impacte Ambiental (AIA) por parte da APA, como está descrito na indiciação do MP, com base
em escutas telefónicas aos envolvidos.
Nuno Lacasta, presidente da APA, que também é arguido no processo, concedeu isenção de AIA
à primeira fase do Sines 4.0, o que permitiu o arranque da construção do NEST.
No início de outubro de 2023, já com um atraso, face ao previsto, o promotor anunciou estar a
começar a acolher os “primeiros clientes hyperscalers” no NEST, para a fase de configuração
inicial do edifício. “Antecipando o lançamento operacional do centro de dados da Start Campus,
está em curso o processo de onboarding [acolhimento] dos novos hyperscalers, incluindo o acesso
a soluções de conectividade de rede únicas e diversificadas”, anunciou o promotor. O calendário
foi dilatado, novamente, prevendo-se que o NEST estará “totalmente operacional até março de
2024” e que o Sines 4.0 será finalizado em 2028, três anos depois da estimativa inicial.
Além disso, a configuração voltou a ser de cinco edifícios, além do NEST, num total de seis
edifícios, para albergar servidores, como avançado em 2021, e não oito edifícios de menor
dimensão, como referido pela Start Campus, aquando do início dos trabalhos de construção.
O NEST é, por isso, a única parte da construção do Sines 4.0 que já começou a ver a luz do dia,
mas ainda não está finalizado. Trata-se de um edifício de cinco mil metros quadrados, instalado
num lote com nove hectares, dos mais de 60 hectares previstos para o campus, correspondendo a
“um módulo para colocação de servidores, um módulo para os sistemas de distribuição elétricos
(incluindo baterias) e um módulo para os sistemas mecânicos (sistemas de arrefecimento e
climatização), correspondendo a cerca de 3% do total do projeto, segundo o MP.
Não se sabe quantos clientes já terá a Start Campus, mas o grupo tem destacado os acordos com
parceiros de conectividade, de que são exemplo o cabo submarino EllaLink, a EXA Infrastructure,
a DE-CIX e a Colt. Também é pouco claro o impacto que a investigação criminal terá nos planos
da Start Campus, já que perdeu, se súbito, dois dos principais administradores.
A Start Campus terá reconhecido o dano reputacional que a Operação Influencer teve no projeto,
tendo até em linha de conta que a empresa dizia seguir os mais altos critérios ambientais, sociais
e de governance. Porém, o grupo que teve autorização condicionada, para avançar, já garantiu, ao
todo, 183 milhões de euros, segundo os atos societários disponíveis no portal do Ministério da
Justiça. No final de outubro, uma semana antes das buscas pelas autoridades, se financiou, através
de oferta particular de obrigações em 32 milhões de euros, na que foi a 14.ª emissão nos últimos
dois anos. Efetivamente, o financiamento do projeto tem sido realizado, até agora, por fundos
próprios, pois os bancos nacionais nunca mostraram abertura para o financiar, por se tratar de um
conceito novo, que precisa de ser testado.
O governo tenta tranquilizar os investidores estrangeiros já presentes ou interessados em investir,
com o PM, inclusivamente, a ter falado ao país num sábado à noite para dizer que é dever dos
governos a “atração de investimento estrangeiro” e que “a qualquer governo compete assegurar
que o resultado final é a melhor satisfação do interesse público no seu conjunto”.
***
Neste momento, levantam-se algumas questões: Apesar do impacto reputacional da investigação
das suspeitas, o grupo continuará com o investimento? Haverá confiança dos investidores, que
ultrapasse a turbulência provocada por um longo período pré-eleitoral e por um eventual clima de
difícil governabilidade? Qual a razão do ceticismo bancário sobre a matéria? O empreendimento
é útil para o país ou será mais útil para interesses externos?
A Start Campus tem sede num 12.º andar das Amoreiras, em Lisboa, mas é controlada por uma
cascata de participações empresariais espalhadas por três paraísos fiscais, com ponto de partida
nas ilhas Caimão, no mar do Caribe, onde está a sociedade de advogados Walkers Global, o último
beneficiário do grupo. Enfim, trata-se de um grupo muito restrito de empresas especializadas no
tratamento de transações internacionais complexas e assuntos transfronteiriços.
2024.02.06 – Louro de Carvalho
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