É a grande
tese-mensagem que António Horta Osório formulou, a 16 de dezembro de 2022, na
tertúlia “Portugal e Europa”, que assinalou o início das comemorações dos 158.º
aniversário do Diário de Notícias (DN), vincando que Portugal, apesar de o
ano de 2023 ser de “incerteza e dificuldade”, tem condições para fazer crescer
a economia, pois há espaço para contornar as dificuldades. Basta “arregaçar as
mangas e ter essa intenção”.
Eu ficaria
satisfeito com esse postulado do ex-banqueiro, se não tivesse havido mais
outros desenvolvimentos, na sessão que decorreu naquele dia, no Museu de
Marinha, em Lisboa, que levantam fortes dúvidas em relação à sua validade
prática.
Antes da
tertúlia, Marco Galinha, CEO do Global
Media Group, Rosália Amorim, diretora do jornal, e Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, deram início à sessão perante uma
plateia onde figuravam individualidades como Pedro Passos Coelho, ex-primeiro
ministro, e Assunção Cristas, ministra entre 2011 e 2015.
Marco
Galinha enfatizou a importância de preservar o arquivo do DN e de contribuir para ele, que está parcialmente exposto ao
público, na sala D. Luiz, até 28 de fevereiro de 2023. A diretora do DN relevou a importância da exposição:
“Com uma história que já percorreu ditaduras, democracias, guerras e crises,
acreditamos que não nos podemos resignar perante as dificuldades e [os] fatores
com que não contávamos.” E Pedro Adão e
Silva destacou a “responsabilidade que é ter um arquivo como o do DN”, que foi, neste ano, classificado
como Tesouro Nacional. Isto porque, segundo defendeu, “se por acaso Portugal
desaparecesse, seria possível reconstruir a história com base no arquivo”.
António
Horta Osório firmou-se na experiência de líder na banca e, nos tempos mais
recentes, de consultor de grandes empresas e de administrador de várias,
incluindo a Bial, para olhar à perspetiva externa dos desafios que Portugal
enfrenta, sendo um dos principais, na sua ótica, a ambição que deve orientar a
sociedade e o poder político na condução do destino económico do país. Não se
trata de uma questão de capacidade, mas de vontade.
O
ex-banqueiro não duvida de que seria possível alavancar a dinâmica económica e
“dobrar o rendimento do país” em dez anos. Porém, sustenta a necessidade de
deixar de lado as questões partidárias e de definir o rumo a seguir, com
consensos prolongados no tempo, E, mais do que isto, impõe-se a aposta forte na
inovação, com mais apoios públicos, que devem ser dirigidos, prioritariamente, à inovação. Ou seja, Horta
Osório bate na tecla neoliberal: acredita num futuro do país com menos Estado,
mas mais dinheiro público disponível para o setor privado, que julga ser o
motor do crescimento. Sublinha o inefável perito: “Acredito que o setor privado
e as pessoas terem mais dinheiro nos seus bolsos é aquilo que, a prazo, produz
mais riqueza.”
Segundo o
especialista, o fim de duas décadas de crescimento anémico deve ser
complementado com a continuação da aposta nas exportações, área em que se pode
“sempre fazer mais”, e com o estímulo à concorrência. No entanto, são grandes
as dificuldades e os desafios que o próximo ano reserva para a economia
nacional e europeia. E a inflação, a que “a maior parte dos portugueses já não
está habituada”, constituirá um dos principais obstáculos, desde logo por ser
“um péssimo imposto” – “um custo cego para as pessoas”, que “provoca
imediatamente assimetrias”, sendo “muito pior para quem tem menos posses”.
O anterior
líder de topo da banca considera a necessidade de “prudência” por parte do
Banco Central Europeu (BCE) na política de subida das taxas de juro e destaca o
“momento de grande incerteza” agravado na Europa, face aos Estados Unidos da
América (EUA), pela guerra na Ucrânia e pela crise energética – contexto que
obriga à continuação da estratégia de redução da nossa dívida pública, para
aumentar a soberania do país em relação ao seu destino.
Tendo em conta que a dívida sobre o produto interno bruto (PIB) francês
ronda os 115%, Horta Osório entende que temos a possibilidade de, em 2023 ou em
2024, ficarmos com a dívida sobre o PIB abaixo do rácio francês. Isso trará a Portugal a vantagem de evitar “uma
restrição externa” e de crescer sem a pressão do endividamento. Caso contrário,
ficaremos como estamos agora.
Para isso,
há que rever as políticas de imigração para resolver o problema demográfico,
não bastando abrir as fronteiras, mas devendo desenhar estratégias para a
atração de trabalhadores estrangeiros “com base nas competências de que o país
precisa”. Com estratégia adequada, objetivos bem definidos, menos impostos e
reforço da produtividade, ao ex-banqueiro não resta dúvida de que podemos ter
um futuro risonho, já que “os portugueses têm imensa capacidade”.
Aberto o
período de questões da plateia, Horta Osório, tendo sofrido burnout quando liderava o Lloyds – que
tirou da falência –, a instâncias de Ricardo Batista Leite, médico e deputado
do PSD, partilhou o seu testemunho, frisou que a saúde mental deve ser uma
prioridade e que, dentro das empresas, o tema deve ser discutido e falado, para
haver investimento nesta área, o que será benéfico até “para o bom
funcionamento das empresas”.
Aliás, os
atos de filantropia na área da saúde mental terão constituído uma das razões
pela qual a Rainha Isabel II deu a António Horta Osório o título de Sir, em
2021.
***
Escandaliza-me
que um adepto do liberalismo, agora colorido de neoliberalismo, baseie o
crescimento económico na diminuição drástica da intervenção do Estado, de modo
a que haja menos Estado, para haver melhor Estado, e pretenda, simultaneamente,
o aumento da injeção dos dinheiros públicos nas empresas privadas, pois só
assim haverá crescimento da riqueza. É óbvio que o ex-banqueiro tinha, naquele
dia, uma plateia favorável a esta incoerência.
Por
outro lado, poucas ideias novas surgiram no quadro da tertúlia. Efetivamente,
apostar mais e melhor nas exportações, promover a produtividade e estimular a
concorrência são receitas papagueadas diariamente. Aconselhar prudência ao BCE
na decisão do aumento de juros é tecla batida por Marcelo Rebelo de Sousa e por
António Costa. E reduzir a dívida e o défice é a aposta de Fernando Medina.
Resta saber se é possível reduzir a dívida e o défice, diminuir impostos e, ao
mesmo tempo, prestar ajuda suficiente às famílias e às empresas, aumentar
significativamente salários (nomeadamente na administração pública) e pensões
ao nível do desejável, e fortalecer o Serviço Nacional de Saúde e a escola
pública. Enfim, pretende-se meter o Rossio na Betesga!
A
única novidade que vejo no discurso de Horta Osório é a apologia da necessidade
do investimento em saúde mental, como mais-valia para os trabalhadores e para o
funcionamento das próprias empresas. Aliás, do meu ponto de vista, todos os
empregadores – públicos e privados – deveriam contribuir, de forma substancial,
para a saúde dos seus trabalhadores.
Quanto
ao estímulo da concorrência, devo dizer que funciona como pau de dois bicos. O
espírito de iniciativa devia levar à criação de riqueza através da empresa
privada e possibilitar aos consumidores várias opções, ao nível da melhor
qualidade e do melhor preço. Não obstante, com base nesta ideia liberalizante,
privatizaram-se muitas empresas, muitas das quais pertencentes a setores
estratégicos. Porém, no geral, os serviços são de pior qualidade e acabam, mais
dia menos dia, por ser mais caros. A concorrência descamba em monopólio, pela
aniquilação dos mais pequenos (compra de participações, operações públicas de
aquisição, fusões…).
Privatizou-se
a banca, a EDP, a REN e os CTT; criaram-se empresas concorrentes; surgiram os
ditos mercados livres; fazem-se restruturações com base na dispensa de
colaboradores, no encerramento de balcões, na dificuldade de acesso, na criação
de taxas e taxinhas, enfim na exploração de clientes, nomeadamente dos mais
carecidos e dos mais iletrados. E isto contamina os serviços do Estado: menos
funcionários, salários reais mais baixos, menor qualidade do atendimento. Em
muitos casos, de que os mais emblemáticos são a saúde, a educação e os seguros,
surgiram alternativas no setor privado, muitas vezes com vantagem sobre o setor
público, exceto em situações mais críticas, em que se impõe o recurso aos
serviços públicos.
Em
tempo de crise, todos exigem que o Estado lhes pague o efeito económico e
social da crise, mas, em vez da concorrência que dê diversidade de preços,
fazem cartel e são oportunistas no aumento de preços. E, até em normalidade, os
interesses privados capturam a seu favor a máquina do Estado. Que é a
municipalização de certos setores senão a via para privatizar por concessão ou
por adjudicação e sem diminuir o peso da máquina da administração central?
Diz-se
que os países do Leste crescem mais do que Portugal (agora, só a Roménia cresce
mais do que nós), mas ninguém se pergunta a que preço social se constrói esse
crescimento. Estamos fartos de países ricos em que as desigualdades são brutais
e a maior parte dos cidadãos são pobres. Já se dizia, no tempo do XIX Governo
Constitucional, que o país estava melhor e os portugueses pior. E hoje alguns
dizem que os cofres públicos estão cheios e os portuguese estão a empobrecer.
Agradeço
a sugestão de Horta Osório, mas não quero esse percurso. O crescimento tem se
ser equitativo. Aliás, o ex-banqueiro teve sobre si a aplicação de multa em
montante significativo, não por crimes financeiros, mas por erros na gestão da
crise do seu banco. Milagres, onde estão?
Talvez
seja melhor pensar em organizar a empresa/serviço, em fazer bom planeamento, em
monitorizar, em avaliar e em reformular, bem como investir na formação de
gestores e de trabalhadores, criar condições de trabalho digno, promovendo a
sadia articulação entre a responsabilidade laboral e a familiar e social.
Talvez tenhamos de ir por aí. O império do laissez
faire, laissez passer não dá bons resultados num modelo económico que se
deixou estrangular pelo capitalismo financeiro feroz e sem rosto, que produz a
economia que mata, em vez de provocar bem-estar e promover o bem comum. E nunca
deveria ser pensável suspender a democracia, minimizando as questões
partidárias. Do debate deve fazer-se luz e decisão.
O
Natal também devia servir para refletir sobre a marcha da economia.
2022.12.24 – Louro de Carvalho
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