No âmbito da Operação “Tempestade Perfeita”, da Polícia Judiciária (PJ),
por suspeitas de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação
económica em negócio, abuso de poder e branqueamento, em adjudicações
do Ministério da Defesa Nacional (MDN) a várias empresas, por derrapagem
das obras de adaptação do Hospital Militar de Belém para o tratamento de
doentes covid-19, a Unidade Nacional de
Combate à Corrupção (UNCC) da PJ fez cinco
detenções, a 6 de dezembro. E, em resultado da investigação, ficaram
constituídos, no total, 19 arguidos.
A operação da PJ, que se desenvolveu
em Lisboa, no Porto, em Alter do Chão, em Almada e na Comporta, contou com 200
inspetores e peritos, um magistrado judicial e dois procuradores. Os detidos
foram ouvidos por um juiz de instrução criminal, que definiu as medidas de
coação.
O MDN confirmou a presença da PJ e do Ministério
Público (MP) nas suas instalações, na Direção-Geral de Recursos da Defesa
Nacional (DGRDN), no âmbito de averiguações a atos praticados entre 2018 e 2021, reafirmando “a sua total colaboração com as
autoridades em tudo o que lhe for solicitado”. Por sua vez, a CNN Portugal garantiu que um dos cinco
detidos é Alberto Coelho, alto quadro do
Estado que, durante seis anos, liderou a DGRDN e que fora acusado pelo MP,
como avançou, em abril, o Diário de
Notícias (DN). Antes de ocupar
tais funções, foi diretor-geral de Pessoal, desde 2002. Ao todo, foi ao
longo de 18 anos diretor-geral no MDN. Outros dois são altos quadros civis
do MDN: Francisco Marques, diretor de Serviços de Infraestruturas e Património,
e Paulo Branco, ex-diretor da Gestão Financeira.
A ligação de Alberto Coelho à Defesa
é tão antiga como a democracia: desempenhou as suas primeiras funções públicas
em 1976, no Conselho da Revolução. Militante do Partido do Centro Democrático
Social (CDS), foi presidente do seu Conselho Nacional de Jurisdição na
liderança de Francisco Rodrigues dos Santos. Segundo a PJ, estão em causa crimes de corrupção
ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e
branqueamento, ilícitos que lesaram o Estado em muitos milhares de euros, que
podem ter levado à derrapagem dos custos das obras de adaptação do ex-Hospital
Militar de Belém (ex-HMB), agora Centro de Apoio Militar de Belém, para o
tratamento de doentes de covid-19, que ascenderam aos 3,2 milhões de euros,
quando a previsão era de 750 mil euros, como revelou o Expresso em abril de 2021.
O relatório de auditoria que apurou a mais do que a quadruplicação do valor
foi classificado como “confidencial” pelo então ministro da Defesa, João Gomes
Cravinho, decisão que justificou por estarem em causa “eventuais
responsabilidades individuais”. E, na sequência do relatório, Gomes Cravinho
afastou Alberto Coelho da DGRDN, mas fê-lo
presidente da empresa de tecnologias de Defesa ETI (Empordef – Tecnologias de
Informação), que pertence 100% ao Estado, tendo deixado o cargo em agosto deste
ano, por motivo de reforma.
O caso dos valores excessivos para a adjudicação em causa foi identificado
oficialmente, em julho de 2020, através de despacho do então secretário de
Estado Jorge Seguro Sanches, onde vincou não ter recebido respostas
esclarecedoras de Alberto Coelho sobre quem autorizou uma despesa “mais de três
vezes superior ao inicialmente estimado” para as obras no ex-HMB. Os valores
ultrapassavam em muito o plafond autorizado
a diretores-gerais. Além disso, Seguro Sanches assinalava que as adjudicações não
foram comunicadas aos membros do Governo responsáveis. E ordenou a auditoria
que apurou os pormenores que levaram à investigação da PJ e a denúncias
anónimas de factos que se reportam a 2018.
Segundo a notícia de abril, do DN,
no contraditório solicitado pela Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN),
Alberto Coelho disse ter informado o ministro numa apresentação presencial
sobre o início do procedimento e sobre a autorização para a realização da
despesa e alegou ter recebido permissão que, num despacho de 20 de março de
2020, dava indicação para “avançar a todo o gás”. Não era, porém, um pedido
formal de autorização.
No despacho em que identificou o problema, Seguro Sanches queixou-se da
forma como Alberto Coelho lhe respondeu às perguntas, com o envio de “220
folhas”, não numeradas e não identificadas, entregues de “de forma
desordenada”. E escreveu que o procedimento do ajuste direto e a escolha das
empresas contratadas eram da exclusiva responsabilidade do diretor-geral, que o
fez “sem qualquer pedido de autorização à tutela”, ao invés do exigido por lei.
Além da oposição, também o então secretário de Estado da
Defesa achou imprudente a nomeação de Alberto Coelho para a presidência da ETI.
Seguro Sanches tinha feito várias diligências, que contribuíram para
desencadear as investigações judiciais que culminaram com a detenção de três
altos quadros do MDN e dois empresários, destapando uma rede que já vai em 19
arguidos.
Quando Cravinho apontou Coelho para a ETI, Seguro Sanches
tinha feito dois despachos negativos para a DGRDN. O primeiro, a 24 de julho de
2020, verificava a sobredita derrapagem e que a despesa não tinha sido
autorizada por si. O diretor-geral tinha extravasado as competências legais e
Seguro Sanches dava conta da resistência ou recusa de Alberto Coelho em discriminar
os “valores totais”, os contratos e os valores adjudicados. O despacho deu
origem a auditoria da IGDN. Uma semana depois, o segundo despacho, de 3 de
agosto de 2020, evidenciava o recurso ilegal desses €3,2 milhões a partir de
verbas da Lei das Infraestruturas Militares (LIM), que prevê as alienações, os
investimentos e as obras nos edifícios das Forças Armadas. O secretário de
Estado escrevia não ter dado acordo nem despacho a qualquer integração dos
projetos do ex-HMB na LIM, pelo que os projetos tinham de ser corrigidos, pois,
segundo a LIM, a reafetação das verbas só pode ser feita com autorização do
membro do Governo responsável.
Nos meses seguintes, a IGDN produziu uma auditoria revelada
em abril de 2021, quando a TSF noticiou
as conclusões que comprovaram a mais do que quadruplicação dos valores da obra
no ex-HMB e a ilegalidade das decisões. Gomes Cravinho manteve a classificação
da auditoria como “confidencial”, mas enviou-a ao Tribunal de Contas (TdC) e à
Procuradoria-Geral da República (PGR). Porém, nomeou Alberto Coelho para o novo
cargo e desvalorizou a derrapagem orçamental em declarações no Parlamento.
Mais: em julho de 2021, a Defesa não acatou o parecer da Comissão de Acesso aos
Documentos Administrativos (CADA), a dar razão a uma queixa do Expresso, no sentido da desclassificação
da auditoria.
Entretanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse que
“este é o momento de trabalho da justiça, não é o momento para comentários
políticos”, desejando “que se esclareça tudo o que há a esclarecer e que a
justiça possa fazer o seu trabalho”.
O atual secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão
Ferreira, que era o presidente da idD quando Alberto Coelho foi nomeado
administrador da ETI, escuda-se no parecer da Comissão de Recrutamento e Seleção
para a Administração Pública (CReSAP) e na informação disponível, apesar de
tudo o que já se sabia: “Qualquer decisão tem por base a informação disponível
no momento em que é tomada.” E frisou que a nomeação “cumpriu os preceitos
legais e foi precedida de avaliação curricular e de adequação de competências
pela CReSAP”. No entanto, Alberto Coelho viria a ser multado em €15 mil pelo
TdC por seis infrações financeiras.
Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional, garante “total
colaboração com as autoridades em tudo o que for solicitado”. E, quanto à manutenção
de Francisco Marques no cargo de diretor de Serviços de Infraestruturas e
Património, o seu gabinete respondeu que “quaisquer decisões de caráter
funcional ou disciplinar que se mostrem necessárias serão tomadas em devido
tempo”. E Paulo Branco, ex-diretor da Gestão Financeira, foi exonerado em 2021
e é coordenador setorial do Sistema Nacional de Planeamento Civil de
Emergência. Homem insubstituível!
Segundo o MP, Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco
Marques participaram “num esquema de conluio de contratação pública” com alguns
empresários da área da construção civil, e usaram “estratégias sofisticadas”
para esconderem a origem dos lucros. Durante dois anos, receberam “quantias em
numerário, viaturas e remodelação dos seus imóveis”. As autoridades tiveram em
conta duas auditorias da IGDN e o relatório da Unidade de Perícia Financeira e
Contabilística (UPFC) da PJ, que concluíram que, entre 1 de janeiro de 2015 e
24 de fevereiro de 2021, Alberto Coelho se fez “ladear de pessoas da sua confiança,
colocando-as em funções estratégicas” no MDN. Paulo Branco foi nomeado em
setembro de 2020 e Francisco Marques foi contratado três meses depois. Para o
MP, os dois usaram do forte ascendente sobre funcionários sujeitos ao seu poder
hierárquico e usaram amizades construídas no seu percurso profissional naquele
organismo do Estado para avançar com um esquema que terminou no início de 2021,
quando Alberto Coelho saiu da DGRDN, no fim do mandato, mas após as notícias
sobre a derrapagem da empreitada do ex-HMB. Pelo mesmo motivo, Paulo Branco foi
afastado do cargo que ocupava no MDN.
Há ainda dois grupos de suspeitos: três donos de empresas de
construção civil e dois empresários da desmatação e limpeza de terrenos, que beneficiaram
de adjudicações em edifícios militares.
***
De imediato, o presidente do Chega defendeu a demissão do ministro dos
Negócios Estrangeiros, Gomes Cravinho, ex-titular da Defesa Nacional, por
considerar que o governante é “o principal responsável da situação que hoje se
vive na Defesa, não obstante já não ser ele o titular da Defesa”. E conseguiu
agendar potestativamente, para o dia 20, uma audição com o ministro.
Entretanto, o Partido Social Democrata (PSD) quis ouvir formalmente, na
Comissão de Defesa, explicações de Gomes Cravinho e do atual secretário de
Estado da Defesa, mas a maioria não permitiu a audição, aduzindo que o Chega
tem já uma conversa agendada com o ministro.
O requerimento foi rejeitado com os
votos contra do PS, embora obtendo os votos favoráveis de PSD, Chega,
Iniciativa Liberal e PCP. O Bloco de Esquerda não marcou presença na reunião.
Do meu ponto de vista e dado que o ministro se disponibilizou para a
audição, até porque diz ter agido sempre de forma correta, o caso merece todas
as explicações políticas, não bastando que a Justiça atue. Talvez a postura do
Parlamento Europeu e do grupo do Partido Socialista Europeu PSE), no caso de
Eva Kaili, possam servir de exemplo ao nosso Parlamento. Ministros e
Secretários de Estado têm, antes de mais, a responsabilidade política perante o
Parlamento e perante os eleitores, que pode não redundar, eventualmente, em
responsabilidade jurisdicional.
2022.12.15 – Louro de Carvalho
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