Os primeiros-ministros de Portugal e de Espanha, respetivamente, António
Costa, Pedro Sánchez e o presidente francês, Emmanuel Macron, reuniram-se, no
dia 9 de dezembro, em Alicante, em Espanha, para discutirem o “corredor verde”,
que visa dinamizar, no futuro, o transporte de hidrogénio, ou seja, para debaterem
os problemas do hidrogénio e do reforço das interligações de energia entre
Portugal, Espanha e França. Era a cimeira que estava prometida desde 20 de
outubro para clarificar os termos do acordo político a que chegaram naquela
data.
Depois de terem anunciado um acordo de princípio para o lançamento do
“corredor verde”, os três países contaram, agora, com a presença da presidente
da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma convidada de peso, atendendo a
que Portugal, Espanha e França esperam mobilizar financiamento comunitário para
construir o gasoduto que ligará Barcelona a Marselha. E o governo português também
quer que a parcela portuguesa do projeto, o gasoduto que ligará Celorico da Beira
a Zamora, em Espanha, conte com financiamento europeu, para minimizar os custos
para os consumidores portugueses de gás.
A Comissão Europeia considera as interligações energéticas como peça
central na integração dos mercados e na promoção das energias renováveis, pois a
interligação dos mercados contribui para a segurança de abastecimento e
facilita um ambiente mais concorrencial, com mais operadores a acederem a mais
geografias, trazendo vantagens para o consumidor final. Implicam investimentos
avultados em infraestruturas, mas o seu custo é recuperado, ao longo da sua
vida útil, pelas tarifas suportadas por famílias e por empresas. E, quanto mais
interligados estiverem os mercados, mais benefícios mútuos retiram desses
reforços de rede, visto que reduzem o investimento adicional em infraestruturas
nacionais. Um mercado isolado investe mais em sistemas de redundância (como
centrais elétricas com potência firme, para garantir o backup da rede elétrica) do que um mercado que
esteja ligado a outro, podendo importar sempre que seja necessário.
Em 2013, a Comissão Europeia, no respeitante à integração de mercados
energéticos, estimava que a Europa poderia poupar, anualmente, 40 a 70 mil
milhões de euros na eletricidade e no gás, num quadro de maior interligação dos
seus mercados, compensando largamente os investimentos calculados na expansão
das redes europeias, de 180 mil milhões de euros até 2030.
Neste ano, Portugal, sem centrais a carvão, ao recorrer mais à importação
de eletricidade oriunda de Espanha, tirou partido das interligações e dos elevados
volumes de produção do mercado espanhol, para impedir o esgotamento da
capacidade das nossas centrais a gás e para responder à seca e à menor geração
hídrica. Ora, quando a interligação está saturada, o país importador regista um
preço grossista de eletricidade mais alto do que o exportador; e, quanto maior
for a capacidade de interligar os mercados, menor será a diferença de preços.
Também no gás natural, o nosso país tem usado os gasodutos com Espanha para
importação por via terrestre, tirando partido desta como complemento à
importação por via marítima.
No que respeita às ligações entre Portugal e Espanha, há dois gasodutos
ibéricos. O que liga Campo Maior e Badajoz tem capacidade de importação de 134
gigawatt hora (GWh) por dia e capacidade de exportação de 70 GWh por dia. E o
que liga Valença do Minho e Tui permite importar 40 GWh diários e exportar 25
GWh diários. Contudo estas interligações dão contributo minoritário no
aprovisionamento: a maior parte do gás que consumimos vem por via marítima,
através do terminal da REN, em Sines. Já no atinente à eletricidade, há mais
interligações. A sul, a rede da rede energética nacional (REN) liga a
subestação de Tavira a Puebla de Guzman, com uma linha de 400 kV, tendo linha
semelhante entre Alqueva e Brovales. Há uma linha de 400 kV entre a subestação
de Falagueira (perto de Nisa) e Cedillo. No Douro, há outra entre Lagoaça e
Aldeadávila. E, no Minho, há duas linhas de 400 kV a ligar Alto Lindoso a
Cartelle. A estas ligações em muito alta tensão somam-se três em tensões mais
baixas.
Em termos de ligações entre Espanha e França, no gás natural, há dois
gasodutos que atravessam os Pirenéus, entre Irun e Lussagnet e entre Larrau e
Lussagnet. No conjunto, permitem a Espanha exportar diariamente, para França,
224 GWh e importar 165 GWh. E, na eletricidade, Espanha e França estão
interligadas com duas linhas de muito alta tensão entre Itxazo e Argia e entre
Vic e Baixas. A capacidade dessas linhas não ultrapassa 2800 megawatts (MW),
muito aquém dos cerca de 9500 MW de capacidade das linhas ibéricas e aquém da
capacidade comercial que vem sendo usada em média nas interligações entre
Portugal e Espanha (cerca de 3000 MW).
Neste contexto, os Pirenéus constituem um estrangulamento energético entre
a Península Ibérica e o centro da Europa. Portugal e Espanha já funcionam com
mercados integrados na eletricidade e no gás, mas é limitada a capacidade de
trânsito de energia entre estes dois países e França.
O encontro de Alicante visava decidir sobre calendário, fontes de
financiamento e custos com a implementação da componente BarMar (gasoduto
Barcelona – Marselha) do Corredor de Energia Verde entre Portugal, Espanha e
França, trabalhando em ligação com a Comissão Europeia.
O acordo estabeleceu o lançamento do corredor verde (previsivelmente pronto
em 2030) e o abandono do projeto MidCat (lançado, há anos, para construir um novo
gasoduto entre Espanha e França através dos Pirenéus). O referido corredor
incluirá a construção do gasoduto submarino entre Barcelona e Marselha como
principal componente e a construção do gasoduto entre Celorico da Beira
(Portugal) e Zamora (Espanha), obra que, só no troço português, implicará
custos da ordem dos 300 milhões de euros. E os governantes dos três países querem
acelerar a finalização de nova interligação de eletricidade no Golfo da
Biscaia, que reforçará, com um cabo submarino, a capacidade de interligação
entre Espanha e França de 2800 MW para 5000 MW.
O racional destes investimentos no gás (futuramente, hidrogénio) e na
eletricidade é acabar o isolamento energético ibérico, reforçando a capacidade
de interligação entre Espanha e França, que permitirá benefícios mútuos: o
centro da Europa acederá à produção de eletricidade e de hidrogénio verde a
custos competitivos (pelo elevado recurso solar da Península Ibérica) e a
Península Ibérica aproveitará a capacidade nuclear de França para suprir as necessidades
que venha a ter na rede elétrica. Mas há que apurar os benefícios económicos,
para Portugal e Espanha, da exportação de hidrogénio e de eletricidade para
França e para outros mercados europeus.
O hidrogénio verde é uma solução de descarbonização que está a dar os
primeiros passos. Embora haja projetos de larga escala já pensados, quer em
Portugal, quer em Espanha, muitos dos que estão a ser desenhados são de pequena
e média dimensão e visam abastecer localmente alguns pontos de consumo. Porém, já
foram anunciados projetos de hidrogénio verde de maior escala, numa lógica
exportadora, mas com recurso ao transporte marítimo. Paralelamente, os muitos
projetos fotovoltaicos em Portugal e a intenção do governo de leiloar uma
capacidade de 10 gigawatts (GW) para parques eólicos offshore alimentarão a capacidade de produção de
hidrogénio a injetar na rede ibérica de gasodutos.
As caraterísticas físicas do hidrogénio são distintas das do gás natural,
obrigando à adaptação das infraestruturas existentes, para que possa ser feito
o transporte daquele gás renovável.
***
A cimeira de Alicante, entre Portugal, Espanha e França, designou de H2med
o projeto do corredor de hidrogénio verde, que ligará os três países, e revelou
pormenores sobre quanto custará e como será operacionalizado. Custará, pelo
menos, 2,85 mil milhões de euros o conjunto das duas infraestruturas que serão
criadas de raiz, nomeadamente o gasoduto submarino entre Barcelona e Marselha e
o gasoduto terrestre entre Celorico e Zamora.
A apresentação distribuída à imprensa revela que o custo do gasoduto entre
Barcelona e Marselha ascenderá a 2,5 mil milhões de euros, mas o custo final dependerá
de mais estudos, que estão estimados em 35 milhões de euros, dos quais 15
milhões deverão ser gastos até meados de 2024. Já o gasoduto entre Portugal e
Espanha, ligando Celorico e Zamora, custará 350 milhões de euros, em linha com
o valor estimado: um encargo de cerca de 300 milhões para o troço português.
O gasoduto ibérico, com 248 quilómetros de extensão, poderá transportar
anualmente 0,75 milhões de toneladas de hidrogénio verde e o gasoduto entre
Barcelona e Marselha, com 455 quilómetros, poderá transportar dois milhões de
toneladas por ano de hidrogénio verde (10% do consumo europeu de hidrogénio
verde estimado para 2030).
A infraestrutura entre Portugal e Espanha será construída em 48 meses
(incluindo 26 para a fase de licenciamento) e a hispano-francesa levará 56
meses (incluindo 26 para licenciamento). Os governos acordaram que, enquanto o
gasoduto Celorico-Zamora será desenvolvido, em separado, por cada um dos
operadores de rede (REN em Portugal, Enagás em Espanha), a infraestrutura entre
Barcelona e Marselha implicará um acordo entre a Enagás, a Teréga e a GRTgaz.
Este consórcio hispano-francês submeterá, até 15 de dezembro, a candidatura
a Bruxelas, para ser considerada projeto de interesse comum e para aceder a fundos
comunitários. A construção arrancará em fim de 2025 ou início de 2026, devendo
a infraestrutura estar operacional em 2030.
***
Para o primeiro-ministro, os corredores de energia verde são uma mudança de
paradigma, já que Portugal pode vir a ser produtor e exportador de hidrogénio para
o resto da Europa. E as duas ligações internacionais transportarão hidrogénio
verde, no futuro, sem possibilidade de, no imediato, transportarem gás, como
foi anunciado, quando o acordo foi alcançado.
No final do encontro, numa declaração dos quatro líderes aos jornalistas,
António Costa disse que a reunião de Alicante é mais um passo para a
concretização do acordo de outubro, que acrescenta “mais uma fonte de energia
produzida na Península Ibérica para o conjunto da Europa”. Na sua ótica, as
ligações para o hidrogénio, produzido a partir de energias renováveis e menos
poluentes, somam-se às de gás natural e às elétricas existentes na Península
Ibérica, a qual, “por razões naturais”, é “um dos melhores locais da Europa”
para “desenvolver as energias renováveis”.
***
Entretanto, três organizações
ambientalistas, de Portugal (Zero), da Espanha (Ecologistas en Acción) e da Alemanha
(Deutsche Umwelthilfe), sustentam que a construção de gasoduto a ligar Portugal
e o resto da Europa é desnecessária e conflitua com as políticas de
descarbonização da União Europeia. Com efeito, é para expandir a infraestrutura
de gás fóssil, não tem benefícios claros, não tem viabilidade técnica
demonstrada e põe em causa os objetivos climáticos.
Quem terá razão? Quem está a
enganar quem? Hipocrisia económica? Hipercrítica ambientalista?
2022.12.09
– Louro de Carvalho
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