A
meio da caminhada adventícia para o Natal, surge o 3.º domingo do Advento no
Ano A como o domingo da Alegria. Lembrando-nos a proximidade da intervenção de
Deus, a liturgia acende a esperança no coração: “Não vos inquieteis;
alegrai-vos, pois a libertação está a chegar.”
***
Na
1.ª leitura (Is 35,1-6a.10), o
profeta anuncia a chegada de Deus, para dar a vida nova ao Povo, para o
libertar e para o conduzir, em alegria e festa, para a terra da liberdade.
Em
pequena réplica do “grande apocalipse de Isaías”, nos capítulos 24-27, o “pequeno
apocalipse de Isaías”, dos capítulos 34-35, descreve os últimos combates de Javé
contra as nações, sobretudo contra Edom, e a vitória definitiva do Povo de
Deus. É relacionável com o teor dos capítulos 40-55, cujo autor é o
Deuteroisaías que atuou na Babilónia entre os exilados, na fase final do
Exílio, e vem separado do seu ambiente natural, talvez atraído pelas peças
escatológicas de Is 28-33.
Depois
de apresentar o julgamento de Deus e o castigo de Edom, o autor descreve a
transformação extraordinária do deserto, por onde vão passar os israelitas que
regressam do Exílio. O objetivo é consolar os exilados desanimados, porque a
libertação tarda e parece que Deus os abandonou. O capítulo 35 configura uma “ode
à alegria” para acordar a esperança e para revitalizar o ânimo dos exilados. E
a razão da alegria é vinda de Deus a fazer justiça: Ele vai intervir na
história, salvará Judá e abrirá uma estrada no deserto para que o Povo possa
regressar em triunfo a Sião.
O
profeta incita a natureza a preparar-se para a ação de Deus em favor do Povo:
deserto e descampado são instados a revestirem-se de vida abundante (como o
Líbano, o monte Carmelo ou a planície do Sharon, zonas de vida e de
fecundidade) e a ornarem-se de flores de todas as formas e cores. A natureza
manifestará a sua alegria pela intervenção do Senhor e será o cenário adequado
para a intervenção benfazeja de Deus. Além disso, a magnificência das árvores e
das plantas será a imagem da glória e da beleza do Senhor e falará a todos da
grandeza de Deus, da sua capacidade para fazer brotar vida onde só há morte e
desolação. Depois, o profeta dirige-se aos homens. Nada de desânimo ou de baixar
os braços, pois o Senhor vem libertar o Povo. Os exilados devem associar-se à
natureza nessa corrente de alegria, pois veio a libertação.
Em
resultado da iniciativa libertadora de Deus, abrir-se-ão os olhos dos cegos e desimpedir-se-ão
os ouvidos dos surdos. O coxo andará e saltará como o veado e o mudo falará e
cantará de alegria. A ação de Deus é verdadeiramente transformadora e geradora
de vida em abundância. Agora, a marcha do Povo da terra da escravidão para a terra
da liberdade será o novo êxodo, com a repetição das maravilhas operadas por
Deus libertador no primeiro êxodo. Contudo, este será ainda mais grandioso,
quanto à ação de Deus, e será uma peregrinação festiva, plena de alegria, uma
vez que será o reencontro com Sião, a felicidade e a alegria sem fim.
***
O
Evangelho (Mt 11,2-11) descreve, de
forma sugestiva, a ação de Jesus, o Messias esperado e que dá a vista aos
cegos, fará que os coxos recuperem o movimento, curará os leprosos, fará com
que os surdos ouçam, ressuscitará os mortos, anunciará aos pobres o Reino da
justiça e da paz.
Na
secção precedente (cf Mt 4,17-11,1),
Mateus apresentou, de forma sistemática, o anúncio do Reino, nas palavras e nos
gestos de Jesus, que os discípulos difundem. Agora, começa a secção em que o
evangelista mostra as atitudes que as distintas pessoas ou grupos assumirão
ante Jesus (cf Mt 11,2-12,50). A
narração é retomada com a pergunta dos enviados de João Batista, preso a mando
de Herodes Antipas, a quem havia criticado por viver maritalmente com a cunhada:
Jesus é mesmo o que está para vir? João esperava um Messias que lançasse fogo à
terra, castigasse os maus e os pecadores, desse início ao “juízo de Deus”. Ao
invés, Jesus aproxima-Se dos pecadores, dos marginais, dos impuros,
estende-lhes a mão, mostra-lhes o amor de Deus, oferece-lhes a salvação, o que
desconcerta João e os seus discípulos: Jesus será o Messias esperado ou é
preciso esperar um outro que atue de uma forma mais decidida e mais justiceira?
Para
Mateus, João é o precursor que preparou os homens para acolherem Jesus. É
provável que, nesta apresentação, se queira dirigir aos discípulos de João que
se mantinham ativos quando foi escrito o Evangelho. Mateus pretende que eles adiram
à proposta cristã e entrem na Igreja.
Acima
de tudo, Jesus responde à pergunta de João e dá a entender que é o Messias;
depois, faz a apreciação da figura e da ação profética de João.
Jesus
tem plena consciência de que é o Messias. E, para responder a João, não aponta
o que prega, mas o que faz. E isso corresponde ao conjunto de citações de
Isaías que definem, na perspetiva profética, a ação do Messias enviado de Deus:
dar vida aos mortos, curar os surdos, dar vista aos cegos, dar liberdade de
movimentos aos coxos, anunciar a Boa Nova aos pobres. Ora, se Jesus faz estas
obras, é o Messias, enviado por Deus para libertar os homens e para lhes trazer
o Reino. A mensagem e os gestos de Jesus contêm a proposta libertadora que Deus
faz aos homens. O messianismo vale pelas obras e estas correspondem ao que o
Messias prega. João não pergunta o que Jesus prega, mas o que faz, e Jesus dá
testemunho das suas obras, que exprimem o que prega.
Na
apreciação do Batista por Jesus, Mateus recorre a um conjunto de perguntas que
instam os ouvintes a uma resposta. A resposta às duas primeiras é negativa:
João não é pregador cuja mensagem segue as modas, nem um elegante que vive no
luxo. A resposta à terceira é positiva: João é um profeta e mais do que um profeta.
A declaração, que se inicia com uma referência à Escritura (cf Ex 23,20; Ml 3,1), pretende clarificar a relação entre ambos e o lugar de
João no Reino: João é o precursor do Messias; é Elias, o que tinha de vir
antes, a preparar o caminho para o Messias (cf Ml 3,23-24). Entre os filhos de mulher, não surgiu nenhum maior do que
João, mas os que entram no Reino pelo seguimento de Jesus (mesmo o menor) são
mais do que Ele.
***
A
segunda leitura (Tg 5,7-10) convida-nos
a não deixar que o desespero nos envolva enquanto esperamos e aguardarmos a
vinda do Senhor com paciência e confiança.
A
Carta de Tiago é um escrito de um tal Tiago (cf Tg 1,1), que a tradição liga a Tiago “irmão” do Senhor, que
presidiu à Igreja de Jerusalém e de quem os Evangelhos falam, acidentalmente,
como filho de Maria (cf Mt
13,55;27,56). Teria morrido decapitado em Jerusalém no ano 62. No entanto, a
atribuição da carta a essa personagem levanta dificuldades. O mais certo é
estarmos perante um outro Tiago, desconhecido até agora, pois Tiago, filho de
Alfeu, de que se fala em Mc 3,18 e lugares
paralelos, e Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, de que se fala em Mc 1,19 e lugares paralelos, também não
se encaixam neste perfil. É, porém, um autor que escreve em excelente grego,
recorrendo à diatribe – muito usada na filosofia popular helénica. Inspira-se na
literatura sapiencial, para extrair lições de moral prática, mas depende também
dos ensinamentos do Evangelho. É um sábio judeo-cristão que repensa, de forma
original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que encontraram
na boca de Jesus.
A
carta foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora” (Tg 1,1). A expressão aludirá a cristãos de origem judaica,
dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina – Síria
ou Egipto – mas a carta dirige-se a todos os crentes, exortando-os a não
perderem os valores cristãos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de
Cristo. Denuncia, sobretudo, certas interpretações abusivas da doutrina paulina
da salvação pela fé, sublinhando a importância das obras; e ataca com extrema
severidade os ricos.
O
trecho em referência pertence à terceira parte da carta (Tg 3,14-5,20), em que o autor apresenta, num conjunto de
desenvolvimentos e de sentenças aparentemente sem ordem nem lógica, indicações
concretas para uma vida cristã mais autêntica.
Após
a violenta denúncia dos ricos que oprimem os pobres e enriquecem retendo os
salários dos trabalhadores, a carta dirige-se aos pobres, convidando-os a
esperar com paciência a vinda do Senhor, tal como o agricultor, que, depois de
ter feito o seu trabalho, fica pacientemente, mas cheio de esperança, à espera de
que a terra produza os seus frutos. Todo o enquadramento está dominado pela
perspetiva da vinda do Senhor.
A
grande questão é que os pobres vivem na intolerável situação de exploração e de
injustiça, mas não podem resolver o problema com queixas e violência. Devem,
antes confiar em Deus e esperar a intervenção que os libertará. A paciência e a
espera confiada no Senhor são as atitudes corretas quando se prepara a
intervenção final de Deus na história. Em todo o caso, não se pode entender a exortação
de Tiago como um apelo à passividade, a cruzar os braços, a demitir-se da luta
pelo mundo melhor. O que sobressai é o apelo à confiança no Senhor e a não
embarcar no esquema injusto e violento dos opressores, pois eles confiam nas
riquezas, não no Senhor. Acentua-se a esperança que alumia o coração que sofre:
a libertação está a chegar. Emerge o tom profético.
***
Por
fim, uma reflexão em torno do texto de Santo Agostinho “João é a voz, Cristo, a
Palavra”, do Ofício de Leitura no 3.º domingo do Advento:
“João era a
voz, mas o Senhor, no princípio, era a Palavra. João era a voz
passageira, Cristo, a Palavra eterna desde o princípio. Suprimi a palavra, o
que se torna a voz? Esvaziada de sentido, é só um ruído. A voz sem palavra ressoa
ao ouvido, mas não alimenta o coração. Entretanto, mesmo quando se trata de
alimentar os nossos corações, vejamos a ordem das coisas. Se penso no que vou
dizer, a palavra já está no meu coração. Se quero, porém, falar contigo,
procuro o modo de fazer chegar ao teu coração o que já está no meu.
Procurando
então como fazer chegar a ti e penetrar no teu coração o que já está no meu,
recorro à voz e, por ela, falo contigo. O som da voz faz-te entender a palavra;
e quando te fez entendê-la, desapareceu, mas a palavra que ele te transmitiu
permanece no teu coração, sem haver deixado o meu. Não te parece que esse som,
depois de haver transmitido minha palavra, está a dizer: É necessário
que ele cresça e eu diminua? A voz ressoou, cumprindo a sua função, e
desapareceu, como se dissesse: Esta é a minha alegria, e ela é completa.
Guardemos, pois, a palavra; não percamos a palavra concebida no nosso íntimo.
Queres ver
como a voz passa e a palavra divina permanece? Que foi feito do batismo de
João? Cumpriu a sua missão e desapareceu; agora é o batismo de Cristo que está
em vigor. Todos cremos em Cristo e esperamos dele a salvação: foi o que a voz
anunciou.
Porque é
difícil não confundir a voz com a palavra, julgaram que João era o Cristo. Confundiram
a voz com a palavra. Mas a voz reconheceu o que era, para não prejudicar a
palavra. Eu não sou o Cristo, disse João, nem Elias nem o Profeta.
Perguntaram-lhe então: Quem és tu? Eu sou, respondeu ele, a voz que
grita no deserto: “Aplainai o caminho do Senhor”. É a voz do que grita no
deserto, do que rompe o silêncio […], como se dissesse: “Sou a voz que se faz
ouvir apenas para levar o Senhor aos vossos corações. Mas Ele não se dignará
vir aonde o quero levar, se não preparardes o caminho”. O que significa: Aplainai
o caminho, senão: Orai como se deve orar? O que significa ainda: Aplainai
o caminho, senão: Tende pensamentos humildes? Imitai o exemplo de João.
Julgam que é o Cristo e ele diz não ser aquele que julgam; não se aproveita do
erro alheio para uma afirmação pessoal. Se tivesse dito: “Eu sou o Cristo”, teriam
acreditado nele, pois já era considerado como tal antes que o dissesse. Mas não
disse. Ao invés, reconheceu o que era, disse o que não era, foi humilde. Viu de
onde lhe vinha a salvação; compreendeu que era uma lâmpada e temeu que o vento
do orgulho pudesse a apagar.”
2022.12.11 – Louro de Carvalho
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