O ano de 2022 foi marcado pelas consequências da invasão
da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro, com galopante subida da
inflação, que induziu o aumento do custo de vida, sobretudo no encarecimento
dos bens essenciais e da energia, bem como na perda de salários reais; e pelas insuficientes
medidas de compensação do Governo, que prefere aumentar a receita do
Estado, para diminuir a dívida e o défice – austeridade por omissão que afeta
principalmente os pensionistas e que, apesar das medidas de mitigação, se
manterá enquanto durar a guerra.
No entanto, o ano também propiciou vários cenários, em que sobressai o
lado político.
A nível político, destacam-se as eleições legislativas, de 30 de janeiro,
em que o Partido Socialista (PS) atingiu
a maioria absoluta (a segunda vez que a obtém). O Partido
Socialdemocrata (PSD), o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português
(PCP) tiveram perdas eleitorais graves. O Chega (CH) e a Iniciativa
Liberal (IL) cresceram, obtendo grupos parlamentares próprios. O Partido do
Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Ecologista dos Verde (PEV) perderam,
pela primeira vez, a representação parlamentar.
Entretanto, devido
a anomalias nas operações de contagem dos votos que resultaram na anulação de
157 mil votos, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu considerar nulo o
apuramento dos votos do círculo eleitoral da Europa, determinando a repetição
da votação nesse círculo, que se realizou a 12 e 13 de março, o que atrasou, em
muito, o início da XV Legislatura e a posse do Governo.
A 23 de
março, foi divulgada a orgânica do futuro XXIII Governo
Constitucional e a comunicação social noticiou os nomes dos novos
ministros, antes de o primeiro-ministro (PM) entregar, como estava previsto
para o fim da tarde, a lista ao Presidente da República (PR), o qual,
irritado com a fuga de informação para os jornalistas, cancelou a audiência com
António Costa.
No dia em
que se assinalavam os 60 anos da crise académica de 1962 (24 de março), coincidente
com o dia em que o tempo de democracia excedeu o de ditadura (17499 dias),
iniciaram-se as comemorações oficiais dos 50 anos da Revolução dos Cravos,
que se estenderão até 2024.
A 28, o PM
assumiu interinamente a pasta dos Negócios Estrangeiros, para o ministro Augusto
Santos Silva, exercer o múnus de deputado na XV Legislatura e
prosseguir a candidatura à Presidência da Assembleia da República (AR). No dia
29, realizou-se a primeira sessão plenária da XV Legislatura da III
República e Santos Silva foi eleito Presidente da Assembleia da
República (PAR). E, no dia 30, tomou posse o XXIII Governo Constitucional.
No dia 5 de
setembro, o PM apresentou o plano “Famílias Primeiro”, um pacote de
medidas de apoio ao rendimento das famílias no combate à inflação e à subida
dos preços da energia e prometeu apoio às empresas, sob certas condições. Depois,
em visita oficial a Moçambique, para a V Cimeira Luso-Moçambicana, após
cerimónia no Centro Cultural Português de Maputo, a artista Janeth
Mulapha surpreendeu-o ante as câmaras e, de martelo na mão, puxou-o para
uma coreografia improvisada com grande componente de expressão corporal.
Jerónimo de
Sousa, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), foi submetido, no
início de janeiro, a urgente intervenção cirúrgica, para correção de estenose
da artéria carótida esquerda. As ações de campanha eleitoral mantiveram-se com
João Ferreira e João Oliveira. E, em novembro, Paulo Raimundo a sucedeu-lhe
como secretário-geral.
A 29 de
junho, o ministro da Habitação e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, anunciou
nova solução aeroportuária para Lisboa com um despacho sobre o Plano de
Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa: construção do Aeroporto
do Montijo, para funcionar no final de 2026; e a de um segundo em Alcochete até
2035 para se encerrar o Aeroporto Humberto Delgado. Porém, o PM
ordenou a revogação do despacho, vincando que a solução tem de ser negociada e consensualizada com a oposição e com informação
prévia ao PR.
No 40.º Congresso Nacional do PSD, em julho, Luís Montenegro,
sucedeu a Rui Rio como líder do partido e como líder da oposição. E o Chega
apresentou na AR moção de
censura ao Governo, rejeitada com votos contra do PS do PCP, do BE e dos
dois deputados únicos do Partido da Pessoas, Animais e Natureza (PAN) e
do Livre, as abstenções do PSD e da IL, obtendo apenas os votos
favoráveis do proponente.
A 30 de
agosto, a ministra da Saúde, Marta Temido, apresentou a demissão, “por
entender que deixou de ter condições para se manter no cargo”, na sequência da
morte de uma grávida durante a transferência do Hospital de Santa Maria
para o Hospital de S. Francisco Xavier.
Em novembro,
Miguel Alves, secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, pediu a
demissão, acusado pelo Ministério Público (MP) do crime de prevaricação,
em adiantamento duvidoso de 300 mil euros feito enquanto era Presidente da
Câmara de Caminha para um projecto que não saiu do papel. Antes, dois secretários
de Estado foram demitidos por incompatibilidade com o Ministro da Economia e do
Mar, António Costa e Silva.
No plano
internacional, em fevereiro, no fim da visita oficial ao nosso país, o Presidente
da Eslovénia, Borut Pahor, por atraso da comitiva, não embarcou no voo
da TAP (não soube esperar) que o levaria a casa, mas contratou-se um voo
privado que custou 40 mil euros ao erário público. E Oliver Antic, embaixador
da Sérvia em Lisboa, morreu por afogamento na Boca do Inferno.
A 21 de fevereiro, em linha com a União Europeia (UE),
no contexto da iminente escalada militar russa, o PM e, mais
tarde, o PR condenaram, em declarações públicas, o reconhecimento russo
da República Popular de Lugansk e da República Popular de Donetsk, duas
regiões separatistas da Ucrânia, como violação dos Acordos de Minsk. E, a
21 de abril, o Presidente da
Ucrânia, Volodymir Zelensky, discursou em sessão solene na AR, por
videoconferência, sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, discurso recebido
com longa ovação de pé da parte de todos os partidos com assento parlamentar,
com exceção do PCP, que não esteve presente.
A nível do crime, sobressaíram também os ciberataques: em janeiro, ao grupo Impresa, ficando indisponíveis os seus sítios
eletrónicos e algumas das suas páginas nas redes sociais; em fevereiro, à Vodafone, gerando
instabilidade nos serviços móveis e fixos, tendo a disrupção alastrado às
comunicações de vários serviços e infraestruturas críticas, como o INEM,
hospitais, bombeiros, serviços postais e bancários e a rede Multibanco; em
abril, aos sistemas informáticos do Hospital Garcia de
Orta, Almada, com os hackers a
exigir um resgate financeiro em bitcoins, para
devolverem o acesso aos dados da unidade hospitalar, registando-se graves constrangimentos
à sua atividade assistencial; e, em vários momentos, houve ciberataques a
outras empresas e a departamentos do Estado. A Polícia Judiciária (PJ) impediu,
a 10 de fevereiro, uma ação terrorista planeada para a Faculdade de
Ciências da Universidade de Lisboa, tendo um estudante de engenharia
informática, de 18 anos, ficado preso preventivamente, indiciado pelos crimes
de terrorismo e de detenção de arma proibida. A 20 de junho, Jéssica
Biscaia, de três anos, foi morta em Setúbal, após ter sido raptada e
sujeita a violentas agressões, por uma mulher a quem a mãe encomendou bruxarias
para resolver os problemas da sua relação com o padrasto. O caso comoveu a
opinião pública, motivando reações do Governo, na pessoa da ministra da
Presidência, Mariana Vieira da Silva e do PR. No dia 26, um incêndio
no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, com origem num posto de
transformação no parque de estacionamento, levou à evacuação do edifício, tendo
sido registados três feridos ligeiros, mas sem danos materiais.
A nível
eclesial, D. José Ornelas passou de Bispo de Setúbal para Bispo de Leiria
Fátima, sucedendo ao cardeal D. António Marto, que resignou por motivos de
saúde; D. José Cordeiro tomou posse
como Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas; e a Comissão Intendente
revelou 424 casos de abuso sexual de menores por parte de clérigos, prevendo
que o número seja maior.
No atinente à pandemia, a 18 de
fevereiro, terminou a situação de calamidade que vigorava no território
continental, devido à pandemia de covid 19, desde 1 de dezembro de 2021, passando-se
à situação de alerta; a 17 de março, a
situação de alerta, que terminaria a 22, foi prorrogada até 30 de março; e, a 27 de agosto, face à evolução
favorável da pandemia de covid-19 e à tendência estável do número de
casos, foi decretado o fim do uso obrigatório de máscaras nos transportes
coletivos de passageiros e nas farmácias de venda ao público, mantendo-se em serviços
de saúde e em estruturas residenciais ou de acolhimento de pessoas vulneráveis.
A nível cultural, em maio, foi
inaugurada, em Santa Cruz da Trapa, São Pedro do Sul, a escultura de nove
metros de altura, “A Foda dos Nus”, da autoria de Custódio Almeida,
representando “dois corpos nus que contam histórias de intimidade”. Em junho, foi inaugurado o Museu do
Tesouro Real realizou-se a 9.ª edição do Rock in Rio Lisboa. E, em setembro, teve lugar a 1.ª edição
do festival Meo Kalorama, frequentado por mais de 112 mil pessoas.
No âmbito das alterações climáticas, de 27 de junho a 1 de julho, Lisboa acolheu, no Altice Arena, a 2.ª
Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, copresidida por Portugal e
pelo Quénia, com participantes de cem países, organizações
não-governamentais e cerca de 150 universidades.
O mês de
julho foi assolado pela onda de calor que se abateu na Europa,
atingindo Portugal com maior intensidade, com significativo aumento do
perigo de incêndio rural e por incêndios no concelho de Ourém, nas localidades de Cercal e
de Cumeada que alastraram para Alvaiázere e Ferreira do Zêzere (ali ficou totalmente
destruído o Moinho de Avecasta), numa zona florestal de Carrazeda de
Ansiães, e no Pombal. O verão foi de seca severa e até extrema. E novembro ofereceu a Lisboa o tornado de
Alcântara e a Benavente o de Santo Estevão. Ambos produziram danos
significativos nas áreas afetadas, designadamente queda de árvores de grande
porte, arrancamento e projeção de telhas, danos em viaturas, edifícios,
moradias, etc. E, em dezembro, Portugal
sentiu os efeitos da depressão do intenso comboio de tempestades que atingiu a
Península Ibérica. A Grande Lisboa foi especialmente afetada, tendo caído
em poucas horas, na noite de 7 para 8 de dezembro, 40 mm de precipitação, com várias
ocorrências, ficando com vias de comunicação intransitáveis e extensos estragos
materiais. Uma mulher de cerca de 55 anos morreu encurralada na cave da
habitação. E, menos de uma semana depois, ocorreu novo agravamento
meteorológico, com chuva intensa e persistente por todo o país, causando
centenas de ocorrências entre inundações, quedas de árvores, e registo de
vários desalojados.
No desporto,
Portugal perdeu para a Argentina o Campeonato do Mundo de Hóquei em
Patins; e foi eliminado por Marrocos nos quartos-de-final do Campeonato
Mundial de Futebol 2022.
Por fim, a
obscena indemnização da TAP a Alexandra Reis, de que ninguém sabia (como convém)
acarretou a sua demissão de fugaz Secretária de Estado do Tesouro, acarretando,
após uma série de casos, a queda do ministro da Habitação e das Infraestruturas
e do secretário de Estado das Infraestruturas. Hipocrisia sobre o que se passa,
há décadas na TAP, oportunidade de a oposição se mostrar e a emergência da luta
interna no PS! Como a inflação e com a guerra – e, segundo o ministro das Finanças,
com o crescimento de 6,8% – são fenómenos que transitam para 2023, com a remodelação
do Governo e com as exéquias de Bento XVI, falecido no fim do Ano.
2022.12.30 – Louro de Carvalho
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