A
10 de dezembro, um porta-voz da presidente do Parlamento Europeu (PE), Roberta
Metsola, revelou que, “à luz das investigações judiciais em curso, realizadas
pelas autoridades belgas, a presidente Metsola decidiu suspender, com efeitos
imediatos, todos os poderes, deveres e funções que foram delegados a Eva Kaili
na qualidade de vice-presidente do Parlamento Europeu”.
A eurodeputada socialdemocrata grega Eva Kaili foi detida,
para ser interrogada pela polícia, na Bélgica, a 9 de dezembro, juntamente com
outras quatro pessoas, no âmbito de uma investigação domiciliária – liderada por um juiz especializado em crimes
financeiros – sobre um alegado lóbi ilegal do Qatar para
influenciar decisões políticas em Estrasburgo.
As detenções ocorreram no seguimento de, pelo menos, 16
rusgas, numa investigação sobre suspeitas de pagamentos “substanciais” de um
país do Golfo para influenciar as decisões dos deputados europeus. O Ministério
Público Federal (MPF) não nomeou o país, mas fonte judicial próxima do caso
confirmou à agência France-Presse (AFP) tratar-se do Qatar, como revelaram os jornais belgas Le Soir e Knack.
Ainda segundo estes jornais, entre os detidos estão o
ex-deputado italiano do grupo dos Socialistas e Democratas (S&D), Pier
Antonio Panzeri, o recém-eleito presidente do Confederação Internacional de
Sindicatos, Luca Visentini, o assessor parlamentar Francesco Giorgi, companheiro
da vice-presidente do PE, e Noccolò Figà-Talamanca, diretor de a organização
não-governamental (ONG) No Peace Without
Justice.
Panzeri foi eurodeputado da bancada socialista e social-democrata
durante três mandatos, de 2004 a 2019, e foi presidente do subcomité de direitos
humanos do PE. Visentini tem ocupado cargos de relevo em vários sindicatos
europeus, há vários anos, tendo sido eleito secretário-federal da Confederação
Europeia de Sindicatos (CES) em março de 2011, passando a secretário-geral em
2015, cargo confirmado em 2019.
O MPF confirmou que, durante as buscas, foram apreendidos
equipamentos informáticos, telemóveis e cerca de 600 mil euros em notas. E, segundo
os dois jornais belgas, foi localizado meio milhão de euros em numerário na
casa de Panzeri, atualmente presidente da associação Fight Impunity, dedicada
ao combate à impunidade por graves violações de direitos humanos ou crimes
contra a humanidade.
Os jornais Le Soir
e Knack tinham avançado, na amanhã do
dia 9, a existência de uma investigação sobre um alegado caso de corrupção,
organização criminosa e branqueamento de capitais iniciado pela
Procuradoria-Geral da República da Bélgica em julho, por suspeita de que o
Qatar teria tentado influenciar a posição do PE. Com efeito, segundo o MPF belga,
“há vários meses que investigadores da polícia suspeitam que um Estado do Golfo
tenta influenciar as decisões económicas e políticas do Parlamento Europeu”. Esse Estado teria executado esta estratégia através do
pagamento de quantias substanciais de dinheiro, e da oferta de presentes
importantes a terceiros, pessoas com posição política ou estratégica importante
dentro do PE.
Segundo um porta-voz do MPF As audiências dos suspeitos
prosseguiam em Bruxelas, no dia 10.
O caso veio à tona a meio do Campeonato do Mundo em 2002,
quando o país anfitrião quis defender a sua reputação quanto ao respeito dos
direitos humanos, especialmente no campo laboral. E assumiu dimensão extra ao
ser confirmada a identidade da quinta pessoa detida, a eurodeputada grega Eva
Kaili, antiga apresentadora de televisão, de 44 anos de idade, que se tornou
figura relevante da social-democracia no seu país e que é vice-presidente do PE,
com outros 13 deputados europeus.
Questionado sobre a investigação, um porta-voz do PE disse à
agência Efe que a instituição “não
comenta processos judiciais” e, “como sempre, coopera plenamente com as autoridades
nacionais responsáveis”.
Porém, o grupo dos Socialistas
e Democratas no PE referiu, em comunicado, estar “consternado com as acusações
de corrupção nas instituições europeias”, crime para o qual garante ter “tolerância
zero”, e estar disposto a cooperar “totalmente" com as autoridades
judiciais para apoiar uma “investigação minuciosa e divulgação completa”. E
defendeu ainda: “Perante a gravidade das denúncias, até que sejam prestadas
informações e esclarecimentos relevantes por parte das autoridades competentes,
solicitamos a suspensão dos trabalhos sobre quaisquer dossiês e votações em
plenário, relacionados com os Estados do Golfo, em particular a liberalização
de vistos e visitas planeadas.”
E, para já, os eurodeputados verdes e social-democratas
anunciaram que se oporiam, no dia 12, ao início das negociações sobre a liberalização
dos vistos para os naturais do Qatar na União Europeia (UE), visto que as suspeitas
de corrupção envolvem o país.
Na verdade, os eurodeputados deveriam aprovar, nesse dia, o
início das conversações entre o PE e os Estados-membros da UE para finalizar um
texto que facilite o regime de vistos para os viajantes do Qatar e do Kuwait. O
texto, que recebeu luz verde dos Estados-membros no final de junho, isentaria
os nacionais do Qatar e do Kuwait que viajassem para o bloco UE da obrigação de
visto por um período máximo de 90 dias, sujeito a um acordo recíproco com ambos
os países.
“Os Verdes opõem-se ao mandato de iniciar negociações sobre a
liberalização de vistos com o Qatar na segunda-feira, disse o eurodeputado
verde Terry Reintke no Twitter. E o grupo social-democrata (S&D) apela à “suspensão
dos trabalhos sobre todos os dossiês e votações relativos aos Estados do Golfo,
em particular sobre a liberalização dos vistos”.
Por seu turno, fonte do Partido Socialista
Europeu (PES) disse à agência Lusa
que declarações recentes de Eva Kaili – que, numa sessão plenária em novembro,
tinha caraterizado o Qatar como um “pioneiro dos direitos laborais” –
provocaram estranheza, mas nunca “passaria pela cabeça de ninguém que isso
pudesse ter, pelo menos supostamente, outras origens”. Na verdade, a
eurodeputada esteve no Qatar a trabalhar com o ministro do Trabalho daquele
país.
Falando num “balde de água fria”
para o PES, a fonte em questão também considera que a detenção do
secretário-geral da Confederação Internacional de Sindicatos (ITUC, na sigla em
inglês), Luca Visentini, constitui um “choque” para o movimento sindical
europeu. E considerou: “É preocupante, até porque há muitas vezes a tentação de colar a
ITUC excessivamente aos socialistas, e agora aparecerem no mesmo caso os
socialistas e a ITUC. É mau para o movimento sindical europeu.”
***
No dia 11,
soube-se, pelas informações avançadas pelo jornal Le Soir, que Eva Kaili, que já foi suspensa do cargo de vice-presidente do
Parlamento Europeu e expulsa do partido grego PASOK, é indiciada de “corrupção,
de lavagem de dinheiro e de participar numa organização criminosa” e ficou em
prisão preventiva. Também o pai da eurodeputada, Alexandros Kailis, terá
sido apanhado, no dia 9, à saída de um hotel, em Bruxelas, a transportar uma
mala de notas, mas foi libertado.
Em Itália, a mulher e a filha de
Panzeri, Maria Colleoni e Silvia Panzeri, foram também detidas no dia 9,
acusadas de cumplicidade, com um tribunal de Brescia a decretar, ainda no dia
10, a prisão domiciliária de ambas. Porém, segundo a agência italiana ANSA, ambas disseram em tribunal não ter
conhecimento de nada.
“O Estado do Qatar rejeita categoricamente qualquer tentativa de o
associar a alegações de má conduta”, disse por e-mail um
representante do país do Golfo ao site
Politico, que o questionara sobre este escândalo.
A polícia belga realizou, no dia 11,
novas buscas à casa de outro eurodeputado, o socialista Marc Tarabella, que é
vice-líder da delegação parlamentar para as Relações com a Península Árabe. A presidente
do PE, a maltesa Roberta Metsola, voou mais cedo de Malta para Bruxelas para
participar nas buscas – a lei belga obriga à sua presença, caso um eurodeputado
do país seja alvo das buscas. Porém, Tarabella não foi acusado.
O gabinete de
Metsola disse que tanto ela, como o PE, “estão a colaborar ativa e plenamente
com as autoridades judiciais para favorecer o curso da justiça”. Segundo a AFP, a presidente terá convocado para o
dia 12 uma reunião dos líderes dos blocos políticos no PE para discutir a
investigação, numa altura em que os eurodeputados planeiam agora opor-se à abertura
do debate sobre a liberalização dos vistos para visitantes do Qatar, que,
entretanto, devia começar nesse dia.
***
É um escândalo que se abateu sobre a instância
da UE que deveria ser a mais prestigiada e credível. A corrupção galopa por
tudo quanto é sítio, obviamente de forma discreta. Não vale a pena tapar o sol
com a peneira, aduzindo que o PE reflete as virtudes e os vícios dos
eurocidadãos. Deveria, antes, constituir o referencial de conduta dos
representantes dos cidadãos da UE e dos parlamentos nacionais.
É certo que ninguém pode dizer “desta água
não beberei”, porque “em bom pano cai a nódoa”, mas é de organizar e reforçar a
prevenção, vigiar os membros da instituição e seus colaboradores e punir exemplarmente
os crimes. É preciso evitar que, nesta matéria o PE chegue ao fim da linha.
2022.12.11 – Louro de Carvalho
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