A 22 de dezembro de 2022, de acordo com o respetivo
comunicado, o Conselho de Ministros aprovou um decreto-lei que impõe a limitação do
aumento das portagens, para 2023, em 4,9%, bem como o mecanismo de repartição
de responsabilidades.
Quer isto dizer que, em resposta
às concessionárias que se propunham, se o Governo nada fizesse, aumentos entre 9,5%
e 10,5%, o Estado ficará com o encargo de 2,8%, os utilizadores pagarão mais 4,9%
e as empresas renunciarão à restante fração do aumento (entre 9,5% e 10,5%, conforme
as concessionárias). E, além dos 2,8% a suportar pelo Estado ao longo do tempo
da concessão, em matéria de compensações para empresas, Pedro Nuno Santos, ministro
da Habitação e das Infraestruturas, assinalou um pormenor: nos quatro anos
posteriores (entre 2024 e 2027), as concessionárias podem aumentar as portagens
em 0,1% adicional face à taxa de atualização a que têm direito pela aplicação
dos contratos.
É nisto que assenta o mecanismo
de repartição de responsabilidades. Ironia legal, para dizer que os
contribuintes que não utilizam autoestradas e pontes portajadas participam nos
custos de viagem e de transporte dos cidadãos utilizadores, o que foi duramente
criticado quando os governos de António Guterres criaram o mecanismo de construção
de estradas sem custos para o utilizador (SCUT), no sistema de parcerias
público-privadas (PPP), à luz do Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de outubro, cabendo,
teoricamente, às empresas de construção e de manutenção as verbas correspondentes
ao volume de tráfego das mesmas SCUT no futuro. Na prática, era o Estado que
arcava com os custos. Tal situação foi revertida pelos governos seguintes, pois
o Orçamento do Estado dificilmente poderia responder às exigências do
estabelecido.
Agora, como
sustentou Pedro Nuno Santos, em declarações aos
jornalistas no Fundão, no dia 22 de dezembro, o coletivo aprovou a subida de 4,9%
(inferior a metade do que as concessionárias tinham solicitado), pois o valor proposto era “insuportável”. É, no dizer do ministro, “uma solução equilibrada que partilha
responsabilidades entre utilizadores, Estado e concessionárias”.
Já na
conferência de imprensa após Conselho de Ministros, Pedro Nuno Santos avançou
que o Governo aprovou um travão ao aumento das portagens, fruto de acordo com
as concessionárias. Com efeito, estas manifestaram-se disponíveis para negociar
o valor com o Governo, tendo em conta a crise inflacionista que o país
atravessa.
Porém, o ministro,
dizendo que os contratos preveem “a possibilidade de o Estado intervir e
controlar o aumento das taxas de portagens”, esquece
que o Estado só tem o dinheiro que retira aos cidadãos. E este encargo para o
Estado é de 140 milhões de euros. Portanto, uma boa parte do aumento das
portagens é suportada pelos contribuintes, muitos deles altamente
sobrecarregados com impostos, e os utilizadores, que também são contribuintes,
pagam a parte de leão do aumento.
A percentagem
de cerca de 10% que as concessionárias propuseram decorre da fórmula constante
dos contratos de concessão com o Estado e tem por base a inflação, que atingiu,
neste ano, valores inesperados. Por isso, o ministro dizia que este “aumento
era insuportável, mas também há contratos e tentámos encontrar uma solução
equilibrada que permitisse um aumento menor”. Ou seja, o Governo recusou o
aumento proposto, mas não ignora os contratos de concessão.
Aliás, o Decreto-Lei
n.º 294/97, de 24 de outubro, determina que a variação a praticar em cada ano
tem como referência a taxa de inflação homóloga, sem a habitação no Continente,
verificada no último mês para o qual haja dados disponíveis antes de 15 de
novembro, devendo o Estado pronunciar-se no prazo de 30 dias.
***
Assim, com a
taxa de inflação homóloga de outubro, sem habitação no Continente, a fixar-se
em 10,46%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados
na estimativa rápida do Índice de Preços no Consumidor (IPC), os preços das
portagens nas autoestradas iriam aumentar na mesma proporção em 2023, se não
houvesse qualquer intervenção do Governo. E, após a apresentação das propostas
das concessionárias, o Governo poderia interceder e limitar os aumentos,
podendo as gestoras de autoestradas negociar, mas exigindo compensações, como o
prolongamento dos contratos de concessão.
O presidente
executivo da Brisa, António Pires de Lima, advertiu, no final de julho, que as
portagens, diretamente relacionadas com a inflação, aumentariam significativamente,
a não ser que o Estado mostrasse abertura para mecanismos que compensassem a
Brisa do aumento e o pudessem diluir no tempo ou incluir no grupo de trabalho
de renegociação da concessão.
Após quatro
anos consecutivos de subidas – 0,62% em 2016; 0,84% em 2017; 1,42% em 2018; e
0,98% em 2019 –, os preços das portagens nas autoestradas não foram alterados
em 2020 e 2021. Porém, neste ano, a evolução do IPC ditou uma subida de 1,83%
das portagens.
A proposta de atualização de preços das portagens nas autoestradas para
2023, em 10%, era “uma brutalidade para o orçamento das famílias e das empresas”,
lia-se num comunicado do Automóvel Club de Portugal (ACP), em comunicado.
É certo que, segundo o documento, “a proposta dos concessionários
está em linha, como vem sendo prática, com o valor da inflação”, que
“Portugal regista valores recorde da inflação dos últimos 30 anos” e que, a
confirmarem-se as projeções, o aumento das portagens rondaria os 10%. A isto o
ACP junta “todos os aumentos que têm vindo a fustigar paulatinamente
os automobilistas e os contribuintes em geral: combustíveis, eletricidade, gás,
alimentos, prestação da casa e tantos outros bens essenciais”.
Por outro lado, revelou “outra consequência, se o preço das portagens
disparar: a sinistralidade rodoviária”, destacando que, “ao empurrar massivamente as viaturas ligeiras e de pesados para as
estradas nacionais, muitas delas sem condições para receberem tráfego intenso,
é expectável a insegurança rodoviária e o aumento do número de acidentes e
vítimas”.
A Ascendi
propôs o aumento das portagens de 10,44%, mas referiu que, nestas
concessões, as receitas de portagens são propriedade do Estado português, pelo
que pertence ao Estado a faculdade de determinar o valor final das taxas a
cobrar. E a Brisa adiantou que o preço das portagens é calculado em
função da inflação registada em outubro deste ano.
A 19 de novembro,
o líder socialista e primeiro-ministro, intervindo na Covilhã, no XX
Congresso Federativo do PS/Castelo Branco, afirmou que nada justificaria um
aumento de 10% no preço das portagens e prometeu intervir para que não haja um
“aproveitamento” da inflação.
Na sua intervenção,
António Costa apontou a inflação como uma das questões a que será preciso dar
resposta e assumiu que há setores em que o aumento se reflete no custo final,
mas não no caso das portagens, pois, “não há aumentos de custos de energia”,
nem qualquer aumento do fator de produção que justifique esse aumento. Ao mesmo
tempo, considerou não ser pelo facto de os contratos preverem um aumento
indexado à taxa da inflação que se deve aproveitar uma circunstância
“absolutamente excecional” de um ano em que este indicador sobe como não
acontecia “há 30 anos”. Por isso, prometeu que o Governo interviria a fim de
não se aproveitar a circunstância para “um aumento injustificado que
penalizaria muito o funcionamento da economia e o conjunto dos portugueses”.
Entretanto, a
14 de dezembro, o ministro da Habitação e das Infraestruturas frisou que o
Governo considerou o aumento das portagens de 10,5% incomportável e
insuportável para as famílias portuguesas, as quais estão a passar por uma fase
difícil, razão pela qual “seria incompreensível que, perante a iminência de um
aumento das portagens em 10,5%, o Governo ficasse a assistir”.
Se o Estado não tivesse atuado para limitar os aumentos das
portagens, na perspetiva do ministro, “as concessionárias teriam um nível de
receitas absolutamente inesperado, imprevisto, antecipado, sem sequer existir
uma justificação com base em aumentos de custos operacionais que colocassem
dificuldades a empresas que não procedessem a atualizações dessa dimensão”. Nestes
termos, alegou: “Portanto, há uma responsabilidade coletiva de o Estado travar
o aumento dos custos que as famílias e os trabalhadores portugueses têm que
enfrentar todos os dias. Por isso, justifica-se a intervenção do Estado.”
Sobre a solução adotada, o governante disse que o Governo
“conta com a compreensão e colaboração de todas as concessionárias para esta
decisão”. E reforçou: “Esta é a solução equilibrada e justa para o povo
português, para os utilizadores das autoestradas e também para as
concessionárias, que fazem parte da nossa sociedade e que têm igualmente
responsabilidade social. Entendemos que se chegou a uma solução aceitável para
todas as partes.”
Questionado se a solução colide com as políticas estruturais
do Governo para a descarbonização, o ministro da tutela, separando as questões
do ambiente da dos preços das portagens, argumentou que “a transferência modal
está em curso, mas não se faz através de um aumento de portagens nesta ordem,
mas investindo nos transportes públicos, na ferrovia, promovendo-se passes
sociais mais acessíveis. E contrapôs: “É essa exatamente a política que o
Governo tem seguido. Essa é a política correta para promover a transferência
modal e não com aumentos de 10,5% nas portagens.”
***
Enfim, uma no cravo, outra na ferradura: os aumentos são insuportáveis,
as famílias e as empresas já estão altamente sobrecarregadas, não se justifica
este aumento para as concessionárias (que não têm encargos adicionais: nem com
custos de produção, nem com funcionários), a lei permite que os contratos
possam, neste âmbito, ser objeto de intervenção do Estado; mas o aumento fez-se
e só não foi tão grande, porque nós pagamos através do Estado, ficando as concessionárias
com um empobrecimento residual. Por isso, não sei se deva agradecer ao Estado,
às concessionárias ou aos utilizadores que ainda continuam a pagar muito. Porém,
pensando melhor, talvez se deva exigir ao Estado e aos empregadores que aumentem
os salários e as pensões em linha com a brutal inflação. Como reza a filosofia
do sapateiro de Braga, “ou há moralidade ou comem todos”.
2022.12.23 –
Louro de Carvalho
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