Os políticos e a sociedade escandalizaram-se
porque Alexandra Reis, que percebia um vencimento anual de 350 mil euros, saiu
da administração da companhia aérea nacional, em fevereiro de 2022, com a indemnização
de 500 mil euros. O secretário de Estado das Infraestruturas soube da indemnização,
porque a empresa, maioritariamente pública, lho comunicou, não tendo o
governante visto qualquer inconveniente.
Pelos vistos, ninguém comunicou tal facto ao então
ministro das Finanças, João Leão, que tinha a tutela financeira da companhia
aérea. Não se sabe se o ora demissionário ministro das Infraestruturas, Pedro
Nuno Santos, teve conhecimento do facto. Manda a presunção que se admita que
não sabia. Não obstante, a TAP comunicou ao regulador, a Comissão dos Mercados Mobiliários
(CMVM), que a ex-administradora saiu por iniciativa da empresa, no âmbito da reestruturação,
ficando estipulado, para efeitos internos e externos, que Alexandra Reis
renunciou. E, esgrimida a verdade, conclui-se que a presidente da comissão
executiva (CEO) e a administradora em causa se incompatibilizaram. Porém, em
vez de a CEO ter imposto a exoneração, terá solicitado que a dispensada
assinasse a renúncia.
Se Alexandra Reis foi despedida sem justa causa
(por exemplo, por capricho da administração), tinha direito a indemnização nos
termos da lei ou do contrato, quer viesse para a inatividade, quer viesse para
outra atividade privada ou pública, incluindo o exercício de funções
governativas; se assinou a renúncia, a menos que se prove que houve coação, não
tinha direito a qualquer indemnização. Qualquer cláusula contratual que
ultrapassasse estes dados deveria ser considerada não escrita. Assim, tudo o
que anda para aí é hipocrisia da pura e chicana política.
É óbvio que é criticável um pedido de cerca de
um milhão e meio de euros, mas não sei se o montante fixado da indemnização
está de acordo com o teor do contrato. Aduzir, em questões contratuais, decoro,
estética ou ética é dar lições aos outros e arrecadar para si os benefícios.
Cabia aos serviços jurídicos da TAP (não se percebe
porque a empresa recorreu a uma sociedade de advogados, em que a figura de proa
é um irmão de Marcelo Rebelo de Sousa) orientar as conversações para a eventual
indemnização.
É claro que, se a TAP mentiu à CMVM, é preciso
tirar as consequências contra a própria TAP.
Os sinos tocaram a rebate perante o escândalo e
a finados pelo governo “maioritário” de António Costa. O escândalo custou a
demissão da secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, do ministro da Habitação
e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e do secretário de Estado das
Infraestruturas, Hugo Santos Mendes.
Para a demissão de Pedro Nuno Santos e de Hugo
Santos Mendes, na sequência da imposição de Fernando Medina a Alexandra Reis
para que apresentasse o pedido de demissão, o que a então governante fez com
prontidão, contribuiu a opinião pública, a oposição política e o próprio Presidente
da República (PR). Este pressionou, em público, o Governo a avaliar se a saída de Alexandra Reis é
suficiente para estancar o rombo na imagem do Executivo. “Se for necessário ir
mudando, muda-se”, afirmou, enquanto aguardava esclarecimentos de Pedro Nuno
Santos e de Fernando Medina, que tinham, entretanto, questionado a TAP sobre o
processo. Enfim, o PR avisou que “a renovação (no Executivo) é [tanto] mais
intensa quanto maior é o escrutínio” e abriu a porta a eventuais novas mexidas
na equipa de António Costa.
Referindo que importa que o Governo se concentre no ano “muito importante” de
2023, em que é preciso executar com eficácia os fundos europeus, o chefe de
Estado garantiu manter-se atento e fiscalizador (A fiscalização do Governo cabe
ao Parlamento!). E rematou: “Se
para isso for necessário ir mudando o Governo, muda-se. Se basta o que já se
mudou, veremos se é suficiente.”
Entretanto, passado pouco tempo da
saída de Alexandra Reis da companhia aérea nacional, Pedro Nuno Santos convidou-a para presidente da NAV
Portugal (empresa estatal que controla o tráfego aéreo), também sob a tutela do
ministro das Infraestruturas.
A oposição insistia em ter respostas dos ministros envolvidos no
caso e o Chega apontou ao ministro das Infraestruturas. “Dificilmente
Pedro Nuno Santos tem condições” para se manter no Governo, disse André
Ventura, à saída de uma visita ao Hospital de S. Francisco Xavier, em Lisboa. O
Partido do Centro Democrático Social (CDS) quer que o PR dissolva o Parlamento
(mas a maioria parlamentar não se desfez, antes se mantém sólida); a Iniciativa
Liberal anunciou que vai apresentar uma moção de censura parlamentar ao
Governo; e Santana Lopes entende que o PR deve encarregar António Costa de formar
novo governo (difícil, pois era preciso demonstrar que as instituições democráticas
não funcionam).
No
entanto, Pedro Nuno Santos pediu parecer à Comissão
de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) para Alexandra Reis ser presidente da NAV. E
João Bilhim, ex-presidente da CReSAP, diz que, se tivesse ele conduzido o
processo teria dado um “adequado condicionado”, por a gestora ter recebido uma
indemnização (o que a CReSAP escamoteou). Uma posição pouco esclarecedora! É
ridículo justificar, dizendo que era “para
alertar a comunicação social e a opinião pública para dois aspetos: a passagem
de um regulado [a TAP] para um regulador [a NAV] e a existência de uma
indemnização”.
O pedido de parecer sobre o perfil da gestora
entrou na CReSAP a 11
de abril de 2022 e o parecer foi
emitido 15 dias depois, a 26 de abril. O contrato de Alexandra Reis com
a TAP terminou a 28 de fevereiro, mas o acordo de renúncia, com a cláusula de
indemnização, foi assinado a 4 de fevereiro, ou seja, 10 semanas antes de o nome ser
apresentado à comissão que avalia os cargos dirigentes da função pública
e os gestores públicos. A gestora iniciou o cargo na NAV em julho e cessou no
início de dezembro de 2022, quando foi nomeada secretária de Estado do Tesouro.
O Partido Social Democrata (PSD) exigiu, não só o despacho de nomeação de
Alexandra Reis, mas também o parecer da CReSAP.
O parecer considerou o perfil da gestora como
“adequado” às funções, após a avaliação curricular, a avaliação de
competências e a avaliação em entrevista. Porém, Bilhim, como aconteceria em
entrevista para empresa privada, perguntaria
“em que circunstâncias saiu a candidata da empresa anterior e se foi ou não por
mútuo acordo”. A pergunta seguinte era “se tinha havido lugar a
indemnização”, pois o lugar em causa é numa empresa pública e o anterior
também.
O antigo responsável pela seleção dos altos quadros da administração
pública recorda que, no passado, deu
dois “adequados condicionados” a quadros da TAP que saíram para a NAV,
pelo facto de passarem para o regulador do setor em que trabalhavam. Não
tiveram parecer negativo só porque não há muita gente em Portugal que perceba
de navegação aérea. Se a questão da
indemnização não foi falada na entrevista, devia tê-lo sido e constar do
parecer. Aí concordo.
Sem mencionar essas fragilidades, a CReSAP concluiu que, “ao nível
comportamental e no que toca às competências de liderança, o teste realizado
revela uma pessoa que tende a alcançar um maior desempenho em culturas
organizacionais participativas, democráticas e estruturadas, mas que poderá ter dificuldade em assumir o
controlo das situações e em tomar decisões se não tiver a certeza dos factos”.
Se a democraticidade interna era uma referência implícita à TAP ou a uma má
relação com a presidente do conselho de administração, isso não é esclarecido no
parecer.
Segundo o documento, Alexandra Reis “comunica
de forma eficiente, tanto ao nível verbal como escrito, e transmite uma boa
impressão”. E o parecer anota que “existem evidências da presença de
competências técnicas e comportamentais que sustentam uma apreciação positiva
para o desempenho do cargo em causa”.
***
Demissões feitas, o Partido Socialista (PS) dá o caso por esclarecido e
encerrado. E Ana Gomes, do PS, pensa que Pedro Nuno Santos, que deixa muita
coisa por fazer no Executivo, tem agora tempo para se preparar para assumir, no
futuro, a liderança partidária e reperspetivar o partido. Já os comentadores escalpelizam
as fragilidades da atual maioria absoluta, assentes em argumentos de cansaço do
primeiro-ministro e incapacidade de alguns governantes. Esquecem que as
maiorias são objeto de forte ataques, de agitação social e de contestação
organizada. Já se esquecem das dificuldades políticas por que passaram Cavaco
Silva e José Sócrates (o primeiro, em ascensão até ao desgaste; o segundo, em
declínio até à minoria e à derrota).
Contudo, a não ser o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) – que pretende
a demissão do Chairman e da CEO da TAP, por motivos de responsabilidade
organizativa e funcional –, ninguém questiona o que se passa na transportadora aérea.
Se Alexandra Reis percebia um vencimento bruto anual de 350 mil euros e recebeu
uma indemnização de 500 mil euros, que indemnização receberia, se fosse
exonerada, a CEO, que tem um vencimento bruto anual de 504 mil euros? E que
dizer do Chairman e dos demais elementos
do Conselho de Administração?
Com estas demissões resolveu-se o pandemónio que vai na TAP de um país
pobre? É óbvio que a exploração predadora continua. Os políticos demitem-se,
mas os administradores ficam.
O PR, que não devia tomar partido, a menos que um segundo mandato o
legitime, fica tranquilo com a autopunição do ministro, que sai, não a coberto
da pior polémica, a da localização do aeroporto. Já esquecia: “uma coisa é o Presidente,
outra é a família”. Para Pedro Nuno Santos, Ana Abrunhosa e Manuel Pizarro o critério
não é válido. E parece que Alexandra Reis só foi “crucificada” por ter ido da
TAP para o Governo: o caso da NAV só veio retocar o “poema”.
Paguem mal aos políticos, criem muitas incompatibilidades e impedimentos
legais e éticos, que teremos governantes e deputados cada vez mais medíocres, importados
dos aparelhos partidários!
2022.12.29 – Louro de Carvalho
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