Entre 1973 e
1975 os Estados Unidos da América (EUA), a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS), os Estados europeus e o Canadá reuniram-se em Helsínquia
(Finlândia) numa Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). O
resultado de curto prazo foi a confirmação do status quo do pós-Segunda Guerra Mundial na Europa. Porém, a longo
prazo, o acordo final conduziu à dinâmica de liberalização na URSS e da unificação
da Alemanha.
A ideia partiu
da URSS, sendo proposta formulada, em 1954, por Vyacheslav Molotov, ministro
dos Negócios Estrangeiros. O interesse no evento resultou do seu histórico
sentimento de insegurança, que levou à tentativa de obter o reconhecimento de jure do status quo europeu do pós-guerra, o que não havia acontecido,
sobretudo no atinente a Berlim. E o Kremlin viu nisto uma forma de destruir a
unidade atlântica, nomeadamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO),
propondo, como alternativa, um sistema pan-europeu de segurança coletiva.
Após várias
recusas dos ocidentais, cientes de que a sua segurança dependia da aliança com
os EUA e não com a URSS, Moscovo apresentou, a 17 de março de 1969, nova proposta
para a realização da conferência – que incluía, agora, a participação
norte-americana – com o propósito explícito de melhoria das relações entre os
dois blocos político-militares, de reconhecimento do mapa da Europa como
inviolável e da confirmação inequívoca da divisão da Alemanha em dois Estados
independentes e soberanos. Além destes interesses, os soviéticos eram motivados
por um desenvolvimento sistémico primordial, ou seja, o conflito
sino-soviético. E a iminência de nova frente de confronto a Oriente reforçou a
necessidade de entendimento a Ocidente e flexibilizou a postura da URSS face às
condições de realização da conferência.
Conscientes
das motivações soviéticas, os EUA não mostraram vontade em viabilizar a CSCE,
pois esta não servia os seus interesses fundamentais e podia pôr em risco a
coesão da Aliança Atlântica, a sua hegemonia na Europa ocidental e, logo, o seu
sistema de segurança. Por isso, Washington recorreu a vários expedientes para
adiar ao máximo a realização da conferência, ligando-a ao universo dos
problemas inscritos no relacionamento leste-oeste.
Porém, com
as mudanças no sistema internacional na passagem da década de 1960 para 1970, a
equação estratégica alterou-se, passando Helsínquia a dar vantagem aos EUA. Com
efeito, podia ser apresentada como um ganho da política de détente, cada vez
mais criticada no interior do país; na lógica da doutrina Linkage, de Richard
Nixon e de Henry Kissinger, ou seja, da ligação dos vários problemas de forma a
utilizar as zonas de possível cooperação para resolver as de conflito, a CSCE
podia ser relacionada com cedências soviéticas em outras áreas de interesse dos
EUA; era preciso enquadrar na estrutura mais vasta das relações leste-oeste a
nova atitude diplomática da Europa ocidental, apostada em afirmar-se no
contexto das superpotências, em especial a Ostpolitik de Willy Brandt,
impedindo a RFA de ficar sozinha na abertura a leste; e os oeste-europeus
estavam apostados na realização do evento e os decisores políticos de
Washington tinham de evitar ações unilaterais dos aliados em relação a Moscovo,
o que podia gerar, a prazo, a marginalização dos EUA dos assuntos do Velho
Continente.
A CSCE era
importante para a República Federal Alemã (RFA), para a França e para o Reino
Unido, a afirmar a Europa no contexto das superpotências, sobretudo pelo
fortalecimento do projeto da Comunidade Económica Europeia (CEE), enquanto
forma de Bona, Paris e Londres ganharem nova capacidade de influência e de
enquadrarem a Ostpoltik (que visava a melhoria das relações este-oeste). O
ponto de viragem ocorreu em dezembro de 1969, na Cimeira de Haia, que definiu a
nova orientação estratégica da CEE: completar, aprofundar, alargar. E, nesta
linha, em 1973, assistiu-se à adesão do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca.
Assim, entre 1970 e 1972, foram assinados três tratados estruturantes da
Ostpolitik: com a URSS (agosto de 1970), com a Polónia (novembro de 1970) e com
a República Democrática Alemã RDA (dezembro de 1972).
A Ostpolitik
foi também o fator primordial do interesse da França, do Reino Unido e da RFA
na CSCE. A Conferência de Helsínquia, vista como um modo de enquadrar a
reemergência da Alemanha na cena internacional num âmbito multilateral,
permitia aos franceses e aos ingleses atingirem dois objetivos: para Paris,
abria novas oportunidades ao velho desejo de uma Europa encarregue do seu
próprio destino e liberta da hegemonia americana; para Londres, reforçava o papel
de eixo central da relação entre os EUA e com a Europa ocidental e reduzia a dependência
da relação espacial com Washington. E, para a RFA, era um meio de garantir a
aceitação da política de abertura a leste pelos aliados ocidentais.
Os
preparativos multilaterais para a CSCE iniciaram-se em Helsínquia, em novembro
de 1972 e, em julho de 1973, reuniram-se os representantes diplomáticos de
todos os Estados europeus (com a exceção da Albânia), do Canadá, dos EUA e da
URSS, num total de 35 países participantes. Os trabalhos foram até julho de
1975, culminando na Ata Final da Conferência de Helsínquia, a 1 de agosto de
1975, de que saiu um texto dividido em três áreas vitais ou pacotes.
Do Pacote I,
“Segurança na Europa”, resultou a “Declaração acerca dos Princípios para a
Condução das Relações entre os Estados Participantes”. Dela constavam os
seguintes princípios: respeito pela soberania; não recurso à força; inviolabilidade
das fronteiras; integridade territorial; resolução pacífica das disputas; não
intervenção em questões internas; e respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. E resultou, ainda, o “Documento acerca das Medidas de
Confiança e Certos Aspetos de Segurança e Desarmamento”.
O Pacote II,
“Cooperação nos Campos da Economia, Ciência, Tecnologia e Ambiente”, regulou e
integrou as relações comerciais, produtivas e científicas entre os Estados
participantes.
O Pacote
III, “Cooperação nos Campos Humanitário e outros”, estabeleceu provisões acerca
das relações humanas, na interação com o Estado, no acesso à informação e à
formação, visando incentivar o livre fluxo de pessoas, de ideias e de
informação nos dois blocos europeus.
***
Na
sede da Embaixada da Itália junto à
Santa Sé, a 14 de dezembro, o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin,
olhou os dez meses da guerra na Ucrânia, iniciada com a agressão perpetrada pelo
exército da Federação Russa, e olhou para o futuro, pedindo um envolvimento
universal para que se realize uma grande conferência de paz para a Europa, na
esteira da conferência de Helsínquia, terminada em 1975, que pôs um freio na
Guerra Fria.
O cardeal
falou de “Europa e guerra, do espírito de Helsínquia às perspetivas de paz”, no
evento promovido pela Embaixada em colaboração com a revista geopolítica
italiana Limes e os Media do Vaticano
e que devia contar com a presença do presidente da República Italiana, Sergio
Mattarella, que testou positivo à covid-19. O embaixador Francesco Di Nitto
desejou ao Chefe de Estado rápida recuperação e abriu o evento. Estiveram
presentes cardeais, embaixadores, políticos e jornalistas. E Andrea Tornielli,
diretor editorial da Media do Vaticano, um dos promotores com Lucio Caracciolo,
diretor da revista Limes, explicou a
génese do encontro.
A ideia nasceu
do diálogo diário e do confronto entre a revista e a Media da Santa Sé, que está
empenhada, desde 24 de fevereiro, em “descrever a brutalidade da guerra”,
contando as histórias das vítimas e dos refugiados, fazendo-se eco dos apelos
do Papa e recebendo vozes fora do refrão.
A referência
à Conferência de Helsínquia, em que a Santa Sé participou com uma delegação
liderada pelo cardeal Agostino Casaroli, não é recente, mas foi proposta, nos
últimos meses, por Mattarella e por Parolin e pelo próprio Papa. O objetivo não
é analisar Helsínquia, mas discutir, “com criatividade e coragem”, as possibilidades
de voltar à mesa de negociações, desejo que choca com a realidade, pois hoje
não há condições para repetir o sucedido em Helsínquia.
Entretanto,
devemos trabalhar para reavivar o seu espírito, enfrentando esta crise, esta
guerra e as guerras esquecidas, com novas ferramentas, pois não se pode ler o
presente e imaginar o futuro com base em velhos padrões, em alianças militares
ou colonizações ideológicas e económicas.
O discurso
de Parolin desdobrou-se entre o Magistério dos Papas, da Pacem in Terris à Fratelli
tutti, e as crónicas que, desde fevereiro relatam imagens sangrentas: civis
mortos, crianças sob os escombros, soldados mortos, pessoas deslocadas, cidades
meio destruídas no escuro e no frio.
Face a esta
dor, há o risco de “habituar-se”, vincou o purpurado, que enfatizou, as
lágrimas do Papa aos pés da Imaculada Conceição, a 8 de dezembro, como “poderoso
antídoto contra o risco do hábito e da indiferença”. E lembrou o apelo ao
recurso a todos os instrumentos diplomáticos, para alcançar “uma paz justa”,
que parece um objetivo distante, sobretudo nas últimas semanas, em que, embora
tenha havido “alguns vislumbres de esperança” tem havido fechamentos e subido a
escalada dos bombardeios. Além disso, volta-se a falar dos dispositivos
nucleares e da guerra atómica, da aceleração da corrida pelo rearmamento, com
enormes quantias de dinheiro que deviam ser usadas para alimentação, para
empregos e para cuidados médicos.
Por isso, é premente
o novo convite a todos os protagonistas da vida internacional, na esteira do Angelus do Papa, a 2 de outubro, para se
“fazer todo o possível para pôr fim à guerra atual, sem se deixar arrastar por
perigosas escaladas, e para promover e apoiar iniciativas de diálogo”.
Para tanto,
Pietro Parolin, sugeriu a coragem de um maior envolvimento, organizado e
pré-estabelecido, da sociedade civil europeia, dos movimentos de paz, dos
grupos de reflexão e das organizações que trabalham para educar para a paz e para
o diálogo, envolvimento que pode ajudar a atualizar e a rejuvenescer os conceitos
de paz e de solidariedade.
Também foram
profundos e ricos em ideias os discursos dos outros palestrantes. O professor
Matteo Luigi Napolitano, da Universidade de Molise, enquadrou historicamente a
Conferência de Helsínquia, como “farol da história diplomática”. A professora
Monica Lugato, da Universidade de Lumsa, salientou que a única forma de
respeitar a paz é respeitar o direito.
Por fim, Claudio
Descalzi, CEO da ENI, focou a mudança do equilíbrio causado pela guerra na
Ucrânia, que “nos pegou no momento mais fraco da Europa, com a Rússia a
deslocar o eixo de interesse energético para a China”. E frisou que a Europa “não
tem energia própria, tem uma situação competitiva internamente e com os EUA” e,
entre sanções e aumentos de preços, está cada vez mais sozinha e com uma
indústria a atrofiar. Vincou, por outro lado, que a África sofre de “graves
problemas energéticos e alimentares”, devido à guerra, e tem uma situação cada
vez pior, no quadro das guerras, que geram a fome, a destruição, o estropiamento
e a morte.
***
A paz não é
um dado adquirido e postula que os povos encontrem mecanismos de entendimento.
2022.12.14 – Louro de Carvalho
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