quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Europa não quer guerra com a Rússia, mas não aceita o seu plano de paz


A Rússia invadiu a Ucrânia em 2022. E, passados quase quatro anos, está na disposição de celebrar um acordo de paz, mas exige que esse acordo seja negociado entre os Estados Unidos da América (EUA) e a Rússia e, eventualmente, com o país interessado, a Ucrânia.
Entretanto, a Europa e, em especial, a União Europeia (UE), quer sentar-se à mesa das negociações, o que a Rússia não aceita, por a Europa se apresentar como parte interessada, e não como neutral. E houve proposta russa de acordo, de todo inaceitável, mas que a administração da Casa Branca foi limando, de forma que não seja tão oneroso para a Ucrânia, embora mantenha, grosso modo, os objetivos principais da Rússia e dos EUA.
Acresce que a administração norte-americana mudou de atitude, face à guerra da Ucrânia. Joe Biden assumiu posição forte e dura e apodou de designações diplomaticamente inconvenientes o presidente russo. E Donald Trump pensou que levaria avante a ideia de acabar com a guerra, com impensada brevidade. Por outro lado, embora Donald Trump seja negacionista, no atinente às alterações climáticas e à necessidade de eliminar os combustíveis de origem fóssil, quer um entendimento com a Rússia para a vigilância e para o proveito dos recursos do Ártico. Sabe que os EUA não têm fronteira tão extensa com o pequeno oceano como a Rússia, pelo que pretende (a bem ou a mal) um entendimento com o Canadá e com a Dinamarca, via Gronelândia. Além disso, ainda não dispõe de navios quebra-gelo.
Num aspeto Donald Trump e Vladimir Putin estão concordes: a insignificância da Europa e da UE. Os EUA pouco têm a ver com a Europa, pelo que é ela que tem de se defender. No entanto, a Europa continua a decretar sanções à Rússia, que pouco lhe afetam a economia, mas que, em ricochete, criam dificuldades à Europa e a dividem. Por exemplo, há países do Leste que são membros da UE e querem continuar a comprar petróleo à Rússia, como há países da Europa, incluindo da UE, que, apesar das sanções, comprar produtos russos, via Noruega.   
Também não sei aferir da bondade da Europa em rejeitar um plano de paz que o governo ucraniano tende a aceitar ou em a UE querer emprestar à Ucrânia, a título de reparação, uma verba avultada de ativos russos depositados na Bélgica, sacrificando um dos estados-membros.
É neste contexto que surge uma estranha declaração do presidente russo.
Durante um fórum de investimento em Moscovo, organizado pelo banco VTB, a 2 de dezembro, Vladimir Putin acusou os europeus de não terem uma “agenda pacífica” e, referindo-se, ao apoio ocidental à Ucrânia, considerou que a Europa está “do lado da guerra”. Assegurou que a Rússia não está a planear lutar contra os países europeus, mas, se a Europa quiser guerra, a Rússia está “pronta, agora”. “Se a Europa decidir entrar em guerra com a Rússia e começar, de facto, uma guerra, poderá chegar, rapidamente, a uma situação em que Moscovo não terá ninguém com quem negociar”, justificou o presidente russo, observando que os governos europeus “vivem na ilusão” de impor uma derrota estratégica à Rússia.
Vladimir Putin disse que as exigências europeias relativas ao fim da invasão total da Ucrânia pela Rússia são inaceitáveis para Moscovo. E, mais uma vez, reiterou a posição do Kremlin: negociar apenas com a administração dos EUA e não permitir que os líderes europeus se sentem à mesa, alegando que estão a “atrapalhar” a administração dos EUA e o presidente Donald Trump nos seus esforços para “um acordo de paz, através de conversações”. Além disso, o Kremlin recusou negociar com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy.
Tais declarações de Vladimir Putin foram prestadas antes de uma reunião com o enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, em Moscovo, para ser recebido no Kremlin, a fim de tratar, novamente, do acordo de paz proposto pelo governo de Donald Trump, e após o presidente russo ter recusado as alterações propostas por países aliados da Ucrânia ao plano de paz idealizado pela administração de Donald Trump, considerado por muitos analistas pró-Rússia.
Mais cedo, a Rússia alegou que tomou o bastião de Pokrovsk, na região de Donetsk (no Leste), o que, se confirmado, seria o maior sucesso militar de Moscovo, desde 2023, algo negado por Kiev. Em comunicado, o Ministério de Defesa informou que tomou outras duas cidades, na região de Zaporizhzhya, e que eliminou cerca de 500 soldados inimigos na frente do Donbass.
Agora, Vladimir Putin avisou: “Não temos intenção de fazer guerra, mas, se a Europa começar, estamos prontos, imediatamente.”
Após o encontro, de cinco horas, de Steve Witkoff com o presidente russo, o assessor do Kremlin, Yuri Ushakov, afirmou que não se chegara a acordo sobre um plano para a Ucrânia. Descreveu as conversas como “construtivas”, mas disse que “ainda não chegamos a uma versão de consenso”, pelo que “muito trabalho ainda está por vir”.

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Na sequência das declarações de Vladimir Putin e de as negociações entre a Rússia e os EUA, os ministros de Relações Exteriores dos Estados-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) reuniram-se na sede, em Bruxelas, na Bélgica, a 3 de dezembro.
No discurso de abertura a reunião, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, alertou que a Rússia se prepara para um “confronto de longo prazo”, devendo a aliança enfrentar “perigos reais e duradouros”. Com efeito, segundo Mark Rutte, Moscovo está a trabalhar em estreita colaboração com a China, com a Coreia do Norte e o com Irão, “para desestabilizar as nossas sociedades e para romper com as regras globais”. Assim, o governo russo tem violado o espaço aéreo da NATO com jatos e com drones, realizando sabotagens e usando navios espiões.
Segundo o secretário-geral da NATO, os estados-membros estão a aumentar os investimentos em defesa, pois “todos precisamos fazer a nossa parte”; e a Ucrânia “precisa do nosso apoio mais do que nunca”, com o inverno e com os ataques russos.
Também o presidente da Ucrânia disse que sua delegação se preparava para uma reunião com os EUA, após o encontro em Bruxelas.
No dia 3, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que “não seria correto” dizer que Putin rejeitou as propostas dos EUA, pois é um processo de trabalho normal e a busca por um consenso.
O plano em causa foi gizado, há cerca de duas semanas. Os EUA apresentaram 28 pontos que, supostamente, ajudariam a garantir uma paz duradoura entre a Rússia e a Ucrânia, mas propunha, entre outras coisas, o reconhecimento da Crimeia e das regiões de Donetsk e Luhansk como território russo, pelos EUA e por outros países, bem como a redução do tamanho das forças armadas ucranianas. Contudo, a proposta foi considerada amplamente favorável à Rússia e sofreu diversas alterações, nas últimas semanas.
A proposta foi, de novo, trabalhada a nível bilateral, a 30 de novembro, na Florida, entre delegações presididas pelo chefe da diplomacia dos EUA, Marco Rubio, e pelo negociador ucraniano Rustem Umerov. E Vladimir Putin denunciou que os países europeus, referindo-se, principalmente, à França, à Alemanha e ao Reino Unido, incluem no plano exigências inadmissíveis para Moscovo com o objetivo de “bloquear todo o processo de paz”.
Persistem divergências significativas entre Moscovo e Kiev, sobretudo, quanto à possibilidade de a Ucrânia aceitar renunciar a áreas que ainda administra e quanto ao tipo de garantias de segurança que os países europeus estariam dispostos a fornecer. Moscovo e os parceiros europeus de Kiev também mantêm posições muito distantes, em relação ao que dizem ser os termos adequados para um possível acordo de paz.

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Com a invasão russa da Ucrânia em larga escala, tem vindo a aumentar a pressão sobre a Alemanha, para renovar a sua obsoleta indústria de defesa. Têm sido ditas palavras ou expressões, como “capacidade de guerra”, e vem-se fazendo a exigência de a Bundeswehr (as forças armadas unificadas da Alemanha, a sua administração civil e as autoridades de aprovisionamento) se tornar o exército convencionalmente mais forte da Europa.
As exigências máximas da Rússia na guerra de agressão contra a Ucrânia e a lenta, mas efetiva, retirada americana da NATO constituem um alerta para os europeus, que são, cada vez mais, obrigados a cuidar da sua própria segurança. Ora, para se tornar capaz de se defender – e, portanto, capaz de fazer a guerra – o mais rapidamente possível, a Alemanha prevê, no seu orçamento, o aumento do investimento na defesa para quase 153 mil milhões de euros, até 2029.
Esse valor é, frequentemente, utilizado como referência. Até lá, as despesas com a defesa devem aumentar para cerca de 3,5% do produto interno bruto (PIB) e a Bundeswehr deve ficar “pronta para a guerra”, já que um possível ataque russo ao território da NATO pode ocorrer nesse ano.
Na série de eventos “Zeitenwende on Tour”, da Conferência de Segurança de Munique, no final de novembro, o inspetor-geral das Forças Armadas alemãs, Carsten Breuer, frisou que “ninguém inventou o ano”, mas que este se baseia em “análises limpas”. Isso não quer dizer que, na ótica de Carsten Breuer, “que a Rússia vá atacar, mas estará em posição de o fazer”.
O aviso de que é possível um ataque russo em 2029 baseia-se numa análise da NATO, de 2023, a “Avaliação Conjunta da Ameaça”, segundo a qual a Rússia poderia ter condições para desencadear uma guerra, em grande escala, dentro de três a cinco anos.
De acordo com a investigação da WDR (Westdeutscher Rundfunk – instituição de radiodifusão pública alemã, baseada em Colónia), a avaliação utilizou satélites de reconhecimento para registar as atividades desenvolvidas pela Rússia, incluindo os volumes de produção e as estratégias de recrutamento. A avaliação, que se baseou apenas em informações dos serviços secretos, concluiu, em 2023, que a Rússia será capaz de criar um exército de 1,5 milhões de soldados, com o respetivo equipamento, em cinco anos – ou seja, até 2028 – e levar a cabo um ataque deste tipo. E, em 2024, o ministro da Defesa, Boris Pistorius, e Carsten Breuer, tornaram pública a “Avaliação Conjunta da Ameaça”, explicando que, obviamente, não queriam assustar a população, “falando diretamente de 2028, em 2024”.
Tanto a Bundeswehr como o Serviço Federal de Informações (BND) se aperceberam, rapidamente, de que fora utilizada uma análise mais antiga, mas não foi feita qualquer correção. De acordo com a WDR, o Ministério da Defesa decidiu, internamente, “formular a declaração, com mais cuidado”, e utilizar a expressão mais geral: “até ao final da década”.
Os EUA têm o maior exército do Mundo, sobretudo, por causa do seu enorme orçamento, da tecnologia avançada e da dimensão da sua marinha e da sua força aérea. Embora haja países com mais soldados, são superados pelos EUA com sua influência global e com altos gastos com a defesa. Até ao presente, a Alemanha tem-se apoiado na amizade transatlântica e na ordem mundial existentes. Numa entrevista ao Atlantic, Christian Freuding, chefe do Estado-Maior do Exército Alemão, afirmou que costumava contactar os responsáveis pela defesa dos EUA, “dia e noite”, mas que o intercâmbio tinha “cessado”.
Para compreender as posições americanas, Freuding confia na embaixada alemã em Washington, “onde alguém está a tentar encontrar alguém no Pentágono”.
O declínio do apoio dos EUA surge na pior altura, do ponto de vista dos especialistas alemães em segurança da Bundeswehr: enquanto têm de seguir, diariamente, os movimentos das tropas russas e de avaliar se Vladimir Putin se atreveria a atacar um país da NATO, antes do final desta década. E a questão é saber se um presidente dos EUA defenderia a Europa. Ainda recentemente, o embaixador dos EUA na Aliança afirmou que gostaria que a Alemanha assumisse, no futuro, a liderança dos EUA, na NATO, o que os especialistas veem como mais um sinal de que os EUA poderão retirar-se da NATO a longo prazo.
Para impedir um possível ataque russo ao território da NATO, a Bundeswehr tem de estar “pronta para a guerra”, até 2029. Isto significa que as tropas devem ser significativamente reforçadas e modernizadas, tanto em termos de pessoal como de equipamento.
A Bundeswehr tem cerca de 181 mil a 182 mil soldados no ativo, devendo aumentar o número para cerca de 203 mil. Para o efeito, o governo do chanceler Friedrich Merz (da CDU – Coligação Democrática Unitária) reintroduziu o serviço militar voluntário. Os jovens nascidos em 2008 ou depois recebem carta da Bundeswehr a convidá-los a participar no recrutamento, mas só os homens são obrigados a responder. E, embora serviço militar permaneça, inicialmente, voluntário, foram definidos objetivos claros para o aumento dos efetivos da Bundeswehr, podendo o Bundestag (Parlamento federal), se aquele número não for atingido, decidir tornar o serviço militar obrigatório. E o serviço será melhorado com programas de formação atrativos, com melhores salários e com tecnologia moderna, como o treino de drones, para atrair recrutas voluntários.

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Há quem pense que a Rússia “cria uma opção” para entrar em guerra contra a NATO e as autoridades alemãs alertaram que a Rússia poderá estar pronta para atacar a NATO, em 2029.
Na verdade, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Johann Wadephul, declarou que novas avaliações dos serviços secretos mostram que Moscovo está a preparar a opção de um ataque futuro contra a UE e contra a NATO. “Os nossos serviços de informação estão a emitir avisos urgentes: no mínimo, a Rússia está a considerar travar uma guerra contra a NATO, em 2029, refere um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros, considerando: “Temos de impedir novas agressões russas, juntamente com os nossos parceiros e aliados.”
Os países europeus têm vindo a registar um aumento de atividades suspeitas ligadas à Rússia e de ataques híbridos orquestrados por Moscovo, incluindo ciberataques, tentativas de sabotagem e até incursões de drones e mísseis no espaço aéreo europeu da NATO. O Comissário Europeu para a Defesa, Andrius Kubilius, sustenta que as suspeitas de provocações da Rússia – incluindo as incursões de drones e o recente bombardeamento de uma linha ferroviária polaca – estão a mudar as doutrinas de guerra. “Do ponto de vista técnico, não dispomos de capacidades de deteção suficientes, não temos meios económicos para destruir drones”, acentuou Kubilius, admitindo que a resposta da UE a esta situação continua a ser inadequada e observando: “Isto mostra que a forma como nos estamos a preparar, como podemos mudar a nossa compreensão das doutrinas de guerra modernas, não está ao nível necessário.”

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Que a Ucrânia está exausta com a guerra, que precisa de apoio e de paz justa e duradoura, é pura verdade. Porém, é de que questionar como a UE e o Reino Unido se põem em bicos de pés, ditando condições de paz e prometendo apoio financeiro e militar, como se fossem beligerantes, sobretudo com os EUA a retirarem-se da NATO e a subestimar a UE. Virá da Alemanha a salvação da Europa? Duvido. Voltaremos ao “Deutschland über alles” (“A Alemanha acima de tudo”)?

2025.12.03- Louro de Carvalho

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