domingo, 7 de dezembro de 2025

Central única para o INEM que junte CODU e SNS24?

 

A Comissão Técnica Independente (CTI) para a refundação do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) propõe a criação de uma central única de atendimento, juntando o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) e o SNS24, e a abertura do transporte não emergente de doentes ao setor privado, revelou o jornal Público, a 6 de dezembro, segundo o qual a criação da “linha única de atendimento” terá um prazo de implementação até três anos. Ou seja, a proposta, entregue ao Ministério da Saúde, defende que as chamadas de socorro para o 112 e para a Linha de Saúde SNS24 (808242424) sejam atendidas na mesma central de atendimento.
Em declarações ao Público, Leonor Furtado, presidente da CTI, explicou que a criação desta central visa obter “ganhos de eficiência e segurança”, porque a resposta “passa a ser mais rápida e imediata”, até pela proximidade física dos diferentes recursos humanos responsáveis pelo socorro médico. Pode até haver mais do que um número, mas a central está junta, o que tornará “mais fácil acionar e distribuir meios, em vez de se ter de passar a chamada para uma outra linha”, disse Leonor Furtado, frisando que a linha única deve contar com três centrais regionais – em Lisboa, no Porto e em Coimbra –, a funcionar com técnicos de atendimento, aos quais deverá ser dada formação específica teórica e prática de entre 150 e 200 horas e que farão a triagem inicial das chamadas e acionarão os meios.
Esta central deve ser coordenada por um médico “com autonomia na decisão de destino final e de referenciação dos meios”, para o que conta com o apoio de médicos internistas ou de especialistas em urgência e em emergência e de enfermeiros capazes de garantirem o aconselhamento ao doente, o apoio na triagem clínica e na decisão de acionamento de meios e que transmitirão os dados clínicos aos hospitais de destino. Ora, com uma coordenação médica comum, a articulação com o SNS24 permitirá, por exemplo, assegurar logo a marcação de consulta, refere o jornal Público, salientando que uma das conclusões a que a CTI chegou é a de que “cerca de 40% das chamadas em espera para o CODU e cerca de 6% das chamadas atendidas são transferidas para a Linha SNS24”.
As alterações propostas preveem que os meios mais diferenciados “devem ser alocados” às unidades locais de saúde (ULS), com partilha de recursos e de vantagens de carreira, além da abertura aos operadores privados do transporte não emergente de doentes, que é, atualmente, assegurado pelos bombeiros e pela Cruz Vermelha.
A análise feita pela CTI confirmou os graves problemas identificados pelas auditorias da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS). De facto, o INEM tem deficiências de comando, de controlo e de auditoria; os sistemas informáticos “são funcionalmente obsoletos”; e há insuficiências na formação e “grande assimetria nos tempos de resposta e acionamento” de meios e na sua distribuição pelo país.
Para a CTI, a grande fatia do orçamento, “em mais de 50%”, afeta aos principais parceiros do sistema integrado de emergência médica (SIEM) – corporações de bombeiros e Cruz Vermelha Portuguesa, ainda que com distribuição diferente – “prejudica a busca de parceiros e de modelos alternativos para a prestação do serviço de emergência médica pré-hospitalar”. Além disso, os “sistemas de gestão – estratégica, operacional e de recursos – e de controlo interno não garantem a boa gestão dos dinheiros e outros ativos públicos”.

***

Entretanto, bombeiros e agentes de proteção civil estão preocupados com a proposta. Assim, a Fénix – Associação Nacional de Bombeiros e Agentes de Proteção Civil (ANBAPC) manifestou, em comunicado, “profunda preocupação” com a proposta, apelou a que se evitem “erros estratégicos e técnicos” e defendeu que uma eventual reforma do SIEM “requer um processo estruturado, sustentado e abrangente, muito para além de propostas avulsas cuja interpretação pode ser facilmente desvirtuada, originando erros crassos”.
Representando os bombeiros e agentes de proteção civil, a Fénix – ANBAPC manifestou repudia o teor e as implicações do documento”, ressalvando que, no âmbito do processo, a associação decidiu, “de forma deliberada”, não dar contributos. “Não existe, que seja do conhecimento da associação, qualquer país que tenha implementado alterações de fundo, num sistema desta natureza, através de um método semelhante. Em contrapartida, são conhecidos modelos internacionais eficazes assentes em doutrina própria, sólida e reconhecida”, expôs a ANBAPC, sem adiantar o modelo que defende, para se proceder à refundação do INEM.
Com base na informação noticiada pelos órgãos de comunicação social, a associação afirmou que “não surpreende a inexistência, no relatório da CTI, de uma filosofia de base alinhada com o Serviço Médico de Emergência”. “Tal ausência conduz a erros estratégicos e técnicos, refletindo uma abordagem que tenta ‘reinventar a roda’, pese embora esta já se encontre definida e consolidada internacionalmente”, sustentou a Fénix – ANBAPC, sem se pronunciar sobre itens da proposta em concreto.
Neste âmbito, a Fénix vai solicitar, formalmente, ao Ministério da Saúde o acesso ao relatório da CTI, assim como a toda a documentação de suporte utilizada na sua elaboração, por forma a permitir uma análise rigorosa e fundamentada.
Também a Comissão de Trabalhadores do INEM contestou, em comunicado, as afirmações da CTI, por considerar que “não refletem a realidade”, inclusive com propostas já implementadas. “Não compreendemos, nem aceitamos que a CTI tenha ignorado totalmente os profissionais do INEM, não ouvindo as suas estruturas representativas, que detêm conhecimento técnico e operacional insubstituível. Tal omissão revela falta de respeito institucional e fragiliza a legitimidade das conclusões apresentadas”, afirmou a Comissão de Trabalhadores.
Os trabalhadores sustentam que a proposta parte de “premissas erradas”, desde logo, porque “uma larga maioria” dos enfermeiros do SNS24 se encontra em regime de teletrabalho, o que invalida a ideia de “proximidade física das equipas” apresentada como fundamento para a fusão de centrais. “Sem infraestruturas e presença física garantidas, a proposta é inexequível”, reforça a Comissão de Trabalhadores, lembrando que a Ordem dos Médicos (OM) manifestou críticas à Linha SNS24, indicando que o serviço não está a funcionar bem, pelo que “é imprudente” propor centralizar o atendimento sem corrigir deficiências estruturais.
Na perspetiva da Comissão de Trabalhadores, as propostas da CTI estão assentes em afirmações que não refletem a realidade do SIEM nem o trabalho dos seus profissionais”. “O sistema não parte do zero. A articulação CODU–SNS24 existe, há anos, com protocolos e transferência de chamadas em funcionamento que carecem, obviamente, de modernização e robustecimento. […] Não compreendemos, nem aceitamos que a CTI tenha ignorado totalmente os profissionais do INEM, não ouvindo as suas estruturas representativas, que detêm conhecimento técnico e operacional insubstituível. Tal omissão revela falta de respeito institucional e fragiliza a legitimidade das conclusões apresentadas”, expôs a estrutura representativa destes trabalhadores.
Os trabalhadores do INEM concordam que os técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPH) têm sido “um recurso subaproveitado” no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas discordam da asserção de que “não podem fazer nada”, considerando-a “tecnicamente falsa e profundamente ofensiva”, e alertam que qualquer alteração estrutural que coloque os TEPH sob entidades terceiras, sem garantir comando clínico integrado, carreira consolidada e equidade territorial, “é um risco sério para a eficácia do SIEM”.
Quanto à integração com as Unidades Locais de Saúde (ULS), os trabalhadores do INEM reforçam que a proposta já está implementada no quotidiano operacional, sendo, por exemplo, as ambulâncias de suporte imediato de vida (SIV), na maioria dos locais previstos na lei, desde 2016, operacionalizadas por enfermeiros das ULS, em articulação com o INEM.
Quanto ao modelo das viaturas médicas de emergência e reanimação (VMER), a Comissão de Trabalhadores afirma que “a integração clínica não é uma proposta nova, mas sim uma prática com décadas”, e sustenta que a inclusão de mais um elemento nas equipas VMER, “sem qualquer ganho qualitativo evidenciado”, constitui “um erro” de gestão. “O que falta não é mudar o paradigma, é consolidá-lo com investimento, clareza de responsabilidades e coordenação nacional forte”, defende.
Em relação ao transporte não emergente, os trabalhadores do INEM referem que a contratação de operadores privados está implementada, há anos, em complementaridade às corporações de bombeiros e à Cruz Vermelha.
Na comparação com outros modelos internacionais de emergência médica, os trabalhadores lamentam que a CTI tenha visitado apenas a Dinamarca e a França: “Ignorar outros modelos europeus consolidados, com diferentes arquiteturas e enquadramentos profissionais, conduz a conclusões insuficientemente sustentadas para justificar reformas estruturais no SIEM”, vincam.
Aguardando a publicação integral do relatório da CTI para melhor análise, a Comissão de Trabalhadores assegura que se manterá “interventiva e firme” na defesa da qualidade do socorro, do interesse público e dos direitos dos trabalhadores.

***

Ao invés, o presidente do INEM, Luís Cabral, acreditando que se trata de uma medida necessária, concorda com a fusão dos serviços, para melhorar o atendimento urgente aos doentes, só não defende que seja uma fusão obrigatoriamente física, mas essencialmente operacional.
Para o presidente do INEM, “era a última peça do puzzle” que faltava, depois de a instituição ter sido alvo “de duas auditorias e agora esta avaliação da Comissão Técnica Independente”. “São três aspetos diferentes daquilo que é o funcionamento do Instituto, mas que vão ter que ser agora coligidos, de forma a garantirmos que as soluções são comuns aos três”, explicou Luís Cabral, em entrevista à RTP.
O responsável admitiu que há divergências e será necessária adaptação, incluindo a “fusão física do SNS24 com as nossas centrais CODU”, plano com o qual concorda. “Temos de ter algoritmos de triagem semelhantes”, disse, explicando que o objetivo é evitar a transferência de chamadas.
Apesar da resistência da Comissão de Trabalhadores e do Sindicato dos Técnicos de Emergência, Luís Cabral considera que, “mais do que fazer a fusão física”, é preciso “fazer uma fusão funcional”. E explicou que a decisão de uma central deve ser a mesma das restantes: “Se é para enviar uma ambulância, a ambulância é enviada; se é para fazer apenas aconselhamento, será feito. […] O que os portugueses precisam “é de não andar a ser transferidos de uma central para a outra. […] É esse o nosso objetivo”, vincou.
A fusão do SNS24 e do INEM “é mandatória”, confirmou, mas não julga necessária a fusão física.
Há um mês na liderança do INEM, Luís Cabral afirma que os “trabalhadores devem ter noção clara de que nós devemos aos portugueses uma resposta” e lamenta “a degradação enorme da confiança dos portugueses no Instituto”. A culpa, considerou, “é do sistema” e o INEM tem de ser capaz de “ultrapassar essas restrições e entrar no novo modelo de organização”, que não foi Luís Cabral que decidiu. “Aceitei esta missão, sabendo que ia haver uma refundação do INEM. Este processo de mudança precisa de uma liderança e essa liderança tem de ser reconhecida. […] Não venho em guerra. Gostaria de trabalhar com todos”, clarificou.
Sobre a greve geral de 11 de dezembro, Luís Cabral garante que o “INEM aprendeu com os seus erros” e que, contrariamente ao que aconteceu na greve anterior, haverá serviços mínimos. Contudo, apelou a todas as classes profissionais que trabalham no instituto “que respeitem aquilo que os portugueses pedem”, que “tenham um espírito ético e deontológico”. “Era importante que todas as classes que se querem reconhecer como classes profissionais de saúde tenham a noção que ser profissional de saúde implica ter ética com os nossos doentes”, argumentou.
Questionado sobre se tal não põe em causa o direito à greve dos técnicos de emergência médica, o presidente do INEM rejeita, porque as outras classes profissionais de saúde fazem greve “e nunca tivemos falta de atendimento”. Diz que, apesar das queixas de falta de recursos humanos, o Ministério da Saúde tem “feito um trabalho árduo” com os sindicatos e na valorização de carreiras. Porém, assume que o “serviço tem as suas limitações, infelizmente, por falta de organização”. Os relatórios das auditorias, citou ainda, apontam que o “INEM tem falhas graves que devem ser devidamente corrigidas”.

***

O INEM é o organismo do Ministério da Saúde responsável por coordenar o funcionamento, no território de Portugal Continental, do SIEM, para garantir aos sinistrados ou vítimas de doença súbita a pronta e correta prestação de cuidados de saúde. A prestação de socorros no local da ocorrência, o transporte assistido das vítimas para o hospital adequado e a articulação entre os vários intervenientes do sistema, são as principais tarefas do INEM, o qual, pelo número europeu de emergência “112”, dispõe de meios para responder com eficácia, a qualquer hora, a emergência médica.
Os CODU são centrais de emergência médica responsáveis pela medicalização do 112. São transferidos para os CODU do INEM os pedidos de socorro efetuados por essa via, referentes a urgência ou a emergência na área da saúde. O funcionamento dos CODU é assegurado, ao longo das 24 horas do dia, por uma equipa de profissionais qualificados – médicos e técnicos de emergência pré-hospitalar – com formação específica para efetuar o atendimento, a triagem, o aconselhamento, a seleção e o envio de meios de socorro.
Os CODU do INEM coordenam e gerem um conjunto de meios de socorro – ambulâncias, VMER, motos e helicópteros de emergência – selecionados com base na situação clínica das vítimas, com o objetivo de prestar o socorro mais adequado, no mais curto espaço de tempo.
O SNS24 é o serviço digital do SNS, um ponto de acesso centralizado que oferece informação e serviços de saúde através da App SNS 24, do Portal SNS 24, da Linha Telefónica 808 24 24 24 e dos Balcões SNS 24, acedendo a receitas e a exames, agendando teleconsultas, triando sintomas e obtendo aconselhamento, promovendo a literacia digital e a proximidade com o utente.

***

Está visto que é necessária a reforma do INEM e do SNS24, mas não a sua refundação, que é uma prosápia de um governo que não quer investir no sistema, nomeadamente, em pessoal. Além disso, a reforma não se faz, sem ouvir o pessoal que trabalha nas instituições respetivas. Por outro lado, já estamos saturados de CTI que chegam às conclusões que o mandante pretende.

2025.12.07 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário