O
presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, mandou publicar,
em novembro, a “Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos da América”,
a fim de assegurar que o país continuará a ser, nas próximas décadas, “o país
mais forte, rico, poderoso e bem-sucedido do Mundo”, o que requer “estratégia
coerente e focada em como interagimos com o Mundo”, devendo todos os norte-americanos
saber o que se tenta fazer e porquê.
O documento de 33 páginas define “estratégia” como “um plano concreto e realista que explica a conexão essencial entre fins e meios”, a partir da avaliação do que se deseja e de que ferramentas estão disponíveis, ou podem ser criadas, para lograr os resultados pretendidos. E, porque a estratégia tem de “avaliar, classificar e priorizar”, fica assente que “o propósito da política externa [dos EUA] é a proteção dos interesses nacionais essenciais”.
O documento de 33 páginas define “estratégia” como “um plano concreto e realista que explica a conexão essencial entre fins e meios”, a partir da avaliação do que se deseja e de que ferramentas estão disponíveis, ou podem ser criadas, para lograr os resultados pretendidos. E, porque a estratégia tem de “avaliar, classificar e priorizar”, fica assente que “o propósito da política externa [dos EUA] é a proteção dos interesses nacionais essenciais”.
O
texto sustenta que as estratégias norte-americanas, desde o fim da Guerra Fria,
ficaram aquém do esperado, não tendo definido claramente “o que queremos” e
tendo, ao invés, proferido “platitudes vagas” e até avaliado mal “o que
deveríamos querer”. Nestes termos, as elites da política externa dos EUA
convenceram-se de que a dominação norte-americana permanente do Mundo “era do melhor
interesse do nosso país”, mas “os assuntos de outros países só nos dizem
respeito, se as suas atividades ameaçarem diretamente os nossos interesses”.
Sobrestimaram
a capacidade de os EUA de financiarem “um enorme estado
regulatório-administrativo de bem-estar social” e “um enorme complexo militar,
diplomático, de inteligência e de ajuda externa”. Com o globalismo e com o
“livre comércio” corroeram a classe média e a base industrial de que depende “a
preeminência económica e militar americana”. Por conseguinte, deixaram que “aliados
e parceiros transferissem o custo da sua defesa para o povo americano”, arrastando-o
para conflitos e controvérsias centrais aos interesses deles, mas irrelevantes
para os dos EUA, assim como “atrelaram a política americana a uma rede de
instituições internacionais, algumas das quais são movidas por um antiamericanismo
declarado e muitas por um transnacionalismo” que busca “dissolver a soberania
de cada Estado”.
Está
traçado o pano de fundo da nova estratégia dos EUA: defesa dos interesses do
país, abolição das diversas formas de solidariedade (política, social, humanitária),
exceto as que interessem ao desígnio norte-americano, e na medida do seu
interesse. Os EUA deixam de ser a Santa Casa da Misericórdia do Mundo. E que se
governem por si a Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições satélites
ou derivadas, bem como a Organização do Trado do Atlântico Norte (NATO).
***
A
páginas 25 e 26, fica patente a posição dos EUA relativa à Europa, sob a irónica
epígrafe “Promovendo a Grandeza Europeia”, frisando que autoridades norte-americanas
têm pensado nos problemas europeus, “em termos de gastos militares
insuficientes e de estagnação económica”, o que, sendo verdade, esconde que os
problemas da Europa são mais profundos.
A Europa continental vem perdendo participação no produto interno bruto (PIB) global – de 25%, em 1990, para os14%, atuais – em parte, devido a regulamentações nacionais e transnacionais que minam a criatividade e o dinamismo. Contudo, o texto sustenta que tal declínio económico é ofuscado pela perspetiva sombria de apagamento civilizacional, pois as amplas questões que a Europa enfrenta incluem as atividades da União Europeia (UE) e de outros órgãos transnacionais “que minam a liberdade política e a soberania, políticas migratórias que estão a transformar o continente e a criar conflitos, censura à liberdade de expressão e supressão da oposição política, queda acentuada nas taxas de natalidade e perda de identidades nacionais e autoconfiança”.
A Europa continental vem perdendo participação no produto interno bruto (PIB) global – de 25%, em 1990, para os14%, atuais – em parte, devido a regulamentações nacionais e transnacionais que minam a criatividade e o dinamismo. Contudo, o texto sustenta que tal declínio económico é ofuscado pela perspetiva sombria de apagamento civilizacional, pois as amplas questões que a Europa enfrenta incluem as atividades da União Europeia (UE) e de outros órgãos transnacionais “que minam a liberdade política e a soberania, políticas migratórias que estão a transformar o continente e a criar conflitos, censura à liberdade de expressão e supressão da oposição política, queda acentuada nas taxas de natalidade e perda de identidades nacionais e autoconfiança”.
Se
tal situação persistir, “o continente será irreconhecível, em 20 anos ou em menos”.
Certos países europeus não terão economias e forças armadas fortes “para
permanecerem aliados confiáveis”, mas os EUA querem que “a Europa permaneça
europeia, recupere a sua autoconfiança civilizacional e abandone o seu foco
fracassado na sufocação regulatória”.
No
atinente à relação da Europa com a Rússia, o documento considera que os aliados
europeus desfrutam de “significativa vantagem em poderio militar sobre a Rússia,
em quase todos os aspetos, exceto em armas nucleares”. Em resultado da guerra
da Rússia na Ucrânia, muitos europeus consideram a Rússia uma ameaça
existencial. Por isso, gerir as relações europeias com a Rússia exigirá significativo
empenhamento diplomático dos EUA, para “restabelecer as condições de
estabilidade estratégica, em toda a massa continental eurasiana”, e “para
mitigar o risco de conflito entre a Rússia e os estados europeus”.
É,
pois, interesse fundamental dos EUA negociar a “cessação rápida das hostilidades
na Ucrânia”, para “estabilizar as economias europeias”, para “evitar uma
escalada ou expansão não intencional da guerra”, para “restabelecer a
estabilidade estratégica com a Rússia” e para “permitir a reconstrução da
Ucrânia”, possibilitando a sua sobrevivência como Estado viável.
A
guerra na Ucrânia aumentou a dependência externa da Europa, especialmente, da
Alemanha, cujas empresas químicas estão a construir algumas das maiores
fábricas de processamento do Mundo na China, usando gás russo que não obtêm
internamente. Donald Trump discorda das autoridades europeias que “nutrem
expectativas irrealistas para a guerra, baseadas em governos minoritários
instáveis, muitos dos quais atropelam princípios básicos da democracia para
suprimir a oposição”, enquanto “a grande maioria europeia deseja a paz”, desejo
que “não se traduz em políticas, em grande parte, devido à subversão dos
processos democráticos por esses governos”. Todavia, a Europa continua vital
para os EUA, estratégica e culturalmente.
O
comércio transatlântico continua como um dos pilares da economia global e da prosperidade
norte-americana. Os setores europeus, da indústria à tecnologia e à energia, são
dos mais robustos do Mundo. A Europa abriga pesquisas científicas de ponta e
instituições culturais de renome mundial. Por isso, os EUA não podem descartar
a Europa, pelo que a diplomacia norte-americana “deve continuar a defender a
democracia genuína, a liberdade de expressão e a celebração, sem reservas, do
caráter e da História individuais das nações europeias”.
Os
EUA incentivam os aliados políticos na Europa a promoverem esse renascimento de
espírito, e a crescente influência de partidos patrióticos europeus, de facto, é
motivo de grande otimismo. Assim, o objetivo do inquilino da Casa Branca é
ajudar a Europa a corrigir a sua trajetória atual, de modo que se torne “uma Europa
forte, para nos ajudar a competir, com sucesso, e [para] trabalhar em conjunto connosco
para impedir que qualquer adversário domine a Europa”.
Os
EUA reafirmam o “forte apego sentimental ao continente europeu” e, em especial,
à Grã-Bretanha e à Irlanda. O caráter desses países é estrategicamente
importante, pois são “aliados criativos, capazes, confiantes e democráticos,
para estabelecer condições de estabilidade e segurança”. Assim, a longo prazo, é plausível que, no
máximo, em algumas décadas, certos membros da NATO se tornem maioritariamente
não europeus, permanecendo em aberto se toparão o seu lugar no Mundo, ou a sua
aliança com os EUA, da mesma forma que aqueles que assinaram a Carta da NATO.
Como
era de esperar, veio a septenária priorização da política geral dos EUA para a Europa:
“Restabelecer
as condições de estabilidade na Europa e a estabilidade estratégica com a
Rússia;
“Permitir
que a Europa se sustente por si e opere como um grupo de nações soberanas
alinhadas, inclusive, assumindo a responsabilidade primária pela sua defesa,
sem ser dominada por qualquer potência adversária;
“Cultivar
a resistência à trajetória atual da Europa, dentro das nações europeias;
“Abrir
os mercados europeus aos bens e serviços dos EUA e garantir o tratamento justo
dos trabalhadores e das empresas dos EUA;
“Fortalecer
as nações da Europa Central, Oriental e Meridional, por meio de laços
comerciais, de vendas de armas, de colaboração política e de intercâmbios
culturais e educacionais;
“Acabar
a perceção da NATO como aliança em constante expansão, impedindo essa realidade;
e
“Incentivar
a Europa a tomar medidas para combater a supercapacidade mercantilista, o roubo
tecnológico, a espionagem cibernética e outras práticas económicas hostis.
***
A
estratégia trumpiana significa menorização da Europa, ataque à sua idiossincrasia,
entrega da sua defesa a si própria e suposta descoberta da sua salvação,
através do apoio a partidos da extrema-direita, os quais, na ótica de Trump,
são paladinos da liberdade de expressão que a UE restringe. Que olhe para o que
está a criar nos EUA, a diversos níveis!
O governo norte-americano culpa as nações da UE e as suas políticas migratórias pelo que diz ser o iminente e total desmantelamento da Europa.
O governo norte-americano culpa as nações da UE e as suas políticas migratórias pelo que diz ser o iminente e total desmantelamento da Europa.
Estas
estratégias de segurança nacional são lançadas pelos presidentes dos EUA, uma
vez por mandato, para moldarem a forma como o governo atribui orçamentos e
define prioridades políticas. Aliás, Donald Trump classificou esta estratégia
como guião para garantir que os EUA “se mantêm a maior e mais bem-sucedida
nação da História da Humanidade e o berço da liberdade na Terra”. Na verdade, é
consonante com o estilo do slogan de campanha de Donald Trump, MAGA – “Make
America Great Again” (“torne a América grande outra vez”).
Apesar
de as ideias atinentes à Europa coincidirem com o que Donald Trump e o seu
vice-presidente, J. D. Vance, têm afirmado, Pippa Norris, professora de
política comparada na Harvard Kennedy School, diz que “o Departamento de Estado
não dispõe de uma ‘estratégia de segurança nacional”, sendo “a política externa
determinada, de forma errática e improvisada, pela Casa Branca”, segundo os
caprichos e instintos do Presidente.
Segundo
Heather A. Conley, investigadora no American Enterprise Institute e antiga
diplomata do Departamento de Estado, esta não é uma estratégia de segurança
nacional dos EUA, mas é a segurança “altamente personalizada”, em torno da
visão do Mundo de Trump. A secção sobre a Europa, em particular, “é bastante
invulgar e prescritiva, refletindo as visões da extrema-direita europeia
sobre a imigração, a cultura e o papel do Estado-nação”.
Contudo,
para Norris, o impacto da política externa dos EUA, nesta administração, “tem
sido desastroso para a Europa e para as relações transatlânticas, desde as
‘tarifas’ à NATO e à Ucrânia”. As autoridades norte-americanas reconhecem, no
plano estratégico, a falta de autoconfiança notória “na relação da Europa com a
Rússia”, apesar de os europeus gozarem de “significativa vantagem, em poderio
militar, sobre a Rússia, em quase todos os aspetos, exceto nas armas
nucleares”. Porém, a administração Trump conclui que a gestão das relações
europeias com a Rússia exigirá “significativo envolvimento diplomático dos
EUA”.
Cessar
as hostilidades na Ucrânia ajudará, segundo os EUA, a “estabilizar as economias
europeias” e restabelecer “a estabilidade estratégica com a Rússia”. Referindo
o aumento da dependência europeia, sobretudo, da Alemanha, desde o conflito na
Ucrânia, a administração Trump discorda das autoridades europeias, que
nutrem expectativas irrealistas para a guerra, “baseadas em governos
minoritários instáveis, muitos dos quais atropelam princípios básicos da
democracia para suprimir a oposição”. Ou seja, se ainda não foi alcançada
a paz, é por causa da “subversão dos processos democráticos, por parte destes
governos”, o que “é estrategicamente importante para os EUA, porque os Estados
europeus não se podem reformar, se estiverem presos em crises políticas”.
J.D.
Vance disse temer que a liberdade de expressão “esteja a recuar” na Europa,
criticando, por exemplo, a vontade de encerrar redes sociais, quando se deteta
conteúdo de ódio ou ações policiais contra a misoginia, online. Na senda
do libertarianismo nas redes sociais e noutras plataformas, Vance criticou,
insistentemente, o cancelamento dos resultados das eleições presidenciais na Roménia,
desvalorizando a interferência da Rússia em eleições estrangeiras.
O
governo norte-americano defende que a diplomacia norte-americana “deve
continuar a defender a democracia genuína, a liberdade de expressão e a
celebração sem reservas do caráter e da História individuais das nações
europeias”. Para tanto, fala do “renascimento do espírito”, com “crescente
influência dos partidos patrióticos europeus”, como motivo para otimismo. Ora, isto
configura uma guerra ideológica contra a Europa, visível no propósito de “ajudar
a Europa a “corrigir a sua trajetória atual” e na intenção de “trabalhar com
países alinhados que desejam restaurar a sua antiga grandeza”. Tal propósito e
tal intenção, como atesta a experiência norte-americana dos últimos meses (aliás,
isso foi típico de mandatos anteriores), induzirá interferência noutros países,
contra a alegada perda de soberania e de liberdade política e contra as
políticas migratórias, bem como a queda das taxas nacionais e a perda de
identidades nacionais, temas caros a muitas das forças políticas que fazem
oposição interna à UE. Estaremos ante discurso fascista típico do slogan
alemão “Deutschland über alles” (“A Alemanha acima de tudo”) e do americano
MAGA, com enunciados, provavelmente, gerados pelo ChatGPT.
Por
isso, é de pressupor que o governo dos EUA é hostil à UE, querendo subverter as
coligações europeias que acreditam na democracia e no Estado de direito e
representando ameaça à segurança e à prosperidade europeias. Isto,
quando a UE depende das Forças Armadas dos EUA e firmou com a Casa Branca um
acordo comercial de inteira submissão. Assim, os líderes europeus devem
procurar formas de promover a democracia e a maioria não fascista nos EUA e organizem-se
para se defenderem da administração Trump.
Esta
estratégia deveria preocupar os líderes europeus, pois tem implicações graves
para o futuro da relação transatlântica, especialmente, para o futuro papel dos
EUA na NATO, dado o desejo declarado de Washington de lograr a estabilidade
estratégica com a Rússia e dadas as suas visões sobre a guerra na Ucrânia. Não
é boa notícia para a Europa, porque prenuncia menor compromisso e menor presença
de segurança dos EUA. Com efeito, recentemente, responsáveis do Pentágono disseram
a um grupo de responsáveis militares europeus que a Europa deve preparar-se
para cuidar, plenamente, da sua própria defesa convencional, até 2027. Caso
contrário, os EUA retirar-se-iam do planeamento de defesa coletiva da NATO. E o
recente Plano de Prontidão para a Defesa da UE exige que a autossuficiência
europeia seja alcançada até 2030, o que é impossível, ao ritmo atual de
rearmamento europeu.
Também
Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, não compareceu na última reunião dos
ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, e os EUA negociaram a paz com a
Rússia e a Ucrânia sem a presença da Europa e retiraram algumas das suas tropas
da Roménia.
Enfim,
a nova Estratégia de Segurança Nacional revela que, hoje, o colonialismo tem
forte rosto norte-americano e inventou uma bem atuante forma de exploração
ideológica.
2025.12.06
– Louro de Carvalho
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