Do que ficou estabelecido, neste âmbito, em que o mote é a simplificação e a guerra à burocracia, apenas sobressai a aprovação de “uma resolução do Conselho de Ministros, que “estabelece os princípios e compromissos para a reforma dos ministérios e as metodologias para a sua concretização”, e a aprovação de um decreto-lei, que “procede à reestruturação da Agência para a Modernização Administrativa, I. P. (AMA), “garantindo que tem as atribuições e a estrutura adequadas para uniformizar a estratégia tecnológica e digital do Estado, transformando-a em Agência para a Reforma Tecnológica do Estado, I. P. (ARTE, I. P.)”.
***
Ânia
Ataíde recorda que, em 2005,
o governo de José Sócrates apresentou o PRACE, como “a primeira reforma, em muitos anos, de natureza
abrangente, sistémica, que procurava reestruturar e racionalizar as estruturas
do Estado, com uma redução prevista das mais de 500 entidades do Estado”,
prometendo: “modernizar e
racionalizar a Administração Central [AC]; melhorar a
qualidade de serviços prestados pela Administração
aos cidadãos, empresas e comunidades;
[e] colocar a Administração Central mais próxima
e dialogante com o cidadão.”
Mais
tarde, no governo de Pedro Passos Coelho, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, elaborou um “guião” para a Reforma do Estado,
que teve, segundo a articulista, “direito a duas versões – uma
primeira, em outubro de 2013, e a final, em outubro de 2014” –, mas com “um
universo mais abrangente do que a de 2005”, pois, entre os eixos e mais de 100
medidas, previa um PREMAC 2
[Plano
de Redução e Melhoria da Administração Central 2]” e, ainda: “simplificar
a relação dos cidadãos e das empresas com o Estado; eliminar as estruturas
sobrepostas na estrutura do Estado, reduzindo o número de organismos
e entidades; [e] desburocratizar e
organizar um Simplex 2.” Desta feita, como
sublinha Ânia Ataíde, Gonçalo
Matias avança com uma transformação “orgânica” e “organizacional”,
prometendo uma reforma dos
ministérios e mudanças na
legislação, como o código do procedimento e do processo administrativos ou o
código da contratação pública. E os objetivos anunciados são:
“tornar o Estado mais eficaz e
eficiente; reformar, uniformemente, todas as áreas
governativas; [e] simplificar e
promover a digitalização de processos, orientados [para os] cidadãos e [para as] empresas.”
A
grande repórter sustenta que a grande questão que se levanta para avaliar tal
reforma é “quem é que vai ser incomodado
com esta reforma” ou, de outro modo (pergunto eu), com quem vai ser feita essa reforma.
Só o governo não a conseguirá fazer.
Considerando
que, entre as linhas estratégicas do PRACE, se incluía
a aposta na modernização da Administração Pública (AP) e a criação programa
plurianual de redução da dimensão da Administração Central, Ânia Ataíde,
elenca, em retrospetiva, os diversos itens do Simplex, de 2006, bem como o emagrecimento do Estado, pela saída de 75 mil
funcionários públicos em quatro anos e a redução de, pelo menos,
15% no total das estruturas orgânicas dependentes de cada ministério e de 40%
das estruturas da AC; e anota a saída de perto de 80 mil funcionários públicos,
em 2014, “como resultado do Plano de Redução e Melhoria da Administração
Central do Estado (PREMAC),
no âmbito da Troika.
Gonçalo
Matias, na conferência de imprensa de 31 de julho, rejeitou a receita de Paulo
Portas de que, apesar de “reformar” ser diferente de “cortar”, a opção ser “um modelo de Administração Pública
que tenha menos funcionários, mas mais bem pagos”. Assim,
embora o ministro-adjunto e da Reforma do Estado tenha anunciado, com o
ministro Fernando Alexandre, a redução de 45 para 27 do número de dirigentes
superiores e a de 18 para sete do número de entidades que integram os serviços
centrais do MECI, garantiu que, neste momento,
não está previsto nenhum programa de despedimentos.
Ora, a
experiência mostra que, ao invés do prometido pelos governos, o número de
dirigentes públicos não diminui, em definitivo, acabando por aumentar. E, mais
tarde, lá se cria mais um organismo ou uma comissão, sob a qualificação de
independente, ou se recorre à terceirização, porque, supostamente, os
organismos existentes não dispõem de pessoal suficiente ou de know-how para algumas tarefas. Recordo-me
de simplificações consideráveis que foram torpedeadas – algumas ainda o são –
nos serviços desconcentrados ou a nível do poder local.
Apenas
dois exemplos. Em 1985, António Almeida Santos, o principal cabeça de lista do
Partido Socialista (PS) às eleições legislativas, prometia que uma das
primeiras medidas do seu governo (se ganhasse as eleições) seria a eliminação
do papel selado. O governo de Cavaco Silva procedeu à eliminação do papel
selado. Porém, algumas câmaras municipais obrigavam à aposição de vinheta aos
requerimentos dos munícipes, vinheta que era paga. E, só mais tarde, António
Guterres acabou com o imposto de selo de recibo.
Recordo
também que José Sócrates prometeu a constituição de “empresa na hora” e até houve
casos de sucesso. Porém, como refere Ânia Ataíde, em Portugal, são necessárias,
em média, 356 horas
para abrir uma empresa e 391 horas, por ano, para cumprir todas as obrigações
legais e administrativas”, e “os investidores consideram as
licenças e autorizações comerciais particularmente onerosas, apesar da recente
simplificação e consolidação de procedimentos, por exemplo, no licenciamento
industrial e ambiental”. A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) assinala que há espaço para avançar,
ainda mais, nas práticas de avaliação de impacto regulatório e na simplificação
da documentação. E Gonçalo Matias comprometeu-se em executar o “princípio só
uma vez”, previsto na legislação, desde 2014, e que não chegou a ser aplicado.
***
“A reforma do Estado não se faz num dia” é a frase com que
Gonçalo Matias visou refrear, de algum modo, as expectativas, quanto ao
calendário da reforma que foi apontada como a prioridade do governo, que tem, segundo
consta, um “plano muito consistente”, que mas “levará algum tempo” a produzir
os efeitos pretendidos. As medidas aprovadas são os “primeiros passos” e
traduzem-se em linhas orientadoras da reforma do Estado. Todavia, caiu como uma
bomba a extinção de várias entidades, no MECI (cerca de um terço dos organismos),
como a FCT, assim como a criação da ARTE, I.P.
A insistência na criação de agências e a omissão da palavra “ciência”
parecem remeter a Educação e a Ciência para o domínio do Marketing e para a tecnologia, o que faz lembrar a não muito antiga
tendência para governar o país com a folha de Excel. Ora, na Educação, aliás como em todo o serviço público,
estamos em relação com pessoas, não com números. Os números são instrumentais,
o que, por vezes, os governantes parecem esquecer. Mesmo a burocracia, revela a
existência de pessoas habituadas a registar tudo em vários papéis, a passar
papel a superiores e receber deles papel. A cada passo, as decisões são
remetidas para patamares superiores, a não ser que a resposta mais fácil seja o
“não”.
***
O secretário-geral do PS, que apoia uma reforma do Estado, considera “incompreensível” a extinção da FCT e da ANI, sem diálogo prévio, com as instituições do ensino superior, com os investigadores e “com aqueles que têm, ao longo das últimas décadas, garantido que Portugal tem estado no ranking dos países que faz da investigação um dos seus principais motores do desenvolvimento social e do desenvolvimento económico”. E revelou que, após falar com “algumas pessoas que representam o setor”, notou a “incredulidade com que viram o anúncio de medidas de extinção de instituições, sem um diálogo com os seus representantes, sem um diálogo com os seus trabalhadores, sem um diálogo com os investigadores que fazem a ciência e o conhecimento do nosso país”.
Por
sua vez, o Presidente da República avisou: “Se achar que o diploma como um todo
é uma boa ideia, se vier para promulgação do Presidente da República e é
possível que venha, eu promulgo, sem dúvida nenhuma, sem angústia nenhuma. Se
tiver dúvidas sobre um ponto que seja desse diploma, que seja muito importante,
peço ao governo para repensar. Já aconteceu várias vezes.”
A 2 de julho, Gonçalo Matias
defendeu, no XIII Fórum Lisboa, que a reforma é prioritária, sendo a
“burocracia excessiva” um “obstáculo silencioso” ao progresso. Sustentando que a
confiança dos cidadãos no Estado se constrói “na capacidade de garantir
eficiência, transparência e qualidade de resposta”, diz que a reforma assenta
na simplificação, na digitalização, na articulação e na responsabilização.
Assim, o objetivo é “fortalecer a sua relevância e legitimidade”, pois a
máquina pública não pode ser um labirinto onde se perde tempo”.
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O
ministro começou sem diálogo e sem documento estruturado para consulta pública.
2025.08.05 – Louro de Carvalho
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