Em seu artigo intitulado “Faltam jovens e mulheres nas assembleias municipais, mas também instalações próprias e mais reuniões”, publicado no Expresso online, a 28 de agosto, a jornalista Cláudia Monarca Almeida, põe em evidência o estado de degradação da maior parte das assembleias municipais (AM), o que sintetiza nos seguintes termos: “Mais de 60% das assembleias municipais não têm sala própria e, na maioria dos casos, os orçamentos são residuais. O ‘estudo’ [promovido pela Associação de Estudos de Direito Regional e Local (AEDREL)] revela ainda que os jovens e as mulheres continuam sub-representados nestes órgãos vitais da democracia local.”
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Por seu turno, o artigo 250.º da CRP estabelece que “os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal”. E o artigo 251.º estabelece que “a assembleia municipal é o órgão deliberativo do município e é constituída por membros eleitos diretamente em número superior ao dos presidentes de junta de freguesia, que a integram”.
O regime jurídico das autarquias locais (RJAL), aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, estabelece, no seu artigo 24.º que, sem prejuízo das demais competências legais e de acordo com o disposto no artigo 3.º, a AM “tem as competências de apreciação e de fiscalização e as competências de funcionamento previstas na presente lei”.
Ao nível das competências de apreciação e de fiscalização, o artigo 25.º elenca, no seu n.º 1, umas 22 atribuições da AM, a exercer sob proposta da câmara municipal (CM).
O n.º 2 do mesmo artigo elenca umas 14 atribuições, de que se destacam: “acompanhar e fiscalizar a atividade da câmara municipal, dos serviços municipalizados, das empresas locais e de quaisquer outras entidades que integrem o perímetro da administração local, bem como apreciar a execução dos contratos de delegação de competências previstos na alínea k) do número anterior; apreciar, com base na informação disponibilizada pela câmara municipal, os resultados da participação do município nas empresas locais e em quaisquer outras entidades; apreciar, em cada uma das sessões ordinárias, uma informação escrita do presidente da câmara municipal acerca da atividade desta e da situação financeira do município, a qual deve ser enviada ao presidente da assembleia municipal com a antecedência mínima de cinco dias sobre a data do início da sessão”.
Nos termos do artigo 26.º, n.º 1, no âmbito das competências de funcionamento, compete à AM: “a) elaborar e aprovar o seu regimento; b) deliberar sobre recursos interpostos de marcação de faltas injustificadas aos seus membros; c) deliberar sobre a constituição de delegações, comissões ou grupos de trabalho para o estudo de matérias relacionadas com as atribuições do município e sem prejudicar o funcionamento e a atividade normal da câmara municipal.”
O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que, “no exercício das respetivas competências, a assembleia municipal é apoiada por trabalhadores dos serviços do município a afetar pela câmara municipal, nos termos do artigo 31.”.
O artigo 31.º estabelece que a AM “dispõe de um núcleo de apoio próprio, sob orientação do respetivo presidente e composto por trabalhadores do município, nos termos definidos pela mesa e a afetar pela câmara municipal” (n.º 1); “de instalações e equipamentos necessários ao seu funcionamento e representação, a afetar pela câmara municipal” (n.º 2); e que, no orçamento municipal são inscritas, sob proposta da mesa da assembleia municipal, dotações discriminadas em rubricas próprias para pagamento das senhas de presença, ajudas de custo e subsídios de transporte dos membros da assembleia municipal, bem como para a aquisição dos bens e serviços correntes necessária ao seu funcionamento e representação” (n.º 3).
Ora, tendo em conta a amplitude das competências da AM, não se entende que a lei estabeleça apenas cinco sessões ordinárias, o que, na maior parte da autarquias, significa cinco reuniões (ver artigo 27.º, n.º 1, do RJAL).
Esta será, a meu ver, a grande incongruência da lei para o prestígio das AM, pois algumas limitações – como a estabelecida n.º 3 do artigo 25.º, no sentido de não poderem ser alteradas, na AM, algumas propostas apresentadas pela CM, sem prejuízo de esta poder vir a acolher, em nova proposta, as recomendações ou sugestões feitas pela AM – visam não dificultar o trabalho da CM, que, além de ser eminentemente político, se reveste de forte componente técnico-administrativa.
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Voltando ao artigo de Cláudia Monarca Almeida, é de recordar que mais de 60% das AM “não têm instalações próprias e, na
maioria dos casos, dispõem de orçamentos residuais”. E “a precariedade das
condições em que funcionam estes órgãos deliberativos é apontada como um dos
principais entraves ao exercício da democracia local”.Obviamente, tal sub-representação tem consequências, pois, no dizer da deputada municipal do BE, se os “temas tratados são, muitas vezes, ditados pelas prioridades dessas pessoas”, falar-se-á menos de temas que dizem mais aos jovens, como a educação, os transportes ou as dificuldades na emancipação (como o acesso à primeira habitação).
“Quanto menos os jovens estiverem representados menos espaço para discutir os problemas da juventude haverá”, sustenta André Pontes, 27 anos, deputado do Partido Social Democrata (PSD) em Ribeira Grande (Açores), para quem a “tenra idade” é uma mais-valia que traz “uma nova perspetiva” e “facilidade em falar e em ouvir as preocupações dos jovens”. Mas se o social-democrata encontrou, no seu mandato, “total abertura” para ser ouvido (numa AM em que o PSD está em maioria), a bloquista teve a experiência inversa, como membro da oposição. “Um dos grandes problemas é a condescendência. Há muitos deputados mais velhos que não nos levam a sério por sermos jovens”, sustenta, relatando um episódio em que outra deputada do BE (Leonor Rosas) interveio sobre o tema da sua tese de mestrado, o colonialismo, após a qual outro deputado a “mandou estudar” o tema.
Os dois deputados municipais rejeitam que o aumento da sub-representação se deva à falta de mobilização dos jovens. “Tem de haver uma decisão consciente dos partidos de incluir pessoas mais jovens em lugares elegíveis”, defende Maria Escaja, a recandidata que dá o exemplo do seu partido, onde todos os eleitos para a AM de Lisboa, em 2021, tinham menos de 35 anos.
O estudo em referência é coordenado por António Cândido de Oliveira, Luís Filipe Mota Almeida e Sílvia Silva (investigadores ligados às Universidades do Minho, de Lisboa e de Coimbra), para esta sub-representação se deve à incapacidade de renovação das estruturas partidárias locais, à falta de abertura à sociedade civil e à “desertificação do interior”. Não obstante, algumas autarquias estão a tentar mudar o panorama. “Iniciativas, como as AM jovens ou para crianças contribuem para “incutir, desde cedo, a participação cívica, [para] promover a aproximação do órgão deliberativo aos problemas da juventude e [para] permitir consciencializar para o sistema de governo municipal”, consideram os investigadores.
Embora seja o único deputado com menos de 35 anos, num dos três concelhos em todo o país, que, segundo o Censos 2021, tem mais jovens do que idosos, André Pontes diz existirem “outros mecanismos que também dão voz aos jovens”, no município, como o Orçamento Participativo Jovem e o Conselho Municipal de Juventude. Não é recandidato, mas garante que o PSD quer reforçar a representação jovem, na AM de Ribeira Grande, a 12 de outubro. Com efeito, é preciso reverter a situação de termos a AM, um órgão vital da democracia local, remetida para um segundo plano.
De acordo com o estudo em referência, há um “padrão de progresso lento, no funcionamento das AM”, com o estudo a indicar uma “melhoria no respeito pelos mecanismos legais de escrutínio dos direitos das forças da oposição e na utilização de novos mecanismos de abertura à sociedade civil, como a participação nos trabalhos de elementos externos ou as assembleias descentralizadas”. No entanto, a “principal preocupação é que as AM continuam a ter um lugar secundário na estrutura de governo municipal”, não tendo as “condições necessárias para exercerem as suas funções, de forma eficaz, e [para] desempenharem o papel vital que lhes cabe na democracia local”. Na maioria dos casos (67%), as AM pesam menos de 0,1% do orçamento municipal e quase dois terços (60,6%) não têm instalações próprias, reunindo em espaços pequenos, o que “prejudica” a presença do público.
O estudo revela ainda que quase um terço das AM não realizou mais do que as cinco sessões ordinárias. Por outro lado, as moções de censura continuam a ser “muito raras” (em 2024, foram apresentadas em apenas quatro, das 308 AM), facto que os autores atribuem à “falta de efeito prático deste instrumento”, por não existir um “regime jurídico que regule a destituição do executivo”, como previsto na CRP, desde 1997 (ver artigo n.º 239.º, n.º 3). “Trata-se de uma inconstitucionalidade por omissão que dura, há quase 30 anos, e que, por isso, deveria merecer a maior atenção da parte da Assembleia da República nesta legislatura”, recomendam os autores do “Anuário das Assembleias Municipais”, que será lançado como livro no próximo mês.
Acresce que muitas AM funcionam fora do período laboral, muitas vezes entrando pela noite, sendo as discussões abreviadas e marcadas pelo cansaço dos participantes. Por outro lado, o público fica diminuído no seu poder de intervenção, quando a sua intervenção é guardada para o fim da reunião.
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Integrei
uma AM, durante oito anos (dois mandatos), o que me dá conhecimento para
subscrever tudo quanto está apontado no estudo.A discussão, na sequência de pedido de qualquer dos titulares do direito de oposição, o relatório a que se refere o Estatuto do Direito de Oposição (ver artigo 25.º, n.º 2, alínea h, do RJAL) só ocorreu uma vez.
A CM, quando respondia a requerimentos dos partidos da oposição, fazia-o de forma excessivamente lacónica e não admitia réplica.
Por indicação do presidente da CM, propalada na respetiva campanha eleitoral, não havia lugar a pagamento das deslocações dos deputados que residiam fora da área do município.
A AM reunia no Salão Nobre dos Paços do Município, habitualmente, a seguir à reunião do executivo, ou seja, sem tempo para os vereadores darem conta aos respetivos deputados municipais do teor das discussões e do sentido das votações.
Muitos deputados municipais do grupo municipal do partido maioritário eram funcionários da respetiva autarquia, o que os limitava na discussão da agenda, pois dependiam funcionamento do presidente da CM. Por isso, limitavam-se a declarar apoio às propostas do executivo ou um deles perorava sobre o mérito das iniciativas da CM e do seu presidente. Ora, o “ámen” costuma dizer-se no final das orações, não nas reuniões da AM.
Numa reunião, o presidente e o vice-presidente da CM abandonaram a sessão da AM, agastados com a intervenção de um dos membros da oposição.
Propostas da oposição, apesar de aprovadas na AM (o que era muito raro), dificilmente eram executadas pela CM.
Salvava-se a postura, habitualmente neutral, da presidente da AM, mas que não podia obrigar os deputados a falar, nem a CM a responder, mas que dependia funcionalmente do presidente da CM, pois era funcionária do município. O presidente da CM chegou a declarar que não estava ali para responder, como se estivesse num tribunal. Não sei a que propósito vinha tal declaração, uma vez que ninguém lhe pedia qualquer declaração ajuramentada.
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Penso que a situação melhoraria, se a CM emanasse da AM, como a junta de freguesia emana da respetiva assembleia e o governo emana do Parlamento. Por isso, só deveria haver eleição direta para a AM, como há para a assembleia de freguesia, que elege a junta de freguesia, embora o cabeça da lista mais votada venha a ser o presidente da junta.
Depois, a AM elegeria a CM, devendo designar como presidente da CM o cabeça da lista mais votada, o qual proporia os vereadores de entre os eleitos, que a AM ratificaria, por votação secreta.
Além disso, deveriam ser definidas as condições em que a CM seria destituída pela AM, tal como deveria existir uma figura municipal – por exemplo, provedor do município ou comissão de curadores –, que fiscalizasse o cumprimento do RJAL, fizesse recomendações à AM e à CM e dispusesse do poder de veto, em relação a deliberações da AM e da CM.
É, na verdade, necessário moderar o poder do presidente da CM, que, muitas vezes, toma decisões importantes, a solo, confiante na ratificação pelo executivo e pela própria AM, quando, a não ser em caso de urgência, a figura da ratificação deve ser evitada. É de promover a AM como espaço do debate político em prol do município e como contraponto ao poder central, sempre que necessário. Enfim, é preciso represtigiar a AM pelo cumprimento da lei e moderar o presidencialismo municipal, relevando a dimensão parlamentarista.
2025.08.30 – Louro de Carvalho
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