quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Ministério Público instaura inquérito a André Ventura e a Rita Matias

 
Rita Matias – que é deputada à Assembleia da República (AR), adjunta da direção nacional do partido Chega e coordenadora da direção nacional da Juventude Chega – e, posteriormente, André Ventura, líder do partido divulgaram, nas redes sociais e na AR, uma lista com nomes de crianças imigrantes inscritas numa escola de Lisboa. O ato polémico suscitou críticas de alguns partidos políticos e várias queixas de várias organizações da sociedade civil. Além disso, sete associações de mães, pais e encarregados de educação de escolas, em Lisboa divulgaram uma carta aberta de repúdio ao que consideraram ser “declarações xenófobas e exposição indevida de menores” por deputados do Chega.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) abriu uma averiguação e o Ministério Público (MP) abriu um inquérito. Os crimes em causa poderão ser de discriminação e violação de dados pessoais.
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O jornal Nascer do Sol revelou, a 16 de julho, que dirigentes associativos, partidos políticos e cidadãos anunciaram, publicamente, que iriam apresentar queixa contra o facto de o Chega ter divulgado nomes de origem estrangeira de crianças que frequentam uma escola portuguesa.
A CNPD abriu um processo de averiguações sobre a divulgação de nomes de menores, alunos numa escola em Lisboa, por parte do líder do Chega na AR.  “A CNPD informa que, na sequência das diversas queixas apresentadas, foi aberto um processo de averiguações que corre os seus termos legais”, revelou, a 16 de julho a  instituição, citada pela agência Lusa, mas esclarecendo que, tendo em conta que o processo está a decorrer, “não se pode pronunciar” sobre o número de queixas, nem sobre os motivos.
O organismo presidido por Paula Meira Lourenço avaliará o caso. E, se for dada razão às queixas, por violação do Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD), o alvo pode ter de pagar uma multa. 
É de recordar que a divulgação dos nomes foi feita durante o debate parlamentar às alterações da Lei da Nacionalidade. “Estes senhores são zero portugueses”, disse André Ventura, com os aplausos de pé, da parte do seu grupo parlamentar.
Ouviu-se, da bancada do Partido Socialista (PS), “isso é crime” e todos os partidos de esquerda contestaram o facto de o presidente da AR então em exercício, o socialista Marcos Perestrelo, ter autorizado o que diziam ser um “número para ser replicado em redes sociais”, quando não se sabe sequer qual o tipo de nacionalidade desses menores.
Marcos Perestrelo disse que os nomes não permitiam identificar as crianças em causa, uma posição secundada pelo presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
Na véspera, a deputada Rita Matias tinha lido, igualmente, num vídeo no Tik Tok, os nomes de alunos com nomes e apelidos estrangeiros dessa lista. No debate parlamentar, o presidente do Chega disse que a lista era “pública”, mas Rita Matias admitiu, posteriormente, que não tinha confirmado a “veracidade” dos nomes.
Perante a polémica, a deputada do Chega disse que se tratou de um ato político em defesa dos portugueses que trabalham; não se arrepende de ter revelado os nomes de crianças imigrantes; acusa a esquerda de ter empolado o caso sem razão; e crê que a polémica serviu para dar visibilidade a um problema de que muitos portugueses se queixam.
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Em entrevista a Raquel Abecassis, publicada na Euronews, a 14 de julho, declarou que, dado o impacto da sua atuação, voltaria a fazê-lo, do mesmo modo, porque, pela primeira vez, conseguiu ver o tema “na ordem do dia e verdadeiramente discutido”.
Sustentou que não foi revelada a identidade de crianças, porque “os nomes não são identificativos, se não tiverem outros dados e detalhes”; e que, “mesmo a nível da proteção de dados, não revelou nem número de identificação fiscal [NIF], nem o nome da escola, nem fotografias”.
Existindo mais de mil creches com vagas para a educação pré-escolar, julga difícil que se consiga identificar a escola, a criança. Aliás, o objetivo da intervenção “era só destacar que os critérios de distribuição das vagas não são corretos”, pois há que “priorizar as famílias trabalhadoras, sejam imigrantes ou não”, sob pena de estarmos a penalizar e a sacrificar, maioritariamente, mulheres que se desempregam, para cuidarem dos filhos, por não terem onde os deixar.
Questionada se não tem a certeza se estas crianças são filhos de pais desempregados, respondeu que não, mas avançou que os critérios de atribuição de vagas priorizam uma série de condições, não só as condições desfavoráveis no contexto económico, como também a situação de desemprego, com o argumento de que as pessoas precisam de tempo para procurar trabalho”.
Alegou que, por várias vezes, o assunto foi discutido na AR e que, das intervenções muito menos polémicas, recordava uma, em julho de 2023, onde citou “testemunhos de pais e de mães portuguesas, nestas circunstâncias” e que, à data, não gerou o mesmo burburinho, talvez, porque os nomes que enunciou então “eram portugueses e não estrangeiros”. Por isso, aponta a ênfase desproporcional dada ao caso de agora, “que não se dá a outros temas”.
Depois, virou o bico ao prego, explicitando: “O vídeo estava com visualizações perfeitamente normais, que costumo ter nas redes sociais. A partir do momento em que a extrema-esquerda, através do Livre e da deputada Isabel Moreira, começaram a bater nesse tema e a partilhá-lo, massivamente, passou a ser muito maior. Portanto quem queria, aparentemente, proteger crianças, acabou por tornar o tema muito maior do que seria.”
Alega que apenas referiu “o tema das vagas nas creches”, não tendo entrado por outro tipo de conversas, como a substituição populacional ou o facto de os Portugueses se sentirem cada vez mais minoritários, em várias zonas do país. Diz ter pena de que o que chocou as pessoas “não seja a falta de oportunidades que estão a ser dadas às famílias portuguesas e aos filhos portugueses”, mas que seja o “fetiche” de certa elite em “proteger os aparentemente mais desfavorecidos e não os Portugueses, que sofrem com “a falta de serviços públicos” e com “a falta de capacidade de infraestruturas”, evidente e estrutural. “Isto não é responsabilidade dos imigrantes”, mas das políticas adotadas ao longo dos últimos anos. Ora, com mais de um milhão de pessoas a chegar ao país, sobrecarrega-se aquilo que já não funciona” – atirou Rita Matias, com razão.
Confrontada com a possibilidade de a sua atuação contradizer a necessidade de “integrar as crianças nas escolas, para que possa haver uma boa integração dessas comunidades”, negou que o partido queira criticar “a integração, que é necessária e que tem de ocorrer”, e que “jamais defenderia que o acesso à educação não deva ser universal e que deve ser apenas para os Portugueses”. Sustenta que esse discurso exclusivista “vai surgindo, cada vez mais, na sociedade portuguesa”, sobretudo, “como resposta a um extremismo do outro lado, que banalizou tanto uma falsa inclusão que gera revolta”. Ora, em sua opinião, “quando as pessoas sentem revolta, nem sempre têm capacidade de exprimir essa revolta pelas vias mais democráticas ou pacíficas”. E releva que a intenção do vídeo em causa “era dar voz a quem diariamente nos contacta”.
Mais garante que, na caixa de mensagens de todas as redes sociais do seu telemóvel, lá estão “testemunhos de centenas de mães, de centenas de crianças que não conseguem ter vagas e, depois, vivem um drama que é colocar os seus filhos numa rede privada”, significando que “metade do seu salário vai ser gasto com essas despesas”.
Admite que se irá colocar na agenda o problema da remigração. E, questionada sobre o contributo que o Chega para a solução do problema, refere a proposta que está a ser implementada na Região Autónoma dos Açores, que é “priorizar os pais trabalhadores”. Considera que “as redes públicas de creches têm de ser alargadas”, aliás como outros serviços, pois, “se não tivermos mais infraestruturas – creches, hospitais, transportes –, não vamos ter mesmo capacidade para dar resposta à dimensão populacional”. E sugere a necessidade de “alterar as prioridades no programa ‘Creche Feliz’, para que as famílias monoparentais e trabalhadoras possam ter prioridade” e não manter os critérios atuais de situação de desempregado ou de mera “situação económica, onde os imigrantes acabam por se chegar à frente e por ter prioridade”.
São, obviamente temas ou medidas a negociar no próximo Orçamento do Estado. Assim, diz que o seu partido apresentará, em breve, “um programa de apoio à maternidade e à paternidade com várias propostas, algumas delas, que já foram apresentadas, anteriormente, mas que valorizam o papel da família, que infelizmente, foi sendo desvalorizada”. Vê, “com perplexidade, a esquerda voltar a falar em família, quando fala em reagrupamento familiar, ou voltar a preocupar-se com os direitos das crianças, depois de dois elementos do Chega “terem mencionado nomes de crianças estrangeiras”, quando, na sua análise, “ao longo dos últimos anos foram praticadas atrocidades e violações dos direitos mais fundamentais e elementares das crianças nas escolas, não só com a disciplina de cidadania, mas também com a introdução de temas que não são naturais no desenvolvimento da criança e que não são para ser colocados naqueles estágios do desenvolvimento” – o que “nunca chocou a esquerda e a extrema-esquerda”.
Interrogada sobre se sente vitoriosa, respondeu que não. Contudo, diz ter conseguido “o objetivo de ver o tema discutido” e critica o “oportunismo político” de denegrir a imagem dos dois elementos do Chega, parecendo-lhe que grande parte desta bolha política e mediática não compreende que o drama relatado “é um drama real, para todos nós”. Claro, como aponta, tal drama “não se traduz em absolutamente nada”, para muitos, pois têm “carros particulares”, não têm de andar “em transportes públicos sobrelotados”, têm “acesso a hospitais privados”, não têm de “contactar com os centros de saúde”. E evoca relatos que lhe “chegam de médicos, onde se vê a utilização do mesmo número de contribuinte por máfias de imigrantes que se dirigem sempre com o mesmo número e que, depois, quando o médico está a analisar a ficha clínica do paciente, tem ali à frente um jovem com determinadas caraterísticas e os exames médicos que não correspondem à pessoa que ali está”.
Em relação explícita ao tema da remigração, verifica que ainda não está colocado na ordem do dia, do ponto de vista legislativo, mas que vai ter de ser colocado, dentro em breve. Não diz que o Chega o vá fazer, porque não há ainda decisão total, sobre a matéria. Sendo apenas uma das vice-presidentes do grupo parlamentar e um membro da direção nacional, acredita que existam outras posições e que o partido possa gerir o seu tempo político. Porém, não tem dúvidas de que a sua geração “vai ter mesmo de colocar esse tema com seriedade”.
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Voltando ao inquérito, é de referir que a divulgação de nomes de crianças imigrantes, por Rita Matias, nas redes sociais e, posteriormente, por André Ventura, na AR, vai ser alvo de inquérito, confirmou o MP à Agência Lusa, a 6 de agosto. “Confirma-se a instauração de inquérito relacionado com a matéria”, escreveu o jornal Público, citando a Procuradoria-Geral da República (PGR), numa resposta enviada à Lusa.
A deputada revelou, nas redes sociais, uma lista de nomes de crianças, afirmando tratar-se de uma lista de inscrição pré-escolar em Lisboa, acrescentando que “recebeu centenas de mensagens de pais a dizerem que não têm vaga para os seus filhos”, embora o Polígrafo diga que “os imigrantes não estão a passar à frente dos portugueses, na admissão para o próximo ano-letivo”, disse no reel, publicado na sua conta do Instagram, em julho. Também em julho, André Ventura mencionou a lista com os nomes das crianças imigrantes no plenário da AR.
Estes atos mereceram a condenação da maioria dos partidos e inúmeras queixas de organizações civis, que levaram a CNPD a abrir um processo de averiguação.
A polémica instalada foi desvalorizada pelo então presidente em exercício da AR, Marcos Perestrelo, sustentando que os nomes não permitiam identificar as crianças, uma posição secundada, posteriormente, por José Aguiar-Branco, presidente da AR, a pretexto da “liberdade de expressão”. Marcos Perestrello conduzia os trabalhos e o episódio surgiu no âmbito da discussão das propostas do governo para alterar a Lei da Nacionalidade e a Lei de Estrangeiros.
Apesar de ter dito ao Observador que não confirmara a lista e que André Ventura também não, Rita Matias disse ao Nascer do Sol que “não se arrependia” de ter revelado tais nomes e que “voltaria a fazê-lo”, pois o objetivo era frisar que os critérios de distribuição de vagas não são corretos. E o presidente do Chega sublinhou que a lista era pública e recusou revelar a sua origem.
Após a confirmação da PGR que vai abrir um inquérito ao caso, André Ventura disse respeitar o inquérito, mas estar convicto do seu arquivamento, por se tratar de uma questão de “liberdade política”. Mais disse que a Justiça está a “perder tempo a olhar para o Parlamento” quando o tempo devia ser “utilizado em inquéritos a crimes de violação, de corrupção e de branqueamento de capitais, de terrorismo, a crimes de incendiários”.
Desconhecendo o que motivou a abertura do inquérito, André Ventura referiu que a Justiça criminal precisa ficar desanuviada para outros crimes: “Nós não devemos entupir a Justiça criminal, porque não gostamos de um político, porque queremos vê-lo atrás das grades ou porque não o conseguimos combater”, afirmou, em conferência de imprensa, na sede do Chega.
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Falando “em abstrato”, o bastonário da Ordem dos Advogados (OA) diz que podem estar em causa os “crimes de discriminação racial ou religiosa” e, “dependendo da origem e da natureza dos dados”, poderá ter sido cometido um crime de “violação de dados pessoais”. Todavia, “a subsunção a cada um destes tipos legais exige, sempre, uma análise casuística dos factos concretos”, ou seja, é preciso ver o que aconteceu para perceber que crimes estarão em causa.
O líder do Chega referiu que ainda não sabe o que motivou a abertura do inquérito, mas disse suspeitar que foi devido a denúncias de associações ou movimentos cívicos, considerando que se está a criar uma “nova forma de fazer política, que é criminalizar políticos, procurar que tudo o que eles digam seja alvo de crime”. E, tal como Rita Matias, também não manifestou qualquer arrependimento por ter divulgado nomes de crianças, frisando que quis chamar a atenção para o facto de as escolas portuguesas estarem a ficar, em muitos casos, “cheias de estrangeiros”, procurando equiparar a sua situação à de uma reportagem da RTP, na qual se via uma imagem de uma pauta de notas dos exames nacionais com o nome de algumas crianças. “Será que a RTP vai ser alvo de um inquérito-crime? Ou é preciso que estas associações de esquerda façam a mesma coisa? Ou é preciso que o Chega faça queixas?”, questionou, mas prometendo colaborar com a Justiça, pois sustenta que deve ser “o indivíduo do país que mais colabora com tudo”.
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Pela aragem, duvido que o inquérito dê resultado diferente do arquivamento. Por outro lado, as asserções de Rita Matias merecem reflexão, por espelharem graves carências do país e trazerem a lume o pensamento de muitos cidadãos, críticos da governação democrática.

2025.08.06 – Louro de Carvalho


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