segunda-feira, 30 de junho de 2025

Ministério da Educação não sabe quantos alunos estiveram sem aulas

 
É escandaloso, com os meios e as técnicas de informação e de comunicação que um departamento do Estado, por mais complexo que seja, não conheça a população que serve.
Já era proverbial o dito de que o Estado não sabia quantos funcionários públicos tinha. A este respeito, recordo que, na segunda metade da década de 1980, éramos solicitados a preencher um formulário para as estatísticas, supostamente, para o Estado saber quantos funcionários tinha e, em especial, quantos professores. E lembro-me de que o funcionário que me abordou avisou que ou preenchia os papéis ou pagava a taxa de 20 escudos. Peguei, de imediato, numa nota e entreguei-lha, para ficar dispensado do preenchimento. Ora, nos serviços do Estado havia registos biográficos do pessoal, listas de pessoal, folha de pagamentos e, na escola, havia processos de alunos, listas de matriculados e pautas de avaliação de frequência e de conclusão. 
Contudo, agora, apesar dos atuais meios de controlo, “o processo de apuramento de alunos sem aulas em vigor não permite apurar, com exatidão, o número de alunos sem aulas”, de acordo com a carta de acompanhamento do relatório da auditora KPMG, empresa que, a pedido do Ministério da Educação, Ciência Inovação (MECI) ficou de avaliar se era possível ter dados fidedignos sobre o número de estudantes que, nos dois últimos anos letivos, tinham estado sem professor a, pelo menos, uma disciplina.
A auditoria identificou “lacunas e insuficiências que põem em causa a solidez dos dados reportados pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), referente ao número de alunos sem aulas a uma disciplina”, assim como revela que o processo atual assenta num sistema sem “rastreabilidade”, dependente de ajustamentos informais que potenciam o risco de erro, que pode atingir 50% dos alunos reportados como “sem aulas”. Tais correções são realizadas, “maioritariamente, por contactos telefónicos” e não estão sujeitas a “qualquer processo que documente a revisão/aprovação”, o que compromete a fiabilidade dos dados e impede a sua verificação independente.
Há também “diversas omissões e discrepâncias entre a Nota Metodológica e o processo em vigor”, incluindo alterações nos critérios de apuramento e no acompanhamento da informação, o que compromete “a comparabilidade do número de alunos sem aulas a uma disciplina, entre 2023/2024 e 2024/2025”. E é impossível aferir “o número total da população estudantil”, por distritos, por agrupamentos e/ou por escolas.
Por isso, os auditores deixam um conjunto de recomendações, nomeadamente, a “necessidade de implementação de um sistema de informação que permita recolher de forma tempestiva e centralizada, diretamente das escolas, a informação necessária” e a “definição formal de mecanismos de controlo e verificação dos dados apurados e a identificação das entidades e/ou responsáveis pela sua execução.” Aliás, os sumários estão em suporte eletrónico, facilmente transferíveis. E, nas escolas há grelhas e fichas para tudo.

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A 21 de novembro de 2024, Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência Inovação, anunciava que as medidas tomadas pelo governo haviam conduzido à redução, em 90%, do número de alunos sem aulas, face ao ano letivo anterior. Segundo as contas dos serviços, havia, então, 2338 alunos que ainda não tinham tido uma única aula a, pelo menos, uma disciplina por falta de professor, número que comparava com os 21 mil alunos que o governante assegurava que estiveram em idêntica situação, no período homólogo de 2023/24. De imediato, o Partido Socialista (PS) contestou a informação, garantindo que tinham sido dois mil alunos e não 21 mil.
Agora, a auditoria da KPMG sustenta que nenhum responsável conseguia apresentar os números rigorosos, porque o sistema não permite a contabilização “fiável”, o que, do meu ponto de vista, é intolerável, seja qual for o governo que gira os assuntos do país.
O MECI prometia implementar as recomendações da auditoria, nomeadamente, o mecanismo em em referência, partir do ano letivo seguinte, para se poder monitorizar, de forma rigorosa, credível e transparente, o número de alunos sem aulas, a cada disciplina, em diferentes momentos e ao longo do ano letivo – o que a tutela considera essencial para minimizar o problema.
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Entretanto, a 28 do mesmo mês de novembro, o titular da pasta da Educação, Ciência e Inovação reconheceu que as contas podiam não ser as propaladas, anteriormente, e que era, naquele momento, impossível qualquer comparação com o ano letivo anterior, após as dúvidas que surgiram, designadamente, da parte de João Costa, seu antecessor na pasta da Educação, e dos dados contraditórios que recebera dos serviços, em diferentes momentos.
Confrontado com dados contraditórios, o MECI considerou não existir fiabilidade na informação prestada pelos serviços sobre o ano letivo de 2023/24, pondo em causa o rigor de todos os dados que tinham vindo a público, incluindo o valor de referência escolhido pelo governo para a avaliação do efeito das suas medidas, bem como os dados divulgados pelo ex-ministro João Costa e as dúvidas colocadas por Alexandra Leitão, na altura, líder parlamentar do PS, que acusou o governo de “faltar à verdade”, garantindo que o número em causa rondava os dois mil.
Perante a disparidade de números, o Expresso pediu ao MECI o envio das bases de dados em bruto que permitissem confirmar os números que o ministro avançara. Porém, os números enviados suscitaram ainda mais dúvidas. Os dados diziam, supostamente, respeito aos alunos sem aulas, no ano letivo anterior, durante um, três, seis e nove meses, mas os totais, praticamente, não variavam nos diferentes momentos, oscilando entre os 19 mil e os 22 mil.
Com as dúvidas a avolumarem-se, a tutela decidiu pedir à DGEstE a revalidação dos dados, para verificar a informação referente a esse perío­do, usada pela equipa do MECI. Assim, na nova versão da DGEstE, a 22 de novembro de 2023 (a data de referência usada pelo Ministério da Educação, na sua apresentação) os alunos sem aulas, desde o início do ano letivo, eram 7381. E no final do 1.º período, eram 3295. Nenhum dos números batia certo com os 21 mil, que o governante vinha referindo, nem com os cerca de dois mil, referidos pelo PS.
Fernando Alexandre não teve outra hipótese, a não ser fazer o “mea culpa”, referindo que já não acreditava nos números fornecidos pela DGEstE e lembrando que tinha confiado nos elementos que lhe tinham sido apresentados e que nunca foram postos em causa pelos serviços, “ao longo de várias semanas de trabalho e reuniões”. Já em relação aos números do ano letivo que agora chegou ao fim, o governante sustenta que houve uma dupla verificação, nomeadamente, com contactos diretos com as escolas, pelo que os novos dados eram mais rigorosos.
Perante todas as contradições, o ministro decidiu pedir uma auditoria externa aos dados sobre alunos sem aulas, no ano letivo de 2023/24, com o objetivo se fazer uma avaliação independente, para ver se é possível ter dados fidedignos, a partir do sistema de informação existente.
Questionado sobre se sentia necessidade de fazer um pedido de desculpas, o governante lamentou a apresentação daqueles dados e porfiou que, se tivesse o conhecimento que passou a ter das fragilidades dos sistemas de informação, não teria quantificado o objetivo, por referência aos elementos do ano letivo anterior. Porém, não lhe pareceu ter de pedir desculpas, “porque estamos completamente focados em reduzir o problema dos alunos sem professor e tomámos 17 medidas que estão a ter efeito e os diretores reconhecem.”
Fernando Alexandre considerou que não devia um pedido de desculpas ao PS, porque teve, “em oito anos e meio”, tempo para montar um sistema de informação que permitisse medir este problema, se o tivesse identificado como prioritário. 
Para o ex-ministro da Educação, João Costa, o reconhecimento do erro por Fernando Alexandre não mereceu muitos comentários, além de um aviso e de uma constatação. “Todos os dados têm de ser vistos com muito cuidado, para não se partir para declarações bombásticas que não estejam devidamente sustentadas. O meu tempo como ministro da Educação ensinou-me isto”, disse o ex-ministro, corroborando a fragilidade dos sistemas de informação do MECI.
Quanto à dimensão da suposta diminuição do número de alunos sem aulas, o ex-governante sublinha que o problema da falta de professores nunca se resolverá em “meia dúzia de semanas”: “Quem nos dera que fosse possível [conseguir uma redução de 90%] em tão pouco tempo, mas não é”, atirou.
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Antes desta polémica, o MECI dizia ter conseguido cumprir, e até antecipar em um mês, a meta a que se tinha proposto. E considerava que o objetivo fora alcançado, graças a um pacote alargado de medidas que permitiu atrair para as escolas cerca de cinco mil novos professores, incluindo a o regresso à escola de professores aposentados e o prolongamento da docência por outros. Porém, a medida que teve mais impacto foi o pagamento de horas extraordinárias a mais de dois mil professores para completar horários, de modo a haver aulas em mais turmas. Na maior parte dos casos, os docentes faziam apenas mais uma ou duas horas, “o que não representa uma grande sobrecarga para os próprios, mas permitiu completar muitas turmas”, explicou o governante. Contudo, esqueceu a onda de baixas médicas – muitas de longa duração – resultantes do stresse e do cansaço de um corpo docente envelhecido e fragilizado, física, psicológica e socialmente. 
A possibilidade dada às escolas de contratarem diretamente professores, que já estava prevista na lei, foi incentivada com vista ao preenchimento de horários em aberto. E, de acordo com dados do MECI, tinham entrado, sobretudo por esta via, 4181 docentes que nunca antes tinham dado aulas, pelo menos, no sistema público. Segundo Fernando Alexandre, alguns terão vindo de colégios, mas a maioria nunca tinha lecionado. O facto de não terem formação pedagógica não preocupa o governante, porque o ensino superior é de grande qualidade, pelo que “têm uma excelente preparação científica”. Enfim, para o responsável pela Educação, a preparação didático-pedagógica é pouco relevante. 
Também o subsídio, que pode chegar aos 450 euros, para professores deslocados em escolas da Grande Lisboa, do Alentejo e do Algarve, onde há mais problemas de colocação, estava prestes a arrancar, tendo quase dois mil pedidos sido validados.
O governante enfatizou a atribuição de caráter atraente à carreira docente, quando o único benefício terá sido a contagem integral do tempo de serviço para efeitos de progressão, o que atingiu parte bastante diminuta dos prejudicados, desde 2005.
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Apesar de haver mais professores no sistema, há muitas dificuldades em substituir, rapidamente, docentes que se ausentam ao longo do ano, por exemplo por motivos de doença, de licença de parentalidade ou de gravidez de risco. Por isso, em cada momento, há sempre milhares de alunos que estão, temporariamente, sem aulas a uma disciplina, até porque o preenchimento de horários que ficam incompletos com a ausência dos titulares é de difícil preenchimento. Por isso, o número está sempre a oscilar. Todavia, o governante distingue estes casos, em que a ausência pode ser relativamente curta, dos que ficam sem uma disciplina, durante um período letivo inteiro ou mais. Nesse sentido, a prioridade foi resolver os casos de ausência de longa duração.
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Entretanto, em dezembro de 2024, o primeiro-ministro propalava uma fasquia bem diminuta: havia um total de 878 alunos que continuavam com um professor em falta e que não tinham tido qualquer aula a essa disciplina, durante o 1.º período, quando a Fenprof (Federação Nacional dos Professores), no seu balanço indicava que o número seria mais do dobro, rondando os dois mil.
Foi sobre algumas dessas medidas, a sua “falta de eficácia” e “ambição para dar resposta ao problema” que aquela organização sindical fez o seu balanço. O MECI, depois da polémica do final de novembro, optou por não divulgar mais dados e aguardava os resultados de uma auditoria aos números dos serviços.
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A partir de um inquérito, através da amostra representativa de 25% dos agrupamentos escolares do continente, a Fenprof estimava em 60 mil o número de horas extraordinárias atribuídas durante o primeiro trimestre daquele ano letivo. Alguns relataram ter atribuído serviço extra a mais de 50 professores do agrupamento. “Este número irá aumentar devido à saída, todos os meses, de centenas de docentes para a aposentação, provocando, à medida que o ano letivo avança, um número crescente de professores em situação de exaustão”, alertava aquela estrutura sindical, vincando que, só entre 1 de setembro e 1 de dezembro, se aposentaram 1686 professores e, em todo o ano civil, foram quatro mil, um número recorde, na última década.
Se a estas saídas se juntarem licenças e baixas médicas e as dificuldades de recrutamento sentidas na Grande Lisboa, em algumas zonas do Alentejo e no Algarve, acabam por ser muitos milhares os alunos que, mesmo já tendo tido aulas, acabam por ficar, depois, sem professor. E é face às dificuldades de recrutamento que as escolas têm tido necessidade, de cada vez mais, contratar professores sem formação pedagógica (dada nos mestrados em ensino) e técnicos especializados que não têm o número de créditos em cursos superiores para a chamada “habilitação própria”.
No caso dos professores com habilitação própria (curso superior, mas não em ensino), terão já sido contratados mais de quatro mil. Quanto aos técnicos especializados, e não havendo números oficiais, a Fenprof chama a atenção para o facto de estarem a chegar às salas de aulas pessoas com formação mínima. Numa apresentação dos serviços do MECI às escolas, foi explicado que era possível contratar técnicos com formação científica adequada e também sem formação adequada. Ou ainda a atribuição de horas a professores de áreas completamente distintas. Por exemplo, a Fenprof relatava que houve a possibilidade de atribuição de horas da disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) a docentes que apenas frequentaram uma ação de formação contínua como Capacitação Digital de Docentes ou de Educação Especial a professores formados em Educação Física.
Mesmo assim, estas medidas de recurso apenas “disfarçam um problema que só se resolverá com a valorização da carreira [e] através da revisão do estatuto dos professores”.
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Deve o governo, em matéria de Educação, abster-se da propaganda e olhar a sério para a escola pública, garantindo uma carreira docente atrativa (a nível salarial, de progressão, de condições de trabalho, de promoção da saúde, de respeito pelo professor e pela sua autonomia profissional), assegurando a existência de um corpo não docente qualificado, e promovendo uma educação e um ensino de qualidade a todos, com currículo e programas equilibrados, ajustados à situação etária e social dos alunos. E talvez seja necessário desmunicipalizar a Educação, que está a partidarizar a escola.

2025.06.30 – Louro de Carvalho


A Ucrânia retira-se do tratado de proibição de minas antipessoais

 
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, declarou, a 29 de junho, que assinou o decreto de retirada da Convenção de Otava sobre a Proibição de Minas Antipessoais, ou Tratado de Otava.
Com o objetivo de proteger os civis da detonação destas minas, após o fim de um conflito, o tratado de 1997, subscrito por mais de 160 países, proíbe a utilização, a produção, o armazenamento e a transferência de minas terrestres antipessoal.
Volodymyr Zelenskyy considera que as minas antipessoais não têm, muitas vezes, qualquer alternativa de defesa e descreve-as como o “estilo caraterístico dos assassinos russos: destruir a vida por todos os métodos à sua disposição”. Ora, como a Rússia lança minas a esmo, a Ucrânia fica numa situação muito injusta, sem capacidade de autodefesa.
“A Rússia nunca fez parte desta convenção e utiliza as minas antipessoais de uma forma extremamente cínica”, disse Zelenskyy, garantindo: “Ao darmos este passo político, estamos a enviar um sinal a todos os nossos parceiros sobre aquilo em que nos devemos concentrar. Isto aplica-se a todos os países ao longo do perímetro das fronteiras da Rússia.”
Contudo, a decisão ainda requer aprovação parlamentar, de acordo com o deputado ucraniano Roman Kostenko.
Outros países que fazem fronteira com a Rússia, como a Finlândia, a Polónia, a Estónia, a Letónia e a Lituánia, retiraram-se da Convenção de Otava ou manifestaram a intenção de o fazerem.
Após mais de três anos de invasão russa, a Ucrânia é, atualmente o país mais minado do Mundo e a remoção das minas poderá demorar até 30 anos. Um terço do território ucraniano é potencialmente perigoso.
Os meios de comunicação ucranianos referem que os territórios libertados pela Ucrânia, desde 2022, estão fortemente cobertos de minas, o que torna difícil e perigosa a sua remoção.
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mina antipessoal ou mina anti-indivíduo é uma mina terrestre, desenhada para matar ou para ferir as pessoas que estiverem próximas destes artefactos, após a sua explosão.
A maior indústria de mina antipessoal do Mundo é detida pela Claymore Inc., nos Estados Unidos da América (EUA), e fabrica um tipo de mina cuja função é destruir e cauterizar, após a explosão, os membros inferiores dos elementos atingidos, aleijando, mas não matando. O objetivo é conseguir que o alvo não morra, por hemorragias, mas permaneça vivo, acordado e sentindo dores pela maior quantidade de tempo possível, a fim de quebrar o moral da tropa, no seu avanço.
Há um tipo de mina fabricada pela Claymore que dispara cerca de três mil projéteis de aço, à base de urânio empobrecido, em forma de agulhas (os flexets), cuja função é causar o maior número de danos ao grupo atingido, desde pessoas até veículos. O seu alcance chega a várias centenas de metros. Este tipo de mina não é permitido pelo Tratado de Otava.
As minas antipessoais podem ser de explosão ou de fragmentação. As primeiras atingem o alvo para causarem os maiores danos possíveis aos alvos mais próximos, destroçando e queimando os elementos atingidos, para reduzir o moral do grupo de avanço. O segundo tipo é projetado para atingir o maior número possível de alvos, próximos ou distantes do ponto de explosão. Esse tipo expele grande quantidade de fragmentos, em altíssima velocidade, com alcance considerável. Neste grupo, existe o tipo saltador, cuja cápsula, após o disparo, salta do seu nicho a, aproximadamente, um metro de altura, explodindo e lançando fragmentos que se espalham horizontalmente. Existe, ainda, um tipo de mina fixa não-direcional, instalada no solo ou imediatamente abaixo da superfície, a qual, depois da ignição, projeta os seus fragmentos para cima e para fora, em 360 graus, formando um arco de 60 graus. Ao contrário de outros tipos, o objetivo deste é destruir o caminhante.
Quando alguém pisa uma mina explosiva e a ativa, a carga principal da mina detona, criando uma explosão do tipo onda de choque. A onda de choque envia um enorme stresse de compressão para cima, o que torna muito mais fácil o seu efeito. Quando a onda de impacto atinge a superfície, transfere, rapidamente, a força para o calçado e o pé do sujeito. Isso resulta numa força de compressão maciça aplicada. Na maioria dos casos, os membros inferiores da vítima são destruídos pela onda de choque.
O resultado da lesão depende do tamanho da carga, da profundidade do corpo no terreno e o tipo de solo (este é o mais importante). Diferentes tipos de solo serão transferidos para a ação da mina, sendo mais transferível o solo saturado “argiloso”. Cargas de mão maiores resultam numa libertação mais severa da pele, levando a lesões mais graves e, em alguns casos, à amputação traumática grave da perna até ao joelho.
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Em abril de 2023, a pouco mais de um ano do início da guerra, a Ucrânia tornou-se um dos territórios mais contaminados do Mundo. E o governo do país estimava que, pelo menos, um terço do seu território, cerca de 180 mil quilómetros quadrados (km2), estivesse contaminado.
Por isso, já se adiantava que, depois da guerra, um inimigo bem escondido continuaria a reclamar vítimas na Ucrânia, como, aliás, é usual nos países que passam por conflitos armados, nos tempos atuais. Portugal conhece bem o caso dos territórios em que fez desenvolver a sua guerra colonial. E a Ucrânia tem presente a experiência do Kosovo, que a está a ajudar.
Ora, ao tempo, já as minas estavam presentes em quase um terço do território e tinham causado, pelo menos, 700 vítimas civis, desde que a guerra começou. E o governo ucraniano estimava que seriam necessárias décadas e milhares de milhões de euros, para se verem totalmente livres delas. “Não pode haver paz, enquanto uma criança puder morrer, por causa de uma mina terrestre russa”, dizia, num discurso ao parlamento da Nova Zelândia, o presidente ucraniano, chamando a atenção para um perigo enfrentado pela sua população.
A Ucrânia tornou-se um dos países mais contaminados do Mundo. Pelo menos, um terço do seu território, cerca de 180 mil km2 estava contaminado – uma área concentrada no Leste e no Sul.
A limpeza de uma área é feita em várias etapas. Primeiro, a probabilidade da presença de minas ou de resíduos explosivos é avaliada, através de entrevistas aos proprietários da área e aos vizinhos. Se a presença de materiais explosivos for confirmada, os serviços de emergência intervêm. Os desminadores detetam a localização das minas, evacuam-nas, se possível, ou destroem-nas no local. 
As minas já estavam a atingir civis. Com efeito, um casal sexagenário andava na floresta, perto da sua casa, em Myla, a Oeste de Kiev. O marido avançou poucos metros, à procura de cogumelos, quando ouviu uma explosão e o grito da esposa. Prestou-lhe os primeiros socorros e pediu ajuda. Porém, a floresta foi considerada demasiado perigosa para a passagem de uma ambulância. E a vítima morreu no caminho para o hospital. Esta história, contada no website da Halo Trust Foundation, uma das principais associações de desminagem do país, tornou-se comum, nas cidades e aldeias que foram palco de combates.
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Em outubro de 2024, a Ucrânia já era considerada o país mais minado do Mundo e previa-se que serão necessários cerca de 30 anos, para concluir a remoção das minas e dos engenhos por explodir, uma vez que cerca de um terço do seu território é potencialmente perigoso.
De acordo com a Associação Ucraniana de Desminagem Humanitária, a desminagem completa do território ucraniano pode demorar até 30 anos, pois trata-se de mais de 150 mil quilómetros quadrados potencialmente perigosos, em 180 mil contaminados, o que representa um terço do país – o tamanho do território da Grécia ou duas vezes o território da Chéquia.
“Um dia de guerra equivale a 30 dias de desminagem. No exemplo da cidade de Irpin, isto é verdade”, declarou Yakiv Hanul, chefe do departamento de explosivos de Irpin, na região de Kiev, acrescentando que nem todas as minas e engenhos por explodir podem ser identificados imediatamente, o que complica, ainda mais, os esforços para os mapear e remover.
Na verdade, como explica Hanul, “algumas minas ou cartuchos por explodir estão localizados em áreas privadas” e, “se não houver sinais de que algo está lá, ninguém entra, a menos que os moradores ou proprietários façam uma chamada.” Além disso, há projéteis que podem ter entrado em superfícies aquáticas (lagos, rios e pântanos) e que também não são detetados imediatamente. E, independentemente disto, uma parte ainda permanecerá no solo.
Banco Mundial estima que o custo total da remoção dos engenhos explosivos será de cerca de 34 mil milhões de euros e que serão necessários mais de 10 mil peritos para efetuar o trabalho. Atualmente, a Ucrânia tem cerca de três mil sapadores capazes de lidar com minas e engenhos por explodir. E o Serviço Estatal de Emergência da Ucrânia realiza programas especiais de formação, incluindo formação sobre como identificar engenhos explosivos perigosos.
Nataliia Kirkina, capitã reformada da polícia de Sievierodonetsk, na região de Luhansk, inscreveu-se no programa, quando regressou a Irpin, depois de as forças ucranianas terem expulsado os soldados russos da região de Kiev. “Quando eu era criança, o meu pai encontrou, acidentalmente, um rastilho de uma granada da II Guerra Mundial. Explodiu nas suas mãos. Milagrosamente, ele sobreviveu”, relatou, confessando que, não querendo que os seus filhos “passassem pelo mesmo”, se demitiu da Polícia Nacional e fez uma formação para se tornar “identificadora de engenhos explosivos”.
Antes de 2022, só os homens podiam trabalhar como operadores de eliminação de engenhos explosivos, na Ucrânia, mas, quando os homens ucranianos foram para a linha da frente, a profissão abriu-se às mulheres, que se inscrevem, cada vez mais, em programas de formação, no país e no estrangeiro.
Uma das escolas é a MAT Kosovo, onde existe um programa especial para mulheres ucranianas.
Sir Ben Remfrey, diretor-geral da Praedium Consulting Malta e da MAT Kosovo, disse que a escola está em negociações com a ONU Mulheres (Organização das Nações Unidas Mulheres), para um projeto de formação de muitas mais mulheres, em 2025-2026.
Entretanto, mais de 400 ucranianas já receberam formação nas instalações da escola em Peja, no Oeste do Kosovo. Ali, aprendem competências únicas, de acordo com as Normas Internacionais de Ação contra as Minas, ensinadas na sua língua materna, uma vez que a MAT Kosovo traduziu todos os seus cursos para Ucraniano.
O diretor-geral da escola afirma que não existe uma abordagem de formação única para todos. “A formação centra-se no tipo de funções operacionais que terão, quando regressarem à Ucrânia, e na forma como eles próprios conduzirão as operações como parte da equipa ou liderando a equipa”, disse Sir Ben Remfrey, explicando: “As ameaças foram cuidadosamente estudadas e a formação foi adaptada a essas ameaças, bem como à evolução das ameaças, à medida que a guerra prossegue e que as zonas são libertadas, o tipo de ameaça muda, desde a eliminação de munições convencionais até, digamos, às armadilhas e dispositivos improvisados.”
Explicou também porque era importante começar a desminagem, o mais rapidamente possível: “As pessoas deslocadas regressam a casa, assim que podem, as pessoas que trabalharam a terra querem voltar a trabalhar a terra, querem viver nas suas antigas casas e viajar, como faziam em segurança. É por isso que a terra tem de ser desminada e devidamente libertada para essas comunidades, o mais rapidamente possível.”
A desminagem é, normalmente, dividida em três tipos: operacional, militar e humanitária. A desminagem operacional é efetuada, em caso de emergência pelo Serviço de Emergência do Estado, por sapadores da polícia e por especialistas do Serviço de Transportes Especiais do Estado. A desminagem militar é efetuada por soldados, para abrir o caminho para que os militares possam avançar, durante um conflito (neste caso, as minas só são desativadas, se bloquearem rotas estratégicas necessárias para o avanço ou retirada dos soldados na guerra). E a desminagem humanitária tem como principal objetivo a limpeza planeada do terreno, para que os civis possam regressar às suas casas e realizar as suas atividades diárias, sem porem em perigo as suas vidas e a sua saúde.
A desminagem humanitária pretende restaurar a paz e a segurança, a nível comunitário. Para ajudar os serviços de emergência e salvar a vida dos especialistas em engenhos explosivos, a Ucrânia está a utilizar cada vez mais sistemas robóticos terrestres.
A UNITED24, plataforma oficial de angariação de fundos, criada por iniciativa do presidente Volodymyr Zelenskyy, está a angariar fundos para estes sistemas, afirmando que a utilização de robôs terrestres aumenta, significativamente, a velocidade de desminagem e garante a segurança absoluta do operador EOD (Explosive Ordnance Disposal).
“O operador pode estar localizado a uma distância de até três quilómetros do desminador, o que garante total segurança e a capacidade de desminar, até 100 metros quadrados, por dia, o que é 10 vezes mais do que as capacidades de desminagem de um sapador, considerou Taras Ostapchuk, criador destes drones.
No entanto, estes são apenas os cálculos para os territórios que já foram libertados pelas forças ucranianas. Um problema ainda maior será a desminagem dos locais onde há combates pesados, há muito tempo, uma vez libertados da presença das tropas russas. “Há zonas na região de Donetsk onde, nem nós, nem o inimigo avançámos, desde o início da guerra em grande escala. Ali, os combates nestes terrenos já destruídos duram há quase três anos. Existem milhões de destroços e engenhos por explodir”, dizia, então, Yakiv Hanul.
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A proliferação das minas antipessoais terrestres é uma das consequências das guerras de há muito tempo. Além dos estragos diretos, deixa em insegurança os sobreviventes da guerra que morem ou trabalhem em locais por desminar. Por isso, a desminagem é urgente, mas requer tempo, pessoal com formação especializada, dinheiro e perseverança.
Não sei se a decisão de retirada da Ucrânia do Tratado de Otava – decisão que deve comunicar à ONU, depois da aprovação parlamentar – resolverá o problema ou se o agravará. Mas é a guerra!

2025.06.30 – Louro de Carvalho


domingo, 29 de junho de 2025

Paulo é o apóstolo dos gentios, mas Pedro é pioneiro nesse apostolado

 
Celebrou-se, a 29 de junho, a Solenidade dos apóstolos São Pedro e São Paulo, que chegaram a Jesus por vias diferentes. O pescador ouviu o chamamento de Jesus, nas margens do Mar da Galileia; o rabi judeu, foi desafiado por Jesus no caminho de Damasco. Ambos apostaram tudo em Jesus e seguiram-No até ao martírio (foram mortos em Roma, na perseguição do imperador Nero). Pedro e Paulo, cada um a seu modo, são duas grandes referências para os cristãos e desafiam-nos a seguir o seu exemplo de fidelidade a Jesus e ao Evangelho.
No livro dos Atos dos Apóstolos (At 10,9-48), é narrada a ida de Pedro à casa de Cornélio, um centurião romano que tivera uma visão onde um anjo o instruía a enviar mensageiros para procurar por Pedro, em Jope. Ao mesmo tempo, Pedro teve uma visão que o preparou para receber os mensageiros e, posteriormente, visitar Cornélio, em Cesareia. 
No dia seguinte, Pedro e alguns irmãos de Jope foram com os mensageiros para Cesareia, onde Cornélio os esperava com os parentes e amigos. Quando Pedro chegou, Cornélio recebeu-o com respeito, ajoelhando-se-lhe aos pés, mas Pedro levantou-o, dizendo que era só um homem. Pedro então entrou na casa de Cornélio e, durante a conversa, explicou que Deus lhe havia mostrado que não deveria considerar ninguém impuro ou imundo e que estava ali para ouvir o que Cornélio tinha a dizer. Cornélio, professando a fé em Cristo pediu o batismo, para si e para a sua família, no que foi seguido por muitos dos não judeus (pagãos).  
Este é um momento importante, pois marca a abertura do Evangelho aos gentios, ou seja, às pessoas não pertencentes ao povo judeu, aliás, na linha do que desejou Cristo, na obediência à vontade do Pai, cujo desígnio é a salvação de todos. E Pedro é o instrumento pioneiro da universalidade da salvação.
Paulo de Tarso, convertido na estrada de Damasco, iniciou o seu apostolado fora do meio estritamente judaico, preferencialmente, junto dos pagãos, mas, a seu tempo, colocou-se em ligação com Pedro; e, quando foi declarado apóstolo dos gentios, foi-lhe pedido que não esquecesse os pobres de Jerusalém, parâmetro que sempre observou.   
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A primeira leitura da missa da Solenidade (At 12,1-11) mostra como Deus corrobora o testemunho dos discípulos e os trata bem, enquanto o Mundo os condena. Após a morte, ressurreição e exaltação de Jesus, os discípulos são os arautos do plano de salvação que Deus oferece aos homens pelo seu Filho. E o Mundo, que rejeitou Jesus e o crucificou numa colina fora das muralhas de Jerusalém há de receber o testemunho dos discípulos, na dialética da aceitação-rejeição.
Já em At 3,1-10 (primeira leitura da missa da Vigília), vemos que Pedro, acompanhando de João, quando subiam ao Templo, a um coxo de nascença que lhe pediu esmola respondeu: “Não tenho prata nem ouro, mas tudo o que tenho to dou: em nome de Jesus de Nazaré, levanta-te e anda!” O coxo ficou são e todos os circunstante ficaram maravilhados. Jesus prometera fazer prodígios para robustecer a pregação da Palavra.  
Aqui, depois de contar, de passagem, a morte de Tiago, o autor dos Atos dos Apóstolos refere que Pedro foi preso por ordem de Herodes Agripa I, cujo plano seria condenar Pedro à morte, assegurando, assim, o aplauso e a admiração dos líderes judaicos. Todavia, como decorriam as festas pascais, o julgamento foi adiado para data posterior.
Ora, enquanto Pedro estava na prisão, “a Igreja orava instantemente a Deus por ele”, pois a comunidade primitiva era uma comunidade unida e solidária, uma família que se preocupava com a sorte de cada um dos membros.
Na véspera do julgamento, Pedro escapou da prisão, durante a noite. Não se sabe o que aconteceu, mas a libertação de Pedro foi vista pela comunidade como resultado da intervenção de Deus. Lucas fala da intervenção de um “anjo do Senhor”, que teria tirado Pedro da prisão, sem que Pedro tivesse papel ativo no processo. Assim, devemos ver, nos maravilhosos pormenores da narrativa (aparição do anjo, luz que iluminou a cela da cadeia, passagem pelos guardas sem que nenhum se tivesse apercebido da fuga do prisioneiro, abertura milagrosa da porta da prisão), uma catequese sobre a solicitude de Deus pelos apóstolos que enviou ao Mundo a testemunhar a salvação. Esta catequese lucana dirige-se aos cristãos de todas as épocas, frequentemente incompreendidos e perseguidos, por causa da sua fidelidade a Jesus. Garante-lhes que não estão sós, ante a hostilidade do Mundo. Deus acompanha-os em cada passo, dá-lhes a força para serem testemunhas, cuida deles, livra-os dos perigos, fá-los vencer as ciladas.
Os enviados de Jesus sabem, que “viajam” e enfrentam o Mundo sob o olhar paterno de Deus.
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O Evangelho (Mt 16,13-19) convida os discípulos a aderirem a Jesus e a verem-No como “o Messias, o Filho de Deus vivo”. Desta adesão, nasce a Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus, convocada e organizada à volta de Pedro, que tem por missão dar testemunho da salvação que Jesus nos trouxe. À Igreja e, em especial, a Pedro (como seu representante e chefe terrestre) é confiado o poder das chaves – isto é, de interpretar as palavras de Jesus, de adaptar os ensinamentos de Jesus aos desafios do Mundo e de acolher, na comunidade, todos os que adiram à salvação que Jesus oferece. De facto, a chave deve ser usada para abrir o que está fechado, não para fechar algo ao acesso dos crentes.
Há, na perícopa em referência um dado de caráter cristológico, ou seja, a centração em Jesus e na definição da sua identidade; e um outro de caráter eclesiológico, centrado na Igreja, que Jesus convoca à volta de Pedro. Porém, a referência é Jesus, não a Igreja em si.
Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do que as pessoas dizem d’Ele e acerca do que os discípulos pensam.
A opinião dos homens reflete visões diversas. Os contemporâneos de Jesus vendo-o na continuidade (“João Baptista”, “Elias”, “Jeremias” ou “algum dos profetas”), não captam a sua condição única, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Ele é um homem convocado por Deus e enviado com uma missão – como os antigos profetas, não mais. É muito, mas não basta: revela que os “homens” não entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério. Já a opinião dos discípulos vai muito além da opinião comum. Como O acompanharam, escutaram as suas palavras e viram os seus gestos, veem em Jesus uma dimensão que as outras pessoas não captaram. Pedro, porta-voz do grupo, resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Nestes dois títulos resume-se a fé da Igreja de Mateus e a sua catequese sobre Jesus. Dizer que Jesus é “o Cristo” (Messias) é dizer que Ele é o libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. Contudo, para os membros da comunidade do Reino, Jesus não é só o Messias: é também o “Filho de Deus”. No Antigo Testamento, a expressão “Filho de Deus” é aplicada aos anjos, ao Povo eleito, aos vários membros do Povo de Deus ao rei e ao Messias-rei da linhagem de David. Enfim, designa a condição de alguém que tem relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Porém, dizer que Jesus é o “Filho de Deus” é dizer que Ele recebe vida de Deus, que vive em total comunhão com Deus, que desenvolve com Deus relação de profunda intimidade e que Deus Lhe confiou missão única para a salvação dos homens; é reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza o desígnio do Pai no meio dos homens. Os discípulos são convidados a entender, deste modo, o mistério de Jesus.
No atinente ao dado eclesiológico, temos a resposta de Jesus à confissão de fé de Pedro, um segmento discursivo unicamente de Mateus. Jesus começa por felicitar Pedro pela fé que o anima e que ele testemunha. No entanto, a fé não é mérito de Pedro, mas dom de Deus (“não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas o meu Pai que está nos céus”). Pedro pertence à categoria dos “pobres”, dos “simples”, abertos à novidade de Deus, com o coração disponível para acolher o dom e os planos de Deus. Os “pobres” e “simples” estão contrapostos aos líderes – os fariseus, os doutores da Lei, os escribas – instalados nas certezas, nas seguranças e nos preconceitos, incapazes de abrirem o coração aos reptos de Deus.
A fé proclamada por Pedro (que vê Jesus como “o Messias”, “o Filho de Deus”) é a base em que assentara comunidade do Reino. É, efetivamente, confiada a Pedro (o nome é a tradução grega do aramaico “Kephâ”, que significa “rocha”), a missão de ser a “rocha” sobre a qual assentará a Igreja nascida de Jesus – rocha firme, mas acolhedora e protetora.
Para que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe “as chaves do Reino dos céus” e o poder de “ligar e desligar”. No mundo bíblico, o que detém as chaves é o “administrador do palácio”. Era ele que administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir junto do soberano. A expressão “atar e desatar” designava, entre os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que era ou não permitido, para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para “administrador” e supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino. Contudo, a missão primordial da Igreja deve ser admitir, acolher e incluir. A exclusão deve ser excecional e transitória. E nem sempre assim tem sido.
Isto não quer dizer que a Igreja seja um condomínio fechado ao qual só alguns têm acesso, mas que todos são chamados por Deus a integrar a comunidade do Reino e entrando nela os/as que aceitam Jesus como o Messias, o Filho de Deus, e se dispõem a acolher a sua proposta.
Não se trata de confiar a um homem (Pedro) um primado com um papel de liderança absoluta da comunidade dos discípulos. Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em Jesus e que representa a comunidade dos discípulos. Com efeito, o poder de “ligar e desligar” aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não a Pedro, em exclusivo (cf Mt 18,18). Por isso, deve entender-se em Pedro o protótipo do discípulo, no qual está representada a comunidade que se reúne em volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o “Messias” e o “Filho de Deus”. É a essa comunidade, representada e encimada por Pedro, que Jesus confia as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não impede que Pedro seja uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhe papel de primeiríssimo plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas comunidades cristãs da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus se dirige.
O primado de Pedro é mais um primado de amor e de serviço do que de poder. Na verdade, o Evangelho da missa da Vigília (Jo 21, 15-19) relata o episódio subsequente à pesca milagrosa, numa das aparições Jesus após a ressurreição. O ressuscitado insta, por três vezes, Simão Pedro a responder se ama Jesus mais do que todos os outros, ao que Pedro responde que sim, que O ama. Em resposta, Jesus confia-lhe o encargo de apascentar os cordeiros e as ovelhadas da grei do Senhor. Não é crível que o pastor bata nas ovelhas, as castigue ou as ponha fora do rebanho.     
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A segunda leitura (2Tm 4,6-8.17-18) é uma espécie de “testamento” de Paulo. Numa espécie de “balanço final” da sua vida, o apóstolo, recorda a sua resposta generosa ao chamamento de Jesus e o seu compromisso total com o Evangelho. É um texto desafiante, a convidar os discípulos de todas as épocas a percorrerem o caminho cristão com entusiasmo, com entrega, com ânimo.
Paulo, prisioneiro em Roma sentindo que a sua vida está a chegar ao fim, avalia a forma como viveu, com o objetivo de levar os crentes a fazerem, como ele, o dom total da vida a Deus.
A vida de Paulo sofreu transformação radical quando se encontrou com Cristo na estrada de Damasco. A partir daí, deixou para trás todas as certezas e seguranças em que, até então, tinha apostado e começou a viver para Cristo, enfrentando todas as oposições, contornando todos os obstáculos, suportando todos os cansaços, dando tudo para levar a Boa nova da salvação a todas as nações, desde Jerusalém a Roma.
Para definir a sua vida de compromisso total com o desígnio de Deus, recorre a três imagens (do mundo veterotestamentário, do universo militar e do ambiente desportivo): a sua vida de foi uma oferta sacrificial a Deus; a sua vida foi um combate, no qual se empenhou totalmente, até ao dom de si próprio; e, qual atleta de eleição, o apóstolo correu sempre, com empenho total, com dedicação absoluta, pondo todas as suas forças ao serviço do projeto de Deus.
Assim, a sua vida foi derramada sobre o altar de Deus, à imagem dos ritos de libação no santuário e que consistiam no derramamento de um pouco de vinho sobre o altar onde, depois, se queimava a oferenda destinada à divindade; Paulo combateu, bravamente, e deu tudo pela vitória de Deus; e o apóstolo correu em direção à meta, para alcançar a vitória.
Agora, depois de uma vida gasta ao serviço de Deus, pressentindo que chegou ao fim do seu caminho, está satisfeito com a sua prestação, pois manteve-se focado, foi fiel, fez tudo o que estava ao seu alcance para corresponder ao chamamento de Jesus. Resta-lhe receber a “coroa da justiça” reservada aos vencedores. E, neste contexto, adverte que o mesmo prémio está reservado a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e como mesmo entusiasmo pela causa do Reino.
No final da carta, o autor põe na boca de Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de tudo o que fez pelo Evangelho, se sente abandonado por alguns irmãos na fé. Apesar disso, não se sente sozinho, pois tem experimentado, nos dias de cativeiro, o apoio e o conforto de Deus. Está convicto de que Deus o livrará de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Por isso, termina a sua partilha com um grito de louvor: “Glória a Ele pelos séculos dos séculos. Amén.”
Ao apresentar aos crentes do final do século I o “testemunho” de Paulo, o autor da carta pede que tenham atitude semelhante à do apóstolo: que não se deixem vencer pelo desânimo, pelo sofrimento, pelo medo, pela tribulação; que se mantenham fiéis ao Evangelho; que confiem no prémio que espera todos aqueles que combaterem o bom combate e mantiverem a fé.
Esta perícopa não deixa de ser um eco do trecho da Carta aos Gálatas (Gl 1,11-20) – proclamado na missa da Vigília –, em que o apóstolo, fala do Evangelho que prega, não inventado por si, mas recebido por uma revelação de Jesus Cristo; relata, em síntese, o episódio da sua conversão e da designação para apóstolo dos gentios; e diz como se comportou nesse ministério e na relação com Pedro.  
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Enquanto o coro dos apóstolos louva o Senhor, os demais crentes podem cantar:
“O Senhor libertou-me de toda a ansiedade.”
“A toda a hora bendirei o Senhor, / o Seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor; escutem e alegrem-se os humildes.
“Enaltecei comigo ao Senhor, / e exaltemos, juntos, o Seu nome. / Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, / libertou-me de toda a ansiedade.
“Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes: / o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. / Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, / salvou-o de todas as angústias.”
“O anjo do Senhor protege os que O temem / e defende-os dos perigos. / Saboreai e vede como o Senhor é bom: / feliz o homem que n’Ele se refugia.

2025.06.29 – Louro de Carvalho


Maravilhosos achados no Cazaquistão atraem multidões

 

Sob o título “As maravilhas arqueológicas do Cazaquistão atraem multidões”, a Euronews publicou, a 25 de junho, uma nota de Meruyert Zhakiya sobre um episódio de Modern Nomads, uma nova série documental que acompanha um repórter numa viagem, o qual explora diversas maravilhas culturais do país, numa mescla de modernidade e de tradição com uma perspetiva internacional.
No caso vertente, segundo a nota, a viagem pelo Cazaquistão foi “em busca dos seus tesouros arqueológicos mais cativantes, desde os túmulos reais Saka de Berel, no Leste, até à icónica exposição do Homem Dourado na capital Astana”. Porém, a nota salienta que o território do cazaquistanês “foi outrora o lar de antigas civilizações”, que ali “prosperaram há milénios”, e que “os túmulos reais Saka, descobertos em 1998, oferecem uma visão da hierarquia social e das tradições funerárias da época”. Por outro lado, o sítio “contém túmulos da época turca posterior”.
Por tudo isto, não admira que o Cazaquistão Oriental seja, atualmente, “um destino de visita obrigatória”, atraindo cerca de 15 mil visitantes, por ano. 
Refere a mesma nota que “a região é rica em tesouros arqueológicos”, sendo um deles Ak-Baur, “um complexo de povoações sedentárias que remonta à Idade do Bronze e ao início da Idade do Ferro” – descoberta que “põe em causa o estereótipo de que os Saka eram puramente nómadas”.
Contudo, o achado arqueológico mais emblemático do Cazaquistão é o Homem Dourado, ou Altyn Adam, em Cazaque, que “está, agora, alojado no Museu Nacional de Astana”, ou melhor, Museu Estadual de Ouro e Pedras Preciosas, e cuja “exposição viajou por todo o Mundo, tornando-se um símbolo poderoso do legado antigo da nação”.
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Como todas as entidades políticas e culturais que se prezam, as autoridades cazaquistanesas resolveram cuidar dos achados arqueológicos do país e dar-lhes projeção intencional. Para tanto, nada melhor do que a criação de uma instituição cultural proeminente como o Museu de Arqueologia de Almaty, uma instituição cultural proeminente, que funciona sob a égide da Academia de Ciências do Cazaquistão, localizada dentro do complexo de ciência e museu “Gylym Ordasy” – “o único museu desse tipo, no país, oferecendo um vislumbre único do passado antigo e medieval do Cazaquistão”. Paralelamente, incrementa-se a abertura do museu ao público e, em especial, à população escolar e organizam-se exposições itinerantes, no país e pelo Mundo.
O Museu de Arqueologia está localizado na Rua Shevchenko, 28, ao lado do prédio da Academia de Ciências do Cazaquistão. Em frente ao prédio, há um monumento a Chokan Valikhanov, o estudioso, historiador, etnógrafo e folclorista cazaque que liderou expedições científicas e etnográficas ao Ili Quirguistão (Ili é um rio) e aos auls do Grande Zhuz e Kulja (auls são vilas fortificadas nas montanhas caucasianas).
Edificado sobre a fundação de uma coleção que narra a vida e as civilizações que outrora floresceram em solo cazaque, o museu abriu as portas em 1973, em Almaty.
O museu deve sua fundação a várias gerações de arqueólogos e de académicos que, desde a década de 1920, se têm dedicado à descoberta, ao estudo e à preservação da herança arqueológica do Cazaquistão e, em especial à liderança de renomados académicos cazaques, como Alkey Margulan e Akay Nusupbekov, cujo objetivo era exibir achados arqueológicos do século XX e estudar uma das descobertas mais significativas: o “Homem de Ouro”, do túmulo de Issyk, perto do Rio Issyk, no sopé das montanhas.
A sua primeira exposição foi realizada num prédio diferente, na Avenida Lenin (hoje Avenida Dostyk). Em 2010, o museu foi transferido para o centro cultural e educacional Gylym Ordasy. E, após uma grande restauração, reabriu, em 2012, na localização atual, dentro do prédio da Academia de Ciências do Cazaquistão.
As exibições do museu retratam, vividamente, a História da vida humana e da civilização no Cazaquistão, exibindo materiais desenterrados de locais de sepultamento que abrangem desde a Idade do Bronze à Idade Média. Os destaques da coleção incluem cerâmica antiga, artigos de vidro e moedas das tribos Saka e Wusun.
Entre as exibições mais fascinantes estão o “Homem de Ouro” e o “Cavalo de Berel”. O “Homem de Ouro”, também conhecido como “Homem de Ouro de Issyk”, é uma das descobertas arqueológicas mais icónicas do Cazaquistão, encontrada no final da década de 1960. Embora o túmulo tenha sido saqueado, antes da chegada dos arqueólogos, permaneceu milagrosamente intocada uma câmara funerária. Lá dentro, os arqueólogos descobriram os restos mortais de um guerreiro Saka vestido com uma armadura dourada. O seu traje apresentava mais de quatro mil ornamentos de ouro, e a câmara continha armas, anéis e cerâmica de ouro. A descoberta remonta aos séculos VI e V a.C. O “Homem de Ouro”, retratado em cima de um leopardo alado, tornou-se um símbolo do Cazaquistão. Embora os artefactos originais estejam alojados no Museu Estadual de Ouro e Pedras Preciosas, em Astana, uma réplica está exposta no Museu de Arqueologia de Almaty.
O “Cavalo de Berel” é outra exibição notável desenterrada dos túmulos de Berel, no Leste do Cazaquistão. Encontrado no enterro de uma rainha local, a escavação revelou sete garanhões cor de fogo. Um dos cavalos estava adornado com uma máscara de couro decorada com placas de ouro na forma de criaturas míticas. Também foram descobertos restos de cavalos em outros túmulos de Berel, e um desses cavalos foi reconstruído para exibição no museu.
Os visitantes com crianças são incentivados a explorar vários museus dentro do complexo, já que os visitantes mais jovens ficam particularmente fascinados pelos esqueletos de dinossauros em exposição no Museu da Natureza.
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Talvez seja útil uma resenha dos principais achados.
Em agosto de 2019, o portal Galileu dava conta de várias descobertas de há quatro mil anos, no Cazaquistão. Mais concretamente, os corpos de um homem e uma mulher adolescentes foram encontrados enterrados, frente a frente, num cemitério, assim como joias, facas, cerâmicas e missangas. Perto dos dois seres humanos, estavam enterrados os restos mortais de um cavalo e, mais adiante, encontrou-se o túmulo de uma sacerdotisa.
A causa das mortes é incerta, mas vestígios arqueológicos encontrados noutros locais, no Cazaquistão, sugerem que o casal viveu numa época em que os conflitos eram comuns. Para tentar trazer à luz mais factos sobre a História do país, os especialistas prosseguiram escavações na região, pois ficaram empolgados com o achado, embora haja muitas incertezas. Por exemplo, não se sabe a idade que os dois humanos tinham, quando morreram, ou a relação entre eles. Contudo, os artefactos enterrados com a dupla sugerem que o homem e a mulher eram de famílias abastadas.
Segundo a revista brasileira Arqueologia e Pré-História, em maio de 2013, arqueólogos dos Estados Unidos da América (EUA), da Alemanha, do Japão e da Austrália chegaram ao Cazaquistão, para estudarem um sítio Paleolítico único, em Zhambyl na região de Almaty. Ali se destacam o sítio de  Maibulak, localizado a 50 quilómetros de Almaty, observado, pela primeira vez, há vários anos, pelo reitor da Escola de História, Arqueologia e Etnologia da Al-Farabi Kazakh National University Zhaken Taimagambetov; e o sítio de Zhetyssu, um dos poucos sítios do “homem primitivo” do Mundo que foi preservado por uma camada de solo e cujas escavações no sítio vinham ocorrendo ao longo dos últimos oito anos.
Segundo os pesquisadores, este sítio tem mais de 35 mil anos. Os cientistas estavam a encontrar amostras que se podiam tornar sensação.
Maibulak é algum tipo de transição do Mousteriense para o Paleolítico Superior, o momento de transição do Neanderthal para o homem de Cro-Magnon. Este período é muito interessante para os investigadores estrangeiros”, disse o arqueólogo Taimagambetov.
Especialistas notaram que tais sítios são uma base para a hipótese de que o território do Cazaquistão fazia parte do caminho para o Oriente na migração da população em todo o Mundo.
Em junho de 2024, a revista Aventuras na História – que, em agosto de 2023, dava nota da descoberta de ossos de animais e a escultura de um sapo num disco de bronze, no túmulo de uma jovem de 12 a 15 anos – referia, desta vez, a descoberta, durante uma campanha voluntária para limpeza do meio ambiente, de cerca de 100 pinturas rupestres com cerca de 3,5 mil anos. Descobertos na região de Zhambyl, no Sudeste do Cazaqistão, os petrófilos são datados da Idade do Bronze ou início da Idade do Ferro, na região, segundo o Astana Times. Nas representações, são identificados animais e cenas de caça.
Segundo o Live Science, as pinturas mostram animais, como camelos de corcunda dupla e argalis (um tipo de ovelha selvagem), além de seres humanos a caçar. As representações estão espalhadas por uma área de entre 20 e 25 metros de comprimento, e entre 1,5 e 2 metros de largura, como informou o arqueólogo que os analisou, Sauran Kaliyev, ao Astana Times.
Também em agosto de 2024, a mesma revista Aventuras na História referia que, na região Leste do Cazaquistão, foram descobertas, por arqueólogos do Instituto de Arqueologia Margulan, 13 tumbas da etnia Xianbei, datadas da primeira metade do primeiro milénio (até 500 anos d.C.). Os Xianbei eram um povo nómada que habitava áreas que, hoje, correspondem à Mongólia, à Mongólia Interior e ao Nordeste da China, atingindo o auge nas dinastias Jin (265-420) e do Norte (386-581). Os túmulos foram encontrados num sítio arqueológico a 11 km do vilarejo de Arshaty, no distrito de Katon-Karagay, leste do Cazaquistão. Conforme explica o portal Galileu, consistem em sepulturas antigas, circundadas por pedras, com covas de, aproximadamente, um metro de profundidade, no centro. E, de acordo com um comunicado, uma das estruturas funerárias contém um cadáver adulto, enquanto outras duas abrigam ossadas de cavalos. Dentro das sepulturas, foram descobertos objetos de cerâmica, conchas de búzios e contas de pedras semipreciosas.
Em fevereiro de 2025, o Jornal Extra, do Brasil, sob o título “Tesouro no Cazaquistão: arqueólogos encontram artefactos e joias de ouro de há dois mil anos”, dava nota de que a administração provincial de Atyrau anunciara que escavações arqueológicas no monte Karabau-2 resultaram na descoberta de nove túmulos, sete dos quais estavam bem preservados e continham artefactos do Império Sármata, incluindo joias, armas, vasos de cerâmica e restos mortais humanos. Entre os túmulos descobertos, alguns foram identificados como “túmulos reais” devido às práticas de sepultamento coletivo. Um artefacto notável encontrado foi uma pulseira de ouro de 370 gramas, decorada com representações de leopardos da montanha.
Marat Kasenov, chefe da equipa de escavação, confirmou que a região de Atyrau fazia parte do Império Sármata, com, aproximadamente, mil artefactos descobertos, incluindo 100 joias de ouro. As escavações vão continuar com uma equipa diversificada de especialistas. As descobertas foram exibidas na exposição “O Ouro dos Sármatas”, com a presença de autoridades regionais e especialistas de cultura.
Localizado na região de Atyrau, no Cazaquistão, ao longo do mar Cáspio, o monte Karabau-2 está situado dez quilómetros ao Norte da vila de Karabau, no distrito de Kyzylkoga e é parte de uma série de necrópoles associadas à cultura sármata. O local é notável pelos túmulos bem preservados e artefactos, que fornecem informações sobre as práticas funerárias, estruturas sociais e vida desta cultura.
Os Sármatas eram um antigo povo nómada que habitava a estepe da Eurásia, principalmente, no Sul da Rússia, na Ucrânia e em partes do Cazaquistão, do século V a.C. ao século IV d.C. Eles tinham relações estreitas com os Citas (outro povo nómada da região) e interagiam com várias culturas vizinhas, incluindo romanos e persas.
Em março de 2025, o site brasileiro Giz Modo replicou e desenvolveu a notícia, relevando que, ao longo de 2024, os arqueólogos encontraram diversos artefactos que passaram a compor o acervo histórico mundial e que, no início de 2025, novas expedições revelaram um conjunto extraordinário de joias e de objetos que evidenciam a sofisticação cultural de um povo antigo. “Entre as descobertas mais notáveis está um bracelete de ouro maciço de 370 gramas, adornado com figuras de leopardos de montanha esculpidas nas suas extremidades. Esse objeto, além do seu alto valor material, simboliza o status de elite de seus antigos proprietários”, diz Christiane Chatelain. Além da bracelete, foram recuperados mais de 100 objetos ornamentados com representações de tigres e javalis, símbolos de poder na antiguidade. Também foram encontrados tigelas de madeira em ótimo estado de conservação, facto raro na arqueologia cazaque, o que se deverá clima seco da estepe.
A descoberta foi celebrada pelo governo do Cazaquistão, que destacou a sua importância para o património cultural do país. O design e a qualidade dos itens indicam que pertenciam a um grupo de elite, mas não necessariamente dinastia governante. Além disso, os rituais funerários complexos dos sepultamentos sugerem forte componente espiritual nas práticas desse povo.
Também aqui se releva que os Sármatas foram um povo nómada que dominou a estepe euroasiática entre os séculos V a.C. e IV d.C., ocupando territórios que hoje pertencem à Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. Porém, apesar da sua influência nas civilizações romana e persa, a sua História permaneceu relativamente obscura, ao longo dos séculos.
Entretanto, acrescenta-se que os “Sármatas eram exímios cavaleiros e guerreiros habilidosos, caraterísticas que os tornaram aliados valiosos em conflitos estratégicos”; que “a sua organização social possuía hierarquias definidas”; e que “os membros da elite desfrutavam de riquezas consideráveis” – aliás, “como demonstram os artefactos recém-descobertos”.
Também aqui se menciona Marat Kasenov, líder da expedição, mas a afirmar que “as escavações iniciadas em 2024 ajudaram a compreender melhor a estrutura social sármata e o seu impacto na estepe cazaque” e que “as evidências sugerem que esse povo formou um reino centralizado, com classes dominantes bem estabelecidas”.
Os próximos passos da pesquisa envolvem a análise dos restos ósseos encontrados e o estudo dos rituais funerários utilizados. O objetivo é entender melhor a influência sármata na cultura cazaque contemporânea e identificar elementos que possam ter sido preservados ao longo dos séculos.
Essa descoberta marca um novo capítulo na arqueologia do Cazaquistão e reforça a importância da preservação do património histórico para a compreensão da evolução das civilizações antigas.
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Em suma, estes achados arqueológicos revelam a rica História e a Cultura do Cazaquistão, desde a Idade do Bronze até períodos mais recentes, com evidências da presença de povos nómadas, a importância de símbolos de poder e a habilidade artística e artesanal dos seus habitantes. 

2025.06.29 – Louro de Carvalho


sábado, 28 de junho de 2025

A ternura e a misericórdia de Deus por todas as pessoas, sem exceção

 
Na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, neste ano, celebrada a 27 de junho, a liturgia convidava-nos a contemplar e a celebrar a bondade, a ternura e a misericórdia de Deus por todos os homens, sem exceção. Para tanto, os textos recorrem a uma imagem importada do antigo nomadismo de Israel: Deus é o Pastor bom” que, no seu amor infinito e dedicação total, cuida do seu rebanho, o seu povo.
Na primeira leitura (Ez 34,11-16), Deus anuncia aos exilados na Babilónia que Ele próprio vai tomar conta do seu rebanho. Os habitantes de Judá foram, durante muito tempo, conduzidos por pastores maus, que se aproveitaram das ovelhas e as levaram por vias erradas. Mas, agora, o Pastor bom reunirá as ovelhas dispersas, guiá-las-á de volta à terra da liberdade, dar-lhes-á pastagens excelentes e cuidará amorosamente de todas. Enfim belo hino ao amor de Deus!
Ezequiel, convocado por Deus para animar os exilados de Judá, anuncia à comunidade desiludida, sem esperança e sem futuro, que, doravante, será o próprio Deus a pastoreá-la.
O primeiro gesto do Pastor bom será ir à procura das suas ovelhas perdidas (“Eu próprio irei em busca das minhas ovelhas e hei de encontrá-las”). É Ele que toma a iniciativa. O Bom Pastor não ficará comodamente instalado, à espera que as ovelhas decidam procurá-Lo para Lhe pedirem perdão pelas opções erradas; irá, Ele próprio, ao encontro delas. Quem ama a sério dispõe-se a dar o primeiro passo. E Deus ama o seu Povo.
Depois, o Bom Pastor reunirá as ovelhas tresmalhadas, que andam por aí, sem rumo e sem objetivo. Não as deixará sós, indefesas ante os perigos e as ameaças. Juntá-las-á à sua volta, reuni-las-á num rebanho, colocá-las-á sob a sua proteção. O povo que, abandonado pelos líderes, se dispersou e perdeu o norte, sob a direção de Deus recuperará a sua identidade, voltará a ter objetivos e saberá para onde caminhar.
A seguir, o Pastor levará as ovelhas de regresso a casa, à terra boa onde há pastagens abundantes. Será o novo Êxodo, que trará o rebanho da terra da escravidão para a terra da liberdade. Já aconteceu quando Deus guiou o Povo do Egito para a Terra Prometida; e acontecerá, de novo. Guiado pelo Pastor, o rebanho reencontrará a liberdade e a vida em abundância.
Porém, com a chegada dos exilados à terra da liberdade, não ficará concluída a ação de Deus em favor do seu Povo. Mesmo depois de as “ovelhas” terem reencontrado a sua terra e as suas raízes, o “Pastor” (Deus) continuará a dispensar-lhes os seus cuidados. As imagens utilizadas sublinham a abundância de vida (“Eu as apascentarei em boas pastagens”; “terão suas devesas nos altos montes”; “encontrarão pasto suculento”) e a tranquilidade e a paz (“descansarão em férteis devesas”; “eu os farei repousar”) que Deus proporcionará ao seu Povo. E a ação salvadora e amorosa de Deus concretizar-se-á, ainda, na solicitude com que Ele tratará as ovelhas perdidas, desgarradas, feridas, enfermas. Aí manifestar-se-á a justiça de Deus que é misericórdia, amor, solicitude, ternura, para com os mais pobres, marginalizados e débeis.
Estamos diante de um dos pontos mais altos da revelação de Deus aos homens.
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No Evangelho (Lc 15,3-7),  Jesus, acusado pelos fariseus e pelos doutores da Lei de se dar com gente pouco recomendável, conta a história do pastor que deixa tudo o que tem em mãos para ir à procura de uma ovelha tresmalhada. Segundo Jesus, esse pastor é Deus, que ama cada um dos seus filhos com amor absoluto e não deixa nenhum para trás. E o coração de Deus enche-se de alegria, quando encontra a sua ovelha perdida e a reintegra no seu rebanho. É a “parábola da ovelha tresmalhada”. Contudo, não é a ovelha o protagonista da história, mas o pastor. A atenção dos que escutam esta história deve dirigir-se para o pastor.
Na Palestina, os pastores não estavam muito bem vistos, porque levavam consigo, no corpo e nas vestes, o cheiro das ovelhas e porque eram considerados gente violenta, dura e má, que vivia afastada da comunidade, não frequentava a sinagoga, não cumpria a Lei, deixava que os rebanhos destruíssem as colheitas, entrava em conflito com qualquer quem quer que se lhe atravessasse no caminho. Contudo, aqui, o pastor é, simplesmente, um pastor que gosta de cada uma das suas ovelhas, pelo que não se conforma com a perda de nenhuma. Quando percebe que uma das ovelhas do rebanho se perdeu, deixa as outras noventa e nove e vai à procura da perdida. A decisão de deixar as outras ovelhas no deserto (não se diz que as deixou no curral, ou que confiou a outro o cuidado do rebanho), para ir procurar só uma, parece ilógica e irrefletida, mas expressa a importância que o pastor dá àquela ovelha. Depois de caminhar pelo deserto, sob o sol inclemente, enfrentando perigos e canseiras, o pastor encontrou-a. Não a censurou, não lhe bateu, não a trouxe arrastada pela corda para que não fugisse, outra vez. Cheio de alegria, pô-la aos ombros e trouxe-a, como se não lhe pesasse. Pôr a ovelha aos ombros é gesto de solicitude, de ternura. A pobre ovelha, depois do tempo que passou sozinha, em ambiente hostil, está cansada e assustada; precisa de carinho e de recuperar forças. E pô-la aos ombros é gesto de amor.
Por fim, o pastor chega a casa com a ovelha aos ombros. Está felicíssimo. “Chama os amigos e vizinhos e diz-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida’.” O facto de perder e de reencontrar a ovelha é banal, mas, para o pastor, é “a sua” ovelha. Não a pode perder. O reencontro encheu-o de alegria; e, na sua ótica, a alegria, que é missionária, deve partilhar-se.
Aqui chegados, o cenário muda. Somos transportados da aldeia onde o pastor está a celebrar com os amigos e vizinhos, para o céu, o espaço de Deus. Segundo Jesus, “haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converta, do que por noventa e nove justos, que não precisam de conversão”. O coração de Deus enche-se de alegria, quando reencontra e traz para casa um dos seus filhos “perdidos”. Era aqui que Jesus queria chegar. Era acusado de se dar com gente reprovável, apontada pela sociedade, como os cobradores de impostos e as mulheres de má vida. De facto, convivia com gente duvidosa, com pessoas que os “justos” preferiam evitar, com pessoas anatematizadas e marginalizadas, devido a comportamentos escandalosos. Não foram os discípulos a inventar para Jesus o injurioso apelativo de “comilão e bêbedo, amigo de publicanos e de pecadores”.
Jesus dava-se com estas pessoas, porque Ele conhecia o coração do Pai. O coração de Deus é um coração de Pai e de Mãe, cheio de amor pelos seus filhos. E Jesus veio, enviado pelo Pai, para o dizer aos homens. A solicitude de Jesus para com os pecadores mostra-lhes que Deus não os rejeita, que os convida a fazerem parte da sua família. O desígnio de salvação não é condomínio fechado, com seguranças armados ao portão, que têm por missão evitar a entrada de indesejáveis, mas a oferta universal, onde todos os homens e mulheres têm lugar, porque todos – maus e bons – são filhos queridos e amados do Pai/Deus.
A parábola pretende dar conta desta realidade. A atitude desproporcionada de “deixar as noventa e nove ovelhas no deserto, para ir ao encontro da que estava perdida” vinca a imensa preocupação de Deus por cada homem que se afasta da comunidade da salvação e o singular amor de Deus por todos os que precisam de libertação. Pôr a ovelha aos ombros significa o cuidado e a solicitude de Deus, que trata, com amor e com cuidados de Pai, os filhos feridos e magoados; a alegria desmesurada do pastor significa a felicidade imensa de Deus, sempre que o homem reentra no caminho da vida plena. Jesus anuncia, aqui, a salvação de Deus oferecida aos pecadores, não porque estes se tornaram dignos dela, mediante as suas obras, mas porque Deus Se solidariza com os excluídos e lhes oferece a salvação. Cumpre-se a profecia de Ezequiel: Deus vai assumir-Se, através de Jesus, como o “Bom Pastor”, que cuidará com amor de todas as ovelhas e, em especial, das desencaminhadas e perdidas.
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Na segunda leitura (Rm 5,5b-11), Paulo lembra aos crentes que são filhos queridos e amados de Deus. Foi por nos amar tanto que Deus noa enviou o seu Filho Unigénito. Enfrentando a injustiça, a mentira, a violência e, mesmo, a morte, Jesus mostrou-nos o caminho que conduz à vida verdadeira. Salvos por Jesus, passamos a integrar a família de Deus.
A salvação que Deus oferece a todos os seus filhos e filhas, sem distinção, tem consequências para a vida do crente. Em primeiro lugar, é fonte de paz. Garante que Deus não nos condena pelas nossas faltas, mas assegura-nos o acesso a Deus e aos bens que Deus nos oferece. Agraciados e renovados por esses dons, estamos em paz com Deus.
A salvação é fonte de esperança. Com o coração cheio de esperança, temos força para enfrentar e superar as adversidades que a vida nos colocar à frente, mas, sobretudo, tornamo-nos capazes de atravessar a vida presente de olhos nas realidades futuras. Isso não significa que nos alheemos do Mundo e dos problemas da vida, mas que enfrentamos a vida e todas as suas vicissitudes com a certeza de que as forças da morte nunca terão a última palavra.
Por último, a salvação é fonte de confiança ilimitada em Deus. Na base dessa confiança está a certeza de que Deus nos ama com amor inigualável. Para chegar a esta certeza, basta-nos olhar para o que Deus nos ofereceu por Jesus: sendo nós pecadores, Deus enviou o seu Filho ao Mundo, para nos dar vida. Paulo convida-nos a reparar neste facto admirável: Deus não passou a amar-nos, quando nos convertemos, mas amou-nos desde sempre e, por isso, enviou o Filho ao nosso encontro, “quando éramos ainda pecadores”. Deus não se preocupou em contabilizar os nossos pobres méritos ou em tomar nota da nossa fragilidade e do nosso pecado. Deus interessou-se em enviar-nos Jesus para nos conduzir à vida, mesmo que isso significasse, para o Filho de Deus, o suplício da cruz. Para o apóstolo, a conclusão é óbvia: se Deus nos amou assim, quando ainda éramos pecadores, quanto mais nos amará, agora, depois que fomos justificados pelo sangue do seu Filho e nos tornamos seus filhos!
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Na Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, Dia Mundial de Oração pela Santificação Sacerdotal, o Papa Leão, dizendo celebrar, com alegria, a Eucaristia no Jubileu dos Sacerdotes, dirigiu-se, antes de mais, aos irmãos sacerdotes, que vieram ao túmulo de Pedro para atravessarem a Porta Santa e para mergulharem, de novo, as “vestes batismais e sacerdotais no Coração do Salvador” e sublinhou que, para alguns dos presentes, “este gesto realiza-se num dia único da sua vida: o da Ordenação”.
Mais referiu que falar do Coração de Cristo “é falar de todo o mistério da encarnação, morte e ressurreição do Senhor, confiado a nós, de modo especial, para que o tornemos presente no Mundo”, convindo refletir sobre como contribuir para a obra de salvação.
Frisando que Ezequiel fala de Deus como “pastor que passa pelo meio do seu rebanho, contando as suas ovelhas uma a uma: vai à procura das perdidas, cura as feridas, ampara as fracas e doentes”, o Santo Padre releva que, em tempo de “grandes e terríveis conflitos”, o amor do Senhor, “pelo qual somos chamados a deixar-nos abraçar e plasmar”, é universal, e que, a seus olhos – e também aos nossos –, “não há lugar para divisões e ódios de qualquer género”.
Depois, evocando o apóstolo Paulo, segundo o qual Deus nos reconciliou, “quando ainda éramos fracos” e “pecadores” – pelo que nos convida a “abandonar-nos à ação transformadora do Espírito que habita em nós, num caminho quotidiano de conversão” –, Leão XIV sustenta que a nossa esperança se baseia “na certeza de que o Senhor não nos abandona, mas acompanha-nos sempre”. Porém, adverte que somos chamados “a colaborar com Ele, primeiramente, colocando a Eucaristia no centro da nossa existência, ‘fonte e centro de toda a vida cristã’; depois, ‘pela frutuosa receção dos sacramentos, especialmente, pela frequente receção do sacramento da penitência’; e, finalmente, através da oração, da meditação da Palavra e do exercício da caridade, conformando cada vez mais o nosso coração com o do Pai das misericórdias”.
A seguir, enfatizou a alegria de Deus – de que fala o Evangelho – “e de todo o pastor que ama segundo o seu Coração”, pelo regresso ao redil de uma só das ovelhas. E vê, aqui, “um convite a viver a caridade pastoral com a mesma magnanimidade do Pai, cultivando, em nós, o seu desejo: que ninguém se perca, mas que todos, também através de nós, cheguem ao conhecimento de Cristo e n’Ele tenham a vida eterna”. Ou seja, “um convite a tornar-nos intimamente unidos a Jesus, semente de concórdia no meio dos irmãos, carregando sobre os nossos ombros quem se perdeu, perdoando quem errou, indo à procura de quem se afastou ou ficou excluído, cuidando de quem sofre no corpo e no espírito, numa grande troca de amor que, brotando do lado trespassado do Crucificado, envolve todos os homens e preenche o Mundo”. E, citando o Papa Francisco, proclamou: “Da ferida do lado de Cristo continua a correr aquele rio que nunca se esgota, que não passa, que se oferece sempre de novo a quem quer amar. Só o seu amor tornará possível uma nova Humanidade.”
Como não podia deixar de ser, em Jubileu dos Sacerdotes e em dia de ordenações de presbíteros, falou do ministério sacerdotal, enquanto “ministério de santificação e de reconciliação para a unidade do Corpo de Cristo”. Assim, recordou que o Concílio Vaticano II pede aos presbíteros que se esforcem por “levar todos à unidade [...] com caridade, harmonizando as diferenças para que ninguém se sinta estranho”, e que lhes recomenda “a união com o bispo e no presbitério”, pois, “quanto mais houver unidade entre nós, tanto mais saberemos também conduzir os outros ao redil do Bom Pastor, para vivermos como irmãos na única casa do Pai”.
Como filho de Santo Agostinho, o Sumo Pontífice relevou que, em sermão proferido por ocasião do aniversário da sua ordenação, o santo bispo falara do “feliz fruto de comunhão que une os fiéis, os presbíteros e os bispos”, com raiz na certeza de que fomos “redimidos e salvos pela mesma graça e misericórdia”, pelo que Agostinho vincou: “Para vós sou bispo, convosco sou cristão.”
Lembrou que, na Missa solene do início do seu pontificado, expressara, ante o Povo de Deus o desejo de “uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um Mundo reconciliado”. E voltou, desta feita, a partilhá-lo com todos, exortando: “Reconciliados, unidos e transformados pelo amor que jorra, copiosamente, do Coração de Cristo, caminhemos juntos nas suas pegadas, humildes e decididos, firmes na fé e abertos a todos na caridade, levemos ao Mundo a paz do Ressuscitado, com aquela liberdade que nasce da consciência de nos sabermos amados, escolhidos e enviados pelo Pai.”
Em especial aos ordinandos, que se iriam tornar sacerdotes “pela imposição das mãos do Bispo e com uma renovada efusão do Espírito Santo”, disse “algumas coisas simples”, mas “importantes” para o futuro deles e das almas que lhes serão confiadas, ou seja, que amem a Deus e aos irmãos, que sejam “generosos, fervorosos na celebração dos Sacramentos, na oração, especialmente, na Adoração, e no ministério”; que sejam próximos do rebanho, doando o tempo e as energias “por todos”, sem se pouparem, sem fazerem distinções, “como nos ensinam o lado trespassado do Crucificado e o exemplo dos santos”. E pediu-lhes que se lembrem de que “a Igreja, na sua História milenar, teve – e as tem, ainda hoje – figuras maravilhosas de santidade sacerdotal” e que, “a partir das comunidades das origens, ela gerou e conheceu, entre os seus sacerdotes, mártires, apóstolos incansáveis, missionários e campeões da caridade”. Por isso, há que fazer “desta riqueza um tesouro”, interessando-se “pelas suas histórias”, estudando “as suas vidas e as suas obras”, imitando “as suas virtudes”, deixando-se “inflamar pelo seu zelo”, e invocando “a sua intercessão muitas vezes, com insistência”.
E como o Mundo, “frequentemente, propõe modelos de sucesso e de prestígio duvidosos e inconsistentes”, é forçoso que os presbíteros não se deixem “fascinar por eles”, mas que olhem “para o exemplo sólido e [para] os frutos do apostolado, muitas vezes escondido e humilde, daqueles que, na sua vida, serviram ao Senhor e aos irmãos com fé e dedicação”, e continuando a sua memória na fidelidade.
Por fim, Leão exortou à confiança na “proteção materna da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe dos sacerdotes e Mãe da esperança” e rogou que “Ela acompanhe e sustente os nossos passos, para que cada dia configuremos mais o nosso coração com o de Cristo, supremo e eterno Pastor”.
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“O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
“O Senhor é meu pastor: nada me falta. / Leva-me a descansar em verdes prados, / conduz-me às águas refrescantes / e reconforta a minha alma.
“Ele me guia por sendas direitas / por amor do seu nome. / Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, / não temerei nenhum mal, / porque Vós estais comigo: + o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
“Para mim preparais a mesa / à vista dos meus adversários; / com óleo me perfumais a cabeça / e meu cálice transborda.
“A bondade e a graça hão de acompanhar-me / todos os dias da minha vida / e habitarei na casa do Senhor / para todo o sempre.”

2025.06.28 – Louro de Carvalho