A Polícia Judiciária (PJ), o Ministério Público (MP) do Porto e a Procuradoria Europeia (PE) realizaram 59 buscas – o Diário de Notícias (DN) e a PJ falam em 103 buscas –, na manhã de 8 de julho, que visaram a detenção de responsáveis de empresas privadas, pela venda, e de dirigentes de instituições do Estado, pela aquisição, de sistemas informáticos e de cibersegurança, num esquema que terá lesado o erário público e a União Europeia (UE) em dezenas de milhões de euros.
O número avançado pela Procuradoria Europeia é de 4,6 milhões de euros, mas o Expresso online fala em 20 milhões de euros, referindo que, só no Banco de Portugal (BdP) foram identificados 1,7 milhões de euros.
Trata-se da Operação Nexus, noticiada, inicialmente, pela CNN Portugal, que envolveu mais de 300 inspetores (bem como elementos do Gabinete de Recuperação de Ativos – Norte da PJ, que executou arrestos no valor de 4,6 milhões de euros) e que partiu de uma investigação pelo combate à corrupção e à fraude, na obtenção de subsídios, em concreto, de fundos comunitários do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Alegadamente, as empresas privadas acediam a verbas dos fundos europeus, simulando a aquisição de sistemas informáticos por determinados valores, artificialmente inflacionados com a cumplicidade das empresas vendedoras dos serviços, o que leva, também, às suspeitas de crimes de falsificação de documentos, de branqueamento de capitais ou de fraude fiscal qualificada.
Segundo um comunicado da PJ, no âmbito da operação Nexus, com base em dois inquéritos, um na titularidade do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto e outro da Procuradoria Europeia, foram efetuadas 103 buscas, que resultaram em seis detenções. “Os detidos são um membro da administração e três funcionários da empresa tecnológica e ainda um funcionário de empresa concessionária e um funcionário público”, diz o comunicado.
Em comunicado enviado aos jornalistas, a UP confirma as buscas de uma equipa de inspetores da PJ, na reitoria, mas diz-se “vítima” de um “processo de cartelização”. Ou seja, estará em causa uma combinação de preços entre várias empresas de venda de serviços informáticos para concorrerem aos concursos públicos e, à vez, uma delas era vencedora. Por outro lado, segundo o mesmo comunicado, a UP “está a colaborar, ativamente, com o trabalho das autoridades e absolutamente empenhada no total esclarecimento de todos os factos relacionados com este processo, admitindo constituir-se como assistente no processo, caso venham a ser deduzidas acusações contra algum dos seus funcionários”.
Também em comunicado, o INEM confirmou “a presença da Polícia Judiciária nas instalações do Instituto em Lisboa, no âmbito de um processo de investigação que envolve outras entidades”, e que O INEM se encontra, “naturalmente, a colaborar com as autoridades, disponibilizando toda a informação solicitada”.
Entretanto, a Procuradoria Europeia revelou, em comunicado, que “foram detidas cinco pessoas, entre as quais um funcionário público”, no âmbito da operação. “Foram executadas medidas de garantia patrimonial no valor de 4,6 milhões de euros, destinadas a assegurar o valor do dano potencialmente infligido ao orçamento da União Europeia”, especificou.
A investigação “tem por propósito a análise de contratos públicos destinados à compra de sistemas informáticos e de cibersegurança para estabelecimentos de ensino público, financiados com fundos do PRR, mediante a suspeita de sérias irregularidades nos procedimentos legais”.
Sem referir o nome, a Procuradoria Europeia revela apenas que o adjudicatário nesses contratos é “um grupo empresarial nacional, e empresas com ele relacionadas, que se dedica à importação, exportação, promoção e comercialização de hardware e software informático”.
As autoridades suspeitam de “crimes de fraude na obtenção de subsídio, corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documento e abuso de poder”.
De acordo com o Expresso online, o universo das buscas é bastante mais amplo: além da UP, também o BdP, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), o INEM, a Casa da Música, a Águas de Douro e Paiva (AdDP), a Administração dos Portos do Douro Leixões e Viana do Castelo (ADPLVC), a UC, o ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa) e a Brisa estão entre a meia centena de alvos de buscas por todo o país.
O Expresso revela que terá sido a empresa DecUnify, em conluio com outras, a viciar o formato de contratação pública em que é exigido às instituições fazerem uma consulta prévia ao mercado e escolherem a melhor de três propostas. Em causa nesta operação, batizada de Nexus, estarão 20 milhões de euros em compras de hardware e de software, incluindo programas de cibersegurança. Só no BdP foram identificados 1,7 milhões de euros em aquisições feitas, desde 2021, à DecUnify, recaindo as suspeitas sobre um funcionário do mesmo departamento de Sistemas e Tecnologias de Informação cujo diretor foi constituído arguido na operação Pactum, em abril deste ano.
Os detidos serão presentes ao juiz competente no Tribunal de Instrução Criminal do Porto (TICP), responsável pela aplicação das medidas de coação que considere necessárias.
De acordo com o ECO online, as suspeitas recaem, sobretudo, sobre a UP e sobre empresas privadas que venderam sistemas informáticos a preços inflacionados, violando regras da contratação pública.
Por seu turno, a PJ revela, no referido comunicado, que “a investigação teve a sua origem em participação de graves irregularidades em procedimentos aquisitivos públicos de material informático e de cibersegurança, por parte de instituição de ensino superior público do Norte, no âmbito de projetos financiados pelo PRR”, se centrou “na atividade de um grupo empresarial nacional que se dedica à importação, exportação, promoção e comercialização de hardware e software informático”.
De acordo com comunicado da PJ, “as diligências realizadas revelaram a existência de um esquema criminoso, de caráter organizado e sistémico, para obtenção ilegal de informação privilegiada, em procedimentos de contratação pública e privada, através da entrega de vantagens patrimoniais e não patrimoniais a funcionários das entidades contratantes, em subversão das regras da transparência, [da] igualdade e [da] concorrência do mercado e da boa aplicação de fundos públicos, garantindo adjudicações no valor de, pelo menos, 20 milhões de euros”. E terão ainda participado no esquema os produtores/importadores dos produtos e soluções informáticas, com significativo peso no mercado, potenciando as margens de lucro em toda a cadeia de fornecimento.
Lembra Micael Pereira que é a segunda vez, no intervalo de três meses, que o BdP é alvo de buscas por parte da PJ. Efetivamente, em abril, “a Operação Pactum constituiu 43 arguidos, a propósito de 17 milhões de euros em compras – também – de material informático”, sendo um deles diretor do departamento de Sistemas e Tecnologias de Informação do BdP, que “foi alvo de buscas no seu local de trabalho”, alegadamente por suspeita “dos crimes de corrupção, de participação económica em negócio, de falsidade informática, de abuso de poder, entre outros, na contratação de serviços informáticos”.
O Observador avançava que os investigadores centraram as suas suspeitas nas “ligações antigas” do arguido, ex-quadro da Portugal Telecom, “aos seus antigos colegas da PT que transitaram para a Meo”.
Mais referia, então, o Expresso online, que a Operação Pactum foi “o resultado da investigação de uma alegada concertação entre funcionários e dirigentes da função pública para controlar a contratação pública de material informático entre 2017 e 2025”.
Na altura, um comunicado conjunto da PJ e da Procuradoria-Geral da República (PGR) explicava que, no centro da investigação se encontrava “um conjunto de indivíduos que, em conjugação de esforços e de forma premeditada, viciaram dezenas de procedimentos de contratação pública e privada, num valor total global não inferior a 17 milhões [de euros]”.
Foram alvo de buscas a Secretaria Geral do Ministério da Justiça e o Departamento de Sistemas e Tecnologias de Informação do BdP, entre outras diligências em Lisboa, no Porto e em Braga.
A megaoperação policial envolveu a unidade anticorrupção da PJ, o DIAP de Lisboa e a Procuradoria Europeia.
Nada disto acontece sem contrapartidas: se não há distribuição de lucros, fica a obrigação de os outros procederem do mesmo modo em circunstâncias similares. E há quem sustente que, às vezes, as entidades adquirentes dos bens e dos serviços e entram na jogada, tomando a iniciativa de a sugerir ou convivendo com ela
Em concursos públicos, sobretudo internacionais, a atitude é diferente: os concorrentes estudam, a preceito, o caderno de encargos, esforçam-se por apresentar as melhores condições de candidatura e, caso discordem dos procedimentos e / ou da decisão final, reclamam e interpõem recurso para os tribunais administrativos e / ou comarcãos, podendo causar a suspensão do processo ou levar à anulação do concurso.
Ora, sabendo como é pesada a burocracia das candidaturas aos fundos europeus, apesar de ter havido, nos últimos anos, agilização dos processos, e tendo em conta que a experiência, na matéria, tem revelado a existência, não rara, de graves desvios comportamentais, não se compreende como as autoridades não tenham promovido atempada vigilância preventiva e concomitante de atitudes como as ora denunciadas. Já Luís de Camões denunciava o perverso poder do vil metal,
E, na verdade, quando as autoridades judiciárias intervêm, na maior parte dos casos, já os estragos são vultosos e, muitas vezes, irreparáveis.
Contudo, há quem se sinta feliz com uma Justiça que não passa de fenómeno espetacular, sem consequências, porque é difícil provar os factos e, consequentemente, apurar, em definitivo, as responsabilidades dos arguidos.
Vamos ver no que darão 103 buscas, seis arguidos (a juntar aos 43 constituídos de abril) e o desvio de 20 milhões de euros (a juntar aos 17 milhões apurados em abril). Suspeito que, mais uma vez, “mons pariet murem” (a montanha parirá um rato). O futuro di-lo-á.
2025.07.08 – Louro de
Carvalho