sábado, 31 de maio de 2025

Papa ordenou 11 sacerdotes e almeja a credibilidade” da Igreja

 

A 31 de maio, na missa da festa da Visitação da Bem-Aventurada Virgem Maria, na Basílica de São Pedro, o Papa Leão XIV presidiu à ordenação de onze novos sacerdotes, para a diocese de Roma, e exortou-os, na homilia, a reconstruirem “a credibilidade” da Igreja e a não ambicionarem o poder. “Juntos, reconstruiremos a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma Humanidade ferida, no seio de uma criação ferida. Não é importante ser perfeito, mas é necessário ser credível”, disse o Sumo pontífice aos recém-ordenados, na Basílica Vaticana.

Leão XIV retomou a cerimónia que, nos últimos três anos do pontificado de Francisco, tinha sido presidida pelo cardeal vigário de Roma, dadas as limitações de mobilidade física do Pontífice, e pediu aos neossacerdotes que se colocassem ao serviço do “mundo real” e “não procurassem outros poderes”.

Leão XIV defendeu o dever de se estar ligado a “pessoas de carne e osso”, “sem se isolar” e sem viver a missão como “uma espécie de privilégio”, e advertiu que “a autorreferencialidade apaga o fogo” da missão sacerdotal, como tinha dito Francisco.

A cerimónia de consagração de 11 novos sacerdotes, sete formados no Pontifício Seminário Maior e quatro no Colégio Redemptoris Mater’, desenrolou-se com o simbolismo próprio e habitual.

A cerimónia da ordenação começou com os ordinandos revestidos, inteiramente, das vestes brancas e chamados pelo nome: “Eis-me aqui”, responderam todos.

Depois, o Cardeal Vigário de Roma, Baldassare Reina, apresentou-se ante o Pontífice para proclamar que “a Santa Mãe Igreja pede que estes nossos irmãos sejam ordenados sacerdotes”. E o rito prosseguiu, como habitualmente, com a promessa de obediência, a que se seguiram as invocações dos Santos, com os candidatos prostrados no chão, a imposição das mãos pelo Sumo Pontífice, bispo de Roma, e pelos demais bispos participantes, a oração consecratória, a imposição da estola presbiteral e da casula, a entrega da patena e do cálice e o ósculo da paz.     

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O texto da homilia papal, de que se recolhem, aqui, as linhas fundamentais, começou por apontar a grande alegria por esta celebração, para a Igreja e para cada um dos ordinandos, “juntamente com os familiares, amigos e companheiros de jornada, durante os anos de formação”.

Considerando que o Rito de Ordenação realça que “a relação entre o que celebramos hoje e o povo de Deus é fundamental, sublinhou “a profundidade, a amplitude e mesmo a duração da alegria divina”, agora, compartilhadas, que “são diretamente proporcionais aos laços que existem e crescerão” entre os que se ordenam e o povo de que provêm, do que continuam a ser parte e para o qual são enviados – “tendo sempre presente que a identidade do sacerdote depende da união com Cristo, sumo e eterno sacerdote”.

Referiu que o Concílio Vaticano II tornou mais vívida a consciência de que “somos o povo de Deus”, quase antecipando um tempo em que a pertença se tornaria mais fraca e o sentido de Deus mais rarefeito. Os ordinandos “são um testemunho de que Deus nunca se cansa de reunir os seus filhos, mesmo que sejam diferentes, e de os formar numa unidade dinâmica”, não por “uma ação impetuosa”, mas pela “brisa leve que deu esperança ao profeta Elias, na hora do desânimo”. Com efeito, no dizer do Papa Leão, “a alegria de Deus não é barulhenta”, mas altera a História e aproxima-nos uns dos outros.

Em seguida, fez a devida referência ao “mistério da Visitação, que a Igreja contempla no último dia de maio”, e que “é um ícone disso”, pois, “do encontro da Virgem Maria com a sua prima Isabel surge o Magnificat, o canto de um povo visitado pela graça”.

As Leituras que enformam a Liturgia da Palavra ajudam “a interpretar o que também está a acontecer entre nós”. Desde logo, “no Evangelho, Jesus não nos aparece esmagado pela morte iminente, nem pela desilusão por laços rompidos ou inacabados”. E o Espírito Santo intensifica os vínculos ameaçados (Deus-homem, homens-homens), que se tornam, na oração, “mais fortes do que a morte”. Ora, Jesus, em vez de pensar no seu destino pessoal, “coloca nas mãos do Pai os laços que construiu aqui na Terra”. Como sustenta o Pontifice, “nós somos parte disso”, pois o Evangelho “chegou até nós, por meio de laços que o Mundo pode desgastar, mas não destruir”.

Pediu o Santo Padre aos ordinandos que “pensem no caminho de Jesus”, porque “ser de Deus – servos de Deus, povo de Deus – liga-nos à terra: não a um mundo ideal, mas ao mundo real”. E tal como Jesus, “aqueles que o Pai coloca em seu caminho são pessoas de carne e osso”. Por isso, os presbíteros devem consagrar-se a eles, sem se separarem deles, sem se isolarem, sem fazerem do dom recebido “uma espécie de privilégio”. Na verdade, a Papa Francisco já nos alertou, muitas vezes, contra isso, “porque a autorreferencialidade apaga o fogo do espírito missionário”.

Sustentando que “a Igreja é constitutivamente extrovertida, assim como a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus”, o Papa deseja que os sacerdotes façam suas as palavras Jesus, em cada Eucaristia: ela é para o sacerdote e para todos. De facto, “ninguém jamais viu Deus”, mas, como diz o Papa Leão, “Ele virou-se para nós e saiu de Si mesmo, o Filho tornou-se sua exegese, sua História viva, e Ele deu-nos poder para nos tornarmos filhos de Deus”. Por isso, o dinamismo de Deus não quer que “busquemos nenhum outro poder”.

Roga o Santo Padre “que o gesto da imposição das mãos, com que Jesus acolheu as crianças e curou os doentes”, renove, nos sacerdotes, “a força libertadora do seu ministério messiânico”. Com efeito, nos Atos dos Apóstolos, aquele gesto “é ​​a transmissão do Espírito criador”, de modo que “o Reino de Deus põe, agora, em comunhão as vossas liberdades pessoais, dispostas a sair de si mesmas, enxertando a vossa inteligência e as vossas forças juvenis na missão jubilar que Jesus transmitiu à sua Igreja”. Uma genuína pérola da espiritualidade sacerdotal!

Na saudação aos anciãos da comunidade de Éfeso, “Paulo transmite-lhes o segredo de cada missão”, pois o Espírito Santo os “constituiu guardas”; “não mestres, mas guardiões”. Por isso, é preciso atentar no âmago da missão, que “é de Jesus”, porque “Ele ressuscitou”, está entre nós, “está vivo e nos precede”, pelo que “nenhum de nós foi chamado para O substituir. Assim, o dia da Ascensão do Senhor “ensina-nos sobre a sua presença invisível”: “Ele confia em nós, abre espaço para nós”, pois chegou a dizer: “É melhor, para vós, que eu vá”. Analogamente, segundo o Papa, os bispos, ao envolverem os ordinandos na missão de hoje, dão-lhes espaço; e os presbíteros dão “espaço aos fiéis e a toda criatura, de quem o Ressuscitado está próximo e em quem Ele gosta de nos visitar e surpreender”. Com efeito, “o povo de Deus é mais numeroso do que vemos” e não podemos definir-lhe limites.

Do comovente discurso de despedida De São Paulo o Santo Padre sublinhou uma segunda palavra, que “precede todas as outras” e que deve estar gravada “em nossos corações e mentes”: Ele pôde dizer: “Vós sabeis como me comportei convosco, durante todo este tempo”. Quer dizer: é preciso dar exemplo e apresentar a “transparência da vida”. Importa, assim, que as vidas sejam “conhecidas”, “legíveis” e “credíveis”, porque “estamos dentro do povo de Deus, para podermos estar diante deles, com um testemunho credível”.

E, logo a seguir, vem sentença apelativa: “Juntos, então, reconstruiremos a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma Humanidade ferida, dentro de uma criação ferida. Ainda não somos perfeitos, mas precisamos de ser confiáveis.”

Segue-se mais um olhar para Jesus. Jesus Ressuscitado mostra-nos as suas chagas, que, embora sejam sinal de rejeição da Humanidade, por elas, “Ele nos perdoa e nos envia”. Mais: “Ele também sopra sobre nós, hoje, e torna-nos ministros da esperança”, “para que não olhemos mais para ninguém como se olha apenas o homem”, uma vez que tudo o que, aos nossos olhos, parece quebrado e perdido, agora nos aparece como sinal de reconciliação”.

“O amor de Cristo de facto constrange-nos.” É uma posse que liberta e nos permite não possuir ninguém, para libertar, não para possuir”, diz o Papa Robert Francis, vincando: “Pertencemos a Deus: não há maior riqueza para apreciar e compartilhar. É a única riqueza que, quando compartilhada, se multiplica. Juntos, queremos levar ao Mundo que Deus amou tanto que lhe deu o seu Filho Unigénito.”

Por fim, a mensagem para os fiéis: “A vida destes irmãos que, em breve, serão ordenados sacerdotes, é cheia de significado. Agradecemos a eles e agradecemos a Deus que os chamou para servir um povo inteiramente sacerdotal. Juntos, de facto, unimos o céu e a terra. Em Maria, Mãe da Igreja, resplandece este sacerdócio comum que exalta os humildes, une as gerações e nos faz chamar-nos bem-aventurados. Que Ela, Nossa Senhora da Confiança e Mãe da Esperança, interceda por nós.”

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No mesmo dia, no final da recitação do Rosário do encerramento do Mês de Maria, na Gruta de Lourdes, nos Jardins do Vaticano, o Papa Leão proferiu a seguinte alocução:

“Com alegria, uno-me a vós nesta Vigília de Oração, no final do mês de maio. É um gesto de fé com o qual nos reunimos, de forma simples e devota, sob o manto materno de Maria. Este ano, então, recorda alguns aspetos importantes do Jubileu que estamos celebrando: o louvor, o caminho, a esperança e, sobretudo, a fé meditada e manifestada, juntos.

“Rezastes, juntos, o Santo Rosário: uma oração, como sublinhou São João Paulo II, de fisionomia mariana e de coração cristológico, que ‘concentra em si a profundidade de toda a mensagem evangélica’. E, de facto, meditando os Mistérios Gozosos durante o caminho percorrido, vós entrastes e parastes, como em peregrinação, em muitos lugares da vida de Jesus: na casa de Nazaré, contemplando a Anunciação, na de Zacarias, contemplando a Visitação – que celebramos hoje –, na gruta de Belém, contemplando o Natal, no Templo de Jerusalém, contemplando a apresentação e, depois, o encontro de Jesus. Acompanharam-vos, na Ave-Maria, repetida com fé, as palavras do Anjo à Mãe de Deus: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo!” e as de Isabel, que a acolheu com alegria: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!’

“Os vossos passos, portanto, foram marcados pela Palavra de Deus, que marcou, com o seu ritmo, os vossos passos, as vossas paragens e as vossas partidas, tal como aconteceu ao povo de Israel, no deserto, a caminho rumo à Terra Prometida.

“Vejamos, então, a nossa existência como um caminho no seguimento de Jesus, a ser percorrido, como fizemos, nesta noite, juntamente com Maria. E peçamos ao Senhor que saibamos louvá-Lo, todos os dias, ‘com a vida e com a língua, com o coração e com os lábios, com a voz e com a conduta’, evitando notas dissonantes: a língua em sintonia com a vida e os lábios com a consciência.

“Saúdo os cardeais presentes, os bispos, os sacerdotes, as pessoas consagradas e todos os fiéis. Gostaria de expressar, em particular, afeto e gratidão às Irmãs Beneditinas do Mosteiro Mater Ecclesiae, que, com a sua oração oculta e constante, apoiam a nossa comunidade e o nosso trabalho.

“Que a alegria deste momento permaneça e cresça em nós, “na nossa vida pessoal e familiar, em todos os ambientes, especialmente, na vida desta família que, aqui, no Vaticano, serve a Igreja universal.

“Que o Senhor nos abençoe e nos acompanhe sempre e que Maria interceda por nós. Obrigado!”

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O estilo não é o do Papa Francisco, mas há lanços bergoglianos marcantes, embora enquadrados numa profundidade diferente, na mesma perspetiva.

2025.05.31 – Louro de Carvalho

O Irão aumentou as reservas de urânio enriquecido

 
Um relatório confidencial da agência de vigilância nuclear da Organização das Nações Unidas (ONU) – denominada Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), com sede em Viena, na Áustria –, publicado a 31 de maio, revelou que o Irão aumentou as suas reservas de urânio enriquecido para níveis próximos do armamento e, num relatório separado, apelou a Teerão para que mudasse, urgentemente, de rumo e cumprisse a sua investigação de há vários anos.
Nestes termos, segundo AIEA, o Irão é, agora, “o único Estado não detentor de armas nucleares a produzir esse material”, o que é “muito preocupante”.
O relatório, de publicação trimestral, surgiu numa delicada altura, em que a administração de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América (EUA), procura chegar a um acordo com Teerão, para limitar o seu programa nuclear. As duas partes já realizaram várias rondas de conversações, mas, até agora, sem acordo.
O documento da AIEA, a que a Associated Press (AP) teve acesso, indica que, até 17 de maio, o Irão tinha 408,6 quilogramas de urânio enriquecido, até 60%. É um aumento de 133,8 quilogramas (Kg) – ou quase 50%, desde o último relatório da AIEA, em fevereiro –, que situava este nível de existências em 274,8 Kg. O material enriquecido a 60% está a um curto passo técnico de distância dos níveis de 90% para armas. E, de acordo com a AIEA, cerca de 42 Kg de urânio enriquecido a 60% são teoricamente suficientes para produzir uma bomba atómica, se enriquecido a 90%.
O relatório estimava também que, em 17 de maio, o total das reservas de urânio enriquecido do Irão – que inclui o urânio enriquecido a níveis inferiores – era de 9247,6 Kg, um aumento de 953,2 Kg, desde o relatório de fevereiro.
O Irão tem afirmado que o seu programa nuclear se destina apenas a fins pacíficos, mas Rafael Grossi, chefe da AIEA, alertou para o facto de Teerão possuir urânio enriquecido em quantidade suficiente para fabricar “várias” bombas nucleares, se o pretender.
Os responsáveis iranianos têm sugerido cada vez mais que Teerão poderá vir a fabricar uma bomba atómica.
As agências de informação dos EUA avaliam que o Irão ainda não iniciou um programa de armamento, mas “empreendeu atividades que o colocam em melhor posição para produzir um dispositivo nuclear, se assim o desejar”.
Por sua vez, Israel, reagindo muito rapidamente, afirmou que o relatório é um sinal de alerta claro de que “o Irão está totalmente determinado a completar o seu programa de armas nucleares”, de acordo com uma declaração do gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, sustentando que o relatório da AIEA “reforça, fortemente, o que Israel tem vindo a afirmar, há anos: o objetivo do programa nuclear iraniano não é pacífico”.
Benjamin Netanyahu sustenta que o nível de enriquecimento do Irão “não tem qualquer justificação civil” e apela à comunidade internacional para “agir, agora, para travar o Irão”.
Como é raro o chefe do governo de Israel fazer declarações ao sábado, o dia de descanso judaico, depreende-se que temo assunto como muito urgente.
Também Rafael Grossi disse que “reitera o seu apelo urgente ao Irão para que coopere, plena e eficazmente”, com a investigação de anos da AIEA sobre vestígios de urânio descobertos em vários locais no Irão.
A AIEA distribuiu aos estados-membros um segundo relatório confidencial de 22 páginas, também visto pela AP, que Rafael Grossi foi convidado a elaborar, na sequência de uma resolução aprovada pelo conselho de governadores da AIEA, em novembro de 2024.
No chamado “relatório global”, a AIEA afirma que a cooperação do Irão com a agência tem sido “menos do que satisfatória”, no respeitante aos vestígios de urânio descobertos pelos inspetores da AIEA, em vários locais, no Irão, que Teerão não declarou como instalações nucleares.
As autoridades ocidentais suspeitam que os vestígios de urânio descobertos pela AIEA podem fornecer provas de que o Irão tinha um programa nuclear militar secreto, até 2003.
Um dos locais tornou-se conhecido, em 2018, depois de Benjamin Netanyahu o ter revelado na ONU e de o ter apelidado de armazém nuclear clandestino escondido numa fábrica de limpeza de tapetes. O Irão negou o facto, mas os inspetores da AIEA detetaram, em 2019, a presença de partículas de urânio artificiais no local. E, depois de, inicialmente, ter sido bloqueado o acesso da AIEA, os seus inspetores recolheram amostras, em 2020, de dois outros locais onde também detetaram a presença de partículas de urânio artificiais. As três localizações ficaram conhecidas como Turquzabad, Varamin e Marivan.
Um quarto local não declarado, denominado Lavisan-Shian, também faz parte da investigação da AIEA, mas os inspetores da AIEA nunca visitaram o local, por ter sido arrasado e demolido pelo Irão, depois de 2003.
No relatório global de 31 de maio, a AIEA afirma que a “falta de respostas e de esclarecimentos” do Irão” às questões colocadas pela agência, relativamente a Lavisan-Shian, a Varamin e a Marivan “levou a agência a concluir que estes três locais, e outros possíveis locais relacionados, faziam parte de um programa nuclear estruturado, não declarado, levado a cabo pelo Irão, até ao início da década de 2000 e que algumas atividades utilizavam material nuclear não declarado”.
No dia 29, altos funcionários iranianos rejeitaram as especulações sobre um acordo nuclear iminente com os EUA, frisando que qualquer acordo deve levantar, totalmente, as sanções e permitir a continuação do programa nuclear do país. Tais comentários foram feitos um dia depois de Donald Trump ter dito a Benjamin Netanyahu, para adiar o ataque ao Irão, a fim de dar mais tempo à administração norte-americana para pressionar o novo acordo com Teerão. Com efeito, no dia 30, o presidente dos EUA disse que ainda acha que um acordo pode ser concluído, num “futuro não muito distante”. “Eles não querem ser explodidos. Preferem fazer um acordo”, disse Donald Trump sobre o Irão, acrescentando: “Seria ótimo que pudéssemos chegar a um acordo, sem que fossem lançadas bombas em todo o Médio Oriente.”
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O Irão e os EUA concluíram, a 12 de maio, uma quarta ronda de negociações sobre o diferendo de décadas relativo ao programa nuclear de Teerão. Tal como nas anteriores, as negociações foram mediadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araghchi, e pelo enviado especial do presidente dos EUA, Donald Trump, Steve Witkoff.
As conversações, que foram mediadas por Omã e, por conseguinte, tiveram lugar na capital do país, Mascate, duraram cerca de três horas.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Abbas Araghchi, afirmou que as conversações foram produtivas, mas que o enriquecimento de urânio continuará e que tal não é negociável.
Um funcionário dos EUA, que falou à AP, sob anonimato, disse que as discussões foram de natureza direta e indireta. “Estamos encorajados pelo resultado de hoje e aguardamos, com expectativa, a nossa próxima reunião, que terá lugar num futuro próximo”, comentou.
Irão afirmou que as conversações só se realizaram, de forma indireta, possivelmente, devido a pressões políticas internas da República Islâmica. De facto, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão afirmou que as conversações foram “difíceis”, mas admitiu que “existe, agora, um melhor entendimento”. “Em grande medida, afastámo-nos das discussões de caráter geral e entrámos em questões mais pormenorizadas. Naturalmente, isto torna as negociações ainda mais difíceis”, referiu Abbas Araghchi, em declarações à imprensa estatal, a 11 de maio.
As negociações visam limitar as atividades nucleares do Irão, em troca do levantamento das sanções económicas impostas pelos EUA.
Em março, o principal organismo de vigilância nuclear da ONU informou que o Irão tinha acelerado a sua produção de urânio enriquecido para fins militares. Pensava-se que o Irão dispõe de urânio enriquecido para fabricar armamento nuclear.
Os EUA querem impedir Teerão de desenvolver as suas reservas, mas Abbas Araghchi insistiu que o Irão continuará a enriquecer urânio. “Do nosso ponto de vista, o enriquecimento [de urânio] é algo que tem absolutamente de continuar, e não há espaço para fazer cedências sobre esse tema”, disse aos meios de comunicação estatais, acrescentando: “Podemos considerar limitações nas suas dimensões, âmbito, nível e quantidade, por um determinado período para criar confiança, como fizemos no acordo, mas o conceito do enriquecimento, em si, não é negociável.”
Abbas Araghchi confirmou que fora acordada uma nova ronda de negociações, embora a data e o local ainda não tenham sido definidos.
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A 23 de maio, prosseguiu uma quinta ronda de conversações, em Roma sobre o programa nuclear de Teerão, que avança rapidamente, como afirmou o mediador de Omã, Badr al-Busaidi, tendo as duas partes feito “alguns progressos, mas não conclusivos”.
As declarações de Badr al-Busaidi sugerem que as negociações entre as duas partes continuarão, mas a exigência de Washington de que o Irão pare, completamente, de enriquecer urânio, algo que Teerão chamou de “linha vermelha”, insistindo que o seu programa deve continuar, está a bloquear o progresso. Não obstante, espera-se a clarificação das questões pendentes, de modo a “avançar para o objetivo comum de chegar a um acordo sustentável e honroso”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão disse à televisão estatal iraniana, após as conversações, que al-Busaidi apresentou ideias que serão transmitidas às capitais das duas nações, “sem criar quaisquer compromissos para nenhuma das partes”.
As negociações visam limitar o programa nuclear iraniano, em troca do levantamento das pesadas sanções económicas impostas pelos EUA. E Donald Trump ameaçou, repetidamente, lançar ataques aéreos contra as instalações nucleares iranianas, se não se chegar a acordo.
Entretanto, as autoridades iranianas alertam, cada vez mais, para a possibilidade de se dedicarem à produção de uma arma nuclear com as suas reservas de urânio enriquecido, a níveis próximos do grau de armamento. “É quase certo que o Irão não está a produzir armas nucleares, mas, nos últimos anos, empreendeu atividades que o colocam em melhor posição para as produzir, se assim o decidir”, afirma um novo relatório da Agência de Informações de Defesa dos EUA, segundo o qual “estas ações reduzem o tempo necessário para produzir urânio suficiente para um primeiro engenho nuclear para, provavelmente, menos de uma semana”.
No entanto, segundo os especialistas é provável que o Irão ainda leve meses a fabricar uma bomba funcional. Ora, o enriquecimento continua a ser o principal ponto de discórdia. A certa altura, Witkoff sugeriu que o Irão poderia enriquecer urânio a 3,67%, mas, depois, recuou para dizer que todo o enriquecimento iraniano deve parar.
Questionada sobre as negociações, Tammy Bruce porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, afirmou que “acreditamos que vamos ser bem-sucedidos”, nas conversações e na pressão de Washington, para que não haja enriquecimento. Uma das ideias avançadas, que poderia permitir ao Irão suspender o enriquecimento de urânio, mas manter o fornecimento de urânio, seria um consórcio no Médio Oriente, apoiado por países da região e pelos EUA.
Há também vários países que, tal como a AIEA, oferecem urânio pouco enriquecido que pode ser utilizado para fins pacíficos. Contudo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Irão defende que o enriquecimento deve continuar, dentro das fronteiras do país, e uma proposta semelhante de troca de combustível não ganhou força nas negociações, em 2010.
Entretanto, Israel ameaçou atacar as instalações nucleares iranianas, se se sentir ameaçado, complicando ainda mais as tensões regionais já agravadas pela guerra em Gaza.
Araghchi avisou que o Irão tomaria “medidas especiais” para defender as suas instalações nucleares, se Israel continuasse a ameaçá-las, ao mesmo tempo que avisou a administração norte-americana de que a considerariam cúmplice de qualquer ataque israelita.
O acordo nuclear histórico de 2015 com as potências mundiais, conhecido como Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), limitou o nível de enriquecimento de Teerão a 3,67% e reduziu as suas reservas de urânio para 300 Kg, um nível é suficiente para as centrais nucleares, mas muito abaixo dos níveis de 90% para armas.
Desde que o acordo entrou em colapso em 2018, com a retirada unilateral dos EUA, o Irão abandonou todos os limites do seu programa e enriqueceu urânio, até 60% de pureza, um passo curto e técnico em relação aos níveis de qualidade das armas.
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Porém, o Irão não pensa apenas na energia nuclear. A 5 de maio, o Ministério da Defesa do Irão revelou um novo míssil balístico de combustível sólido que, segundo o país, tem um alcance de, pelo menos, 1200 quilómetros. E a televisão estatal iraniana mostrou o míssil – chamado Qassem Basir – no dia 4, durante uma entrevista com o ministro da Defesa, general Aziz Nasirzadeh. Segundo as autoridades iranianas, o míssil foi testado, pela última vez, a 17 de abril.
O anúncio foi feito no momento em que Teerão foi criticado pelo seu alegado apoio aos Houthis do Iémen, que lançaram um ataque contra o aeroporto internacional de Israel.
A revelação da arma surge no meio de tensões crescentes com os EUA, sobre as atividades nucleares de Teerão e o seu alegado apoio aos Houthis no Iémen.
O ministro da Defesa iraniano negou as afirmações de Washington de que Teerão está a ajudar os Houthis do Iémen, que atacaram o Aeroporto Internacional Ben Gurion de Israel.
O primeiro-ministro israelita prometeu retaliação vigorosa contra os Houthis e contra os seus apoiantes iranianos. Porém, Aziz Nasirzadeh afirmou que o Iémen é uma nação independente que toma as suas próprias decisões, antes de lançar um aviso aos EUA e aos seus aliados.
O ministro da Defesa iraniano disse que o seu país consideraria as bases americanas na região “alvos legítimos”, se fossem atacadas. E a administração Trump quer evitar que Teerão desenvolva as suas reservas de urânio de qualidade semelhante às das armas.
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O mal não está na energia nuclear, mas na sua utilização destrutiva e mortífera, tal como a eletricidade traz vantagens, observadas as devidas cautelas e se não for usada em cadeira elétrica para matar. Contudo, os países detentores de centrais de energia nuclear, não são tão inocentes que se abstenham de fabricar armas ou que, tendo-as, não as utilizem, sobretudo, se a tirania se generalizar.

2025.05.31 – Louro de Carvalho


Emigração confirma reforço do tripartidarismo

 

André Ventura, a 29 de maio, encheu de militantes uma sala, no Hotel SANA Malhoa, em Lisboa, para uma segunda noite eleitoral, em formato mais reduzido do que a de 18 de maio. Embora, em termos percentuais, o Partido Socialista (PS) se mantenha como segunda força política, o partido Chega teve motivos para celebrar nova vitória, pois conseguiu eleger, nos círculos da emigração, dois deputados, passando de 58 a 60, pelo que se constituiu em segunda força política parlamentar e em líder da oposição parlamentar, ficando o seu presidente com lugar privilegiado no protocolo.

Assim, o PS ficou como terceira força política, enquanto a Aliança Democrática (AD), ganhando mais dois deputados, passou a deter 91, em vez dos anteriores 89. 

No seu discurso, André Ventura disse às minorias e aos que assistem às eleições portuguesas que “não tenham medo”, pois o partido não se vai “aburguesar”. E, verificando a profunda mudança “no sistema político português”, advertiu que “nada será como dantes”, frisou que a subida do Chega é “uma mudança de regime tranquila e saudável” e garantiu que os seus deputados não serão “os líderes da destruição, do bota-abaixo por bota-abaixo, da crítica fácil”, mas “da ordem, da estabilidade, do escrutínio e do confronto”.

A tranquilizar os receosos, assegurou que o partido que lidera “tem a democracia na sua gente, na sua alma” e que atingiu o lugar de líder da oposição, “lutando no terreno da democracia” e “por mérito próprio”. Admitiu que as mudanças geram medo nos países e nas comunidades”, mas declarou: “Temos de lhes dizer que não tenham medo, homens e mulheres deste país, maiorias e minorias, emigrantes e imigrantes, porque este partido, este movimento, não veio atrás de ninguém, senão daqueles que roubaram Portugal durante os últimos 50 anos.”

Todavia, rejeitando que o Chega ignore as suas “origens” e “raízes”, na “rua” e “no confronto”, deixou aviso para os especialistas que, comparando o crescimento do Chega com homólogos europeus, preveem que se modere na sua retórica. “Nós nunca renegaremos a nossa origem nem o nosso ADN. Aqueles que esperavam que o partido, com estes resultados, se aburguesasse ou se acomodasse, estão enganados”, advertiu, criticando o “politicamente correto”, a “ideologia de género” e a União Europeia (UE).

No atinente ao seu papel de líder da oposição, André Ventura não se afastou das entrevistas que tem dado, reiterando a declaração do fim do “bipartidarismo” e defendendo a estabilidade do país. Frisou que a rota de crescimento do partido “não terminou”, devendo saber, “sem exageros, sem euforias”, “ler os sinais” das legislativas e ambicionar mais, tanto nas autárquicas como nas presidenciais, onde terá uma palavra a dizer, por muito que o queiram tirar dessa “equação”. E reafirmou a promessa de um governo-sombra, alternativo ao da AD, mas sem oferecer qualquer novidade. “Seremos o partido que, a partir de hoje, começará a construir uma alternativa para este governo, não por este homem ou por esta mulher, em concreto, mas porque eu acho que todos os sinais estão dados, dentro e fora do país, de que é preciso um outro governo, que é preciso um outro país e que a hora da mudança está a chegar”, reforçou.

Mesmo quando defendeu o respeito pela origem do Chega como movimento à base de causas, André Ventura enfatizou que terá em mente a estabilidade do governo. “Quando for preciso sair à rua, sairemos. Quando for preciso voltar ao confronto, confrontaremos. Quando for preciso fazer crítica e confronto e escrutínio contra a corrupção, faremos. Mas também quando for preciso responsabilidade, quando for preciso ordem e quando for preciso estabilidade, nós estaremos lá para a dar a Portugal”, prometeu.

Face à cobertura da imprensa internacional, que tem comparado o Chega a outros movimentos de extrema-direita europeus, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), na Alemanha, ou a Vox, na Espanha). O líder do Chega, que elogiou Salazar, reiterou não querer “saudosismo, nem futurismo”, mas “olhar os outros países da Europa cara a cara” e “os outros países do Mundo ombro a ombro”, e revelou que foi contactado por líderes europeus, que lhe deram palavras de “obrigado”, de admiração e de reconhecimento, por trazer o movimento de direita radical e os “ventos de mudança à direita” a Portugal, onde “tardava a chegar”.

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As eleições legislativas não resultaram em grande mudança aritmética, na dinâmica parlamentar, já que a AD mantém uma maioria relativa e a obrigação em dialogar para aprovar o seu programa e os seus orçamentos, mas a maioria qualificada à direita já levou os protagonistas a mudar o discurso em torno de eventuais negociações. Além da eventual convergência nas direitas para uma revisão constitucional, que pode, se for levada a cabo, trazer alteração paradigmática ao sistema, há áreas da governação em que pode haver diálogo entre o Partido Social Democrata (PSD) e o Chega, para aprovar as medidas pretendidas pelo governo. Em 2024, o PSD assegurou o “não é não” e não negociou com o Chega para o programa do governo ou para o Orçamento do Estado, viabilizados por abstenção do PS. Porém, a 18 de maio, o líder parlamentar do PSD esclarecia que o “não é não” é só para soluções executivas.

Na saúde, na imigração e na educação, há margem para aproximação e divergências difíceis de resolver, mas as maiores concordâncias entre a AD e o Chega surgem na visão económica, como seria de esperar. Há vários pontos de entendimento entre eles, em particular, na redução da carga fiscal e do papel do Estado e na desburocratização e simplificação da Administração Pública. Porém, é nesses pontos que os dois partidos se distinguem mais na sua abordagem: a da AD é mais centrista e detalhada, não ignorando o papel do Estado; e a do Chega aposta no corte do Estado, em inúmeros setores, garantindo que menos ministérios, menos impostos, menos entraves burocráticos serão suficientes para atingir o seu ambicioso cenário macroeconómico.

Por exemplo, o PSD diz acreditar na “economia social de mercado, com coexistência e complementaridade entre as ofertas pública, privada e social”, enquanto o Chega admite a entrada de privados no investimento e na operação de infraestruturas, incluindo da ferrovia, para reduzir as greves na CP – Comboios de Portugal.

Em matéria de impostos, a AD afirma que “a redução da carga fiscal é uma prioridade assumida” e aponta para o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e para o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), em particular, para o segundo, pretendendo a redução gradual até aos 17%, no final da legislatura, e a redução, até 15%, no caso das Pequenas e Médias Empresas (PME), nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável”. Já o Chega sugere a “redução progressiva do IRC, para 15%, até 2028”, e prometeu o IVA Zero para bens alimentares essenciais, como prometera o PS. E a AD não aborda a questão.

Também nos salários existe a concordância vincada por diferença nos ‘timings’ de cada partido. O Chega quer aumentar o salário mínimo nacional para 1100 euros, até 2026, mas a AD prefere apontar o mesmo valor, para 2029.

As grandes diferenças, nas contas, estão nos subsídios a quem precisa do Estado. O Chega aposta no combate à ‘subsidiodependência’ e muitas propostas do seu programa visam ‘fechar a torneira’ a muitos subsídios, nomeadamente, a minorias étnicas, a imigrantes, a entidades públicas como observatórios ou fundações, entre outros. Portanto, não verá com bons olhos a proposta da AD para simplificar a atribuição de apoios e para implementar o suplemento remunerativo solidário, (SRS) focado na integração no mercado laboral sem riscos de os beneficiários perderem os apoios.

O Chega também quer distinguir o rendimento social de inserção (RSI) do rendimento social de sobrevivência (RSS), para quem não tem condições de voltar a trabalhar. E exige que quem receber o RSI trabalhe, de modo que os beneficiários do RSI possam contribuir, ativamente, para a comunidade, prestando apoio a instituições do Estado, a serviços de Proteção Civil, a organismos culturais e a entidades de utilidade pública ou de interesse coletivo.

Também na utilização de fundos europeus há diferença, pois a AD enaltece a sua gestão dos mesmos e o Chega critica a utilização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fortalecer o Estado, defendendo uma política mais protecionista para produtos e empresas nacionais. 

A saúde é uma das áreas onde o Chega lança várias críticas ao governo da AD, mas propõe soluções semelhantes. A AD recorda o aumento do número de consultas e de cirurgias, entre 2023 e 2024, a introdução do serviço de pré-chamada para as urgências e da Linha SNS Grávida, passando as promessas muito pela continuidade do projeto deste governo. Ao invés, o Chega faz um balanço negativo, queixando-se da “situação dramática” e do “colapso” no SNS, do aumento de partos em ambulâncias, e do alegado “turismo de saúde”.

Nas Parcerias Público-Privadas (PPP), a AD quer mais acordos para aumentar a oferta disponível para os utentes e favorece uma complementaridade regional entre público e privado, mas mantém o foco das suas medidas para a saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que diz ser um “pilar central do sistema” do qual recusa abdicar. Por outro lado, a integração de mais PPP no SNS (e noutros setores) é uma das pedras basilares do programa do Chega, que defende a reestruturação profunda do atual SNS, que deverá evoluir para um Sistema Nacional de Saúde integrado com os setores privado e social, e a implementação de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para resolver problemas.

Um ponto específico onde os dois partidos divergem, nesta matéria, é o tempo máximo de resposta garantido (TMRG). A AD quer “garantir a referenciação para a consulta de especialidade, com liberdade de escolha do prestador pelo utente”, quando o TMRG é ultrapassado; o Chega não quer deixar espaço para dúvidas e diz que o Estado “tem a obrigação de referenciar” os utentes para os setores privado e social.

Quanto à educação, os dois partidos optam por abordagens semelhantes, mas a AD é mais compreensiva e específica, em continuidade com a prática governo. O Chega, apesar de criticar o executivo, pelo número de alunos sem aulas, recomenda algumas das mesmas soluções, mesmo que a via para lá chegar seja diferente, e quer medidas mais radicais e disruptivas.

Ambos os partidos se dizem preocupados com a carreira dos professores, em ter mais psicólogos nas escolas, em reforçar o ensino profissional e a Ação Social Escolar, em apostar na literacia dos mais jovens, em atribuir apoios às deslocações de docentes, para combater a falta de professores, entre outras questões. A valorização salarial e a revisão do estatuto da carreira docente (ECD) é um dos pontos com possibilidade de entendimento, já que a AD pretende fazer tal revisão, “quando terminada a recuperação do tempo de serviço”, acabando com “as quotas no acesso ao 5.º e 7.º escalões”, e o Chega quer rever o ECD e promete “recuperar, integralmente, o tempo de serviço prestado pelos professores”.

Sobre o conteúdo do ensino, a AD é, dos dois, quem apresenta mais propostas e sugestões para melhorar o desempenho dos alunos, cujo nível tem vindo a cair, tanto nas ciências exatas como nas ciências sociais, apontando como meta “aplicar as provas ModA [monitorização das aprendizagens] no 4.º e no 6.º ano de escolaridade”. E é a única dos dois maiores partidos a mencionar a utilização dos ‘smartphones’ nas salas de aula, argumentando que os dispositivos devem ser proibidos “nos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico”.

O Chega apresenta a reintrodução dos exames nacionais, nos finais de todos os ciclos de ensino (4.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos), para “combater o facilitismo e a burocracia”, mas foca-se mais no combate contra a “ideologia de género”, contra as casas de banho mistas, em tornar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento opcional e o seu currículo sem conteúdos “ideológicos” e em aumentar a segurança nos estabelecimentos escolares, tanto dos alunos como dos docentes. Além disso, pretende “renomear o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, em Ministério do Ensino”, como forma de combater “o desperdício financeiro” e a burocracia, “extinguindo todos os organismos ministeriais que não sejam absolutamente fundamentais para dar prioridade à alocação de verbas orçamentais o mais diretamente possível aos alunos, professores e escolas. E quer recuperar a existência dos vigilantes escolares, de má memória.

A imigração é uma das grandes bandeiras do Chega e é nesta área que os dois programas mais divergem. O PSD vinca a abordagem humanista e a integração na sociedade e no mercado de trabalho, mas o partido de André Ventura aposta na visão punitiva e de reforço dos mecanismos de justiça e de segurança existentes. Em políticas de acolhimento e na gestão das centenas de milhares de processos ainda pendentes, a AD faz análise congratulatória do trabalho do governo, notando o fim da declaração de manifestação de interesses e da maior celeridade na resolução de processos em atraso, enquanto o Chega ataca o executivo da AD, por intensificar o “descontrolo total” e a “imigração descontrolada”, e propõe mais garantias e barreiras para limitar a ‘subsidiodependência’ e a entrada de pessoas, desde pessoas com cadastro até a cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), pela criação de quotas para a imigração.

Até no controlo das fronteiras, há forte discórdia. A AD foca-se na formação de trabalhadores estrangeiros e na sua abordagem mais moderada, embora admita medidas mais restritivas, como criar mais centros de detenção ou a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras na PSP. Já o Chega enumera diferentes situações em que defende deportações mais frequentes, associa a formação de imigrantes a algumas condições, para que possam permanecer no país, e promete “reformular a AIMA, no sentido de voltar a concentrar a vertente administrativa com a policial”.

Sobre a nacionalidade, também há abordagens distintas, já que a AD fala em “fomentar a aprendizagem” do Português, para melhorar a “integração social” e em “rever os requisitos de atribuição de nacionalidade portuguesa” para que o tempo necessário para obter a nacionalidade seja maior, enquanto o Chega quer alterar a Lei da Nacionalidade, para que só a possa obter quem tiver real ligação ao país, nomeadamente, conhecendo a nossa História, identificando-se com a cultura e com as tradições portuguesas e falando e escrevendo em Português.

Por fim, no capítulo da habitação, o Chega vê na gestão dos impostos a chave do problema, desde alívios fiscais a jovens e a famílias, a eliminar o adicional ao imposto municipal sobre imóveis (IMI) e reduzir o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) para a construção para 6%, sugestão que surge no programa da AD, tal como os benefícios para os jovens. A AD propõe um programa de PPP para construir habitação acessível e alojamento para estudantes, mas mantém a responsabilidade do Estado em criar oferta pública habitacional para aliviar o mercado, ao passo que o Chega não fala em habitação pública.

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Dizem que a AD não fará acordos com o Chega, nem com outros partidos e têm a ilusão de que o PSD e o PS se mantêm herdeiros da instauração do regime. Porém, o Chega terá elementos seus no Tribunal Constitucional, no Conselho de Estado, nas secretas e nos conselhos superiores. Não minará o sistema? A História não se repete; os fenómenos, sim!

2025.05.30 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 29 de maio de 2025

O Papa Leão XIV e o olhar da Igreja sobre coisas novas

 
Ao encerrar o Segundo Encontro Internacional sobre o Sentido promovido pelas Scholas Occurrentes, o cardeal prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, José Tolentino de Mendonça, destacou a atenção do novo Sumo Pontífice, também através da escolha do seu nome, à “revolução tecnológica” em curso, a qual não deve ser “nem ignorada, nem temida”, mas integrada em modelos de educação que, tal como desejou o Papa Francisco, saibam “fazer coro”.
Assim, segundo o comentário de Edoardo Giribaldi, no portal da Santa Sé, Vatican News, “enfrentar as “novidades” e as “revoluções” do nosso tempo – um tempo em que tudo está agora ‘interconectado’ – requer uma visão mais elevada”, pois, numa época em que a tecnologia se torna uma presença incómoda, quase “invasiva”, requerem-se “respostas novas”.
E, no dizer do prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação, o “padre mestre e poeta”, como consta do cartaz do encontro, o caminho passa pela educação e pela instrução, por uma Humanidade que redescobre o valor da “beleza” e da ‘espiritualidade’. E é “um caminho que não é solitário, mas compartilhado com mestres, [com] professores, [com] guias que sabem ser “amigos, companheiros, pais”: capazes de custodiarem e de acompanharem o florescimento da pessoa. Este é o cerne da intervenção do purpurado, no final do Segundo Encontro Internacional sobre o Sentido, evento global promovido pela Scholas Occurrentes e pela CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, que se encerrou, a 29 de maio, na Aula Nova do Sínodo, no Vaticano.
No seu discurso, Tolentino de Mendonça recordou a “preciosa herança” do Papa Francisco, no campo da educação, “recolhida, com entusiasmo”, pelo seu sucessor, Leão XIV, uma herança que se torna profecia: com a escolha do seu nome, o novo Pontífice quis chamar a atenção do Mundo para outra “revolução”, a ‘digital’, e para o horizonte da inteligência artificial (IA).
No meio de tantas perguntas, de incertezas e de medos, uma “certeza fundamental” permanece inalterada: a educação é e será a bússola. “Não vivemos apenas numa época de mudanças”, lembrou Tolentino de Mendonça, citando o Papa Francisco, “mas numa mudança de época”. “Nesta nova fase da História, a educação pode favorecer um uso consciente das tecnologias, uma atitude crítica, capaz de compreender e discernir oportunidades e limites”.
Um sinal concreto desse compromisso é o Pacto Educativo Global, lançado pelo Papa Bergoglio, em 12 de setembro de 2019: um convite ao Mundo inteiro para unir forças, para que a educação gere paz, justiça e acolhimento. Porém, todo o pacto precisa de novo fôlego. “Tudo – observou o purpurado – tem um reflexo no mundo educacional”. Também o tema da saúde mental, que surgiu com força apenas no período pós-pandemia, nasce nas salas de aula, entre os jovens. “Precisamos dessas sondas, dessas antenas, porque não podemos pensar que certos problemas, as grandes angústias, sejam prerrogativa exclusiva da idade adulta”.
Outra frente urgente: a educação em contextos de emergência. “Pensemos nos pobres, nos migrantes, nos refugiados, nos meninos e meninas das periferias do mundo”, disse o cardeal, citando um dado da UNESCO: são 230 milhões de crianças que hoje não têm acesso à escola.
“Tudo está conectado”, advertiu a encíclica Laudato si’, cujo 10.º aniversário se comemorou recentemente, e hoje, mais do que nunca, ressoa esta mensagem. O homem e o meio ambiente não são entidades distintas, mas vozes da mesma sinfonia. Portanto, a educação deve também formar para a custódia da Casa Comum. “Não precisamos de uma antropologia despótica – explicou Tolentino de Mendonça –, mas de uma antropologia sensata, capaz de realizar o sonho de Deus: que o homem seja o guardião da Criação, não seu dono”. Numa época em que a tecnologia é omnipresente, muitas vezes capaz de suplantar a realidade, “devemos refletir sobre como permanecer humanos”.
Falando sobre educação, o cardeal lembrou que tanto Francisco como Leão XIV foram ‘professores’. “Eles conhecem o valor de uma escola, de um professor, dessa extraordinária oficina da Humanidade”. E a escolha do nome pelo novo Pontífice, na leitura do cardeal, é um sinal poderoso: um retorno às res novae, às “coisas novas” de hoje, como um ideal Rerum Novarum, a encíclica de Leão XIII, “do terceiro milénio”. O Papa falou “com grande lucidez sobre a revolução tecnológica em curso, que não devemos ignorar, nem temer, mas que somos chamados a acolher e integrar, com espírito crítico e com olhar humano, para destacar o seu potencial ao serviço de uma educação inclusiva”.
Para concluir, a reflexão sobre a figura do educador: não “uma máquina de conhecimentos”, mas “um guia, um amigo, um companheiro, um pai”. Alguém que saiba aproximar-se do mistério do crescimento pessoal, que saiba guardar o milagre quotidiano da construção de si mesmo. Porque, tal como lembrou Leão XIV, educar é um verdadeiro “ministério”.
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Valor educativo, além do valor artístico e teológico, têm também alguns espaços e objetos simbólicos.
Está, neste caso, a reprodução, na área em frente ao Palácio do Governatorato, feita pelo Serviço Jardins e Ambiente, da Direção de Infraestruturas e Serviços e que levou duas semanas. Sobre um fundo azul, 400 mudas de Ageratum azul Star e 50 de Helichrysum italicum, na metade clara 400 Begónias sempre florens night life, folha bronzeada, flor branca. O emblema da Ordem de Santo Agostinho (OSA) foi realizado com a colaboração do Departamento de Serralharia, da Direção de Infraestruturas e Serviços.
Foi, pois, concluído o brasão floral do Papa Leão XIV nos Jardins do Vaticano, na área em frente ao Palácio do Governatorato, na encosta que desce em direção à abside da Basílica de São Pedro. Centenas de mudas coloridas, como tantas peças de um mosaico, tornaram possível uma obra-prima da arte floral. Como os brasões papais anteriores, será admirado, todos os anos, por milhares de pessoas, de um ponto de observação excecional: o cume da cúpula da Basílica Vaticana. O brasão, realizado pelo Serviço Jardins e Ambientem da Direção de Infraestruturas e Serviços do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, levou cerca de duas semanas a concluir-se, dada a necessidade de desenvolver o novo tema e, depois, reproduzi-lo no local. Em média, duas pessoas, por dia, trabalharam nele e, com maestria e talento artístico, tornaram possível a composição floral.
A estrutura da “moldura”, na qual se inserem os detalhes do brasão, permanece a do Papa Francisco. É formada pela mitra – recriada com Buxus sempervirens, variedade pumila – colocada entre chaves cruzadas de ouro e prata, ligadas com um cordão vermelho. A chave de ouro foi reproduzida com Euonymus Aureus, ou seja, Evonimo variegado, que é podado frequentemente, para que permaneça baixo e ofereça uma cor amarelada. A chave de prata foi recriada com a planta sazonal Helichrysum italicum, que deve ser trocada pelo menos uma vez por ano para manter a cor. Os cordões vermelhos que ligam as chaves foram feitos com a planta Iresine brillantissima, no verão, e Viola cornuta, sempre vermelha, no inverno. Para o escudo papal, dividido diagonalmente em dois setores, foram utilizadas várias plantas. No canto superior esquerdo, sobre um fundo azul, está representado um lírio branco, símbolo de pureza e virgindade, que remete para a figura da Virgem Maria.
Para reproduzir a cor azul, foram recuperadas 400 mudas de Ageratum azul Star provenientes do brasão do Papa Francisco. O lírio foi feito com 50 mudas de Helichrysum italicum, reproduzidas por estacas pelo responsável pela manutenção da estufa do Serviço Jardins e Meio Ambiente. Na outra parte do escudo, na parte inferior, sobre um fundo claro, está representado o emblema da Ordem de Santo Agostinho: um coração traspassado por uma flecha colocado sobre um livro. Remete para conversão de Santo Agostinho de Tagaste, bispo de Hipona, e simboliza a Palavra de Deus que perfura o coração do Santo Doutor da Igreja, que explicava: Vulnerasti cor meum Verbo tuo (“Tu trespassaste o meu coração com a tua Palavra”). Para a metade clara do brasão foram utilizadas 400 plantas de begónia semperflorens night life, folha bronzeada, flor branca. O coração foi criado com mudas de Iresine lindenii, reproduzidas, por estacas, pelo responsável pela manutenção da estufa. Para recriar o livro, foi solicitada a colaboração do Departamento de Serralheiros, da Direção de Infraestruturas e Serviços, que produziu chapas para lhe dar forma. No interior, foi colocado lapilli vermelho e, para o branco, foi utilizada cascalho. Por fim, a Natureza, com o seu esplendor e com as suas cores, unida à maestria dos funcionários dos Jardins do Vaticano, deu vida a uma joia de arte e de beleza.
Outro dado artístico é a inserção de fragmentos de ossos de quatro bispos, na cruz peitoral de prata doada, pelo Círculo de São Pedro, a Leão XIV, no dia de sua eleição. Os bispos são: São Leão Magno, bispo de Roma, Santo Agostinho, bispo de Hipona, São Tomás de Vilanova, arcebispo de Valência, e o Beato Anselmo Polanco, bispo de Teruel, mártir. A ideia foi do guardião do sacrário apostólico, padre Silvestrini, que compreendeu o desejo do Papa de se confiar à proteção do predecessor seu homónimo.
Guiando os passos de Leão XIV está, agora, também São Leão Magno, o quadragésimo quinto sucessor de Pedro, que viveu entre os séculos IV e V, contemporâneo de Santo Agostinho. Ele promoveu a unidade da Igreja, combateu heresias, definiu a primazia do bispo de Roma e compôs as mais belas coletas do Missal Romano.
A ideia de mandar fazer um novo “relicário” para Leão XIV, para ser inserido na cruz peitoral dada de presente ao Papa, partiu, como se disse, do guardião do sacrário apostólico, padre Bruno Silvestrini, da comunidade agostiniana da Sacristia Pontifícia. Aproveitando o desejo do seu confrade Pontífice de se confiar à proteção e orientação de Leão Magno, o religioso decidiu recorrer ao especialista em relicários, Antonino Cottone, que já tinha feito cinco relíquias, com técnicas medievais tradicionais, para a cruz peitoral doada a Prevost pela Cúria Geral dos Agostinianos, no dia em que foi criado cardeal, 30 de setembro de 2023.
Dito e feito, a 26 de maio, o especialista levou apenas duas horas para dar vida, com meticulosa precisão e apaixonada dedicação, a uma nova pequena cruz com filigranas de papel dourado (paperoles) sobre moiré vermelho (um tecido tafetá cuja aparência simula os veios da madeira ou do mármore, produzindo um efeito variável), onde quatro pequenas flores de papel acolheram as relíquias dos quatro ilustres pastores da Igreja. Com as suas mãos experientes, Antonino Cottone enrolou, modelou e colou pequenas tiras de papel, criando uma série de elementos decorativos entre os quais inseriu os preciosos fragmentos de “ossos sagrados”.
Concluída a obra, o artesão colocou a “cruz-relicário” dentro da cruz peitoral papal e, muito emocionado, entregou-a a Leão XIV, colocando-lha no pescoço. O Papa acolheu, com alegria, a cruz peitoral, enriquecida com as relíquias dos quatro bispos que lhe são particularmente queridos.
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O Dicastério para a Comunicação apresentou, a 29 de maio, o novo e moderno visual do site Vatican.va, que oferece ao mundo o Magistério do Papa e o coração da Igreja num formato mais claro e acessível. Na página inicial, o Papa Leão XIV saúda os fiéis num fundo azul-celeste, que combina, perfeitamente, com os tons quentes do travertino. O designer: “É o abraço da Igreja ao mundo digital”.
Um fundo azul-celeste e o Papa Leão XIV saudando os fiéis com um grande sorriso. Depois, os tons quentes do travertino. Céu e terra. Pedra e profundidade. É assim que se apresenta a nova página inicial do site institucional da Santa Sé, uma janela que aproxima do Mundo inteiro o Magistério e o centro da Igreja Católica. O novo design gráfico para um site que está online, desde dezembro de 1995, portanto, há quase 30 anos, a primeira janela da Santa Sé na Internet, foi projetado com o objetivo de oferecer uma experiência de navegação mais clara e acessível aos visitantes, que poderão navegar, mais facilmente, em busca da documentação do Magistério, tanto do Papa Leão XIV como dos seus predecessores.
A atualização da página inicial faz parte de um longo esforço editorial e de desenvolvimento, estruturado em diferentes fases, com o objetivo de transferir o imenso património histórico do site para um portal renovado. Para que essas páginas sejam utilizáveis, equipas com diferentes competências trabalharam e continuam a trabalhar juntas: a Equipa Editorial, que cuida da documentação institucional e garantiu a acessibilidade de todo o conteúdo, e a Equipa Técnica do Dicastério para a Comunicação, que desenvolveu a estrutura, dando vida ao projeto do designer gráfico peruano Juan Carlos Yto (TMB_Lab), ex-aluno da primeira turma do programa Comunicação da Fé no Mundo Digital.
 “Deve representar o abraço da Igreja no mundo digital”: foi isso que inspirou Juan Carlos na conceção do novo projeto gráfico. “Foi a primeira coisa que me veio à mente, quando soube da intenção de renovar o site oficial da Santa Sé”, explica o designer gráfico peruano, “seguindo o espírito e a forma elíptica da Praça São Pedro, de Gian Lorenzo Bernini: uma Igreja de braços abertos, universalmente acessível e atualizada para os tempos modernos”. Uma Igreja mais clara, acessível e contemporânea, acrescenta Juan Carlos, que assim motiva as suas escolhas gráficas: “As cores são inspiradas no azul do céu romano, que contrasta magnificamente com os tons quentes do travertino. Céu e terra. Pedra e profundidade. Toques dourados de divindade, cinzas claros e brancos para iluminar. Fotografias maiores e evidentes na página inicial, para mostrar uma Igreja viva em movimento contínuo.”
É de referir que o travertino é uma rocha calcária, composta de calcita, de aragonite e de limonite, com bandas compactas, paralelas entre si, nas quais se observam pequenas cavidades, onde predominam os tons que passam pelo branco, pelo verde ou pelo rosa, apresentando, frequentemente, marcas de ramos e de folhas. Também é conhecida pelo nome de “tufo calcário.
Enfim, é também a educação pela arte e pelo design!

2025.05.29 – Louro de Carvalho


O oceano é o maior suporte ao enfrentamento da crise climática

 
A 28 de maio, em Nova Iorque a União Europeia (UE) e seis dos seus estados-membros ratificaram, formalmente, o tratado da Organização das Nações Unidas (ONU) para a proteção do alto mar, comummente designado por Tratado do Alto Mar, compaginando a última vaga de ratificações que antecede a importante Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, a realizar em Nice, França, no início de junho.
Este acordo internacional, que tem o potencial de provocar significativa mudança nos esforços globais de conservação dos oceanos, é visto como uma oportunidade crucial para salvaguardar partes do oceano que se encontram além das fronteiras marítimas nacionais.
Para Costas Kadis, comissário europeu responsável pelas Pescas e Oceanos, a iniciativa é um “passo histórico para a proteção dos oceanos e para a preservação do delicado equilíbrio do ecossistema do nosso planeta”.
A ratificação significa que a UE e os seis estados-membros concordaram, formalmente, com o facto de o tratado se tornar lei internacional vinculativa. Para tanto, é necessário alinhar a legislação nacional com as disposições do Tratado. Em abril, a Comissão Europeia apresentou a proposta de diretiva de transposição do Tratado do Alto Mar para a legislação europeia. Na verdade, as zonas fora da jurisdição nacional – incluindo o alto mar e os fundos marinhos – cobrem quase dois terços dos oceanos do Mundo. Estas regiões enfrentam ameaças crescentes, devido à poluição, à sobre-exploração, às alterações climáticas e à perda de biodiversidade. E, atualmente, apenas cerca de 1% do alto mar está protegido.
Após anos de negociações, foi alcançado, em março de 2023, um consenso global sobre a necessidade de proteger o alto mar. O texto do Tratado foi, formalmente, adotado em junho de 2023, na sede da ONU, em Nova Iorque.
O acordo abre caminho à proteção da vida marinha, em zonas fora das fronteiras marítimas nacionais, permite a criação de áreas marinhas protegidas e apoia o objetivo global de salvaguardar, pelo menos, 30% dos oceanos do Mundo, até 2030.
Para que o Tratado do Alto Mar se torne direito internacional (é classificado como um “acordo misto”), tem de ser ratificado separadamente pela UE e pelos seus estados-membros. Assim, a 28 de maio, Chipre, a Finlândia, a Hungria, a Letónia, Portugal e a Eslovénia juntaram-se à UE e apresentaram a sua ratificação. A França e a Espanha já o tinham ratificado, no início deste ano.
Para entrar em vigor, o Tratado requer a ratificação por 60 partes. Com estas últimas adesões, o número de ratificações ascende a 29. Porém, um total de 115 países assinou-o, o que indica o seu potencial empenhamento na ratificação. E a UE insta todas as restantes partes a ratificá-lo, sem demora, na esperança de obter as 60 ratificações necessárias para a sua entrada em vigor, até à Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, a realizar em Nice.
Nathalie Rey, Coordenadora Regional Europeia da Aliança do Alto Mar, descreveu a ação da UE como “poderosa aceleração” no sentido de atingir o limiar de ratificação, a poucos dias da referida cimeira. “A liderança da UE é essencial para fazer face às crises da biodiversidade e do clima. Esta medida corajosa envia uma mensagem clara de que a proteção dos oceanos não é opcional, é uma prioridade global”, afirmou.
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A este respeito, é de ter em conta o pensamento e as advertências do irlandês Peter Hefferman, especialista em Ciência Marinha, que deixa críticas aos avanços de Donald Trump, no atinente à mineração, em mar profundo, e apela aos líderes europeus para assumirem a dianteira como “os maiores guardiões do território oceânico”.
O ex-diretor executivo do Marine Institute da Irlanda, que tem dado contributo ativo na proteção dos oceanos, que integra a Missão da UE “Restaurar os nossos Oceanos e Águas” e que é membro do Conselho de Administração da Fundação Oceano Azul, esteve em Portugal, por ocasião da celebração dos 40 anos da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento para participar na Conferência “Breathing with the Ocean”, sobre os desafios e as oportunidades dos recursos marinhos.
Em entrevista à Euronews e ao Nascer do SOL, no Museu dos Coches, em Lisboa, falou do oceano, como ligação entre Portugal e os Estados Unidos da América (EUA), e da importância da sua conservação, deixando críticas aos avanços do presidente norte-americano e apelos aos líderes europeus para se assumirem como os “guardiões do território oceânico”.
Elege o oceano como a “maior garantia para lidar com a crise climática”, por estar “intimamente ligado ao clima” e por nos proteger, “absorvendo tanto calor, armazenando tanto carbono” e por ser “uma grande parte das nossas soluções para lidar com o clima”. Contudo, porque o temos perturbado o seu limite, “precisamos de reposicionar, [de] respeitar e [de] cuidar desta nossa garantia de vida”, caso contrário, “o futuro será negro”.
Sobre o que pode ser feito a esse nível, entende que os países, a UE e o Mundo, têm de “planear o oceano como parte do nosso futuro” e de “governar de uma maneira muito mais responsável, de uma forma muito mais unida”, cuidando da “nossa garantia de vida, o oceano”. Para tanto, “é precisa dedicação séria, recursos sérios, foco sério e líderes sérios”. E “é a hora de os líderes de toda a Europa se levantarem, para trazerem a escuridão à luz”, sublinha.
Quanto ao papel de Portugal, como anfitrião da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC2), considera que o nosso país “fez um trabalho maravilhoso, ao acolher a UNOC2”. E explicitou: “Foi como um farol acendendo a luz, mostrando-nos o caminho a seguir. Deu uma grande energia e autoridade aos líderes franceses, agora que eles planeiam como a receber. E nós estamos muito confiantes em que a UNOC3, em junho, marcará a declaração política mais significativa e um passo à frente, no cuidado, na gestão e na proteção do oceano.”
Em termos do que está a ser feito na Europa, para restaurar os nossos oceanos e águas, reporta-se ao relatório do “Starfish” e ao Pacto Europeu para os Oceanos.
O relatório da explosão Starfish, teste nuclear realizado pelos EUA, em 1962, publicado em 2006, descreve as medições da cavidade diamagnética e o fluxo beta injetado no cinturão de radiação artificial. Em 2020, foi publicado um relatório da Comissão Europeia, sobre a Missão Starfish 2030, com o objetivo de restaurar os oceanos e as águas, até 2030. E há um relatório da European Regions Research and Innovation Network (ERRIN) sobre o diálogo com o Secretariado da Missão da Comissão Europeia sobre a Missão Starfish, publicado em junho de 2021. 
No dizer de Peter Hefferman, quando o relatório do Starfish foi publicado, era um projeto ambicioso, “muito voltado para o futuro, e tinha escala e impulso”, mas “é a hora, à medida que nos aproximamos do Pacto Europeu para os Oceanos e dos anúncios a fazer pela presidente [da Comissão Europeia,] Ursula von der Leyen, em Nice, de reencontrar aquela visão visionária, ambiciosa, holística e uma abordagem integrada de todos os governos para o oceano”. Já começámos, mas “temos um longo caminho a percorrer para terminar”, vinca o cientista.
Há um objetivo a cumprir, que postula o aumento a ambição política, “o foco e as abordagens de toda a governação em todos os países” da UE. E, porque “temos de ser os faróis para o Mundo, porque somos os maiores guardiões do território oceânico”, cabe à UE “avançar para este momento de liderança” e a cada um dos estados-membros “fazer parte desse ímpeto, porque todos os países com água doce, água doce e oceano são um só, estão todos ligados”. Ainda que estejamos “a mil milhas do oceano, o oceano é parte da nossa vida”. Por isso, todos “precisamos de dar um passo em frente”.
Há “enormes novas oportunidades associadas à economia do oceano”, de acordo com o especialista em Ciência Marinha, para quem não há mudança na relação com o oceano, “sem mudar o paradigma da nossa economia”, passando “de bases destrutivas da indústria extrativa para outras que tenham respeito, sejam circulares e renovem os potenciais de armazenamento de carbono do oceano”, pois a energia oceânica é um “fator de mudança”, uma “alavanca” para a “segurança energética”, para a “neutralidade de carbono” e para a “capacidade” de suprir todas as “necessidades energéticas” e de exportar “energia limpa e neutra, em termos de carbono”. Enfim, segundo Peter Hefferman, “estes são os tipos de novas indústrias inovadoras que são essenciais para um novo modelo económico diferente”, visto que “precisamos de bioeconomias que se baseiem em técnicas não destrutivas de biotecnologia para a produção de alimentos, para muitas indústrias diferentes, a partir de materiais baseados na origem no oceano”.
Face ao aumento do nível do mar, a fenómenos climáticos extremos e à subida das temperaturas dos oceanos, que também causam eventos meteorológicos extremos, o cientista sustenta que, a menos que sejamos sérios, sobre a redução do nosso impacto carbónico, “arriscamo-nos a viver em condições cada vez piores”. E, advertindo que “a ciência não mente” e que “é precisa”, frisa que “sabemos o suficiente para saber como mudá-la, o que reverter e o que garantir para o nosso futuro”. Por isso, é “hora de começar” de “ter a liderança política, a liderança do setor privado e o compromisso dos cidadãos para fazerem isso, juntos”.
Em relação à conferência organizada pela FLAD e afirmando que participou, recorda que esteve “envolvido no estabelecimento da Declaração de Galway, a aliança para a investigação do Oceano Atlântico, em 2013, entre a UE, o Canadá e os EUA, a qual teve grande incremento, em 2017, através da Declaração de Belém, para se estender à África do Sul e ao Brasil, e que, agora, é polo a polo, no Atlântico. Sustenta que, “em momentos como este, precisamos de diplomacia como nunca” e que, agora, “precisamos dessa compreensão transatlântica em parceria”. E considera que “a FLAD tem uma grande História de união de parcerias” entre os EUA e a Europa e Portugal, em particular. Todavia, a Irlanda, diz o cientista, com a maior diáspora da Europa nos EUA, entende e fala o Inglês norte-americano tão bem como usa o linguajar de Bruxelas.
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Sobre a forma como vê a ordem executiva do presidente dos EUA para a mineração no mar profundo, mostra-se convicto de que “os bens comuns do mar profundo pertencem à Humanidade”, sendo “um presente geracional para todas as gerações futuras”, pelo que “precisamos de respeitar a ciência, em torno de qualquer intrusão nos fundos comuns do planeta”, e “precisamos de desenvolver a ciência que guardaria e salvaguardaria quaisquer indústrias extrativas ou qualquer uso dos bens comuns”. Assim, opina que “devemos ter uma abordagem conservadora para qualquer extração ou qualquer mineração em alto mar”. Ou seja, não se deve fazer, “até que saibamos o suficiente da ciência e do seu impacto potencial”, pois tal impacto não seria circunscrito a um local. “O oceano é um só e isso afeta todos neste planeta”, sublinha.
Ainda a respeito desta matéria, recorda que, entre a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, há “meios para governar esta questão” e que “devem ser respeitados”.
Em termos das preocupações ambientais em relação à mineração no mar profundo, diz que a mineração “perturba o fundo do oceano que armazena carbono”. Ora, libertando carbono para a atmosfera, “do qual a Natureza encontrou uma maneira de nos proteger”, na ótica do cientista, introduzimos “plumas de sedimentos” e perturbamos “ecossistemas intocados, sobre os quais não sabemos o suficiente, em primeira instância”. E, porque “a biota, os micróbios, nesses fundos marinhos, desempenham uma escala desconhecida de uma função em fazer todo o sistema funcionar”, há que entender isso, “antes de permitir qualquer indústria extrativa ou prejudicial de qualquer tipo, nessas áreas”, estabelece o especialista irlandês.
Interpelado sobre como vai a ordem executiva de Donald Trump abalar o jogo de tabuleiro geopolítico, até porque os EUA abandonaram o Acordo de Paris, o cientista é cuidadoso. Diz ter “trabalhado, vivido e tido uma oportunidade única, na vida, nos anos 1980, para trabalhar como cientista, nos EUA”, o que o leva a ter “enorme respeito pela escala da ciência e pelas contribuições científicas” desse país, pois contribui “com 57% de toda a capacidade de observação oceânica do planeta”. Porém, como foi desligada a partilha dessa informação, “por uma ordem executiva” (era impensável, há alguns meses), temos de lidar, na perspetiva do cientista, com essa realidade. E, no dizer do próprio Peter Hefferman, isso confere à Europa, “o maior estado oceânico do planeta”, a oportunidade “de dar um passo à frente, [de] viver pelos nossos valores, [de] fornecer liderança, [de] resgatar esses dados, em nome de toda a Humanidade, porque eles servem a todos nós”.
E, porque isso também significará, para a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, avançar com a regulamentação da mineração no mar profundo”, o entrevistado, considerando que a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos “representa e age em nome e é composta pelos estados-membros que fazem parte da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar”, tem “a capacidade de desenvolver protocolos e meios de governança conscientes”. Por isso, ele pede à Autoridade dos Fundos Marinhos que dê “o passo em frente” e que forneça aos estados-membros a informação necessária, a fim de contribuírem para a prestação de garantias à proteção dos bens comuns do oceano.
Por fim, questionado sobre se países, como a China, podem tentar-se a fazer o mesmo que os EUA, diz acreditar que todos os países têm a capacidade e o potencial para cuidar das suas gerações futuras, para fazer o certo por elas, o que implica “fazer o certo pelo oceano, em todas as suas facetas”. E acredita “na Humanidade”, que pode encontrar formas de fazer o certo, no tempo certo.
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Em suma, a preservação e a exploração equilibrada precisam de uma agenda ativa e cautelosa, para que o oceano dê futuro às diversas gerações. E isso é responsabilidade de todos: países (mesmo os não diretamente oceânicos), organizações governamentais e não-governamentais, empresas, cientistas e cidadãos.

2025.05.29 – Louro de Carvalho