A 31 de maio, na missa da festa da Visitação da Bem-Aventurada Virgem Maria, na Basílica de São Pedro, o Papa Leão XIV presidiu à ordenação de onze novos sacerdotes, para a diocese de Roma, e exortou-os, na homilia, a reconstruirem “a credibilidade” da Igreja e a não ambicionarem o poder. “Juntos, reconstruiremos a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma Humanidade ferida, no seio de uma criação ferida. Não é importante ser perfeito, mas é necessário ser credível”, disse o Sumo pontífice aos recém-ordenados, na Basílica Vaticana.
Leão XIV retomou a cerimónia que, nos últimos três anos do pontificado de Francisco, tinha sido presidida pelo cardeal vigário de Roma, dadas as limitações de mobilidade física do Pontífice, e pediu aos neossacerdotes que se colocassem ao serviço do “mundo real” e “não procurassem outros poderes”.
Leão XIV defendeu o dever de se estar ligado a “pessoas
de carne e osso”, “sem se isolar” e sem viver a missão como “uma espécie de
privilégio”, e advertiu que “a autorreferencialidade apaga o fogo” da missão
sacerdotal, como tinha dito Francisco.
A cerimónia de consagração de 11 novos sacerdotes,
sete formados no Pontifício Seminário Maior e quatro no Colégio Redemptoris
Mater’, desenrolou-se com o simbolismo próprio e habitual.
A cerimónia da ordenação começou com os ordinandos revestidos,
inteiramente, das vestes brancas e chamados pelo nome: “Eis-me aqui”,
responderam todos.
Depois, o Cardeal Vigário de Roma, Baldassare Reina,
apresentou-se ante o Pontífice para proclamar que “a Santa Mãe Igreja pede que
estes nossos irmãos sejam ordenados sacerdotes”. E o rito prosseguiu, como habitualmente,
com a promessa de obediência, a que se seguiram as invocações dos Santos, com
os candidatos prostrados no chão, a imposição das mãos pelo Sumo Pontífice,
bispo de Roma, e pelos demais bispos participantes, a oração consecratória, a imposição
da estola presbiteral e da casula, a entrega da patena e do cálice e o ósculo
da paz.
***
O texto da
homilia papal, de que se recolhem, aqui, as linhas fundamentais, começou por
apontar a grande alegria por esta celebração, para a Igreja e para cada um dos
ordinandos, “juntamente com os familiares, amigos e companheiros de jornada,
durante os anos de formação”.
Considerando
que o Rito de Ordenação realça que “a relação entre o que celebramos hoje e o
povo de Deus é fundamental, sublinhou “a profundidade, a amplitude e mesmo a
duração da alegria divina”, agora, compartilhadas, que “são diretamente
proporcionais aos laços que existem e crescerão” entre os que se ordenam e o
povo de que provêm, do que continuam a ser parte e para o qual são enviados – “tendo
sempre presente que a identidade do sacerdote depende da união com Cristo, sumo
e eterno sacerdote”.
Referiu que
o Concílio Vaticano II tornou mais vívida a consciência de que “somos o povo de
Deus”, quase antecipando um tempo em que a pertença se tornaria mais fraca e o
sentido de Deus mais rarefeito. Os ordinandos “são um testemunho de que Deus nunca
se cansa de reunir os seus filhos, mesmo que sejam diferentes, e de os formar numa
unidade dinâmica”, não por “uma ação impetuosa”, mas pela “brisa leve que deu
esperança ao profeta Elias, na hora do desânimo”. Com efeito, no dizer do Papa
Leão, “a alegria de Deus não é barulhenta”, mas altera a História e aproxima-nos
uns dos outros.
Em seguida,
fez a devida referência ao “mistério da Visitação, que a Igreja contempla no
último dia de maio”, e que “é um ícone disso”, pois, “do encontro da Virgem
Maria com a sua prima Isabel surge o Magnificat, o canto de um povo
visitado pela graça”.
As Leituras
que enformam a Liturgia da Palavra ajudam “a interpretar o que também está a
acontecer entre nós”. Desde logo, “no Evangelho, Jesus não nos aparece esmagado
pela morte iminente, nem pela desilusão por laços rompidos ou inacabados”. E o
Espírito Santo intensifica os vínculos ameaçados (Deus-homem, homens-homens),
que se tornam, na oração, “mais fortes do que a morte”. Ora, Jesus, em vez de
pensar no seu destino pessoal, “coloca nas mãos do Pai os laços que construiu
aqui na Terra”. Como sustenta o Pontifice, “nós somos parte disso”, pois o
Evangelho “chegou até nós, por meio de laços que o Mundo pode desgastar, mas
não destruir”.
Pediu o
Santo Padre aos ordinandos que “pensem no caminho de Jesus”, porque “ser de
Deus – servos de Deus, povo de Deus – liga-nos à terra: não a um mundo ideal,
mas ao mundo real”. E tal como Jesus, “aqueles que o Pai coloca em seu caminho
são pessoas de carne e osso”. Por isso, os presbíteros devem consagrar-se a
eles, sem se separarem deles, sem se isolarem, sem fazerem do dom recebido “uma
espécie de privilégio”. Na verdade, a Papa Francisco já nos alertou, muitas
vezes, contra isso, “porque a autorreferencialidade apaga o fogo do espírito
missionário”.
Sustentando
que “a Igreja é constitutivamente extrovertida, assim como a vida, paixão,
morte e ressurreição de Jesus”, o Papa deseja que os sacerdotes façam suas as
palavras Jesus, em cada Eucaristia: ela é para o sacerdote e para todos. De
facto, “ninguém jamais viu Deus”, mas, como diz o Papa Leão, “Ele virou-se para
nós e saiu de Si mesmo, o Filho tornou-se sua exegese, sua História viva, e Ele
deu-nos poder para nos tornarmos filhos de Deus”. Por isso, o dinamismo de Deus
não quer que “busquemos nenhum outro poder”.
Roga o Santo
Padre “que o gesto da imposição das mãos, com que Jesus acolheu as crianças e
curou os doentes”, renove, nos sacerdotes, “a força libertadora do seu
ministério messiânico”. Com efeito, nos Atos
dos Apóstolos, aquele gesto “é a transmissão do Espírito criador”, de modo
que “o Reino de Deus põe, agora, em comunhão as vossas liberdades pessoais,
dispostas a sair de si mesmas, enxertando a vossa inteligência e as vossas
forças juvenis na missão jubilar que Jesus transmitiu à sua Igreja”. Uma genuína
pérola da espiritualidade sacerdotal!
Na saudação
aos anciãos da comunidade de Éfeso, “Paulo transmite-lhes o segredo de cada
missão”, pois o Espírito Santo os “constituiu guardas”; “não mestres, mas
guardiões”. Por isso, é preciso atentar no âmago da missão, que “é de Jesus”,
porque “Ele ressuscitou”, está entre nós, “está vivo e nos precede”, pelo que “nenhum
de nós foi chamado para O substituir. Assim, o dia da Ascensão do Senhor “ensina-nos
sobre a sua presença invisível”: “Ele confia em nós, abre espaço para nós”,
pois chegou a dizer: “É melhor, para vós, que eu vá”. Analogamente, segundo o
Papa, os bispos, ao envolverem os ordinandos na missão de hoje, dão-lhes espaço;
e os presbíteros dão “espaço aos fiéis e a toda criatura, de quem o
Ressuscitado está próximo e em quem Ele gosta de nos visitar e surpreender”. Com
efeito, “o povo de Deus é mais numeroso do que vemos” e não podemos definir-lhe
limites.
Do comovente
discurso de despedida De São Paulo o Santo Padre sublinhou uma segunda palavra,
que “precede todas as outras” e que deve estar gravada “em nossos corações e
mentes”: Ele pôde dizer: “Vós sabeis como me comportei convosco, durante todo
este tempo”. Quer dizer: é preciso dar exemplo e apresentar a “transparência da
vida”. Importa, assim, que as vidas sejam “conhecidas”, “legíveis” e “credíveis”,
porque “estamos dentro do povo de Deus, para podermos estar diante deles, com
um testemunho credível”.
E, logo a
seguir, vem sentença apelativa: “Juntos, então, reconstruiremos a credibilidade
de uma Igreja ferida, enviada a uma Humanidade ferida, dentro de uma criação
ferida. Ainda não somos perfeitos, mas precisamos de ser confiáveis.”
Segue-se
mais um olhar para Jesus. Jesus Ressuscitado mostra-nos as suas chagas, que, embora
sejam sinal de rejeição da Humanidade, por elas, “Ele nos perdoa e nos envia”. Mais:
“Ele também sopra sobre nós, hoje, e torna-nos ministros da esperança”, “para
que não olhemos mais para ninguém como se olha apenas o homem”, uma vez que
tudo o que, aos nossos olhos, parece quebrado e perdido, agora nos aparece como
sinal de reconciliação”.
“O amor de Cristo
de facto constrange-nos.” É uma posse que liberta e nos permite não possuir
ninguém, para libertar, não para possuir”, diz o Papa Robert Francis, vincando:
“Pertencemos a Deus: não há maior riqueza para apreciar e compartilhar. É a
única riqueza que, quando compartilhada, se multiplica. Juntos, queremos levar
ao Mundo que Deus amou tanto que lhe deu o seu Filho Unigénito.”
Por fim, a mensagem
para os fiéis: “A vida destes irmãos que, em breve, serão ordenados sacerdotes,
é cheia de significado. Agradecemos a eles e agradecemos a Deus que os chamou
para servir um povo inteiramente sacerdotal. Juntos, de facto, unimos o céu e a
terra. Em Maria, Mãe da Igreja, resplandece este sacerdócio comum que exalta os
humildes, une as gerações e nos faz chamar-nos bem-aventurados. Que Ela, Nossa
Senhora da Confiança e Mãe da Esperança, interceda por nós.”
***
No mesmo
dia, no final da recitação do Rosário do encerramento do Mês de Maria, na Gruta
de Lourdes, nos Jardins do Vaticano, o Papa Leão proferiu a seguinte alocução:
“Com
alegria, uno-me a vós nesta Vigília de Oração, no final do mês de maio. É um
gesto de fé com o qual nos reunimos, de forma simples e devota, sob o manto
materno de Maria. Este ano, então, recorda alguns aspetos importantes do
Jubileu que estamos celebrando: o louvor, o caminho, a esperança e, sobretudo,
a fé meditada e manifestada, juntos.
“Rezastes,
juntos, o Santo Rosário: uma oração, como sublinhou São João Paulo II, de
fisionomia mariana e de coração cristológico, que ‘concentra em si a
profundidade de toda a mensagem evangélica’. E, de facto, meditando os Mistérios Gozosos durante o caminho
percorrido, vós entrastes e parastes, como em peregrinação, em muitos lugares
da vida de Jesus: na casa de Nazaré, contemplando a Anunciação, na de Zacarias,
contemplando a Visitação – que celebramos hoje –, na gruta de Belém,
contemplando o Natal, no Templo de Jerusalém, contemplando a apresentação e,
depois, o encontro de Jesus. Acompanharam-vos, na Ave-Maria, repetida com fé,
as palavras do Anjo à Mãe de Deus: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo!”
e as de Isabel, que a acolheu com alegria: ‘Bendita és tu entre as mulheres e
bendito é o fruto do teu ventre!’
“Os vossos
passos, portanto, foram marcados pela Palavra de Deus, que marcou, com o seu
ritmo, os vossos passos, as vossas paragens e as vossas partidas, tal como
aconteceu ao povo de Israel, no deserto, a caminho rumo à Terra Prometida.
“Vejamos,
então, a nossa existência como um caminho no seguimento de Jesus, a ser
percorrido, como fizemos, nesta noite, juntamente com Maria. E peçamos ao
Senhor que saibamos louvá-Lo, todos os dias, ‘com a vida e com a língua, com o
coração e com os lábios, com a voz e com a conduta’, evitando notas
dissonantes: a língua em sintonia com a vida e os lábios com a consciência.
“Saúdo os
cardeais presentes, os bispos, os sacerdotes, as pessoas consagradas e todos os
fiéis. Gostaria de expressar, em particular, afeto e gratidão às Irmãs
Beneditinas do Mosteiro Mater Ecclesiae, que, com a sua oração
oculta e constante, apoiam a nossa comunidade e o nosso trabalho.
“Que a
alegria deste momento permaneça e cresça em nós, “na nossa vida pessoal e
familiar, em todos os ambientes, especialmente, na vida desta família que, aqui,
no Vaticano, serve a Igreja universal.
“Que o
Senhor nos abençoe e nos acompanhe sempre e que Maria interceda por nós.
Obrigado!”
***
O estilo não
é o do Papa Francisco, mas há lanços bergoglianos marcantes, embora enquadrados
numa profundidade diferente, na mesma perspetiva.
2025.05.31 – Louro de Carvalho