quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Governo e oposição incendiaram debate da crise dos incêndios

 

 

No debate parlamentar extraordinário sobre os incêndios, a pedido do partido Chega e do Partido Comunista Português (PCP), o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro, porfiou que o governo esteve “sempre ao leme” da gestão dos incêndios, tendo atuado, “antes, durante e após” cada ocorrência, mas não travou acusações de “incompetência”, pois de toda a oposição ouviram-se críticas de “incompetência”, de “insensibilidade” e “incapacidade de resposta”.
Logo na sua intervenção de abertura do debate, o chefe do governo reiterou a tentativa de reverter a perceção de que esteve ausente da frente de combate, afirmando que ele e a ministra da Administração Interna estiveram “sempre ao leme, a coordenar as ações políticas da nossa responsabilidade, antes, durante e depois de cada ocorrência”
Isolado na defesa do executivo – só recebeu com os elogios do Partido Social Democrata (PSD) e do partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP), o PM tentou provar o bom trabalho do governo, dando exemplos, como o reforço de verbas do programa de sapadores florestais, o alargamento do prazo para a limpeza dos terrenos e o reforço de meios aéreos, profissionais e de veículos, face ao período homólogo. “Podemos avaliar a eficácia, mas não sem antes dizer que é falsa a ideia de que não houve prevenção aos incêndios”, atirou. 
Todavia, reconheceu que a “força do inimigo foi enorme” e não foi possível evitar estes grandes incêndios. Assim, admitiu ser “muito útil” que se perceba “o que aconteceu e como, num sinal de apoio à comissão técnica independente proposta pelo Partido Socialista e que o PSD já dissera ser favorável, mas assegurou que a sua equipa está a trabalhar para que fogos com esta gravidade não voltem a assolar o solo português, nos meses de setembro e de outubro, embora sem dar pormenores sobre esse trabalho de prevenção. 

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A oposição foi pródiga nas críticas à atuação do governo, tendo as intervenções mais avultadas gravitado em torno do partido Chega, por autoria de André Ventura e por ataques a este, bem como aos vídeos publicados nas redes sociais, com a sua presença em fogos já extintos.
André Ventura questionou Luís Montenegro sobre “como é que pode dizer que tudo funcionou” quando vem ao Parlamento “como o primeiro-ministro com a maior área ardida da Europa” e quando os meios são substancialmente inferiores do que em outros países mais pequenos, como a Grécia. “Não vale a pena ir para o Pontal falar de Fórmula 1 e anunciar grandes coisas, porque tudo o que faz é inútil, quando perdemos o mais importante, que é o território!”, bradou, desafiando o PM a “assumir que falhou, que a ministra falhou e que nos vai dar uma garantia de que nada desta incompetência vai acontecer no próximo ano”.
José Luís Carneiro, depois de haver hesitado a dar o sinal para a sua intervenção a José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República (AR), admoestou o PM, porque, embora tenha direito a férias, “para a população portuguesa, foi incompreensível” não ter adiado a Festa do Pontal, a rentrée do PSD, no Algarve, tendo já começado os incêndios florestais.
O líder do PS lembrou as viagens que fez, em momentos de crise, enquanto ministro da Administração Interna, que estivera a prestar contas à AR, nessa qualidade, e que, por isso compreendia, mas não deixou de assinalar a ausência do ministro da Agricultura no debate.
Vincando que, pelo PS, “este debate não teria ocorrido”, porque ainda não é o momento de fazer esta avaliação, frisou que o PM quis que o debate se realizasse neste dia. Foi com esta ideia em mente que o líder socialista falou em “insensibilidade” do chefe do governo, pelo Pontal, pela forma como geriu a prevenção e por ter decapitado “várias estruturas intermédias [na Proteção Civil], por razões partidárias”. E falou de “menos de quatro mil ações de fiscalização” preventivas de limpeza, para acusar o primeiro-ministro de falta de sensibilidade.
O secretário-geral do PS assinalou também a “falta de humildade” do PM, por não ter ouvido a “proposta” que lhe fizera, a 1 de agosto, para “ativar o Mecanismo Europeu de Proteção Civil”.
Depois, veio a acusação de “incompetência”, por a responsável desta pasta não ter estado “sempre com a Proteção Civil e a Guarda Nacional Republicana”.
“Finalmente, no combate foi patente que recuou nos reacendimentos”, destacou José Luís Carneiro, lembrando que o “ICNF [Instituto de Conservação da Natureza] diz que estão nos 9%”, quando tinham sido 4%.
“Ausente, incapaz e frágil na resposta”, disse o líder socialista sobre o governo, vincando que ele próprio esteve “presente nos momentos mais difíceis e críticos da comunidade portuguesa na Venezuela”, nas “Caraíbas, no furacão Irma”, tal como o Estado estava “presente junto dos portugueses nas horas mais difíceis”. “Queira assumir connosco este pacto, senhor Primeiro-ministro, para garantir que a operação dos meios aéreos será garantida pela Força Aérea”, desafiou José Luís Carneiro a Luís Montenegro, quase no final da sua intervenção.
Enfim, o líder do PS tentou mostrar que a época de incêndios deste ano “revelou insensibilidade, incapacidade e impreparação do governo para responder aos incêndios”.
Já depois de o microfone estar desligado, que acontece, de forma programada, com todos os intervenientes, José Luís Carneiro continuou a falar, sem sucesso, apesar dos pedidos reiterados do presidente da AR para que terminasse a sua intervenção.
Essa insistência do secretário-geral do PS motivou críticas do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, e do líder do Chega, André Ventura, que acusou o deputado de “querer mandar” na AR, ao não respeitar a distribuição do tempo do debate.
André Ventura acusou o governo de “incompetência”. “Felizmente não se esqueceu dos bombeiros”, ironizou, ao falar sobre a intervenção do PM, antes de atacar o governo por Portugal não ter no terreno nenhum avião Canadair, enquanto a Grécia, com menor população, tem 17.
“Não vale a pena ir ao Pontal falar de Fórmula 1, quando perdemos o mais útil, que é a vida das pessoas”, criticou André Ventura, para ironizar que “não há evidências de que o Estado falhou”, aludindo a declarações do líder parlamentar do PSD, mas acabando por afirmar que a ministra da Administração Interna “falhou”.
A resposta às críticas dos líderes do Chega e do PS não tardou e Hugo Soares, depois de fazer a defesa do governo, por ter preparado “o maior dispositivo de sempre de combate aos incêndios”, lançou farpas a ambos os partidos e à conduta dos respetivos dirigentes, durante os fogos. Ao líder do PS ripostou, ironicamente, que o ex-ministro dissertou sobre “os sítios onde esteve depois de as calamidades acontecerem”, mas “esqueceu-se de dizer que, enquanto o país ardia, estava na festa da sardinha, em Portimão, e a falar da qualidade da sardinha algarvia! […] Eu não o censuro. Gabo-lhe até o bom gosto. O que censuro é quando se junta à demagogia da extrema-direita.”
E ao presidente do Chega, recordou que, em 2017, enquanto André Ventura discutia futebol, deputados do PSD, incluindo o próprio Hugo Soares, “visitaram as áreas ardidas” e combateram os fogos “com as próprias mãos”. “Nem eu, nem os deputados que estavam atrás de mim fizemos a sua figura triste!”, censurou Hugo Soares, referindo-se aos vídeos do líder do Chega.
O coportavoz do Livre, Rui Tavares apresentou ao hemiciclo a ideia de que “amamos todos o nosso país e o nosso território” e que “a metáfora da guerra leva o primeiro-ministro a falar de inimigo”, que é, no caso, o fogo, motivo pelo qual “devemos garantir que este não é um debate ciclo”, até porque, depois, “vamos discutir seca e, a seguir, inundações”. “Foi preciso chegar à situação em que estamos, para que diga que quer um plano a 25 anos. Vamos perceber essa vontade de diálogo, percebendo onde ela para”, desafiou, deixando várias perguntas ao governo: “Quer discutir, a sério, a profissionalização dos bombeiros? Mais meios e mais urgência para o cadastro florestal? Vamos, finalmente, à resposta do Estado?”
E mencionou a necessidade de um maior investimento na regionalização.
Em suma, Rui Tavares quer saber se, da parte do governo, “o apelo ao diálogo é sincero”.
Mariana Leitão, líder da Iniciativa Liberal (IL), acusou o governo de ter falhado com três “negligências”, aduzindo: o “nada fazer, que não introduz reformas na proteção civil e no governo da floresta”; o “apenas reagir, dizendo apostar tudo no combate a fogos cada vez mais difíceis, sem fazer o trabalho de prevenção; e o “calculismo político, que quando já era tarde, adiou o recurso aos meios de combate de que mais precisamos, para não assumir que o país vivia uma situação de calamidade”.” E, com a ideia de que a “legislação da floresta está um caos” e “precisa de ser simplificada e consolidada”, deixou uma mensagem ao PM: “Se ainda está à espera de outro relatório [numa alusão a medidas da IL, que não foram aprovadas] para dizer isso, então o problema não é da floresta, é da sua falta de decisão.” E, sobre o plano a 25 de anos para a floresta, disse que “Portugal não precisa de mais planos, para encher gavetas”, mas “de ação”.
O deputado do CDS João Almeida defendeu que “os políticos têm de ter respostas”, estendendo a ideia ao facto de o PM, junto com todo o governo, independentemente de “ter estado ou não” noutros eventos, ter marcado presença assídua: “houve conselhos de ministros” e “medidas para o que estava a acontecer”. “Algum primeiro-ministro do PS veio a este parlamento debater a questão dos incêndios”, perguntou de forma retórica, para defender que Luís Montenegro está na AR a responder, “porque quis estar”. “Não há nenhum direito potestativo”, disse a Ventura, acusando a bancada do Chega de ter feito apenas “o que outros grupos parlamentares fizeram no passado”. E, assegurando que “é mentira o que está a ser dito da área ardida”, disse que “as ocorrências aumentaram 60%”, enquanto “os despachos de meios aumentaram acima de 100%”.
Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) afirmou que, “em 45 medidas [anunciadas pelo governo], [há] zero para os bombeiros”. E referiu “um raminho” utilizado por André Ventura num vídeo do Chega, para “apagar um incêndio”, destacando a “seriedade com que cada um enfrenta os incêndios”.
A líder bloquista disse que “o governo não preparou a época dos incêndios” e ironizou que o governo considerou “sensato desviar 120 milhões [de euros] da gestão da floresta”. E, “com bombeiros sem saberem para onde vão", com “floresta ocupada por eucaliptos” e com “meios aéreos avariados”, o “governo acha sensato adiar o Mecanismo Europeu”.
“Não é só o País que está a arder, é a confiança dos Portugueses no Estado”, afirmou Filipe Sousa, deputado único do Juntos pelo Povo (JPP), acusando o governo de ter “relaxado” e chegado tarde demais. E apontou que, desde o governo de Durão Barroso, em 2003, já havia medidas para combater incêndios.
O líder do PCP, Paulo Raimundo, após uma “palavra de solidariedade às vítimas dos incêndios”, disse ao PM que a calamidade dos incêndios foi evidente “para toda a gente”, que, “ao contrário do seu governo, não pôde acordar tarde”. Assinalou que “escassearam meios, que faltou a coordenação, [que há] gente indignada”, e que “viu, em muitos casos, os fogos consumirem os bens”. “Não é possível erradicar os incêndios, mas tem de ser possível minimizar o drama”, considerou, reforçando a ideia de que “o governo tinha tudo planeado”, mas, “no fim, o que houve foi mais incêndios”. Reiterou que “não há solução para a floresta, sem solução para o interior” e referiu o encerramento de serviços públicos e agências “que governo e a União Europeia têm vindo a desmantelar”. E concluiu, desafiando o governo a alocar 3,5% do produto interno bruto (PIB) − em crítica ao valor de investimento em Defesa − para proteger o mundo rural.

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Já depois do debate, o Chega reafirmou a vontade de avançar, de forma potestativa, com uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) aos negócios em torno dos incêndios, desde 2017, acusando o PS e o PSD de terem “alguma coisa a esconder”, apesar de o líder da oposição ter reconhecido as palavras do PM sobre a mão criminosa nos fogos florestais e rurais.
Apesar do tema ser incêndios, a Palestina entrou no debate. André Ventura atacou Mariana Mortágua por esta ir integrar uma missão humanitária, para tentar quebrar o cerco de Israel a Gaza. “Estamos ao lado dos bombeiros, não fugimos para Gaza, quando precisam”, atirou.
A líder do BE frisou que a população de Gaza está a ser “exterminada” por Israel. “Há um povo a ser chacinado e eu tomo partido. “Eu estarei do lado da História de quem combateu o genocídio, você estará do lado de quem preferiu não ver milhares de crianças a morrer e ainda quis usar isso como jogo politico”, porfiou. Em resposta, André Ventura assegurou que, “se tiver de escolher sobre quem vive em Gaza e no nosso país”, escolhe os Portugueses, mas aconselhou a líder do BE a ir a Gaza, “como a mulher livre que é”, para ver que não será bem recebida – numa referência ao Hamas, que “não defende ninguém, nem minorias, nem LGBT, nem mulheres”.
No final, Mariana Mortágua questionou se a CPI, que o BE também propõe, sobre os incêndios será “séria ou oportunismo político”, por parte do Chega.
A intervenção final coube ao chefe do governo que assinalou que este debate exige a “capacidade de podermos olhar para trás, escrutinar aquilo que foi feito e aquilo que não foi feito e olharmos para frente”.
Depois de dissecar o Plano de Intervenção para as Florestas, apresentado a 21 de março, defletiu as críticas que acusam o governo de ter estado “ausente” e de ter acordado tarde para o problema.
Para sustentar tais asserções, apresentou uma cronologia dos eventos conexos com os incêndios, desde 22 de julho. “Fizemos aquilo que nos competia”, frisou, enquanto acrescentava: “Não vestimos casacos da proteção civil, quisemos respeitar a prioridade que demos ao trabalho operacional. […] Demos cumprimento a uma estratégia que visava proteger o património e as pessoas”, concluiu.

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É ainda de trazer à colação que Aguiar-Branco, presidente da AR lembrou que este debate será a “primeira reunião depois dos incêndios das últimas semanas” e deixou uma palavra de “sentidas condolências às famílias das vítimas” e de “reconhecimento aos bombeiros” e a todos os agentes.
Depois, disse ter a “convicção de que, no Parlamento, serão encontradas as soluções, para responder a quem sofre.

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É de aguardar o desenvolvimento dos acontecimentos, proceder a mais debates, esperar pela CPI, proceder a nova legislação e à afinação dos mecanismos de prevenção e de vigilância, de combate e de avaliação, bem como de reordenamento e de gestão da floresta e da agricultura. Enfim, é preciso aprender todas as lições que se devem aprender e o governo deve estar sempre ao leme, mas de forma que não ande quase tudo à deriva.

2025.08.27 – Louro de Carvalho

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