Além do trabalho diário de socorro a doentes urgentes, a grávidas e parturientes, a sinistrados, a feridos por vários motivos, no acompanhamento da vigilância das praias, na intervenção em acidentes rodoviários, ferroviários e aéreos, na desobstrução de estradas e de ruas, aquando das situações de temporal, ou no socorro às populações, em caso de inundações, de tempestades e de ondas de calor, os bombeiros, quais soldados da paz, estão sempre disponíveis. Contudo, algumas pessoas só os veem nas suas exibições em festas e na comemoração de efemérides, sem anotarem a sua prontidão, em caso de incêndios urbanos, industriais, florestais e rurais.
Enfim, a sua missão, que deveria complementar o papel do Estado acaba por o substituir. E juntam empatia e voluntariado espontâneo ao trabalho dos responsáveis pela proteção civil, numa linha do chamado “esforço coletivo”.
Aquando dos incêndios florestais e rurais, em que, para quem está à espera, o socorro parece que nunca vem, eles, convocando-se aos milhares, vão ao todo o lado, aos sítios mais inacessíveis e inóspitos – obviamente, estabelecem, como prioridade, a salvação das pessoas, das habitações e dos animais –, mesmo que os meios aéreos de ajuda sejam escassos ou inexistentes.
Eles trabalham, cansam-se, mal têm tempo e disponibilidade para comer; a bebida adequada falta; queimam-se, inalam fumos, ficam feridos; e muitos morrem, enquanto outros alojam sequelas para toda a vida. Enquanto isso, os decisores políticos perdem-se no furor legislativo, nos diagnósticos, nas malhas da administração lenta e burocrática, nas teias de interesses instalados (a nível industrial e comercial) e na impotência, face à Justiça lenta e ineficaz contra os incendiários (criminosos ou inimputáveis).
Entretanto, Portugal está de negro: as terras ardem; casas ficam em perigo ou destruídas; morrem animais e pessoas; árvores, culturas e vegetação ficam reduzidas a pó e a cinza; as doenças, em virtude dos incêndios, agravam-se ou renascem.
Os decisores alegam que o reforço de meios não se faz, sem o respetivo diagnóstico (diagnósticos e propostas de soluções é o que não falta), nem por palpites de políticos, mas deve estribar-se em bases científicas. Ora, nem sempre as circunstâncias se compadecem com a espera pela ciência.
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Contra a corrente, são de registar algumas
iniciativas de apoio aos bombeiros. Em nota enviada ao Diário de Notícias (DN), a 17 de agosto, o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), João Massano, como refere a jornalista Amanda Lima, revelou que foi criada a “Bolsa de Advogados Voluntários especialmente dedicada à prestação de aconselhamento e a apoio jurídico gratuito aos cidadãos e a empresas gravemente afetados pelos incêndios rurais que têm assolado o país”. “Na hora em que tudo ardeu, não podemos deixar que se apague também o direito das pessoas à Justiça”, destacou, frisando que “a advocacia portuguesa não é apenas uma profissão; é também uma missão de serviço público, sobretudo, quando comunidades inteiras enfrentam perdas inaceitáveis”.
Assim, advogados prestarão apoio jurídico gratuito a pessoas e a empresas afetadas pelos incêndios rurais. Segundo a OA, o apoio jurídico “constitui um instrumento essencial para auxiliar as populações, neste momento de extraordinária vulnerabilidade”, face à “dimensão humana, social e económica desta tragédia”. Nestes termos, “conscientes de que as perdas sofridas transcendem os danos materiais e compreendem também a limitação no acesso a direitos e [a] garantias fundamentais, entendemos que é nossa responsabilidade profissional e social colocar os recursos jurídicos da advocacia portuguesa ao serviço das comunidades mais necessitadas”, salienta o comunicado, frisando que é uma atitude solidária que permitirá “o acompanhamento personalizado de situações diversificadas, oferecendo assistência jurídica abrangente, desde questões relacionadas com seguros e indemnizações até ao auxílio na navegação dos complexos procedimentos administrativos para acesso aos apoios públicos disponíveis”.
Como especifica Amanda Lima, “a iniciativa contempla diferentes tipologias de apoio, incluindo: aconselhamento, sobre direitos e obrigações resultantes dos danos causados pelos incêndios; assistência na tramitação de processos de indemnização; apoio na relação com seguradoras e entidades públicas; orientação jurídica para acesso a medidas de apoio governamentais”.
Além deste apoio, a OA manifesta “disponibilidade total para colaborar com as entidades públicas competentes, na coordenação e implementação desta medida, assegurando uma articulação eficaz garantindo, assim, que nenhum cidadão ou empresa permaneça privado de assistência jurídica qualificada”. E, segundo a OA, a iniciativa “insere-se no quadro mais amplo de medidas de solidariedade que a sociedade civil portuguesa tem desenvolvido para apoiar as populações afetadas, complementando os esforços do governo que, recentemente, anunciou um novo regime estrutural e permanente para apoio aos prejuízos causados pelos grandes incêndios”.
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Como relata Alexandra Tavares-Teles, a 19 de
agosto, no DN online, o humorista
António Raminhos, a 15 de agosto,
impressionado pelas notícias da chegada de chamas a pessoas, a animais e a casas,
disponibilizou-se para, através das redes sociais, colocar a visibilidade
de que goza ao serviço de empresas que ajudem na reconstrução de vidas, após os
incêndios, juntando a sua disponibilidade à demonstrada, pouco antes, pela
atriz Jessica Athayde. “Sinto que
o que estou a fazer é muito pouco, perante o trabalho dos bombeiros e o
sofrimento das pessoas. Olhando aquelas imagens, é o mínimo”, declarou,
considerando “impressionante” a disponibilidade dos Portugueses “para ajudar,
dando o que têm e o que sabem fazer”. O humorista usou as redes sociais para ajudar as populações e os bombeiros. Com Jessica Athayde e com Nuno Markl, inspirou a criação de duas plataformas cívicas de apoio. O retorno é enorme.
Chamam-lhe esforço coletivo, convocado, em grande medida, por apelos nas redes sociais, assumidos por figuras públicas com milhares de fãs.
Os incêndios são particularmente mobilizadores. “Trata-se de uma catástrofe em que o desespero é enorme. O fogo leva tudo, e muito depressa”, verifica António Raminhos.
Ainda no mesmo dia, Nuno Markl respondia à tragédia de Luís, um homem que, aos 80 anos, perdeu quanto tinha no incêndio de Fornos de Algodres, mas 26 mil likes depois, ou seja em poucas horas, o radialista angariava 75583 euros, para o antigo guarda-florestal.
“Obrigado, por alinharem nesta operação. Isto é a verdadeira utilidade desta rede e a razão pela qual, apesar de todo o ódio, de toda a toxicidade que o define, o Instagram ainda vale a pena. Basta retorcê-lo na direção do bem”, escreveu numa publicação que teve mais de 60 mil aprovações, como regista Alexandra Tavares-Teles.
“Este feedback é o melhor que podemos ter”, disse Raminhos ao DN. “Recebemos centenas de mensagens, desde clínicas a disponibilizar psicólogos, ou empresas a oferecer cimento, a uma senhora de idade que ligou para o meu agente a perguntar para onde podia enviar 100 euros”, acrescenta, confessando: “Esta compaixão e empatia partem o coração.”
E, verificando que passam “anos sobre anos” e segue a repetição do mesmo “horror”, “mesmo que mudem os nomes e os partidos à frente do leme”, pois “são todos iguais”, conclui: “Nós não podemos ser iguais. Procurem também nas suas redes locais, vejam o que os bombeiros precisam, basta ligar para a corporação local. Junto das zonas afetadas, procurem saber o que se precisa.”
Nas últimas 48 horas (com referência a 19 de agosto), o gesto de Athayde, de Markl e de Raminhos – cada um com cerca de um milhão de seguidores no Instagram – inspirou a criação de duas plataformas cívicas de apoio aos bombeiros e à população afetada pelos incêndios deste ano: a “Portugal Sem Chamas” e a “SOS incêndios 25”.
A “Portugal Sem Chamas” é uma plataforma digital criada pela Not Agency, em colaboração com influenciadores digitais. O objetivo é ligar pessoas afetadas pelos incêndios, em Portugal, com os que as desejam ajudar e facilitar o apoio às vítimas, reunindo ofertas de apoio e necessidades de forma organizada. No site, constam apenas quatro pedidos de ajuda para muitas disponibilidades manifestadas, cerca de 200. Ricardo Paiágua, o autor do projeto, conta: “As pessoas têm muita vergonha. Posso dizer que, em 48 horas recebemos cerca de 410 pedidos.”
Com a experiência de quem já ergueu plataformas semelhantes – “Cama Solidária”, “Computador Solidário” ou “Acolhe um Ucraniano” –, o informático, de 43 anos, sabe que há um risco. “Não podemos garantir que um ou outro pedido não seja fraudulento”, diz. Porém, quando ouve os homens e as mulheres que solicitam ajuda “envergonhados e com lágrimas na voz”, pedindo o anonimato, ganha uma certeza: “São pessoas a viver uma tragédia.”
Agradece a cada pessoa que doa, partilha, divulga, que não deixa os pedidos cair no esquecimento. “Hoje, todos falam, mas, daqui a uma semana, muitos esquecem. Só que as famílias continuam a sofrer”, adverte. Tem tomado nota. Muitos não tinham seguro para recuperar o que perderam. Há idosos, sozinhos, infoexcluídos, sem força para recomeçar. Homens e mulheres sem resposta para a pergunta dos filhos: “E agora, para onde vamos?”
Com o intuito de reunir numa única plataforma o apoio de empresas, de cidadãos e de influenciadores, o “Portugal Sem Chamas” já conta com duas centenas de voluntários a oferecer ajuda. Alimentos e água, roupa e bens essenciais, apoio financeiro/donativos são os três tipos de ajuda com maior contribuição. O projeto nasceu há cerca de 48 horas e regista uma enorme adesão. Entre os cooperantes, contam-se médicos, advogados, arquitetos, empresários e pessoas de várias áreas. “No mesmo espaço, qualquer pessoa pode partilhar o seu pedido de ajuda, juntar links de crowdfunding, redes sociais ou outras informações que mostrem a sua realidade”, explica o humorista.
Como anota a jornalista, a plataforma, pensada em duas horas, tem cinco pontos: Preciso de Ajuda - pessoas afetadas pelos incêndios podem descrever a sua situação e necessidades; Quero Ajudar - marcas, influenciadores e cidadãos podem registar ofertas de apoio, como bens, alojamento, transporte, doações ou divulgação; Match – facilitação do encontro entre quem precisa e quem pode ajudar; Influenciadores Solidários - lista de figuras públicas que mobilizam as suas comunidades para apoiar as vítimas; e, por último, Estado dos Fogos - informações atualizadas sobre a situação dos incêndios, com dados obtidos dos meios de comunicação.
A “SOS Incêndios 25” representa o esforço de três beirãs. Três amigas, com ligações familiares a Trancoso, revoltadas com a tragédia que conhecem de cor, abatida, verão a verão, sobre familiares e amigos, resolveram agir. Daniela, enfermeira, Beatriz, fotógrafa, e Joana, música, guionista e realizadora, criaram, em poucas horas, esta plataforma. Três dias depois, contam com a colaboração de 17 voluntários.
Em três dias, foram várias as campanhas de recolha promovidas. Com entregas efetuadas nos Bombeiros Voluntários (BV) de Coimbra, nos de Castelo Branco, nos de Pampilhosa da Serra, nos de Góis, nos de Guarda, com parcerias várias garantidas e com a colaboração assegurada de várias personalidades – Nuno Markl, Miguel Raposo, Bia Maria, entre outros. As recolhas em curso decorrem no Palácio Baldaya, em Benfica, na cidade de Lisboa. “É aterrador que não exista um sistema de redistribuição regional, distrital, para suprir as necessidades básicas dos quartéis de BV, isto não pode ser”, dizem.
Joana Barra Vaz, cujo pai, em Trancoso, viu o fogo à porta de casa, lembra o óbvio: “É o cada um por si, e o cada um por si não leva a lado nenhum.” E atira de rajada: “Os bombeiros e as populações estão a fazer frente ao fogo, têm rendições longas e estão exaustos. O espírito deles é espantoso, de louvar. Estão sempre prontos. Agradecem-nos, dizem-nos para dar o que podermos, mas nós é que temos muito a agradecer-lhes.” Conta, recompensada, que Castelo Branco “referiu que nunca tinha recebido uma doação assim e, portanto, está a apoiar o Fundão com as doações”. A articulação com a Guarda está, igualmente, conseguida.
A plataforma prevê: enviar segunda doação de bens Kit essencial e mais comida para Pampilhosa da Serra, onde voluntários, homens e mulheres, cozinham 500 refeições, por dia; repor algum stock, em Castelo Branco e em Coimbra; e ativar parcerias locais, na Guarda, para suprir stock e redistribuição. “Estamos cansados, mas continuamos mobilizados. É o mínimo que podemos fazer, para apoiar os bombeiros e a população que conseguirmos. Esperamos que se ativem mecanismos, quanto antes, sabemos que não sabemos fazer isto. E estamos a dar o nosso melhor”, garantem.
A intenção é não parar. Para depois do rescaldo, a ideia é apoiar as populações afetadas, ajudar na reflorestação, “num esquema comunitário de colaboração e de parcerias”. Centradas nas redes, as três jovens, apoiadas por vários colaboradores, querem espalhar a mensagem, mobilizar e criar um movimento comunitário que faça frente “a isto”. Para que a tragédia não se repita, sem um plano prévio de apoio a bombeiros e população. Há dois dias, depois de falar com os quartéis que enfrentavam o fogo na Pampilhosa, Joana escreveu nas redes: “Não tenho palavras, mas, quando as tiver conto tudo, tudo, tudo. Apoiem os bombeiros e populações da maneira que puderem [...] Agora, vou chorar. Até amanhã.”
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Também a
Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) tem tido papel relevante, como relata Alexandra
Tavares-Teles. Reforçou o apoio às operações de resposta aos incêndios,
mobilizando, nos últimos dois dias, mais quatro unidades de REST SPACE. Estão ativas duas, em Meãs (Pampilhosa da
Serra) e no Fundão, esta com capacidade para 250 operacionais em
permanência, incluindo um Posto Médico Móvel. A 17 e 18 de agosto, foram
ativadas outras duas, em Arganil e em Ponte das Três Entradas, em Oliveira do
Hospital, entretanto desmobilizadas. São infraestruturas destinadas aos
operacionais, pensadas na sua recuperação, entre turnos. Um local que funciona
como zona de retaguarda nos teatros de operações, para garantir condições
dignas de descanso, de higiene, de alimentação, de apoio psicossocial e de
recuperação física dos que estão diretamente envolvidos no combate aos
incêndios. Segundo dados da CVP, ao longo dos últimos dias, a organização já integrou 25 teatros de operações, com a mobilização de 423 operacionais, entre os quais socorristas, elementos de logística e oficiais de ligação.
2025.08.19 – Louro de Carvalho
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