domingo, 31 de agosto de 2025

Chega é o parceiro do governo na lei do Trabalho, como na da Imigração

 

Luís Montenegro procurará novo acordo, em termos das leis laborais, com André Ventura, tal como aconteceu com a Lei da Imigração, devendo o tema ser abordado, a 3 de setembro.
A este respeito, não deixa dúvidas a pena de Frederico Bártolo, em artigo intitulado “Lei laboral: Governo elege Chega como parceiro primordial”, publicado no Diário de Notícias online (DN), a 30 de agosto.
Entrando o Orçamento do Estado para 2026 (OE 2026) na ordem de prioridades do Executivo, a partir da primeira semana de setembro, com as eleições autárquicas no horizonte, sabe-se que o primeiro-ministro (PM), Luís Montenegro irá conversar, por si ou por figuras gradas do seu partido, o Partido Social Democrata (PSD), com todos os partidos representados na Assembleia da República (AR), priorizando áreas, como a Saúde, a Defesa e o Trabalho. Para tal conta, com a contribuição de vários quadrantes, tendo à cabeça o Partido Socialista (PS), mas também a Iniciativa Liberal (IL), o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o partido do Chega. Para trás ficam o Livre, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP). É claro que o partido do Centro Democrático Social (CDS), que integra a coligação governativa, estará do lado do governo, nas negociações.
Porém, no âmbito do Trabalho, o executivo entende que a aprovação parlamentar dependerá, fundamentalmente, da aprovação do Chega. Assim, serão feitos esforços de aproximação ao partido de André Ventura para a Lei Laboral.
Tal como na questão da lei da Imigração, o PSD volta a preferir o parceiro mais à direita.
Na última semana inteira de agosto, o PS indicou ao DN, pela voz do deputado Miguel Cabrita, a preocupação com o anteprojeto de lei relativo às alterações laborais, a que o governo chama flexibilização laboral, que não convence os socialistas. O PS, sustentando que as novas propostas são “desequilibradas” e representam um “retrocesso”, questiona a possibilidade de uma “eterna precarização”. Está em causa o alargamento da duração dos contratos a termo certo, de dois para três anos, e a termo incerto, de quatro para cinco anos, constante do anteprojeto de lei aprovado em Conselho de Ministros, ainda sem o parecer da Concertação Social.
Por conseguinte, os socialistas questionam a base das decisões de Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), e pedem que lhes seja dado conhecimento das queixas registadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de outras que tenham chegado ao MTSSS, sobre esta matéria, bem como de estudos sobre o impacto das medidas implementadas em 2018.
Fizeram-no como o fizeram, em tempos, com várias perguntas às quais ainda não tiveram resposta, relativamente a abusos no direito à amamentação, que o governo, agora, quer limitar a dois anos e com entrega de atestado médico. Ora, quanto a alegados abusos, parece que não surgiram casos concretos, da parte do Estado, nem da parte dos empresários.
Outra linha vermelha, para os socialistas, é a facilitação do despedimento por justa causa, até porque as medidas que José Sócrates avançou, em 2009, consideradas institucionais, não eram corroboradas por vários flancos do seu partido, já então. Contudo, nada transpirou para a opinião pública. A maior parte dos socialistas pôde, soube e quis permanecer calada.
Sobre esta matéria, Miguel Cabrita, membro do grupo de trabalho do tema, vincando a “clara ameaça à segurança dos direitos laborais, explicou ao DN: “Durante um processo, há uma fase em que os trabalhadores podem, por um lado, pedir ao patrão provas dos elementos que estão a fundamentar o despedimento e, por outro lado, apresentar testemunhas para, no fundo, contrariarem, a decisão. O que o governo faz é simplificar, muitíssimo, as obrigações relativas a esta fase instrutória. Temos de pensar que o trabalhador está numa situação mais frágil e que não se pode defender.”
O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, no fim de julho, foi claro: “Não podemos aceitar a precariedade como modo de vida para os nossos trabalhadores. Aquilo que foi apresentado por parte do governo, agora vai ter a apreciação dos sindicatos. O Partido Socialista, quando olhou para as propostas que apareceram, nomeadamente, deitar por terra a agenda para o trabalho digno e procurar desvalorizar a contratação coletiva, [avisou que] são linhas vermelhas que o PS não pode aceitar.”
Ora, sabendo que as políticas justificarão o voto negativo na AR, da parte da restante esquerda e que o PS não está disponível para a flexibilização, nestas matérias, o PSD e o CDS chamam o Chega à conversa para um possível, acordo sob a capa da estabilidade governamental.
Cristina Rodrigues, vice-presidente do grupo parlamentar do Chega, em declarações ao DN, em fins de julho, insurgiu-se com “as propostas que afetam os direitos das famílias, como [o luto pela] perda gestacional, a amamentação ou a flexibilidade de horários”. Todavia, com algum ajuste, poderá o seu partido encaminhar-se para um acordo que garantirá a viabilização da proposta do governo.
“O Chega concorda com a necessidade de modernizar o Código do Trabalho e há pontos em que podemos estar de acordo, por exemplo, quanto à redução das horas de formação nas empresas mais pequenas, ou [em] revisitar os serviços mínimos nas greves”, disse a deputada, mas salientando que o seu partido “prepara propostas de alteração.”
A primeira reunião entre o PSD e o Chega está agendada para 3 de setembro, pela manhã. O PS, por questões de agenda, marcou a sua reunião com o PSD para o dia 5, mas os seus temas em debate serão a Defesa, a Saúde e o reconhecimento do Estado da Palestina – o que indicia, claramente, o afastamento entre os partidos do governo e o PS, em matéria laboral.
A IL será recebida na tarde do dia 3. Em declarações ao DN, Mariana Leitão elencou prioridades aquando da polémica em torno da amamentação. Atacou a proposta de “controlo”, pedindo o reforço dos direitos parentais e sustentando a necessidade de se encontrarem “modelos de trabalho ajustados à vida das pessoas e [à] realidade das empresas” e o “reconhecimento do trabalho independente, remoto ou por projeto.
É óbvio que o governo tentará negociar com este partido medidas a aplicar, mas os seus nove deputados não fazem maioria com os do governo. Por isso, a prioridade é, novamente, dada ao Chega, que tem 60 deputados, tendo ascendido, em 2025, ao patamar de segundo maior grupo parlamentar.

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A 29 de agosto, em Faro, o secretário-geral do PS, no final da rota “Pela Coesão e Valorização do Território”, que fez pela Estrada Nacional n.º 2 (EN2), ao longo do país, garantiu que o seu partido se oporá a opções que sejam inscritas no OE 2026 que traduzam as alterações à legislação laboral que o governo pretende aprovar. “Nós estamos totalmente contra opções orçamentais que deem respaldo à legislação laboral que o governo quer aprovar”, vincou.

José Luís Carneiro insistiu em que “a legislação laboral, se tiver respaldo no orçamento, naturalmente, contará com a oposição do Partido Socialista”. “O governo terá intenções de alterar a Lei de Bases da Saúde. Se o orçamento do Estado for um respaldo para alterar premissas fundamentais dos serviços da saúde público, terá também a nossa oposição”, assegurou o secretário-geral do PS.

José Luís Carneiro advertiu ainda que, “se o orçamento do Estado tiver respaldo para alterar a natureza pública da […] proteção social e da segurança social pública, naturalmente terá a oposição do Partido Socialista”. “Há que aguardar, mas, agora, vamos esperar pelo passo do governo, porque, agora, a palavra está ao lado do governo”, considerou.

É de recordar que o anteprojeto de reforma da legislação laboral, aprovado pelo governo e apresentado, a 24 de julho sob a designação “Trabalho XXI”, prevê a revisão de mais de 100 de artigos do Código de Trabalho e, ainda antes da respetiva negociação com os parceiros sociais, já foi contestado pelas centrais sindicais.

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Segundo a revista Sábado, de 20 de agosto, a 3 de julho, o PM e o líder do Chega entenderam-se em diversas matérias, como a descida do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), do segundo ao quinto escalão, e as restrições à Lei de Estrangeiros e à Lei da Nacionalidade. André Ventura “anunciou o entendimento como uma plataforma comum”, mas a convergência tinha começado já antes, passando, doravante, as duas entidades a resolver, no segredo dos bastidores, os contratempos que vão surgindo.

O operacional das negociações, da parte do PSD, é Hugo Soares, secretário-geral e líder do grupo parlamentar, que dialoga, por diversos meios, com André Ventura e também com Pedro Pinto, secretário-geral do Chega e líder do seu grupo parlamentar.

O próximo tema de entendimento é, pelos motivos já explanados, a reforma laboral, com o Chega disponível para negociar uma proposta conjunta, pois é preciso apresentar a proposta do OE 2026 à AR, em tempo útil. A proposta da Lei da Nacionalidade já foi objeto de entendimento.

Além disso, ao retomarem as negociações, em setembro, está em jogo a forma como a AR há de responder às normas que o Tribunal Constitucional (TC) julgou inconstitucionais no decreto sobre as alterações à Lei de Estrangeiros, bem como a afinação das alterações à Lei da Nacionalidade.

É claro, segundo a Sábado, que houve alguns desentendimentos, como a divergência na retirada da nacionalidade, em caso de determinados crimes graves, com o Chega a defender a retirada automática e o governo a preferir que seja decretada por um juiz. Sendo assim, nem uma parte, nem a outra conseguem tudo.

Para transformar o “não é não”, de Luís Montenegro, em “não é sim”, o núcleo duro do PSD, que havia dito, após as eleições de maio, que o “não é não” era para só para integrar o governo, agora, já alega que é normal e aconselhável o diálogo entre o PM e o líder da oposição e que foi o povo quem delegou no Chega “a responsabilidade de ser a segunda força parlamentar”.

Além de, supostamente, o PSD só estar “a respeitar o Estatuto do Direito da Oposição”, a nova configuração parlamentar obrigou o PSD a transformar o ‘não é não’ numa plataforma de diálogo pontual”, mas que se tornará recorrente, se os interesses governativos o exigirem. Por isso, em vez de o povo ter de deixar “o Luís trabalhar”, tem de deixar trabalhar “o Luís e o André.

Diz a Sábado que a escolha do novo ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Abreu Amorim, já visava esta estratégia, face a uma AR com um puzzle de três blocos, tendo o Chega 60 deputados e o PS 58.

Carlos Abreu Amorim encontra-se, em reuniões forais e informais, com Pedro Pinto e com o presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Rui Afonso, “para articular consensos”.

Pelos vistos, Abreu Amorim tem uma relação antiga com Diogo Pacheco Amorim, deputado do Chega e vice-presidente da AR. Segundo a Sábado, ter-se-ão conhecido, enquanto jovens, no Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN), fundado pelo general Kaúlza de Arriaga, em 1975. Depois, caminharam juntos no CDS, com Pacheco Amorim a chefe de gabinete parlamentar, na liderança de Manuel Monteiro, e com Abreu Amorim a desempenhar funções internas na distrital do Porto. Mais tarde, ambos foram cofundadores da Nova Democracia, sob a égide de Manuel Monteiro, que se desfiliou do CDS.

Enfim, a suposta estratégia, segundo alguns elementos do núcleo duro do PSD, é virar-se “para onde der mais jeito”, o que representa uma tática interesseira. Assim, se o tema estivar relacionado com a imigração ou com o trabalho, a conversação será com o Chega; se disser respeito a política europeia, a conversação será com o PS.

A isto convém opor as seguintes objeções: Haverá alguma política, em Portugal, que não tenha a ver com as políticas europeias? Trabalho e Imigração, Impostos, Saúde, Educação e Segurança Social, Economia, Habitação e Transportes, Ambiente e Negócios Estrangeiros podem entender-se fora do âmbito europeu? Só se deve negociar com partidos com os quais se possa desenhar uma maioria absoluta ou uma maioria qualificada.

Por último, é de questionar se é real e plausível a visão que a Sábado atribui a Luís Montenegro de que “o Chega tem mostrado uma responsabilidade crescente”, apena restando saber “se se mantém ou se é Sol de pouca dura”.

Isso de táticas com fins eleitorais e governativos levam os partidos a agarrarem-se ao poder como lapas às rochas, em ambiente marinho e de praia, e podem materializar-se na afirmações como a supostamente feita pelo ministro da Economia e da Coesão Territorial, na Universidade de Verão do PSD, segundo qual o povo votará no governo, se lhe meterem dinheiro nos bolsos.  

Pobre povo, que atura estes arranjinhos partidários! Comem quase tudo e pouco deixam.   

2025.08.31 – Louro de Carvalho

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