A Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu, de 5 a 15 de agosto, em Genebra, representantes de 185 países (há quem diga 184 ou 186), várias organizações não-governamentais (ONG) e cientistas (a ciência foi menorizada), para discutirem a forma de resolver a crise global da poluição por plásticos, através da assinatura de um tratado.
Porém, os negociadores, ao 11.º dia, mantiveram o impasse sobre se o tratado deveria reduzir o crescimento exponencial da produção de plásticos e estabelecer controlos globais e juridicamente vinculativos sobre os produtos químicos tóxicos usados no fabrico de plásticos. Assim, esta ronda de negociações, que devia ser a última das havidas nos últimos três anos, terminou sem uma conclusão satisfatória, tal como aconteceu na reunião da Coreia do Sul, em 2024. E representantes da Noruega, da Austrália, de Tuvalu e de outros países disseram-se profundamente desiludidos por saírem da Cimeira de Genebra sem um tratado.
A este respeito, Jessika Roswall, Comissária Europeia para o Ambiente, Resiliência Hídrica e Economia Circular, afirmou, nas redes sociais: “Viemos a Genebra para garantir um tratado global sobre plásticos, porque sabemos que o que está em jogo não podia ser mais importante.” Porém, admitindo que, “embora o último texto em cima da mesa ainda não satisfaça todas as nossas ambições, é um passo em frente e o perfeito não deve ser inimigo do bom”, garantiu que a União Europeia (UE) continuará a insistir num acordo mais forte e vinculativo.
Luis Vayas Valdivieso, que preside ao Comité de Negociação, apresentou duas propostas de texto para o tratado, com base nas opiniões expressas pelos países durante as conversações, mas a Arábia Saudita afirmou que ambos os projetos carecem de equilíbrio. Para os negociadores sauditas e kuwaitianos, a última proposta tem mais em conta as opiniões de outros países e aborda a produção de plástico, que consideram fora do âmbito do tratado.
A última proposta, divulgada no dia 15, não incluía limite à produção de plástico, mas reconhece que os atuais níveis de produção e consumo são “insustentáveis” e que é necessária uma ação global, tal como adotou uma nova linguagem, nos termos da qual estes níveis excedem as atuais capacidades de gestão de resíduos e que se prevê que aumentem ainda mais, “necessitando, assim, de uma resposta global coordenada, para travar e inverter essas tendências”.
O objetivo foi reformulado para declarar que o acordo se basearia numa abordagem abrangente que abordasse todo o ciclo de vida dos plásticos, pois é preciso reduzir os produtos de plástico que contenham um ou mais produtos químicos que sejam preocupação para a saúde humana ou para o ambiente, bem como reduzir os produtos plásticos de uso único ou de vida curta. Era um texto melhor e mais ambicioso, embora não perfeito. Porém, na ótica de Magnus Heunicke, ministro do Ambiente dinamarquês (a Dinamarca detém a presidência rotativa do Conselho Europeu), cada país chegou a Genebra com muitas “linhas vermelhas”.
Os representantes dos 185 países não concordaram em utilizar nenhum dos dois textos como base para negociar. Luis Valdivieso disse, na manhã do dia 15, quando os delegados voltaram a reunir-se, que não era proposta mais nenhuma ação, nesta fase. E David Azoulay, chefe da delegação do Centro para o Direito Internacional do Ambiente, disse, em comunicado, que as negociações foram um “fracasso abjeto”, pois, em sua opinião, “alguns países não vieram aqui para finalizar um texto”, mas para “bloquear qualquer tentativa de avançar com um tratado viável”, sendo, por isso, impossível encontrar uma base comum entre os interessados na proteção do status quo e a maioria que procura um tratado funcional que se possa reforçar ao longo do tempo.
Para que qualquer proposta possa ser incluída no tratado, as nações têm de estar de acordo. Assim, a Índia, a Arábia Saudita, o Irão, o Kuwait, o Vietname e outros países sustentam que o consenso é vital para um tratado eficaz. Alguns países querem alterar o processo para que as decisões sejam tomadas por votação. E Graham Forbes, chefe da delegação do Greenpeace, incitou os delegados a seguir nessa direção, por não se pode continuar a fazer o mesmo e esperar resultado diferente.
Também David Azoulay defende que, apesar de as negociações continuarem, voltarão a falhar, se não forem identificadas soluções e se o processo não mudar. “Precisamos de um recomeço, não de uma repetição. Os países que querem um tratado têm de sair deste processo e formar um tratado de vontades. E esse processo deve incluir opções de votação que neguem a tirania do consenso a que assistimos aqui”, observou.
Os 11 dias de negociações foram um braço de ferro entre os países que queriam um pouco mais – como os da UE, o Canadá, a Austrália, vários países da América Latina, de África e pequenos Estados insulares – e os ligados à produção de petróleo, que recusavam qualquer restrição à produção de hidrocarbonetos que constituem a base da indústria do plástico e a qualquer proibição de moléculas ou de aditivos perigosos, preferindo que o tratado se centrasse numa “melhor gestão” de detritos e na indústria da reciclagem.
A última versão da proposta de texto tentava um equilíbrio que parecia impossível entre as partes, fixando, no papel, que os níveis de produção e consumo de plástico são “insustentáveis”, mas continuando qualquer proposta de limites. Para a ONG Centro para o Direito Internacional do Ambiente (CIEL), trata-se “de uma técnica bem conhecida” de gestão das cimeiras: introduzir um texto inaceitável e voltar com um texto medíocre a aprovar ou rejeitar, que mostra uma melhoria marginal, mas que fica longe do que precisamos, face à “crise dos plásticos”.
E enquanto representantes de países europeus como Agnès Pannier-Runacher, ministra da Transição Ecológica de França se dizem “zangados”, a representante da Comissão Europeia aceita a estratégia negocial em causa: “Apesar de o último texto em cima da mesa não corresponder, totalmente, a todas as nossas ambições, é um passo em frente”, considerou.
Já a governante francesa referiu que a sua desilusão resulta de “um punhado de países, guiados por interesses financeiros de curto prazo, em vez da saúde das suas populações e da sustentabilidade das suas economias”, terem bloqueado a adoção de um tratado ambicioso contra a poluição por plástico”, ao passo que mais de cem países “fizeram todos os possíveis” por um acordo que atendesse à urgência do momento: reduzir a produção de plástico, proibir os produtos mais perigosos e proteger a saúde das populações.
Para alguns, os projetos apresentados à discussão parecem não agradar, mas as críticas são menos contundentes. Por exemplo, os governos saudita e do Kuwait sustentam que faltava equilíbrio à proposta e queriam a questão da produção de plástico completamente de fora de um tratado.
Segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), produzem-se 450 milhões de toneladas de plástico, por ano, devendo aumentar 40% a 70% até 2040, e triplicar, até 2060 (se não houver políticas ambiciosas de contenção). São reciclados menos de 10%, cerca de 46% acaba em aterros sanitários, 17% é incinerado e 22% é mal administrado, transformando-se em lixo no solo ou nos oceanos.
O último rascunho rejeitado pelos países já não incluía a restrição de fabricação, mas reconhecia que os níveis atuais de produção e consumo são “insustentáveis”. Foi adicionado um trecho a referir que esses níveis excedem as capacidades atuais de gestão de resíduos e tendem a aumentar ainda mais, “tornando necessária uma resposta global coordenada para deter e reverter tais tendências”. E foi também reformulado o objetivo do tratado, para afirmar que o acordo seria baseado numa abordagem abrangente que aborde todo o ciclo de vida dos plásticos. “As nossas opiniões não foram refletidas. Sem um escopo acordado, este processo não pode permanecer no caminho certo e corre o risco de deslizar por uma ladeira perigosa”, disse o negociador do Kuwait.
Por seu turno, a delegação da China, comparando o fim da poluição plástica a uma maratona, disse que o colapso das conversas do dia 15 constitui um revés temporário, servindo como novo ponto de partida para construir consenso. Já o representante de Cuba afirmou: “Perdemos uma oportunidade histórica, mas precisamos de continuar e de agir com urgência. O planeta e as gerações presentes e futuras precisam deste tratado.”
Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUA), entende que, apesar dos desafios, há avanços significativos. “Este processo não vai parar, mas é cedo para dizer quanto tempo levará para que o tratado seja concluído”, declarou.
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Atribui o falhanço das negociações ao “firme bloqueio dos Estados Unidos da América (EUA) e de outras nações produtoras de petróleo”, após três anos de negociações. Aponta que 20 milhões de toneladas de lixo plástico são lançadas no mar, nos rios e em terra, parando no ar, nos nossos pulmões e nos órgãos reprodutivos humanos, bem como nos organismos de todos os outros seres vivos. Mais: “um em cada três peixes contém plástico”. E recorda que a diretora do PNUA garante que “o trabalho para conseguir um tratado dos plásticos não vai parar”, mas alguns analistas dizem não saberem como, porque a ONU enfrenta sérios problema de financiamento.
A articulista destaca a clara divisão em dois campos: o dos produtores de plásticos – as nações que exploram as suas reservas de combustíveis fósseis e alguns países desenvolvidos – e o dos consumidores de plásticos, entre os quais se encontra a UE, a Suíça, o Canadá e a grande maioria dos países do Sul Global, como refere o CIEL.
Clara Barata dá voz à Fundação de Justiça Ambiental, que julga inútil o texto proposto, já que “não abordava as principais causas da poluição por plástico”, nem “tinha medidas nenhumas para reduzir a produção, nada de controlos firmes sobre químicos perigosos e não continha garantias nenhumas de que seria incentivada a reutilização, sistemas de recarga e reparação, livres de substâncias tóxicas”. Ora, “sem medidas de controlo da produção e metas vinculativas, o tratado seria inútil para proteger as pessoas e o planeta”, reforça a Fundação.
O bloqueio, segundo a articulista, manteve-se em torno da limitação e diminuição do crescimento incontrolável da produção de novo plástico e da imposição de limites ao uso de produtos químicos tóxicos na sua produção (por exemplo, tintas), perigosos para a saúde de humanos e de animais e que, muitas vezes, tornam os plásticos impossíveis de reciclar.
Melanie Bergmann, cientista marinha alemã, frisa que “o texto não falava de redução da produção de plástico”, a medida mais eficiente e barata para reduzir esta forma de poluição. Sustenta que “reduzir é importante”, porque a produção de plástico provoca 5,3% das emissões anuais de gases com efeito de estufa (GEE) – “mais do que as emissões do transporte aéreo”. E releva que, de acordo com “as projeções atuais, o contínuo aumento da produção de plástico pode representar 30% das emissões do que nos resta do orçamento de carbono global”.
Tudo isto recolheu Clara Barata, no seu texto, tal como refere que a ministra francesa da Ecologia se mostrou “furiosa”, na sessão de encerramento, “porque, apesar dos esforços genuínos de muitos e dos progressos reais nas discussões, não foram obtidos resultados tangíveis”; que, ludindo aos países produtores de petróleo (98% dos plásticos são produzidos com recurso a combustíveis fósseis), o delegado da Colômbia, Haendel Rodriguez, disse que o consenso tinha sido “bloqueado por um pequeno número de Estados que simplesmente não queriam um acordo”; que o Finantial Times comparou estas táticas com a obstrução feita por potências petrolíferas nas negociações sobre as alterações climáticas; e que o Departamento de Estado dos EUA tinha dito à Reuters que só apoiaria um tratado para reduzir a poluição por plástico que não impusesse restrições onerosas aos produtores, para não prejudicar as empresas norte-americanas.
De acordo com Clara Barata, Christina Dixon, da Agência de Investigação Ambiental (AIA), disse estarmos ante “claro falhanço do multilateralismo, com impactos devastadores, a longo prazo, [no] nosso ambiente, [na] saúde e [nas] futuras gerações”. Delphine Levi Alvares, gestora da campanha contra os produtos petroquímicos da CIEL, acusa o PNUA e o secretariado das negociações de permitirem um processo desastroso, deixando os interesses da indústria envenenar as conversações, “impedindo progressos significativos desejados pela maioria dos países e alegando agir em nome das futuras gerações que estão a condenar”. E Melanie Bergmann sugere que os países mais ambiciosos tentem acordos fora da ONU, como sucedeu com as minas terrestres, depois do Tratado de Otava (a proibir o uso, o armazenamento, a produção e a transferência de minas antipessoal, por iniciativa do Canadá), que foi apoiado por mais de 160 Estados. Contudo, países como os EUA, a Rússia e a China não o assinaram.
Refere a articulista que, no início do século XX, os plásticos passaram a usar-se em grande escala, para substituir materiais naturais. Todavia, hoje, há mais plásticos na Terra do que qualquer outro material, exceto o cimento. Desde a década de 1950, a Humanidade terá produzido 9200 milhões de toneladas de plástico e sete mil milhões tornaram-se lixo. Uma garrafa de água de plástico pode levar 450 anos a desfazer-se em partículas no mar, causando poluição que perdura séculos e se espalha, como poeira, na água, nas plantas, nos animais marinhos e em todos os seres que deles se alimentam por muitas gerações. E, no dizer de Giulia Carlini, advogada do CIEL, os microplásticos e os materiais tóxicos envenenam-nos, causam cancro, infertilidade, e morte, mas as grandes empresas lucram com a produção de plástico; a ciência é inquestionável, apesar de menorizada; e a maioria das pessoas e dos países “exige uma mudança drástica”.
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Estamos, embora em escala
muito maior, como na exploração mineira, com a silicose, como na saturação pulmonar,
com a Revolução Industrial, ou como nas doenças contraídas pelos portageiros ou
pelos tipógrafos. Enfim, o progresso tem os seus caprichos!
2025.08.16 – Louro de Carvalho
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