quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Padre acusado de não dizer nome não-cristão da criança em batismo

 

Conforme noticiou a ACI digital, um casal denunciou à polícia o padre Wagner Augusto, por se ter recusado a pronunciar o nome “Yaminah”, que eles escolheram para a filha.

Antes do Batismo, celebrado a 16 de agosto, na paróquia Santos Anjos, no Leblon, Rio de Janeiro, o padre tinha orientado os pais, dizendo que o nome não era cristão.

Segundo os pais, o padre teria evitado dizer o nome por o considerar ligado a tradições afro-brasileiras. No entanto, o padre Alan Galvão, assessor de imprensa da arquidiocese do Rio de Janeiro, declarou à ACI Digital que “o nome foi dito nos momentos que lhe eram devidos, sem exceção” e que “o Batismo celebrado foi válido, realizado de acordo com as normas litúrgicas da Igreja”.

David Fernandes e Marcelle Turan, pais da criança, relataram ao portal G1 que o padre Wagner conversou com eles, antes da cerimónia e disse que o nome Yaminah estava ligado a um culto religioso. Segundo os pais, o sacerdote sugeriu que se utilizasse, na celebração, o nome Maria Yaminah, mas eles não aceitaram.

“A orientação do padre foi um ato de caridade e de cuidado pastoral, ajudando a família a compreender a importância do nome na vida cristã e evitando possíveis confusões litúrgicas”, explicou o padre Galvão. “Mesmo que o nome tivesse origem ou significado não cristão, isso não impediria o batismo, como de facto não impediu”, explicitou.

O nome Yaminah pode ser confundido com Yamins ou Iamins, termos associados a tradições afro-brasileiras, especialmente, ao Candomblé, e que podem remeter a divindades ou entidades dessas práticas.

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O Candomblé é religião de matriz africana que se desenvolveu no Brasil, combinando crenças e práticas trazidas por escravizados africanos, principalmente, iorubás, com influência da cultura cristã local. Os seus rituais incluem cantos, danças e oferendas para cultuar os Orixás, Voduns e Inquices, que são divindades ligadas à Natureza. A religião busca a manutenção do equilíbrio entre o mundo espiritual e o físico, bem como a harmonia com a Natureza e com a Ancestralidade. 
O Candomblé nasceu da mistura de diversas religiões tradicionais da África Ocidental e Central (como as iorubás, fons e bantas), que foram levadas para o Brasil pelos africanos escravizados nos séculos XVI a XIX. 
Houve um processo de sincretismo com o catolicismo romano, onde as divindades africanas foram, por vezes, associadas a santos católicos. 
Tal religião ganhou um formato específico no Brasil, mantendo a oralidade e a renovação constante, sem perder a sua essência. 
Abrange, como crenças fundamentais: Orixás, Voduns e Inquices, que são divindades que representam diferentes aspetos da Natureza e da vida; Axé, um conceito central que representa uma força espiritual vital, uma energia criativa que pode ser concentrada em objetos e seres, e que é transmitida e compartilhada por meio de rituais, cantos e orações;  e Ancestralidade, que se concretiza num grande respeito e culto aos antepassados, vistos como importantes para a manutenção do equilíbrio da vida e do conhecimento. 
As práticas e os rituais, que visam manter o equilíbrio cósmico, buscando proteção, harmonia e orientação espiritual para a comunidade, desenvolvem-se em três vertentes: o culto, ou “toque”, liderado por um pai ou mãe de santo, envolvendo danças, cantos e oferendas aos Orixás; a possessão, fenómeno que os Orixás podem “incorporar” nos participantes, durante as celebrações; e oferendas, nomeadamente, oferendas de alimentos, em certos rituais, e mesmo sacrifícios de animais, em algumas cerimónias, cujos componentes são preparados para serem servidos aos fiéis ou aos Orixás. 

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O Código de Direito Canônico, no Cânon 855, dispõe que “os pais, padrinhos e pároco cuidem para que não seja imposto nome estranho ao sentido cristão”.

O casal em referência registou o caso na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância como preconceito por raça, cor ou religião.

“Questões jurídicas correm sob sigilo das autoridades competentes e, por isso, a arquidiocese não comenta esse tipo de informação”, disse, mas salientado a confiança no trabalho pastoral dos seus sacerdotes, “sempre comprometidos com a fé e a dignidade de cada pessoa”.

 “O Batismo é o primeiro sacramento da Igreja, porta de entrada na vida cristã, pelo qual nos tornamos filhos de Deus e membros da comunidade eclesial. Não é uma simples convenção social, mas um sacramento da salvação. Desde os tempos apostólicos, a Igreja acolhe cada criança como dom precioso de Deus, conforme o mandato de Cristo: ‘’Ide, fazei discípulos meus entre todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’”, diz o padre Galvão.

O batismo da Yaminah foi celebrado conforme o Ritual Romano do Batismo de Crianças, na tradução oficial para o Brasil, de acordo com a segunda edição típica.

“Nesse rito, o nome da criança é pronunciado em momentos específicos e solenes”, continua. “Logo no início, após a saudação inicial, os pais são interrogados sobre o nome escolhido. Em seguida, no rito do sinal da cruz, o sacerdote traça a cruz na fronte da criança, pronunciando o seu nome, acolhendo-a na comunidade cristã” ou Igreja.

“No momento central, antes da tríplice infusão da água, o celebrante pergunta aos pais e padrinhos: ‘Quereis que Yaminah [neste caso] seja batizada na fé da Igreja que todos juntos acabamos de professar?’ Os pais e padrinhos respondem: ‘Queremos’. Logo em seguida, o sacerdote pronuncia, novamente, o nome da criança e realiza o Batismo dizendo: ‘Yaminah [neste caso], eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’. Nos ritos complementares, como a [imposição] da veste batismal, o nome pode ser, novamente, citado”.

Em nota divulgada no dia 25, a arquidiocese disse que “o ritual foi seguido fielmente, com o nome desejado pela família, sendo devidamente pronunciado e registado no livro paroquial, bem como na lembrança de batismo entregue aos pais”.

Um vídeo que circula na Internet mostra uma parte da cerimónia na qual o padre se refere a Yaminah como “a criança”. Segundo a mãe, ele dizia “a ‘criança’, ‘a filha de vocês [a vossa filha]. Não falava o nome dela de jeito nenhum. E, no momento mais importante, que é quando se deita água na cabeça, diz-se ‘eu te batizo, o nome da criança’, mas não falou”.

O padre Galvão explicou que o vídeo é um corte da cerimónia, e não aparecem todos os momentos do rito do batismo, como “o diálogo com pais e padrinhos, tampouco a parte central do sacramento. Por isso, a ausência de menção visível ao nome não significa que ele não tenha sido corretamente pronunciado”.

“A má interpretação do vídeo gerou confusão generalizada acerca do ritual do Batismo e do seu desenvolvimento. É importante que se compreenda que o rito segue normas precisas, que garantem tanto a validade do Sacramento quanto a clareza e a dignidade da celebração”, disse.

“Continuamos a acompanhar a situação de perto, em diálogo com todos os envolvidos, certos de que a verdade e a serenidade prevalecerão. Reafirmamos que estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos necessários”, concluiu o padre Galvão.

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A Igreja é para “todos”, mas não é para tudo. Não se podem recusar os sacramentos, nem se podem condicionar de forma que fiquem descaraterizados. Por isso, não se deve observar, contra tudo e contra todos, o rigor da literalidade das normas, nem cair no laxismo que muitos pretendem, de acordo com os seus interesses e caprichos.

Em princípio, as palavras e gestos rituais devem ser observados, podendo haver opção, face a versões textuais diferentes, mas os ritos essenciais devem seguir à letra o texto oficial.

A pronúncia do nome, exceto na identificação inicial e no ato central do Batismo, pode muito vem ser substituída por um tratamento adequado, como “a criança”, “o/a vosso/a filho/a” e outros.

Em princípio, o nome deve não ser incompatível com o ser cristão. Não obstante, o sacerdote, quando há dúvidas sobre a possível ligação a culturas pagãs, deve instar com os pais, no sentido de os levar à profissão da fé cristã em ligação com o nome. Não devendo rejeitar o nome proposto, fará bem em aconselhar a adição de outro nome ao proposto. Se os pais aceitarem, muito bem; se não aceitarem, não deve ser caso de conflito.

No entanto, como o Batismo é procurado, tantas vezes, por motivos de afirmação familiar ou social ou por motivo de uma certa magia, o essencial do sacramento e secundarizado em benefício dos interesses de quem pede ou exige o sacramento. Muitas vezes, os sacerdotes são demasiado rigorosos, ao passo que, outras vezes, são excessivamente complacentes.

Ora, como nos ensinaram, “no meio está a virtude” e “a lei suprema é a salvação das almas”.

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A 29 de julho, em audiência, no Vaticano, com um grupo de catecúmenos, capelães e catequistas da França, em que participou o bispo de Nice, Jean-Philippe Nault, o Papa Leão XIV disse que o Batismo “nos dá vida”, para renunciarmos a uma “cultura de morte”, tão presente na sociedade atual, pois “torna-nos membros plenos da grande família de Deus” e introduz-nos na comunhão com Cristo e dá-nos vida”, levando-nos ao compromisso o de “renunciar a uma cultura de morte”. E, como exemplos dessa cultura, Leão XIV mencionou “a indiferença, o desprezo pelos outros, as drogas, a busca de uma vida fácil, a sexualidade transformada em entretenimento, a objetificação da pessoa humana, a injustiça, etc.”.
“O Batismo torna-nos testemunhas de Cristo”, disse o Pontífice, destacando um sinal “muito forte” deste sacramento: a oferta do círio pascal aceso. “É a luz de Cristo, morto e ressuscitado, que nos comprometemos a manter viva, alimentando-a pela escuta da Palavra de Deus e pela participação constante na Eucaristia”, enfatizou.
Assim, Leão XIV disse que, para os fiéis viverem felizes e em paz, são chamados a depositar a “esperança em Jesus Cristo”. E, vincando que os batizados são “o sal da Terra e do Mundo”, relevou que a Igreja também precisa do seu “belo testemunho de fé para crescer ainda mais e estar próxima de cada pessoa necessitada”.
“O catecumenato”, considerou o Santo Padre, “é um caminho de fé que não termina com o Batismo, mas continua por toda a vida, com momentos de alegria e momentos de dificuldade”.
Também incentivou os catecúmenos a testemunharem Cristo e a tornarem-se discípulos missionários. “Não vos limiteis ao conhecimento teórico, mas vivei a fé de forma concreta, experimentando o amor de Deus na vida quotidiana”, exortou o Papa, explicitando: “O caminho da fé pode ser longo e, por vezes, difícil, mas não se desanimeis, pois Deus está sempre presente para vos sustentar.
É essencial experimentar Deus na oração, na prática dos sacramentos, especialmente, na redescoberta do sacramento da Reconciliação, e na vida comunitária, para crescer na fé e no amor, sustentou Leão XIV, que, no fim de seu discurso, encorajou aqueles que em breve serão regenerados como filhos de Cristo a “permanecerem unidos ao Senhor Jesus”. “Não nascemos cristãos; tornamo-nos cristãos, quando somos tocados pela graça de Deus”, enfatizou.
No entanto, esse toque expressa-se “por meio de nossa escolha consciente e da nossa jornada pessoal”, pois, “sem essas verdadeiras exigências, carregaremos o rótulo de cristãos, mas seremos cristãos por conveniência, hábito ou conforto”, disse Leão XIV, sentenciando que, em vez disso, “nos tornamos cristãos autênticos, quando nos permitimos ser pessoalmente tocados, em nossa vida diária, pela Palavra e pelo testemunho de Jesus”, pelo que, nas tribulações, nos momentos de solidão e de aridez, nas incompreensões e dificuldades, que os nossos corações se devem enraizar “n’Aquele que é o caminho, a verdade e a vida, a fonte de toda paz, alegria e amor”.

2025.08.28 – Louro de Carvalho

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