domingo, 10 de agosto de 2025

Arménia e Azerbaijão assinam acordo de paz mediado pelos EUA

 
Após meses de impasse, a 8 de agosto, os líderes da Arménia, Nikol Pashinyan, e do Azerbaijão, Ilham Aliyev, assinaram um acordo de paz mediado pelos Estados Unidos a América (EUA), cujo ponto central é a concessão, por 99 anos, dos direitos exclusivos de exploração económica, para os norte-americanos, no Corredor de Zangezur, uma estratégica região no Sul arménio, alvo de disputa entre os dois países, nomeadamente, por causa dos Azeris. E ao seu estilo, o inquilino da Casa Branca, Donald Trump, conseguiu impor a sua marca pessoal no pacto.
O pacto, que marca o início de um potencial acordo definitivo, pretende encerrar conflitos e abrir relações comerciais e significa o fim da influência russa no sul do Cáucaso e um aproveitamento económico pelos EUA, mas levanta críticas sobre questões de direitos humanos e de soberania. 
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Os Azeris são um grupo étnico turcomano, maioritariamente, presente no Azerbaijão e no Noroeste do Irão, onde são conhecidos como Azeris iranianos. É um povo com raízes culturais e históricas complexas, que incluem influências turcas, iranianas e caucasianas, e cuja língua, o Azeri, é uma língua turcomana, oficial no Azerbaijão, e falada por milhões de pessoas em ambas as regiões. A determinação das suas origens – turca, iraniana ou caucasiana – continua a ser objeto de debate e de interpretações históricas não consensuais. Devido à sua História e Cultura, os Azeris podem ser considerados tanto um povo iraniano como um povo turcomano. Não obstante, são considerados um povo nativo do Cáucaso, mas adotaram a língua turcomana e converteram-se ao Islão, o que gera debates sobre suas origens precisas. 
A maioria dos Azeris vive no Azerbaijão, onde são a maioria étnica, mas significativa população azeri reside no Noroeste do Irão, na região conhecida como Azerbaijão do Sul ou Azerbaijão iraniano. Além dessas regiões, existem comunidades azeris menores na Turquia, na Geórgia, na Rússia e noutros países. A sua cultura é rica na música, na dança, na poesia e nas tradições orais. 
A Língua Azeri, uma língua turcomana, é falada por este povo e é língua oficial no Azerbaijão. Os Azeris iranianos, apesar da Língua Azeri, que utilizam amplamente, sobretudo, nas tradições orais, têm fortes laços culturais com os povos iranianos, incluindo a religião (xiita) e festividades como o Naw-Rúz (Ano Novo Persa). No campo da religião, a maioria dos Azeris é muçulmana xiita. A religião é um dos elementos que os diferenciam de outros falantes de Turcomano, que são, maioritariamente, muçulmanos sunitas. 
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O presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado dos dois líderes, na Casa Branca, enquanto era assinada a Declaração Conjunta, declarou: “A Arménia e o Azerbaijão prometem cessar todos os conflitos, para sempre, abrir relações comerciais, de viagem e diplomáticas e respeitar a soberania e a integridade territorial um do outro. Trinta e cinco anos de morte e ódio. E, agora, teremos amor e sucesso juntos.”
Ilham Aliyev, pouco antes da assinatura, considerou: “Se não fosse pelo Presidente Trump e pela sua equipa, provavelmente, hoje, a Arménia e o Azerbaijão estariam, novamente, no processo interminável de negociações. O Presidente Trump traz paz ao Cáucaso.” Por seu turno, Nikol Pashinyan disse que a declaração conjunta é um “resultado revolucionário”, que abre novo capítulo de paz, de prosperidade, de segurança e de cooperação económica no Sul do Cáucaso.
No final da conferência de imprensa coletiva, em que Donald Trump foi, praticamente, o único a falar, foi executada uma versão instrumental de “What a Wonderful World”, de Bob Thiele e de George David Weiss, eternizada na voz de Louis Armstrong.
De acordo com a proposta dos EUA, aceite pelos dois líderes, a Arménia concederá, por 99 anos, os direitos exclusivos de exploração económica do Corredor de Zangezur, perto da fronteira com o Irão. Posteriormente, um consórcio indicado pelos Norte-americanos será encarregado do desenvolvimento económico da área, que fica numa região montanhosa, e pela instalação de redes de energia, de fibra ótica, de petróleo e de gás.
Apesar da concessão, a área estará sob jurisdição da lei arménia, e num toque personalista, o corredor passará a ser chamado Rota Trump para a Paz Internacional e a Prosperidade.
Com pouco mais de 40 quilómetros de extensão, o Corredor de Zangezur está localizado entre o enclave azeri de Nakhichevan e a região de Nagorno-Karabakh (Artsakh), ponto central da guerra entre Azerbaijão e Arménia, em 2020, e que terminou com o controlo total de Baku (capital do Azerbaijão) sobre a área, azando a saída de toda a população arménia dali.
Desde o fim do conflito, o Azerbaijão exerce pressão – inclusive militar – para controlar a área, que fica em território arménio, permitindo a ligação direta entre o país, o enclave de Nakichevan e a Turquia, aliada de Baku. Os Arménios, alegando tratar-se de mais uma quebra da sua soberania territorial, prometeram usar “todos os meios disponíveis” para se protegerem.
Em março, a Arménia e o Azerbaijão firmaram os termos de um acordo de paz, para resolverem as questões em aberto, após o conflito de 2020, que não foi assinado, até hoje, por divergências em questões, como, por exemplo, um trecho da Constituição arménia que defende a reunificação do país com o território de Nagorno-Karabakh. No mesmo mês, Nikol Pashinyan anunciou que poderia ocorrer, em 2027, um referendo sobre uma nova Carta, sugerindo a alteração exigida por Baku, além de compromissos voltados para eventual adesão à União Europeia (UE), mas a questão ainda divide a sociedade arménia.
O acordo firmado a 8 de agosto ainda prevê o fim de restrições impostas aos Azeris, ligadas à venda de equipamentos de Defesa, em vigor desde os anos 1990, quando ocorreu a primeira guerra com os Arménios. E Donald Trump anseia por trazer o Azerbaijão para os Acordos de Abraão, voltados para a normalização dos laços entre países de maioria muçulmana e Israel. Embora Baku tenha laços firmes e complexos com Israel, a sua inclusão na iniciativa é vista, na Casa Branca, como uma forma de ampliar a sua pegada na Ásia Central, e reduzir a presença económica e política chinesa na área. Todavia, pelo lado arménio, além da garantia de que Baku não avançará no seu território, restaram questões em aberto no plano de Donald Trump. O texto não menciona, por exemplo, os mais de 100 mil civis que deixaram Nagorno-Karabakh após o conflito de 2020.
“A verdadeira paz deve basear-se na Justiça e na responsabilização pelas contínuas violações de direitos humanos no Azerbaijão. Essas questões não devem ser deixadas em segundo plano. Um acordo que recompensa a agressão do Azerbaijão, enfraquece a soberania da Arménia e nega justiça aos Arménios de Artsakh, só tornará mais difícil a resolução dessas questões críticas de direitos humanos no futuro”, disse ao portal Politico Alex Galitsky, diretor do programa do grupo de defesa Comité Nacional Arménio dos EUA.
O acordo também tem os seus perdedores. O primeiro é o Irão, que perde um acesso direto e irrestrito à Arménia, numa fronteira importante em termos económicos, e que vê uma potência inimiga – os EUA – estabelecerem presença económica e política perto do seu território. E a Rússia, que se considera a principal força do Sul do Cáucaso, perde influência junto do Azerbaijão, com a recente crise a envolver cidadãos dos dois países, e da Arménia, que, desde a guerra de 2020, questiona a intenção de Moscovo de proteger o país de agressões militares.
A 8 de agosto, Baku (capital do Azerbaijão) e Erevã (capital da Arménia) comprometem-se a deixar a iniciativa promovida pela Organização pela Cooperação e Segurança da Europa (OSCE), o Grupo de Minsk, do qual a Rússia fazia parte, ao lado dos EUA e da França, que atuava, desde os anos 1990 para aparar as arestas na região. Agora, entendem que não é necessário.
Antes da sua assinatura, o presidente dos EUA apresentava a iniciativa como mais uma evidência de que está a ajudar a resolver conflitos pelo Mundo fora. Recentemente, alegou ter parado “cinco guerras, em apenas cinco meses”, citando conflitos entre a Índia e o Paquistão, entre a Tailândia e o Camboja. Porém, tem tido menos sucesso em guerras de grande porte, como a travada em Gaza, com Israel a pretender ocupar todo o território, e a travada na Ucrânia, com a Rússia a ignorar as suas ameaças e os seus pedidos de cessar-fogo imediato.
Durante a reunião na Casa Branca, Ilham Aliyev, dando asas ao notório objetivo do presidente norte-americano de receber o Prémio Nobel da Paz, propôs a Nikol Pashinyan que ambos o indicassem para a honraria, como o fez o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
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A memória do genocídio mantém-se como questão existencial para os Arménios, 110 anos depois, visto que moradores do país e da diáspora se veem ‘abandonados’, após a anexação de Nagorno-Karabakh, e veem na lembrança das mortes dos antepassados um alerta para o futuro.
De acordo com documentos oficiais, relatos históricos e memórias transmitidas de pais a filhos, o genocídio foi uma campanha do Império Turco Otomano contra a populosa comunidade arménia que vivia no seu território – cerca de 2,5 milhões de pessoas – entre 1915 e 1923.
O processo ocorreu com o desmantelamento do império e com o fim da I Guerra Mundial, quando as lideranças turcas estavam ao lado da Alemanha, e evoluiu, rapidamente, da prisão e execução de intelectuais e de lideranças da comunidade para massacres, assassinatos, sequestros e para as “marchas da morte”, quando as pessoas eram obrigadas a deixar as suas casas, rumo ao deserto sírio, um caminho quase sempre sem volta. Cerca de 1,5 milhão de pessoas, de todas as idades, terão perdido a vida, nesses oito anos. Os que sobreviveram rumaram para outros países, ampliando a já considerável diáspora arménia, ou foram “incorporados” à força na sociedade turca, através do apagamento das suas raízes, especialmente, em orfanatos. Perto do memorial onde uma coluna de flores era depositada perto da chama eterna, a 24 de abril, muitas das narrativas que os visitantes levavam consigo estavam expostas e catalogadas no museu dedicado a contar a História do genocídio.
Documentos oficiais, inclusive emitidos pelos Otomanos, servem de testemunho de muitas das mortes. As imagens de pessoas cuja humanidade parecia desaparecer aos poucos ilustram as paredes, assim como uma frase atribuída ao nazi Adolf Hitler, num discurso, em 1939: “Quem, afinal das contas, fala, hoje, da aniquilação dos Arménios?” Para muitos estudiosos, o genocídio arménio está ligado ao Holocausto na II Guerra Mundial.
A Turquia, Estado que sucedeu ao Império Turco Otomano, rejeita as asserções de genocídio, alegando que o número de mortos foi inflado pelos historiadores e que muitos morreram na I Guerra Mundial. Em contraponto, Ancara acusa a comunidade arménia de ter realizado massacres contra cidadãos turcos: em 1999, foi erguido um memorial na cidade de Igdir, para “relembrar os massacres e a perseguição cometidos pelos Arménios” na região.
Nos últimos anos, jornalistas e ativistas turcos que mencionaram o genocídio foram presos, agredidos e mortos, como o jornalista Hrant Dink, assassinado por um nacionalista, em Istambul, em 2007. Países que reconhecem o genocídio sofrem retaliações, diplomáticas, como a retirada do embaixador (ocorrida com o Vaticano, em 2015, e com os EUA, em 2021) ou económicas.
Talvez não haja interesse, por parte dos Estados, num confronto com a Turquia para reconhecer as injustiças que ocorreram com outro povo. Porém, reconhecer crimes dessa magnitude é importante para a Humanidade, e não só para os Arménios e para os Turcos.
Na véspera da silenciosa celebração no memorial, reuniram-se milhares de pessoas na Praça da República, coração de Yerevan, para a tradicional marcha (barulhenta) com tochas e velas em memória das vítimas do genocídio, e contra a anexação da região de Nagorno-Karabakh, historicamente ligada aos Arménios, pelo Azerbaijão. Ao lado das chamas que iluminavam a penumbra, cartazes traziam os nomes de cidades da região; e parentes de prisioneiros feitos durante os conflitos iniciados em 2020 carregavam as suas fotos, durante o trajeto, ao som de discursos, e criticavam o primeiro-ministro, Nikol Pashinyan, por ter aceitado um plano de paz com Baku, que ainda não tinha data para a sua assinatura.
O sentimento generalizado era o de abandono, a começar pela Rússia, cujas forças de paz no território foram acusadas de fazer vistas grossas ao avanço das tropas azeris, em 2023, algo que mina a imagem de Moscovo junto de parte da população arménia. Os russos vêm estreitando laços com Baku, embora de forma mais pragmática do que amistosa, o que acende alertas em Erevan.
Além da recusa de grande parte do planeta em reconhecer o genocídio, muitos ressentem-se da falta de apoio, ante o que veem como expulsão da população arménia de Nagorno-Karabakh, em setembro de 2023. O governo azeri diz que não obrigou ninguém a sair de casa, mas a organização Freedom House, que monitoriza o estado das democracias pelo Mundo, classificou as ações do Azerbaijão de política de “limpeza étnica”.
O Azerbaijão reconquistou Nagorno-Karabakh depois de uma ofensiva, em 2023, que provocou o êxodo de 100 mil Arménios, fugidos de Artsakh (nome arménio do território disputado) para a Arménia. Nagorno-Karabakh, com a área de 4400 quilómetros quadrados, faz parte do território do Azerbaijão, mas sempre foi habitado por larga maioria arménia. Na União Soviética, tinha estatuto especial na República Socialista do Azerbaijão. E, quando o governo soviético de Mikhail Gorbachev permitiu a liberalização política, os Arménios de Artsakh queriam integrar a República Socialista da Arménia, o que Moscovo recusou. Tal decisão levou ao início de conflitos étnicos, em 1988. Em fevereiro desse ano, um levantamento antiarménio, na cidade azeri de Sumgait, deixou dezenas de mortos. Em 1990, duas semanas de violência contra a minoria arménia em Baku azaram dezenas de vítimas e o êxodo de milhares de outros Arménios para a Arménia.
Quando os dois países ganharam a independência e a União Soviética se dissolveu, em 1991, os Arménios de Nagorno-Karabakh declararam a independência, em relação a Baku, desencadeando feroz guerra entre a Arménia e o Azerbaijão, que durou até 1994.
O Azerbaijão passou do totalitarismo soviético para ditadura controlada pela família Aliyev e a Arménia logrou a transição para a democracia, mas salpicada de convulsões e de revoluções. Ao invés do Azerbaijão, que tem petróleo e gás natural, a Arménia permaneceu pobre e isolada.
Em setembro de 2020 o Azerbaijão lançou enorme ofensiva sobre o enclave e recuperou 20% do território ocupado pelas forças arménias, mas só reconquistou Nagorno-Karabakh após a última ofensiva, em 2023, causando o êxodo de 100 mil Arménios.
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É neste complexo contexto que surge a referida Declaração Conjunta de Paz, que o próprio papa Leão XIV saudou (e bem) a 10 de agosto, perante os fiéis reunidos na Praça de São Pedro. Porém, as críticas ao chefe do governo arménio, da parte dos familiares dos expulsos do território, e a situação ambígua na região (a Rússia e a China não querem perder) não indiciam bom augúrio para o acordo. Donald Trump pode vir a arrecadar o Nobel da Paz, mas a sua ação não o merece, nem pelos resultados consolidados, nem pela pureza diplomática, visto que os acordos beneficiam, maioritariamente, os EUA, em termos económicos e estratégicos. Todavia, é bom manter a fé e a esperança!

2025.08.10 – Louro de Carvalho


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