De
acordo com uma publicação da SIC Notícias,
a 27 de agosto, citando a Lusa, uma fissura pode explicar a origem dos grandes sismos
de 1755 e 1969, na capital do país. Na verdade, a 200 quilómetros ao largo do
Cabo de São Vicente (Sagres), uma fissura na placa tectónica a formar-se, pelo
processo de delaminação, há, pelo menos, cinco milhões de anos, foi agora
descoberta e pode explicar os grandes sismos de Lisboa.
A Planície Abissal da Ferradura, uma formação
geológica no oceano Atlântico não muito distante da montanha submarina do Banco
de Gorringe, na fronteira entre as placas tectónicas euroasiática e africana, é
a origem geográfica do sismo de intensidade próxima de 8 na escala de Richter
que, em 1969, abalou Lisboa e outras regiões do país.
O facto de ser uma formação geológica plana, sem
grandes falhas sísmicas conhecidas, alimentava “um enigma” na comunidade
científica de como era possível uma região com estas caraterísticas
provocar sismos de grande magnitude, mas um estudo da Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, publicado na revista Nature Geosciences, no dia 27, traz uma nova explicação.
Nunca tinha sido ali encontrada “nenhuma falha óbvia”
que explicasse um sismo com a magnitude do de 1969, disse João Duarte, um dos
investigadores coautores do estudo, geólogo, professor da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Dom Luiz.
Por outro lado, nunca se encontrou “falha com
dimensões suficientes para gerar um sismo como o de 1755”, que se acredita ter
tido uma intensidade próxima de 9 na escala de Richter. Porém, de acordo com o geólogo, o que
agora é revelado e que pode ser a explicação da origem de ambos os
sismos é que “há uma porção da placa tectónica que está a separar-se”, num
processo chamado “delaminação”. E como explicou o investigador à Lusa, tal delaminação implica que a
placa esteja a sofrer uma fratura horizontal, como se a rocha fosse separada
por uma lâmina, abrindo uma fissura que induz a parte inferior a afundar-se,
tendo já atingido a profundidade de 200 quilómetros em direção ao manto da
Terra, quando o normal é situarem-se nos 100 quilómetros. A parte superior da placa mantém-se em posição horizontal
inalterada, tornando impossível perceber, pela observação do fundo do mar,
qualquer alteração geológica naquele local.
Este processo de separação horizontal da placa, que
está a acontecer, de forma lenta, há já cinco a 10 milhões de anos, foi
identificado com recurso a uma espécie de “ecografia da Terra”, explicou o
professor, sobre a utilização de tomografias sísmicas e do som captado, o som
dos próprios sismos, para perceber o que se passa abaixo do fundo do mar. “Fizemos um estudo
que colocou sismómetros no fundo do mar, durante oito meses, a registar
pequenos sismos. Percebemos que, naquela zona, havia um ‘cluster’, um
conjunto de pequenos sismos a grande profundidade, a cerca de 30 a 40 quilómetros
de profundidade. […] E, portanto, há aqui uma combinação de várias observações
que apontam para que está ali a acontecer um processo que está a gerar
sismicidade”, pormenorizou o investigador.
Ao trabalho de observação e de análise de dados
juntou-se a criação de modelos computacionais que permitiram simular o processo
de “delaminação”.
É o atrito criado e a energia libertada no movimento
das placas tectónicas que explicam os sismos. O facto de esta estrutura
geológica, não sendo uma falha sísmica, ter capacidade de gerar sismos
explica-se pelo facto de o espaço criado pelo corte laminado na placa não ficar
vazio. “Sabemos
que a placa africana está também a mover-se muito lentamente, a convergir
com a placa euroasiática. É como se imaginássemos que temos dois livros e um
começa a entrar por dentro do outro. As placas estão a convergir e, na
realidade, essa zona onde a placa começa a separar, comporta-se um bocadinho
como uma folha, porque começa a meter-se por dentro da outra placa. Há sempre
um contacto, mas é um contacto mais horizontal. Ou seja, não fica um buraco,
não fica um espaço. Esse espaço, depois, é ocupado por outra rocha”, explicou
João Duarte.
Deste estudo, o geólogo espera que resultem
investigações futuras mais detalhadas sobre aquela zona. Com o que já se sabe,
diz ser inevitável que o processo de “delaminação” venha a ser tido em conta, “na
caraterização da perigosidade e do risco sísmico” no país, considerado numa
área de risco elevado, pela confluência das duas placas tectónicas nesta
região.
Na instalação de nova geração de cabos submarinos,
cabos de comunicações que ligam os dois lados do Atlântico, passando pelos arquipélagos
dos Açores e da Madeira e pela zona da Planície Abissal da Ferradura, o
investigador vê uma oportunidade. “Vão ter sensores sísmicos, portanto,
os cabos vão passar naquela zona, vai ser possível monitorizar melhor e
caraterizar aquela sismicidade. E, provavelmente, podemos ter também mais
dados, mais registos”, disse.
A previsibilidade dos sismos continua a ser quimera,
mas João Duarte acredita que a inteligência artificial (IA) pode vir a permitir
um passo em frente, mesmo que o modelo de aprendizagem com base em eventos e
dados anteriores seja, no caso, uma dificuldade, por os grandes sismos serem
fenómenos raros. E a chave pode estar no estudo mais sistemático dos sismos mais
pequenos, que acontecem todos os dias, inclusivamente, em Portugal, “com alguma
esperança” de conhecer o processo de sismicidade e de “fazer algumas
inferências e usar a estatística para compreender os sismos de maior magnitude”.
A 28 de
agosto, a Euronews publicou um artigo
de Inês dos Santos Cardoso, intitulado “Fissura com cinco milhões de anos,
agora descoberta, em placa tectónica, pode explicar sismos em Lisboa”,
em que afirma que “uma fissura
na placa tectónica a 200 quilómetros, ao largo do Cabo de São Vicente (Sagres),
pode estar na origem dos grandes sismos de Lisboa, como o de 1755”. E enfatiza
que, “durante décadas, os geólogos procuraram uma justificação para o grande
terramoto de 1755, em Lisboa, de magnitude estimada entre os 8,5 e 8,7 na
escala de Richter, embora nunca tenham tido sucesso”, mas a nova descoberta pode
trazer a chave da justificação “para os sismos na capital portuguesa”.
Quanto ao mais, refere a publicação na revista Nature
Geosciences e as declarações do geólogo João Duarte. Nestes termos, sublinha
que o facto de a parte superior da placa se manter em posição inalterada
horizontal dificulta a observação do fundo do mar. Por isso, é relevante a
descoberta desta alteração geológica. O fenómeno só foi descoberto,
devido a uma “ecografia da Terra”, bem como ao recurso a modelos computacionais
para simular o processo da delaminação.
A
articulista referiu o processo de formação dos sismos, frisando que “resultam
do atrito criado e da energia libertada no movimento das placas tectónicas” e
que, “apesar de a estrutura geológica descrita no estudo não ser uma falha sísmica e, mesmo assim, ter a
capacidade de gerar sismos, deve-se ao facto de o corte em camadas feito na
placa não deixar um espaço vazio”. Assim, este vazio é preenchido, permitindo “a
acumulação e libertação de energia”.
Por fim, recorda que o último sismo
sentido em Lisboa e arredores aconteceu a 17 de fevereiro de 2025, que o
seu epicentro se localizou a cerca de 14 quilómetros a Sudoeste do Seixal e que
este sismo teve uma magnitude de 4,7 na escala de Richter.
***
O portal “Quake” do Museu do Terramoto de Lisboa,
em texto intitulado “Uma das maiores catástrofes naturais da era moderna”,
relata que, a 1 de novembro de 1755, pelas 9h40, intenso
terramoto atingiu Lisboa, destruindo a maioria dos edifícios, das ruas e das praças.
Seguiu-se-lhe um tsunami, entre 60 a
90 minutos, após os abalos, com ondas de cerca de cinco metros de altura vindas
do Tejo, que inundaram a zona ribeirinha. Simultaneamente, deflagraram inúmeros
incêndios, originados pelos fogões, nas casas, pelos candelabros, nas igrejas,
e por criminosos que aproveitaram o ensejo para saquear palácios e igrejas. O
rei D. José I e a família sobreviveram por se encontrarem no Palácio Real de
Belém, porque as princesas quiseram passar o dia santo na residência costeira. Belém,
à época, um dos arredores da cidade, era povoado por apenas palácios e por quintas,
não tendo, por isso, sofrido tanto os efeitos do terramoto.
Objeto de
estudo da parte de muitas figuras ligadas à Filosofia Natural, logo após a
ocorrência, Immanuel Kant trouxe à discussão uma abordagem mais científica,
tentando explicar o Terramoto por implosões ocorridas no subsolo, sobretudo, em
locais perto de rios ou do mar, que se enchiam de água. Nos mais de 265 anos
decorridos sobre aquele dia, muitos se dedicaram ao estudo do Grande Terramoto,
esclarecendo as hipóteses sobre a sua origem mais provável e aperfeiçoando as
descrições do fenómeno e do impacto em Lisboa e no resto do Mundo.
Como, em
1755, não havia sismómetros, os registos históricos que existem resultam do Inquérito
do Marquês de Pombal, que documenta o que foi sentido e observado pelos
sobreviventes. Há registos bastante completos – com questões sobre a direção
das movimentações e sobre a duração dos abalos –, que permitem estimar as
intensidades sentidas e as zonas mais afetadas. Através deles, sabe-se que, em
Lisboa, o sismo terá durado sete a nove minutos, com três vagas de abalos (o
segundo foi o mais violento) e com intervalos curtos.
Segundo tais
documentos e graças a profunda pesquisa no campo da sismologia, permitida pela
evolução dos métodos e instrumentos de registo, estima-se que o sismo teve
magnitude entre 8,5 e 9. E sabe-se que a camada mais exterior do planeta, a
litosfera, é formada por várias placas tectónicas que deslizam sobre o manto da
astenosfera, em movimento contínuo. Os sismos são movimentos súbitos entre
placas, à medida que elas colidem, separando-se ou movendo-se, lateralmente,
uma em relação à outra.
A causa do
Grande Terramoto foi a colisão entre as placas da Eurásia e de África, as quais
colidem a Sul de Portugal, ao longo da fronteira que vai dos Açores ao
Mediterrâneo. Ao largo do Algarve, as placas aproximam-se a velocidade lenta,
de quatro a cinco milímetros, por ano, na direção Noroeste-Sudeste. Ao longo do
tempo, tal movimento relativo acumula tensões e energia na litosfera, que acaba
por se libertar, bruscamente, num sismo, como o de 1755.
Porém, ainda
é um segredo bem guardado da História que falha ou combinação de falhas geraram
o terramoto de 1755, pois não havia sismómetros e as observações existentes são
compatíveis com vários cenários de rutura de falhas. Os cientistas continuam a
explorar os vários cenários, na esperança de revelarem a origem do Terramoto de
1755. Hoje, só se pode dizer que a falha ou falhas que romperam em 1755, originando
o sismo e o tsunami, estão
localizadas ao largo do Algarve, tendo mais de 100 quilómetros de comprimento
no total. O sismo
semeou destruição e morte em Portugal, na Espanha e em Marrocos, tendo os
efeitos da vibração sido observados um pouco por toda a Europa. Contudo,
Lisboa, capital de vasto império que se espalhava pelo globo, foi o
palco principal deste desastre natural, “uma das maiores catástrofes
da era moderna”.
***
O mesmo "Quake" releva que as
placas tectónicas são blocos enormes de rocha sólida (pedaços de litosfera),
com dimensão a variar entre centenas e milhares de quilómetros de extensão e a
espessura, entre menos de 50 quilómetros e mais de 250. Movem-se de forma lenta,
mas inevitável, e sofrem deformações, dobrando-se sob compressão e estirando-se
sob extensão.
Os
sismos tectónicos ocorrem quando as forças entre placas são tão intensas que
rompem falhas na litosfera, sob os nossos pés. Utiliza-se o Sistema de
Posicionamento Global (GPS) e satélites similares para rastrear o modo como
pontos específicos da superfície terrestre se movem. As placas têm limites ou fronteiras
que partilham com as vizinhas. Tais limites podem ser: convergentes, se as
placas se movem uma contra a outra; divergentes, se se afastam uma da outra; transformantes,
se se movem lateralmente; e difusas, se o movimento entre elas é distribuído ao
longo de redes complexas de falhas. Ora, Portugal Continental está localizado
na placa eurasiática (UE), que tem um limite divergente que afasta a Eurásia da
placa norte-americana, e uma região convergente ao longo da qual a Eurásia é
empurrada para a placa africana (núbia). Cada ano, Lisboa afasta-se de Nova
Iorque cerca de metade do comprimento dum polegar.
As
placas tectónicas são feitas da litosfera terrestre, que abrange a crosta (camada
sólida externa da Terra) e o manto mais alto subjacente. A composição varia
conforme sejam continentais ou oceânicas. A crosta continental é composta por
materiais leves, em comparação com os densos e pesados da crosta oceânica. A
crosta e a litosfera continentais são mais espessas do que as equivalentes
oceânicas. A diferença de espessura e de densidade entre material oceânico e continental
explica a diferença entre as elevações das suas superfícies. Como os
icebergues, os continentes têm raízes profundas no interior do manto terrestre.
A
tectónica de placas e o vulcanismo são evidências da placa dinâmica, a Terra,
cuja dinâmica se circunscreve às camadas da crosta e do manto. O manto inferior
interage com o núcleo externo (líquido e composto de ligas de ferro-níquel e de
outros elementos) e é aquecido a partir de baixo, pelo que o núcleo externo contribui
para a dinâmica do manto. É a convecção ativa de metal líquido no núcleo
externo que gera o campo magnético da Terra, que vai até ao espaço e protege da
radiação cósmica, incluindo partículas cheias de vento solar. O núcleo interno
tem composição idêntica à do externo, mas é sólido, como demonstra a propagação
das ondas sísmicas.
À
medida que as placas se movem – colidindo, separando-se ou deslizando lateralmente
– criam montanhas, depressões e outras cicatrizes na superfície terrestre. Onde
as placas se afastam, ao longo das cristas médio-oceânicas, o magma ascende à
superfície e arrefece, criando nova crosta oceânica. Colidindo contra placas
continentais, menos densas e pesadas, as oceânicas, mais densas e pesadas,
mergulham por baixo daquelas em direção ao interior, no processo de subducção.
A subducção também ocorre quando duas placas oceânicas colidem. À medida que
desce para o manto, a placa oceânica liberta água, baixando o ponto de fusão
das rochas do manto e gerando magma, que ascende à superfície, criando arcos
vulcânicos nas placas oceânicas e vulcões nas margens continentais. A colisão
entre placas continentais leva à criação de enormes montanhas, devido ao
encurtamento e espessamento da litosfera. As cristas médio-oceânicas são,
muitas vezes, compensadas e ligadas por falhas transformantes. As
cicatrizes destas falhas numa placa são zonas de fratura. A maioria dos sismos
é gerada em limites de placas.
O
movimento das placas que se veem à superfície está ligado à convecção do manto.
À medida que deslizam para baixo do manto, as placas oceânicas, densas e frias,
provocam fluxo descendente. Algumas placas estagnam em descontinuidades do
manto médio, enquanto outras continuam até ao fundo, aos limites do núcleo do
manto. O fluxo ascendente está ligado a colunas emergentes de rochas quentes e
menos densas do manto, que emergem de níveis rasos e de depósitos profundos.
Nas cristas médio-oceânicas, as placas divergem e abrem espaço ao afloramento
de manto que cria nova crosta. Os detalhes da convecção do manto e da sua
interação com os movimentos tectónicos da superfície são motivo de investigação
científica.
***
Em suma, há
milhões de anos, por motivos naturais, temos um pontal do Algarve contra Lisboa
e contra o resto do país. Todavia, as pessoas gostam do Algarve.
2025.08.28 – Louro de Carvalho
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