segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Adiada, mais uma vez, a obrigatoriedade de declarar conflitos de interesses

 

O governo adiou, mais uma vez, a obrigatoriedade de os trabalhadores do Estado declararem conflitos de interesses, no quadro do regime geral de prevenção da corrupção (RGPC).
Medida abrange órgãos, dirigentes e funcionários que deliberem sobre contratação pública, subsídios, sanções e licenciamentos. Porém, tem emperrado, ao longo do tempo.
O Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e aprovou o regime geral da prevenção da corrupção (RGPC). E entrou em vigor 180 dias após a sua publicação.
O seu artigo 13.º abordando, especificamente, os conflitos de interesses, estabelece que “as entidades públicas abrangidas adotam medidas destinadas a assegurar a isenção e a imparcialidade dos membros dos respetivos órgãos de administração, [dos] seus dirigentes e trabalhadores e a prevenir situações de favorecimento” (n.º 1); que “os membros dos órgãos de administração, dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas assinam uma declaração de inexistência de conflitos de interesses, conforme modelo a definir, por portaria dos membros governo responsáveis pelas áreas da justiça e da Administração Pública, nos procedimentos em que intervenham respeitantes às seguintes matérias ou áreas de intervenção: a) contratação pública; b) concessão de subsídios, subvenções ou benefícios; c) licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais; d) procedimentos sancionatórios” (n.º 2); que “os membros dos órgãos de administração, [os] dirigentes e trabalhadores de entidades públicas abrangidas que se encontrem ou que razoavelmente prevejam vir a encontrar-se numa situação de conflito de interesses comunicam a situação ao superior hierárquico ou, na sua ausência, ao responsável pelo cumprimento normativo, que toma as medidas adequadas para evitar, sanar ou cessar o conflito” (n.º 3); que se considera “conflito de interesses qualquer situação em que se possa, com razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da conduta ou [da] decisão do membro do órgão de administração, [do] dirigente ou trabalhador, nos termos dos artigos 69.º e 73.º do Código do Procedimento Administrativo [CPA]” (n.º 4); e que o órgão de administração ou o dirigente da entidade pública abrangida faz cumprir o disposto nos números anteriores” (n.º 5).
O tempo passou e tanto o RGPC como MENAC foram avançando, com a lentidão própria da Administração Publica (AP).
Na Agenda Anticorrupção, aprovada pelo Conselho de Ministros, em 20 de junho de 2024, na sequência da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, prevê-se uma revisão do Decreto-Lei n.º 109-E/2021 Decreto-Lei n.º 109-E/2021 Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro – atinente, nomeadamente, à redefinição da estrutura interna do MENAC –, no âmbito da qual poderá caber uma intervenção no referido artigo 13.º, n.º 2, do RGPC.
Entretanto, a Portaria n.º 185/2014/1, de 14 de agosto, aprovou o modelo de declaração de inexistência de conflitos de interesses, destinada aos membros dos órgãos de administração, [aos] dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas pelo (RGPC). Entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Depois, a Portaria n.º 242/2024/1, de 4 de outubro, estabeleceu que a Portaria n.º 185/2014/1, de 14 de agosto, entraria em vigor 180 dias após a sua publicação. Porém, contraditoriamente, estipula que a presente portaria produz efeitos à data da publicação da Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto. Fosse como fosse, deveria a obrigatoriedade da declaração de interesses ocorrer a partir de 5 de fevereiro deste ano.   
Todavia, a Portaria n.º 38/2025/1, de 14 de fevereiro, considerando que, “não tendo, nesse período, sido possível aprovar a revisão, em curso, do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e do RGPC, que dele faz parte integrante”, entendeu conveniente “sobrestar à vigência da Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto, por mais seis meses, de modo a acautelar as legítimas expectativas das entidades abrangidas”.
Entretanto, a 8 de agosto, o MENAC tornou pública uma recomendação sobre o cumprimento do disposto no artigo 13.º do RGPC, na qual, depois de lembrar o estabelecido no RGPC e o facto de o Decreto-Lei n.º 70/2025, de 29 de abril, ter mantido inalterado o disposto no artigo 13.º do RGPC, e competindo ao MENAC promover e controlar a implementação do RGPC, dispôs:
“1. Devem subscrever a declaração de inexistência de conflitos de interesses, prevista no n.º 2 do artigo 13.º do RGPC, os órgãos de administração, [os] dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas envolvidos em procedimentos administrativos, em matéria de contratação pública, [de] concessão de subsídios, [de] subvenções ou benefícios, [de] licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais ou [de] procedimentos sancionatórios.
“2. No caso de reuniões de órgãos de administração em que sejam tomadas várias decisões relativas a contratação pública, concessão de subsídios, subvenções ou benefícios, licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais ou procedimentos sancionatórios, podem os intervenientes assinar apenas uma única Declaração de Inexistência de Conflitos de Interesses, desde que na referida Declaração conste a identificação completa de todos os procedimentos em que intervieram.
“3. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, as entidades públicas abrangidas pelo RGPC são obrigadas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RGCP, a adotar medidas destinadas a assegurar a isenção e a imparcialidade dos membros dos respetivos órgãos de administração, seus dirigentes e trabalhadores e a prevenir situações de favorecimento interno.
“4. Os membros dos órgãos de administração, [de] dirigentes e trabalhadores de entidades públicas abrangidas pelo RGPC, que se encontrem ou que, razoavelmente, prevejam vir a encontrar-se numa situação de conflito de interesses, comunicam a situação ao superior hierárquico ou, na sua ausência, ao responsável pelo cumprimento normativo, que toma as medidas adequadas para evitar, sanar ou cessar o conflito.”
Por fim, a Portaria n.º 287-A/2025/1, de 14 de agosto, estabelece que a Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto, “entra em vigor dois anos após a sua publicação”. E justifica, no seu preâmbulo: “No entanto, com o processo eleitoral autárquico em curso e a abertura de um novo ciclo da governação local, torna-se manifestamente inconveniente a imposição imediata das mudanças que seriam necessárias, por poderem criar uma perturbação no funcionamento dos órgãos autárquicos. Sendo as autarquias o grupo quantitativamente mais significativo das entidades potencialmente abrangidas pela entrada em vigor da Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto, criar-se-ia um risco acrescido para o normal funcionamento das estruturas administrativas e para a agilidade do processo decisório.”

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Assim, a recomendação do MENAC foi inútil e o texto de Salomé Pinto, sobre a matéria, publicado no ECO online, a 12 de agosto, ficou desatualizado.
O MENAC, liderado pelo juiz conselheiro António Pires Henriques da Graça, refere que o RGPC considera conflito de interesses qualquer situação em que se possa, com razoabilidade, duvidar, seriamente, da imparcialidade da conduta ou decisão do membro do órgão de administração, [do] dirigente ou trabalhador”.

Nestes termos, como lembra o organismo, “os membros dos órgãos de administração, [os] dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas pelo RGPC assinam uma declaração de inexistência de conflitos de interesses nos procedimentos em que intervenham respeitantes às seguintes matérias ou áreas de intervenção: contratação pública; concessão de subsídios, subvenções ou benefícios; licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais; [e] procedimentos sancionatórios”.

Por outro lado, face ao “crescente número de dúvidas e questões suscitadas perante o MENAC e que importa esclarecer”, o organismo dirigido por António Pires Henriques da Graça, recomendou: “Devem subscrever a declaração de inexistência de conflitos de interesses os órgãos de administração, dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas envolvidos em procedimentos administrativos, em matéria de contratação pública, [de] concessão de subsídios, [de] subvenções ou benefícios, [de] licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais ou [de] procedimentos sancionatórios”.

Em reuniões de órgãos de administração em que sejam tomadas várias decisões relativas a contratação pública, a concessão de subsídios, a subvenções ou a benefícios, a licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais ou a procedimentos sancionatórios, “podem os intervenientes assinar apenas uma única declaração de inexistência de conflitos de interesses, desde que, na referida declaração, conste a identificação completa de todos os procedimentos em que intervieram”.

Além disso, as entidades abrangidas pelo RGPC são obrigadas “a adotar medidas destinadas a assegurar a isenção e a imparcialidade dos membros dos respetivos órgãos de administração, [dos] seus dirigentes e trabalhadores e a prevenir situações de favorecimento interno”. E, ainda, “os membros dos órgãos de administração, [os] dirigentes e [os] trabalhadores de entidades abrangidas pelo RGPC que se encontrem ou que, razoavelmente, prevejam vir a encontrar-se numa situação de conflito de interesses” devem comunicar “a situação ao superior hierárquico ou, na sua ausência, ao responsável pelo cumprimento normativo, que toma as medidas adequadas para evitar, sanar ou cessar o conflito”.

A medida, como sublinha, Ânia Ataíde, em texto, sobre a matéria, publicado a 15 de agosto, no ECO online, está inserida no RGPC, desenvolvido no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-24. E, para garantir os objetivos do RGPC para as entidades públicas, foram estabelecidas várias disposições que visam assegurar a transparência administrativa, evitar conflitos de interesses, regular a acumulação de funções, implementar sistemas de controlo interno e promover a concorrência na contratação pública.

A portaria, com o formulário da declaração, deveria ter entrado em vigor em setembro de 2024, mas foi inicialmente adiada por um ano, pelo que deveria passar a estar em vigor a partir de agosto deste ano. No entanto, a ministra da Justiça e a Secretária de Estado da Administração Pública determinaram, no dia 13, que apenas entrasse em vigor dois anos após a sua publicação, ou seja, no verão de 2026.

 “Com o processo eleitoral autárquico em curso e a abertura de um novo ciclo da governação local, torna-se, manifestamente, inconveniente a imposição imediata das mudanças que seriam necessárias, por poderem criar uma perturbação no funcionamento dos órgãos autárquicos”, justifica o governo, vincando que, “sendo as autarquias o grupo quantitativamente mais significativo das entidades potencialmente abrangidas pela entrada” da declaração “criar-se-ia um risco acrescido para o normal funcionamento das estruturas administrativas e para a agilidade do processo decisório”.

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Assim, foi adiada, sucessivamente, a vigência da portaria que aprova o modelo de declaração de inexistência de conflitos de interesses destinada aos membros dos órgãos de administração, aos dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas pelo RGPC. Só resta esperar que não haja mais nenhum adiamento.
Se os motivos invocados para os adiamentos até 14 de agosto deste ano se entendiam, a justificação apresentada, para o adiamento para agosto do próximo ano, é bem denotativa da dificuldade em bulir com a malha autárquica ou da falta de vontade política de exterminar ou de, pelo menos, minimizar a corrupção.
Em relação às autarquias, o único item a esclarecer, para que não restassem dúvidas, era que a obrigatoriedade do preenchimento do tal modelo se aplicaria aos novos autarcas eleitos, só após a instalação dos respetivos órgãos. No entanto, há autarcas em exercício e dirigentes autárquicos a quem já se aplica o disposto nos artigos 69.º e 73.º do CPA. Portanto, não se vê tanta penosidade no preenchimento do dito formulário de declaração de interesses.    
Contudo, o governo prefere que o RGPC ande de portaria em portaria, talvez para dar razão aos críticos, no sentido de que as medidas propaladas não passam de propaganda e que tudo mudará, para ficar na mesma. É caso para perguntar como se fará uma inédita reforma do Estado, se as reformas setoriais em curso andam aos tropeções, ou porque o governo não tem tempo para rever decretos-leis ou porque há eleições autárquicas.
Basta de política de arrastamento de pés! Basta de portarias sucessivas, apenas a alterar a data da entrada em vigor da originária!

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