O governo adiou, mais uma vez, a obrigatoriedade de os trabalhadores do
Estado declararem conflitos de interesses, no quadro do regime geral de
prevenção da corrupção (RGPC).
Medida
abrange órgãos, dirigentes e funcionários que deliberem sobre contratação
pública, subsídios, sanções e licenciamentos. Porém, tem emperrado, ao longo do
tempo.
O
Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, criou o Mecanismo Nacional
Anticorrupção (MENAC) e aprovou o regime geral da prevenção da corrupção (RGPC).
E entrou em vigor 180 dias após a sua publicação.
O seu artigo 13.º abordando, especificamente, os conflitos de interesses, estabelece
que “as entidades
públicas abrangidas adotam medidas destinadas a assegurar a isenção e a
imparcialidade dos membros dos respetivos órgãos de administração, [dos] seus
dirigentes e trabalhadores e a prevenir situações de favorecimento” (n.º 1);
que “os membros dos órgãos de administração, dirigentes e trabalhadores das
entidades públicas abrangidas assinam uma declaração de inexistência de
conflitos de interesses, conforme modelo a definir, por portaria dos membros governo
responsáveis pelas áreas da justiça e da Administração Pública, nos
procedimentos em que intervenham respeitantes às seguintes matérias ou áreas de
intervenção: a) contratação pública; b) concessão de subsídios, subvenções ou
benefícios; c) licenciamentos
urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais; d) procedimentos sancionatórios” (n.º 2); que “os membros dos
órgãos de administração, [os] dirigentes e trabalhadores de entidades públicas
abrangidas que se encontrem ou que razoavelmente prevejam vir a encontrar-se
numa situação de conflito de interesses comunicam a situação ao superior
hierárquico ou, na sua ausência, ao responsável pelo cumprimento normativo, que
toma as medidas adequadas para evitar, sanar ou cessar o conflito” (n.º 3); que
se considera “conflito de interesses qualquer situação em que se possa, com
razoabilidade, duvidar seriamente da imparcialidade da conduta ou [da] decisão
do membro do órgão de administração, [do] dirigente ou trabalhador, nos termos
dos artigos 69.º e 73.º do Código do Procedimento Administrativo [CPA]” (n.º 4);
e que o órgão de administração ou o dirigente da entidade pública abrangida faz
cumprir o disposto nos números anteriores” (n.º 5).
O tempo passou e tanto o RGPC como MENAC foram avançando, com a lentidão própria
da Administração Publica (AP).
Na Agenda Anticorrupção, aprovada pelo Conselho de Ministros,
em 20 de junho de 2024, na sequência da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020-2024, prevê-se uma
revisão do Decreto-Lei
n.º 109-E/2021 Decreto-Lei n.º 109-E/2021 Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de
dezembro – atinente, nomeadamente, à redefinição da estrutura interna do MENAC –,
no âmbito da qual poderá caber uma intervenção no referido artigo 13.º, n.º 2,
do RGPC.
Entretanto, a Portaria n.º 185/2014/1, de 14 de
agosto, aprovou o modelo de declaração de inexistência de conflitos de
interesses, destinada aos membros dos órgãos de administração, [aos] dirigentes
e trabalhadores das entidades públicas abrangidas pelo (RGPC). Entrou em
vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Depois, a Portaria n.º 242/2024/1, de 4 de outubro, estabeleceu que a Portaria n.º
185/2014/1, de 14 de agosto, entraria em vigor 180 dias após a sua publicação.
Porém, contraditoriamente, estipula que a presente portaria produz efeitos à
data da publicação da Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto. Fosse como fosse, deveria a obrigatoriedade da declaração de interesses
ocorrer a partir de 5 de fevereiro deste ano.
Todavia, a Portaria n.º 38/2025/1, de 14 de
fevereiro, considerando que, “não tendo, nesse período, sido
possível aprovar a revisão, em curso, do Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de
9 de dezembro, e do RGPC, que dele faz parte integrante”, entendeu conveniente “sobrestar
à vigência da Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto, por mais seis
meses, de modo a acautelar as legítimas expectativas das entidades abrangidas”.
Entretanto, a 8 de agosto, o MENAC tornou pública uma recomendação
sobre o cumprimento do disposto no artigo 13.º do RGPC, na qual, depois de
lembrar o estabelecido no RGPC e o facto de o Decreto-Lei n.º 70/2025, de 29 de
abril, ter mantido inalterado o disposto no artigo 13.º do RGPC, e competindo
ao MENAC promover e controlar a implementação do RGPC, dispôs:
“1.
Devem subscrever a declaração de inexistência de conflitos de interesses,
prevista no n.º 2 do artigo 13.º do RGPC, os órgãos de administração, [os] dirigentes
e trabalhadores das entidades públicas abrangidas envolvidos em procedimentos
administrativos, em matéria de contratação pública, [de] concessão de
subsídios, [de] subvenções ou benefícios, [de] licenciamentos urbanísticos,
ambientais, comerciais e industriais ou [de] procedimentos sancionatórios.
“2.
No caso de reuniões de órgãos de administração em que sejam tomadas várias
decisões relativas a contratação pública, concessão de subsídios, subvenções ou
benefícios, licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais
ou procedimentos sancionatórios, podem os intervenientes assinar apenas uma
única Declaração de Inexistência de Conflitos de Interesses, desde que na
referida Declaração conste a identificação completa de todos os procedimentos
em que intervieram.
“3.
Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, as entidades públicas
abrangidas pelo RGPC são obrigadas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RGCP,
a adotar medidas destinadas a assegurar a isenção e a imparcialidade dos
membros dos respetivos órgãos de administração, seus dirigentes e trabalhadores
e a prevenir situações de favorecimento interno.
“4.
Os membros dos órgãos de administração, [de] dirigentes e trabalhadores de
entidades públicas abrangidas pelo RGPC, que se encontrem ou que, razoavelmente,
prevejam vir a encontrar-se numa situação de conflito de interesses, comunicam
a situação ao superior hierárquico ou, na sua ausência, ao responsável pelo
cumprimento normativo, que toma as medidas adequadas para evitar, sanar ou
cessar o conflito.”
Por fim, a Portaria n.º 287-A/2025/1, de 14
de agosto, estabelece que a Portaria n.º 185/2024/1, de 14 de agosto, “entra
em vigor dois anos após a sua publicação”. E justifica, no seu preâmbulo:
“No entanto, com o processo eleitoral autárquico em curso e a abertura de um
novo ciclo da governação local, torna-se manifestamente inconveniente a
imposição imediata das mudanças que seriam necessárias, por poderem criar uma
perturbação no funcionamento dos órgãos autárquicos. Sendo as autarquias o
grupo quantitativamente mais significativo das entidades potencialmente
abrangidas pela entrada em vigor da Portaria n.º 185/2024/1, de
14 de agosto, criar-se-ia um risco acrescido para o normal funcionamento das
estruturas administrativas e para a agilidade do processo decisório.”
***
Assim,
a recomendação do MENAC foi inútil e o texto de Salomé Pinto, sobre a matéria, publicado
no ECO online, a 12 de agosto, ficou
desatualizado.
O
MENAC, liderado pelo juiz conselheiro António Pires Henriques da Graça, refere
que o RGPC considera conflito de
interesses qualquer situação em que se possa, com razoabilidade, duvidar,
seriamente, da imparcialidade da conduta ou decisão do membro do órgão de
administração, [do] dirigente ou
trabalhador”.
Nestes
termos, como lembra o organismo, “os membros dos órgãos de administração, [os] dirigentes
e trabalhadores das entidades públicas abrangidas pelo RGPC assinam uma declaração de inexistência de conflitos de interesses nos
procedimentos em que intervenham respeitantes às seguintes matérias ou áreas de
intervenção: contratação pública; concessão de subsídios, subvenções ou
benefícios; licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais; [e]
procedimentos sancionatórios”.
Por
outro lado, face ao “crescente número de dúvidas e questões suscitadas perante
o MENAC e que importa esclarecer”, o organismo dirigido por António Pires
Henriques da Graça, recomendou: “Devem subscrever a
declaração de inexistência de conflitos de interesses os órgãos de administração,
dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas envolvidos em
procedimentos administrativos, em matéria de contratação pública, [de]
concessão de subsídios, [de] subvenções ou benefícios, [de] licenciamentos urbanísticos,
ambientais, comerciais e industriais ou [de] procedimentos sancionatórios”.
Em reuniões de órgãos de administração em que sejam tomadas várias decisões
relativas a contratação pública, a concessão de subsídios, a subvenções ou a benefícios,
a licenciamentos urbanísticos, ambientais, comerciais e industriais ou a procedimentos
sancionatórios, “podem os intervenientes assinar apenas uma única
declaração de inexistência de conflitos de interesses, desde que, na referida
declaração, conste a identificação completa de todos os procedimentos em que intervieram”.
Além disso, as entidades abrangidas pelo RGPC são obrigadas “a adotar
medidas destinadas a assegurar a isenção e a imparcialidade dos
membros dos respetivos órgãos de administração, [dos] seus
dirigentes e trabalhadores e a prevenir situações de favorecimento interno”. E,
ainda, “os membros dos órgãos de administração, [os] dirigentes e [os] trabalhadores de entidades abrangidas pelo RGPC que se encontrem
ou que, razoavelmente, prevejam vir a encontrar-se numa situação de conflito de
interesses” devem comunicar “a situação ao superior hierárquico ou,
na sua ausência, ao responsável pelo cumprimento normativo, que toma as medidas
adequadas para evitar, sanar ou cessar o conflito”.
A
medida, como sublinha, Ânia Ataíde, em texto, sobre a matéria, publicado a 15
de agosto, no ECO online, está inserida no RGPC, desenvolvido no
âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-24. E, para garantir os
objetivos do RGPC para as entidades públicas, foram estabelecidas várias
disposições que visam assegurar a transparência administrativa, evitar conflitos
de interesses, regular a acumulação de funções, implementar sistemas de controlo
interno e promover a concorrência na contratação pública.
A
portaria, com o formulário da declaração, deveria ter entrado em vigor em
setembro de 2024, mas foi inicialmente adiada por um ano, pelo que deveria
passar a estar em vigor a partir de agosto deste ano. No entanto, a ministra da Justiça e a Secretária de Estado da
Administração Pública determinaram, no dia 13, que apenas entrasse em vigor
dois anos após a sua publicação, ou seja, no verão de 2026.
“Com o processo eleitoral autárquico em curso e a
abertura de um novo ciclo da governação local, torna-se, manifestamente,
inconveniente a imposição imediata das mudanças que seriam necessárias,
por poderem criar uma perturbação no funcionamento dos órgãos autárquicos”,
justifica o governo, vincando que, “sendo as autarquias o grupo quantitativamente
mais significativo das entidades potencialmente abrangidas pela entrada” da
declaração “criar-se-ia um risco acrescido para o normal
funcionamento das estruturas administrativas e para a agilidade do processo
decisório”.
***
Assim, foi adiada, sucessivamente, a vigência
da portaria que aprova o modelo de declaração de
inexistência de conflitos de interesses destinada aos membros dos órgãos de
administração, aos dirigentes e trabalhadores das entidades públicas abrangidas
pelo RGPC. Só resta esperar que não haja mais nenhum adiamento.
Se os motivos invocados para os adiamentos até 14 de agosto deste ano se
entendiam, a justificação apresentada, para o adiamento para agosto do próximo ano,
é bem denotativa da dificuldade em bulir com a malha autárquica ou da falta de
vontade política de exterminar ou de, pelo menos, minimizar a corrupção.
Em relação às autarquias, o único item a esclarecer, para que não restassem
dúvidas, era que a obrigatoriedade do preenchimento do tal modelo se aplicaria
aos novos autarcas eleitos, só após a instalação dos respetivos órgãos. No entanto,
há autarcas em exercício e dirigentes autárquicos a quem já se aplica o disposto
nos artigos 69.º e 73.º do CPA. Portanto, não se vê tanta penosidade no preenchimento
do dito formulário de declaração de interesses.
Contudo, o governo prefere que o RGPC ande de portaria em portaria, talvez
para dar razão aos críticos, no sentido de que as medidas propaladas não passam
de propaganda e que tudo mudará, para ficar na mesma. É caso para perguntar
como se fará uma inédita reforma do Estado, se as reformas setoriais em curso
andam aos tropeções, ou porque o governo não tem tempo para rever decretos-leis
ou porque há eleições autárquicas.
Basta de política de arrastamento de pés! Basta de portarias sucessivas, apenas
a alterar a data da entrada em vigor da originária!
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