Delegados de 176 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU), organizações não-governamentais (ONG), cientistas e industriais estão reunidos em Genebra, na Suíça, de 5 a 14 de agosto para negociar um tratado internacional, com vista a reduzir a poluição por plásticos, incluindo no ambiente marinho. A nível da União Europeia (UE), participa no segmento ministerial das negociações Jessika Roswall, comissária para o Ambiente, a Resiliência da Água e uma Economia Circular Competitiva.
Reduzir, reciclar e reutilizar são comportamentos bons, mas insuficientes. A questão só se resolve combatendo a poluição por plásticos na fonte. A produção de plásticos e a sua utilização chegaram a um patamar explosivo, de tal modo que cientistas e instituições alertam para o facto de a reciclagem não ser suficiente, sendo necessárias opções alternativas e de redução, para combater a poluição por plásticos, que estão presentes em todo o ambiente e até no corpo humano. Com efeito, todos os anos, o Mundo produz quantidades recorde de plástico.
A nível mundial, são produzidos, em média, 460 milhões de toneladas de plástico, por ano, e 81% dos produtos plásticos acabam como resíduos, em menos de um ano. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2021, foram produzidos mais de 400 milhões de toneladas de plástico, o dobro do início da década de 2000, com a perspetiva de o consumo poder triplicar até 2060, pois a reciclagem não acompanha o ritmo da aceleração da produção. Cerca de 9 % dos resíduos são reciclados, 19 % são incinerados, mais 20% é depositado na Natureza e quase 50% é enviada para aterros sanitários.
À medida que o consumo de plástico aumenta, prevê-se que os resíduos mal geridos aumentem 47% e que as fugas de plástico para o ambiente aumentem em 50%, até 2040.
Cerca de 85% do lixo marinho proveniente de fontes terrestres é plástico, representando um risco para a vida marinha e para a saúde humana, através da cadeia alimentar. E, além da poluição ambiental, a produção de plástico contribui para as alterações climáticas.
Enquanto as nações do Mundo se esforçam acordarem sobre um tratado para combater a poluição por plásticos, o consumo do produto aumenta. E, todos os anos, a UE produz cerca de 13,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) a partir de plásticos.
Na Europa, cerca de três quartos do plástico são utilizados, principalmente, para fins não conexos com embalagens, incluindo a construção, o mobiliário, os têxteis e a eletrónica de consumo. Na Europa Ocidental, o consumo médio anual de plástico é de cerca de 150 quilogramas (Kg) por pessoa, mais do dobro da média mundial de 60 kg. Enfim, a utilização de plástico na Europa deverá atingir 101,2 milhões de toneladas até 2040, de acordo com a OCDE. E, segundo a Plastics Europe, os plásticos reciclados pós-consumo representaram 10,1% da produção europeia de plásticos.
Na UE, já se registou um aumento de 9% na libertação não intencional de microplásticos no ambiente; e as emissões anuais conexas com a produção de plástico totalizam cerca de 13,4 milhões de toneladas de CO2.
Os plásticos demoram entre 20 e 500 anos a decompor-se, mas não desaparecem, pois, mesmo quando se fragmentam, deixam microplásticos, partículas mais pequenas do que cinco milímetros. E estes microplásticos invadem os oceanos, os lagos e os rios, penetram nos solos e introduzem-se nos organismos vivos, incluindo o corpo humano, havendo estudos a comprovar a existência destes microplásticos na água potável, no leite materno e até no sangue humano. Está, assim, em causa a saúde humana.
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Face a esta
situação, a UE adotou uma série de medidas nos últimos anos, como: a proibição
dos plásticos de utilização única, desde 2021, sobre artigos mais comuns e
substituíveis, como sacos, palhinhas e talheres; a regulamentação em matéria de
embalagens, com o objetivo de reduzir o excesso de embalagens e de melhorar a
sua reciclabilidade; o regulamento europeu REACH, para restringir a adição
intencional de microplásticos em determinados cosméticos, detergentes e produtos
industriais; um projeto de regulamento sobre o transporte marítimo, visando
minimizar a perda de pellets industriais,
para evitar a poluição por microplásticos; e a revisão em curso da Diretiva-Quadro
Estratégia Marinha.Além disso, a UE financia projetos de investigação destinados a desenvolver alternativas de origem biológica e biodegradável aos plásticos tradicionais, como o projeto SEALIVE, liderado pelo centro de investigação ITENE de Valência, do projeto R3pack; e pretende otimizar o desempenho económico dos sistemas de reutilização, para atingir 100 % de embalagens reutilizáveis ou recicláveis no mercado, até 2030.
Além-fronteiras, a UE luta, ativamente, por um acordo global juridicamente vinculativo relativo à poluição por plásticos. O projeto de tratado está em negociação desde 2025 e os relatórios indicam que surgiram duas visões: a coligação de “grande ambição”, que reúne mais de 100 membros, incluindo a UE, o Ruanda, a Noruega e o Peru, que defende uma diretiva juridicamente vinculativa para abranger todo o ciclo de vida dos plásticos (medidas a montante e a jusante); e outros países, incluindo grandes produtores de petróleo, que pretendem que o foco em medidas a jusante, como a gestão de resíduos e a reciclagem.
As medidas a montante, alvo de aceso debate, incluem a produção e o consumo sustentáveis de plásticos; a abordagem de questões conexas com artigos de plásticos problemáticos (como os de utilização única); e a redução das substâncias químicas que suscitam maior preocupação.
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A este respeito, Richard Thompson, professor de Biologia Marinha na Universidade de Plymouth, nomeado pela Time como uma das 100 pessoas mais influentes de 2025 pelo seu trabalho sobre microplásticos e coordenador da Coligação Científica para um Tratado de Plásticos Eficaz, sustenta devem ser tomadas “medidas urgentes”, porque o problema não pode ser resolvido com a gestão dos resíduos, sendo preciso tomar medidas sistémicas, ao longo de toda a cadeia de abastecimento, o que incluirá a produção de menos plásticos, em particular, os que “não são essenciais para a sociedade”.
Richard Thompson apela aos negociadores para que atuem de forma a poderem “olhar a próxima geração nos olhos”. Efetivamente, na ótica do cientista, “a poluição plástica é um problema ambiental global”, pois o plástico contamina o planeta, desde os “oceanos mais profundos até às nossas montanhas mais altas”, estando presente no gelo, desde o Mar Ártico até ao equador”. Mais: os microplásticos estão “presentes no ar que respiramos, na água que bebemos e nos alimentos que comemos”, reforça.
Para Richard Thompson, o tratado deve “abordar todo o ciclo de vida dos plásticos”, visando regulamentar os “16 mil produtos químicos utilizados na produção de plásticos, dos quais quatro mil são potencialmente nocivos”; deve definir critérios de sustentabilidade para a conceção de plásticos e de produtos plásticos reutilizáveis ou que durem mais tempo, que contenham menos microplásticos e que possam ser reciclados numa economia circular, sendo necessária rotulagem adequada para que estes produtos sejam reconhecidos; e deve refletir sobre o financiamento adequado, de modo a não excluir os países mais pobres.
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Neste
âmbito, é de destacar o esforço muito positivo na Croácia, no sentido da
contenção da produção e do consumo dos plásticos.Casas coloridas, águas cristalinas e um porto tranquilo tornam a ilha de Zlarin, no arquipélago da Dalmácia croata, perfeita para uma publicação no Instagram, ou seja, um laboratório para o turismo sustentável. Em 2018, os residentes, os comerciantes e as associações locais criaram uma carta coletiva para a eliminação do plástico de uso único, com os restaurantes e as lojas a substituírem o plástico por embalagens de papel, de madeira ou reutilizáveis, o que, segundo os promotores da iniciativa “Por uma Zlarin livre de plástico”, levou a significativa redução dos resíduos de plástico na ilha.
A ilha pretende inspirar os vizinhos com o projeto “Arquipélago Livre de Plástico”, apoiado pela Organização de Pequenas Ilhas (SMILO), que dá apoio às pequenas ilhas na transição ecológica.
A cidade medieval de Trogir, Património Mundial da UNESCO, participa no programa Plastic Smart Cities, lançado pela ONG internacional World Wide Fund for Nature (WWF), em 2021, que tem por objetivo ajudar as cidades costeiras a reduzir a poluição por plástico, especialmente, no verão, quando os níveis de resíduos aumentam 40 %, segundo a ONG.
Com o apoio da ONG croata Sunce, o município proibiu o uso de plástico de uso único nos edifícios públicos, evitando o uso de cerca de duas toneladas de plástico por ano, criou um centro de triagem de resíduos e planeia oferecer rendas mais baixas aos comerciantes que deixarem de utilizar plásticos descartáveis.
A cidade de Dubrovnik, que ganhou fama, mercê da série A Guerra dos Tronos, faz parte deste programa, juntamente com outras cidades europeias, como Nice e Veneza.
Em 2024, a ilha de Krk, conhecida como “Ilha Dourada”, desde a Antiguidade, tornou-se a primeira ilha da Croácia a receber o selo Zero Resíduos da rede Zero Waste Europe (ZWE) e é a ilha do Mundo a obter a certificação, após a ilha de Tilos, na Grécia.
Segundo os auditores do selo, os sete municípios de Krk (incluindo Baška, Omišalj e Punat) obtiveram resultados encorajadores: 58 % de recolha seletiva de resíduos; 22 % menos resíduos domésticos per capita do que a média nacional; e novas infraestruturas de alto desempenho, incluindo uma estação de compostagem, uma estação de triagem e sete centros de reciclagem.
Porém, a Croácia não está sozinha. Várias grandes cidades europeias, incluindo Paris, Barcelona, Berlim, Roterdão e Aarhus, participam no Projeto ReuSe Vanguard, coordenado pela Zero Waste Europe, que visa normalizar a reutilização na venda de alimentos e bebidas para fora.
Em Aarhus, na Dinamarca, o projeto parceiro “Rotake Reusable” instalou 30 “Máquinas de Venda Inversa” na cidade. Os clientes depositam os copos reutilizáveis nas máquinas em troca da caução de cinco coroas dinamarquesas (0,43 euros).Assim, foram recolhidos mais de 500 mil copos em menos de oito meses, com uma taxa de retorno de 85 %.
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De acordo com um estudo da União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), a atividade humana gera
229 mil toneladas de resíduos de plástico, no Mediterrâneo, todos os anos. Os
macrorresíduos de plástico, resultantes da gestão inadequada dos resíduos,
representam 94 % do total de resíduos plásticos acumulados.O Mediterrâneo é a sexta maior zona de acumulação de lixo marinho. Detém só 1% das águas do Mundo, mas concentra 7% de todos os microplásticos globais. Por isso, os cientistas franceses da Exploration Bleue deslocaram-se à costa de Toulon para estudarem o impacto da poluição por microplásticos no Mar Mediterrâneo, em expedições pelo veleiro de 27 metros da ONG Expédition 7e Continent. A investigação envolve o arrasto de duas redes, durante uma hora, para recolher amostras de microplásticos, que serão, depois, selecionadas nos laboratórios que participam no projeto.
Alexandra Ter-Halle, diretora de investigação do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) e coordenadora científica da expedição sustenta que, sendo o Mediterrâneo “um mar fechado com uma população densa”, acaba no mar “toda a atividade humana”. E, estudados os poluentes químicos transportados pelos plásticos, sabe-se que “todos contêm poluição química”.
Expondo-se os animais marinhos a microplásticos, as substâncias químicas podem ser transferidas para os seus corpos e, porque muitos destes produtos são desreguladores endócrinos, têm impacto na saúde dos animais. No dizer de Alexandra Ter-Halle, embora os efeitos nos seres humanos não sejam totalmente conhecidos, já se sabe que tais desreguladores afetam todo o sistema hormonal do corpo, com impacto na fertilidade e no desenvolvimento do cancro.
A ciência está só a começar a compreender o perigo que os microplásticos representam para os ecossistemas e para a saúde humana. Nos micro e nanoplásticos, que são, em geral, mais pequenos do que um milésimo de milímetro, faltam instrumentos precisos para os medir ou compreender plenamente os seus efeitos.
O Plano de Ação Poluição Zero da Comissão Europeia visa reduzir os microplásticos em 30%, até 2030. E Jean-François Ghiglione, microbiologista marinho e diretor de investigação do CNRS, liderou uma campanha inédita de amostragem em nove grandes rios europeus, em 2019 e viu microplásticos, por todo o lado, em concentrações “alarmantes”. Entretanto, considerou que, antes, a poluição por plásticos era enorme, sobretudo, “devido às embalagens e aos plásticos de utilização única”, ao passo que, agora, se espera “mudança na forma como o plástico é visto”. Ou seja, o plástico tem sido visto como um resíduo e os esforços têm-se centrado na gestão dos resíduos, mas espera-se que a UE promova a redução drástica da produção de plásticos e elabore uma lista de substâncias químicas cuja utilização nos plásticos deve ser proibida.
A Europa fez progressos, mas a comunidade científica pede mais. Com as negociações em curso, a comunidade internacional enfrenta uma escolha: gerir a poluição ou atacar o mal pela raiz.
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Como pôde um
produto tão útil para o progresso humano tornar-se um fator de risco tão
grande?
2025.08.13 – Louro de Carvalho
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