De acordo com
a respetiva nota da Sala de Imprensa da Santa Sé, “em
31 de julho de 2025, o Santo Padre Leão XIV recebeu, em audiência, Sua Eminência
o Cardeal Marcello Semeraro, prefeito do Dicastério para as Causas dos Santos”,
e “confirmou o parecer positivo da Sessão Plenária dos Cardeais e Bispos,
membros do Dicastério para as Causas dos Santos, sobre o título de Doutor da
Igreja Universal que, em breve, será conferido a São João Henrique Newman,
cardeal da Santa Igreja Romana, fundador do Oratório de São Filipe Néri, na
Inglaterra; nascido em Londres, no Reino Unido, em 21 de fevereiro de 1801 e
falecido em Edgbaston, no Reino Unido, em 11 de agosto de 1890”.
A
propósito desta notícia referente ao santo cardeal Henrique Newman, o Vatican News, o portal de informação
Vaticano, publicou um artigo de Alessandro de Carolis,
intitulado “Cardeal
Newman será proclamado Doutor da Igreja”.
O
texto sustenta que se trata de “um dos grandes pensadores modernos do
cristianismo, protagonista de um caminho espiritual e humano que marcou a
Igreja e o ecumenismo do século XIX, autor de reflexões e de textos que
demonstram como viver a fé é um diálogo quotidiano ‘de coração a coração’ com
Cristo”.
Foi uma vida dedicada, com energia e paixão, pelo Evangelho, que culminou, em 2019, com a sua canonização, que bem merece a proclamação de Doutor da Igreja, para breve, do purpurado inglês John Henry Newman.
“Guia-me, ó Luz suave, através da escuridão, guia-me. Escura é a noite, distante é a casa: guia-me... O teu poder sempre me abençoou; mesmo agora, ele me guiará, através dos pântanos e das selvas, até que a noite se desvaneça e a aurora sorria em meu caminho.” Foi a grande e comovente oração de John Henry Newman, nascido em 1801, que surgiu do coração, quando tinha 32 anos e retornava à Inglaterra, após longa viagem pela Itália. Havia oito anos que era padre anglicano, mas, acima de tudo, era uma das mentes mais brilhantes da sua Igreja, um homem que cativa com a palavra, falada e escrita.
“A sua viagem à Itália, em 1832, aprofundou a sua busca interior. John Henry Newman ansiava por conhecer as profundezas de Deus, a sua ‘Luz suave’, que era, para ele, também a luz da Verdade. A verdade sobre Cristo, sobre a verdadeira natureza da Igreja, sobre a tradição dos primeiros séculos, quando os primeiros Padres falavam a uma Igreja ainda não dividida”, releva Alessandro de Carolis.
Oxford – o centro de propagação da sua fé e onde o futuro santo viveu e trabalhou – tornou-se um caminho que levou cada vez mais as suas convicções ao catolicismo. Em 1845, no Ensaio sobre o desenvolvimento do dogma, destilou o percurso espiritual que havia produzido nele a Luz que tanto procurava: a de que a Igreja católica do seu tempo era a mesma que vinha do coração de Cristo, a Igreja dos mártires e dos antigos Padres, que, tal como uma árvore, cresceu e se desenvolveu, ao longo da História. Pediu, então, para se tornar católico, o que fez a 8 de outubro de 1845, relembrando aquele momento, mais tarde: “Para mim, foi como entrar num porto, após uma viagem tempestuosa. A minha felicidade é ininterrupta.”
Retornou à Itália, em 1846, para ingressar no Colégio de Propaganda Fide como simples seminarista – ele, que era teólogo e pensador de renome internacional. “É tão maravilhoso estar aqui”, observou. “É como um sonho, mas tão tranquilo, tão seguro, tão feliz, como se eu sempre tivesse pertencido àquele lugar.”
Em 30 de maio de 1847, completou-se o ciclo de sua vocação com a ordenação sacerdotal. Durante esses meses, Henry Newman ficou fascinado pela figura de São Filipe Néri – outro, como ele, “adotado” por Roma – e, quando Pio IX o encorajou a retornar à sua terra natal, John Henry fundou ali um Oratório com o nome do santo, ao qual era ligado por notável propensão ao bom humor. Esse bom humor não foi atenuado pelas várias provações que enfrentou, ao longo dos anos, quando várias obras que iniciou na sua terra natal, para radicar o catolicismo pareciam estar a dar em nada. A sua mente continuou a produzir textos brilhantes, em apoio e em defesa do catolicismo, mesmo quando duramente atacado.
Em 1879, o Papa Leão XIII criou-o cardeal. Ao saber disso, chorou de alegria: “As nuvens caíram para sempre.” Ele continuou seu apostolado com a intensidade habitual até 11 de agosto de 1890, dia da sua morte. No seu túmulo, quis apenas o seu nome inscrito, juntamente com algumas poucas palavras que capturam o arco extraordinário da sua vida de 89 anos: “Ex umbris et imaginibus in Veritatem” (Das sombras e das figuras à Verdade).
***
Também o Vatican News publicou um
artigo de Dom Fortunato Morrone, arcebispo de Reggio Calabria - Bova, no Sul
da Itália, intitulado “Cardeal
Newman, ‘um génio complexo, poeta e místico’”, em que traça o perfil do santo
purpurado inglês, que será proclamado Doutor da Igreja.
“John Henry Newman será
doutor da Igreja. Finalmente! Após a canonização do beato cardeal, proclamada
pelo Papa Francisco em 13 de outubro de 2019, esperava-se que a Igreja, na
pessoa do Santo Padre Leão XIV, o reconhecesse como um de seus doutores
(note-se que, em 1879, Leão XIII o elevou ao cardinalato). Imagino, todavia, um
Newman de certo modo embaraçado e surpreso com tal reconhecimento da Igreja”, considera
o arcebispo.
Consciente do seu caráter e das suas limitações culturais, bem
como do seu notável potencial intelectual e moral, Henry Newman, já idoso, numa
correspondência, após listar uma série de qualidades e dons específicos exigidos
de um teólogo, confidenciou: “Isso eu não sou, nem jamais serei. Como São
Gregório Nazianzeno, prefiro trilhar o meu próprio caminho e dispor do meu
tempo [...] sem compromissos urgentes” (LD XXIV, 213).
Neste âmbito, o cardeal foi, antes de mais, um pastor e um pregador
de rara delicadeza linguística e comunicativa, e um homem de fé de notável
cultura e de refinada inteligência que – na contingência de polémicas culturais
ou na defesa detalhada desta ou daquela questão teológica ou filosófica – “soube
expor as razões da esperança cristã em toda a sua plenitude, mas com um estilo
e com uma agudeza de reflexão que revelam a grandeza do seu espírito, capaz de
elevar o tom do debate religioso, social, educacional ou cultural, para ampliar
o horizonte cognitivo, racional e de fé dos seus leitores ou ouvintes, fossem
eles a favor ou contra ele”, adverte Fortunato Morrone.
Henry Newman será doctor Ecclesiae, porque, nas palavras de São Paulo VI, é reconhecido como “um farol cada vez mais luminoso para todos os que buscam uma orientação clara e uma direção segura nas incertezas do Mundo moderno” (Discurso aos especialistas e estudiosos do pensamento do Cardeal Newman, 7 de abril de 1975).
Como os Padres da Igreja, dos quais foi leitor assíduo e discípulo, Henry Newman alimentou e motivou o seu exercício e ministério teológicos, haurindo, continuamente, benefício espiritual, por meio da oração, da escuta e do estudo das Escrituras. Se com a vida de fé, testemunhou a beleza e a praticabilidade do Evangelho, com a sua reflexão teológica, o presbítero anglicano e professor, em Oxford, e presbítero católico oratoriano, mais tarde, ofereceu argumentos convincentes em prol da credibilidade, da solidez e da sabedoria da fé.
No dizer de Henri Bremond, Newman foi “um génio complexo, poeta e místico”. E, como líder do Movimento de Oxford, durante a era anglicana, foi uma referência teológica confiável, apesar de anos de desconfiança entre os seus compatriotas, para a comunidade católica renascida na Inglaterra, após a sua dolorosa, mas lúcida passagem para a Igreja de Roma. Defendendo a liberdade de consciência, em nome de uma fé incondicionalmente aberta à “luz suave” da Verdade e dialogando, dialógica e criticamente, com as correntes do pensamento religioso, filosófico e teológico da era vitoriana, o cardeal Newman “soube conjugar, magistralmente, a relação entre fé e razão, aspeto crucial do pensamento ocidental, com uma abordagem mais fenomenológica-personalista do que metafísica”, abrindo, assim, “novos caminhos para a pesquisa teológica, chamada a oferecer razões para a esperança dos crentes, especialmente os simples”, que “são convidados a testemunhar, ontem e hoje, nesta História humana amada por Deus”.
Ora, como enfatiza Fortunato Morrone, aos simples Newman dedicou a sua Gramática do Assentimento (1870), que o envolveu por toda a vida, seguindo as linhas programáticas essenciais já delineadas nos Quinze Sermões Universitários, proferidos entre 1830 e 1843.
“Atualmente, a sua obra, no horizonte da amizade entre as razões da fé, fundadas na Revelação, e as exigências da razão, oferece-nos a visão de uma fé jubilosa que dá confiança à razão, ante o relativismo e o cientificismo atual”, observa o arcebispo de Reggio Calabria - Bova.
Entre outras obras teológicas de Newman, destaca-se o Ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina cristã (1845), concluído pouco antes da sua passagem para o catolicismo, no qual a categoria de Tradição é evidenciada à luz da História secular da Igreja de forma dinâmica e criativa. A Ideia de Universalidade (1854), fruto da sua experiência de reitor da nova Universidade de Dublin, obra na qual os temas da unidade, da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade do conhecimento em diálogo com a Teologia (ver Veritatis Gaudium, n.º 4, aqui Newman é citado juntamente com Rosmini) são antecipados no contexto do seu tempo. Também o Sobre a consulta dos fiéis em matéria de doutrina (1859), no qual a visão eclesiológica – delineada em The Prophetical Office, publicado em 1837, para dar consistência teológica ao anglicanismo, mas retomado e corrigido no Terceiro Prefácio da Via Média (1873) – nos ajuda a compreender a natureza sinodal da Igreja, hoje. E, por fim, a Carta ao Duque de Norfolk, sobre o delicado tema da consciência, o lugar do coração na experiência de si mesmo e de Deus (God and myself – “Deus e eu mesmo”), mas entendido dentro do ato de fé do crente, como uma assunção subjetiva e responsável da confissão objetiva de fé garantida pela Igreja.
São textos, na ótica de Fortunato Morrone, que permanecem como “um ponto de referência hoje, tanto para o amplo debate teológico contemporâneo como para a missão da Igreja neste Mundo em constante mudança, que apresenta novos desafios à inteligência da fé e oportunidades inéditas à proclamação do Evangelho, mas em dinâmica relacional que, no crente, envolve, principalmente, o coração que se comunica com o coração (cor ad cor loquitur) e que, certamente, envolve a inteligência”.
As suas obras que valeram-lhe grande reconhecimento do Mundo católico e influenciaram mesmo o Concílio Vaticano II, nos anos 60 do século XX.
O Papa Bento XVI beatificou Henry Newman em 2010, recordando o homem de profunda oração que “viveu aquela visão profundamente humana do ministério sacerdotal no seu dedicado cuidado pelas pessoas [...] visitando os doentes e os pobres, confortando os abandonados, cuidando dos encarcerados”. Em 2019, o cardeal Newman foi proclamado santo pelo Papa Francisco, que, na encíclica “Dilexit nos”, explica porque o cardeal inglês escolheu a frase “Cor ad cor loquitur” como lema: porque, para lá de toda dialética, o Senhor nos salva, falando ao nosso coração a partir do seu coração. “Essa mesma lógica – sustenta afirma Francisco – significava que, para ele, um grande pensador, o lugar do encontro mais profundo consigo mesmo e com o Senhor não era a leitura ou a reflexão, mas o diálogo orante, de coração a coração, com Cristo vivo e presente. Portanto, Newman encontrou na Eucaristia o Coração vivo de Jesus, capaz de libertar, dar sentido a cada momento e infundir no homem a verdadeira paz”.
A sua autobiografia espiritual “Apologia pro vita sua” (1864) é vista por muitos como a maior obra do género, desde as “Confissões”, de Santo Agostinho.
2025.08.02 – Louro de Carvalho
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