quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Cimeira da União Europeia sobre drones

 

Decorre nos dias 1 e 2 de outubro, em Copenhaga, na Dinamarca, uma cimeira dos 27 líderes da União Europeia (UE), no âmbito do Conselho Europeu, para estudar as iniciativas de defesa, entre as quais o estabelecimento de uma barreira de drones, bem como o apoio à Ucrânia contra a Rússia, numa guerra que já ultrapassa os três anos e meio. 
Já vários países do Leste europeu têm sido visitados por drones russos, o que levou a UE a pensar na oposição de uma barreira de drones, para prevenir uma ofensiva do Kremlin, algo que não é pacífico, dentro da própria UE. E o recente avistamento de drones, na Dinamarca, sobre locais sensíveis, incluindo instalações militares, levou ao encerramento temporário de aeroportos e apressou a data da cimeira em referência.
No primeiro dia, é a cimeira informal dos 27 líderes da UE, mas, no segundo dia, terá lugar a reunião da Comunidade Política Europeia (CPE), com a presença de mais de 40 chefes de Estado de toda a Europa. E as autoridades dinamarquesas, embora não prevejam riscos, proibiram todos os voos civis de drones, na semana em curso, para “simplificar o trabalho de segurança”.
O momento em que os drones foram avistados no país em que decorre a reunião deverá ajudar a aguçar o espírito dos líderes da UE, cujas conversações se centrarão, principalmente, na melhor forma de defender o flanco oriental e de acelerar o trabalho começado no início deste ano, para reforçar a defesa do bloco, antes do final da década.
Antes da reunião, a Comissão Europeia publicou um documento de orientação no qual, entre outras ideias, delineia quatro projetos emblemáticos que pensa deverem ser financiados e implementados com urgência, os quais incluem uma barreira europeia contra drones, uma vigilância do flanco oriental, um escudo de defesa aérea e um escudo espacial de defesa.
As conversações para a construção de uma barreira de drones já tinham começado na semana anterior, quando 10 estados-membros do flanco oriental se reuniram, com Mark Rutte, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), como observador, na sequência de uma série de violações do espaço aéreo na Polónia, da Estónia e da Roménia, todas atribuídas à Rússia. No entanto, os avistamentos na Dinamarca ainda não foram atribuídos.
Como foi dito já, a constituição do tal muro ou barreira de drones não é pacífica. O presidente francês, Emmanuel Macron, antes da cimeira, disse que é um “tema complexo”, porque requer a abordagem em camadas – com sistemas de defesa aérea de longo e curto alcance –, não só para detetar e para seguir, mas também para abater as ameaças.
Ora, a utilização de caças para neutralizar drones, por vezes, muito baratos, “não é sustentável, a longo prazo”, pelo que a questão, para os líderes, é como ter um sistema eficaz, financeiramente sustentável e que aprenda com o que se verifica na Ucrânia. E o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, afirmou ao Fórum de Segurança de Varsóvia, a 29 de setembro, que é improvável que o conceito seja “concretizado nos próximos três a quatro anos”, porque são necessárias “mais capacidades e mais recursos”.
No atinente às capacidades, os líderes devem discutir o programa de empréstimos SAFE (instrumento de defesa da UE), cuja dotação de 150 mil milhões de euros já foi atribuída, a fim de aperfeiçoar “a melhor forma de utilizar o conceito de nações líderes”, como frisou um alto funcionário da UE, sob anonimato. O programa visa impulsionar a aquisição conjunta, aumentar a interoperabilidade entre os estados-membros e reforçar a base industrial europeia de defesa.
Para poderem beneficiar de parte do dinheiro, pelo menos dois estados-membros têm de comprar o mesmo equipamento de fabrico europeu de uma lista de nove áreas prioritárias, incluindo drones, tecnologia antidrone e munições, com um país a liderar a negociação do contrato. Dois terços do dinheiro foram solicitados e destinados aos países de Leste, alguns dos quais já exigiram subvenções, para financiar projetos de defesa, que poderiam colocá-los em conflito com outros estados-membros. No entanto, estão na fase de implementação os instrumentos financeiros que foram acordados, incluindo, à cabeça, o SAFE.
Outro possível ponto de discórdia entre os líderes é a proposta da Comissão para que os seus serviços assumam um papel mais importante na defesa, nomeadamente, pela análise anual das aquisições dos estados-membros, para facilitar a coordenação e para colmatar as lacunas de capacidade. Os países de maior dimensão, como a Alemanha, a França e a Itália, não se sentirão confortáveis com a ideia, enquanto os países mais pequenos, com exércitos mais reduzidos, serão mais favoráveis. Assim, os líderes voltarão aos seus países e refletirão sobre as discussões, com vista à tomada decisões sobre os passos a dar, na sua reunião formal no final do mês.
A Ucrânia é o outro dos temas em discussão, com o presidente Volodymyr Zelenskyy pronto para ligar e para dar as habituais atualizações sobre os desenvolvimentos na linha da frente.
Os líderes abordam duas questões fundamentais: como continuar a fornecer financiamento ao país devastado pela guerra, para que possa defender-se contra o agressor russo, e como manter o ímpeto do seu processo de adesão à UE. Na verdade, a continuar a logica de apoio, há que decidir a estruturação do financiamento à Ucrânia, a partir do próximo ano, visto que a perspetiva de conversações de paz parece escassa, já que o presidente russo, Vladimir Putin, continua a recusar-se a reunir-se, bilateralmente, com Zelenskyy e os ataques continuam em força.
A utilização dos cerca de 200 mil milhões de euros de dinheiro russo imobilizado, na UE, desde o início da invasão estará em cima da mesa. E “esta é uma questão muito complexa, com muitas implicações financeiras e jurídicas”, segundo os analistas.
Entretanto, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, abrirá o debate a 27 sobre a possibilidade de alterar as regras de adesão, de modo que a abertura dos grupos de adesão seja feita por maioria qualificada, em vez de por unanimidade.
Atualmente, cada etapa do processo de adesão requer unanimidade entre os estados-membros. Ora, a candidatura da Ucrânia à adesão é bloqueada pela Hungria, que vetou a abertura do primeiro conjunto de negociações, alegando questões de segurança energética, preocupações com a agricultura ou com a minoria húngara na Ucrânia. Porém, a alteração da regra exige unanimidade e António Costa não tem a impressão de que seja completamente impossível.
A Ucrânia e a situação geral de segurança, na Europa, estão no centro das atenções da cimeira do CPE, que conta com a presença dos líderes da UE e de mais de uma dúzia de chefes de Estado de todo o continente. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, bem como os líderes dos Balcãs Ocidentais e do Cáucaso, são alguns dos convidados.
Os dirigentes terão mesas-redondas centradas nas ameaças tradicionais e híbridas, na segurança económica e na migração. Terão tempo para se reunirem em formatos bilaterais ou multilaterais, a fim de debaterem outras áreas de interesse. Por exemplo, a França e a Itália presidirão a uma reunião para uma coligação europeia contra o tráfico de droga.

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“A Europa não deve reagir, de forma exagerada e histérica, às recentes incursões de drones”, declarou à Euronews, Alexandr Burilkov, diretor adjunto de investigação do GLOBSEC GeoTech Center e especialista em assuntos militares concordando com Elina Valtonen, ministra dos Negócios Estrangeiros finlandesa, que entende que a Europa não deve entrar em pânico.
O tema é abordado em artigo, de Sandor Zsiros, intitulado “Barreira de Drones da UE: é preciso manter a calma e estar preparado, diz especialista”, publicado pela Euronews, a 1 de outubro, de que se retiram as informações consideradas mais pertinentes.
Alexandr Burilkov sustenta que “isto acontece com regularidade” e aconteceu, especialmente, na Guerra Fria, mas a guerra não recomeçou. Por isso, adverte que “é preciso estar preparado, caso seja necessário”, pois “não se trata de ignorar que pode haver uma ameaça”.
Todavia, para Burilkov, a ameaça atual é menor do que a ameaça da era da Guerra Fria. A União Soviética era muito mais poderosa do que a Federação Russa, alguma vez, pode esperar ser. E havia incidentes de rotina em pontos geográficos críticos. Por exemplo, bombardeiros soviéticos e aviões soviéticos com capacidade nuclear invadiam o espaço aéreo do Alasca.
Recentemente, a Comissão Europeia lançou a ideia de uma barreira de drones, isto é, uma rede de deteção e de resposta ao longo do flanco oriental da UE. Supostamente, o sistema detetaria e destruiria drones suspeitos que entrassem na UE.
A iniciativa reuniu dez estados-membros: a Bulgária, a Dinamarca, a Estónia, a Hungria, a Letónia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia, a Eslováquia e a Finlândia, com a participação da Ucrânia, o país com as capacidades mais avançadas, em matéria de drones. A NATO também se juntou à discussão, o que, segundo Burilkov, é compreensível, por a aliança estar atrasada, em relação à Rússia e à Ucrânia, no respeitante à produção de drones.
De acordo com o especialista, trata-se de acrescentar capacidades paralelas, pois, apesar de já termos mais de três anos de guerra, “a NATO ainda é relativamente fraca, em termos de drones, em comparação com a Ucrânia e a Rússia”. A Rússia terá uma indústria maior e a Ucrânia tem a vantagem de o seu ecossistema de inovação ser mais flexível, mas estão muito à frente da Europa.
Por isso, Burilkov sustenta que a Europa precisa considerar dois fatores, ao criar a iniciativa “Drone Wall” (“Barreira de drones”): o rápido desenvolvimento do setor dos drones; e a questão da produção em massa.
O especialista considera que “é possível fazer interações muito mais rapidamente do que com outros sistemas, porque [os drones] são pequenos e fáceis de fabricar”. Por exemplo, construir ou atualizar um tanque, um navio de guerra ou um avião “é um grande esforço que demora anos”. Já um drone é, muitas vezes, impresso em 3D. Por isso, é simples começar a iterar em versões melhores. E “esse é um problema”, na ótica de Burilkov.
Na verdade, em Portugal, a Tekever, de Caldas da Rainha, especialista em sistemas aéreos não tripulados, os drones, teve um ano de 2024 de grande expansão. Tem, como clientes. governos, agências civis e militares e empresas privadas. Os seus drones monitorizam o Canal da Mancha e a costa portuguesa. Na América do Norte, monitorizam infraestruturas de petróleo e de gás e atuam na prevenção de incêndios. No Norte de África, vigiam as águas ao largo da costa, para detetar pirataria, e efetuam missões de vigilância de oleodutos. Contudo, tem sido pela ação no teatro de guerra ao serviço da Ucrânia que a Tekever tem chegado ao grande público.
Já o fabrico do Navio da República Portuguesa D. João II (NRP D. João II) ou Plataforma Naval Multifuncional (PMN) – que será um porta-drones aéreos, terrestres e submarinos, capaz de operações de vigilância, de investigação oceanográfica, de monitorização ambiental e meteorológica, bem como de missões de evacuação de emergência – demoraria muitos anos, se não fosse integrado no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).  
Também a capacidade de produção é um problema. É enorme a utilização, por ambas as partes, de drones na Ucrânia: centenas de milhares, milhões de drones mais pequenos, milhares de drones maiores, como os Gerons e outros. E a Europa não tem essa capacidade de produção, pelo que deve construir drones em quantidades tão grandes que façam a diferença. Por outro lado, segundo o especialista, “a Europa precisa de criar capacidades flexíveis, uma vez que toda a indústria se desenvolve a grande velocidade”. Como as coisas mudam rapidamente, não faz sentido, comprar drones que são os melhores, atualmente, e armazená-los, já que podem não ser eficazes, daqui a alguns anos, mas fará sentido ter via dupla, para desenvolver a capacidade de produção, quanto necessário, e avançar na inovação, no atinente aos drones. Enfim, a Europa não pode comprometer a sua defesa com um sistema que pode estar obsoleto em alguns anos ou, pelo menos, menos eficaz do que agora.
Burilkov, entendendo que a produção de drones deve ser integrada nos desenvolvimentos militares convencionais., comenta: “Não se pode, simplesmente, comprar drones e, depois, dizer: […] Já não precisamos de tanques, artilharia, etc.’ É preciso pegar nos drones e integrá-los como parte das capacidades tradicionais. Caso contrário, acabamos por ter uma força militar que talvez tenha drones, mas que é muito frágil, porque não tem todo este outro tipo de metal pesado de tanques e artilharia a trabalhar em conjunto, como operações combinadas.”
Outro desafio da “Barreira de drones” é o facto de cada estado-membro ter políticas diferentes, na neutralização de drones. Por exemplo, na Alemanha, os treinos militares são regularmente interrompidos por drones. Ora, pode não ser possível neutralizá-lo, pois, se acontecer numa área povoada, como nos aeroportos na Dinamarca, não se pode disparar, sem o risco de causar danos colaterais. Neste sentido, a Europa deve aprender com o incidente da Polónia, no início de setembro, quando, pelo menos, 19 drones, alegadamente lançados a partir da Rússia, entraram no espaço aéreo polaco. Alguns foram abatidos por jatos militares, enquanto outros se despenharam, depois de ficarem sem combustível.
Diz o especialista que, para os abater, os polacos utilizaram jatos, isto é, dispendiosos mísseis ar-ar. E um deles falhou o alvo e caiu numa zona povoada. E alguns dos drones não foram detetados e despenharam-se, após ficarem sem combustível. Tudo isto é problemático.  
Será difícil desenvolver uma política unificada na UE, incluindo a cooperação transfronteiriça e uma tipologia de resposta aos diferentes tipos de drones. A Comissão Europeia parecia relutante em aceitar, na iniciativa “Barreira de drones”, a Eslováquia e a Hungria, dois países do flanco oriental com estreitos laços com a Rússia. Só depois de a Eslováquia ter aderido ao grupo, a Hungria recebeu o convite, sendo o último país da região. Diz Burilkov que há divergência entre a política externa húngara multivetorial, com laços com a Rússia e a China, e a política de segurança de Budapeste, orientada para o Ocidente.
A Hungria está empenhada em comprar apenas equipamento militar europeu, o que é singular, para os padrões europeus. Todo o arsenal húngaro provém de produtores europeus, o que levou a indústria de defesa europeia a ser atraída pela Hungria. A Rheinmetall tem grande iniciativa de fabrico na Hungria: produz tanques Leopard e vai produzir o novo obuseiro com rodas RCH-155. E, embora a política externa de Budapeste nem sempre sintonize com o resto da UE, no contributo para a segurança europeia, os húngaros vão mais além.
Burilkov diz que, em capacidades, as forças armadas húngaras estão em boa forma. Se houver um conflito, os húngaros podem contribuir, significativamente, para a defesa do flanco oriental.

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Por fim, ao invés do que sucedeu no primeiro dia da cimeira, os líderes europeus devem perceber que estão condenados a entender-se, para a UE não se tornar insignificante.

2025.10.01 – Louro de Carvalho

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