sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Orçamento do Estado minimalista aprovado na generalidade

 

Sem surpresa, a Assembleia da República (AR) aprovou, na generalidade, a 28 de outubro, a proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026). Só votaram a favor o Partido Social Democrata (PSD) e o partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), tendo sido a abstenção do Partido Socialista (PS), do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e do Juntos pelo Povo (JPP) que permitiu ao governo fazer passar o documento, pois votaram contra a Iniciativa Liberal (IL), o Livre, o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda (BE) e o partido do Chega (que manteve o sentido de voto em segredo, quase até ao fim). Como as intenções de voto foram anunciadas previamente, ainda antes de começar a ser debatida, a proposta já estava aprovada, mas o debate ocupou cerca de 12 horas.
Este é o primeiro Orçamento do Estado do XXV Governo Constitucional, o segundo executivo de coligação PSD/CDS-PP, de Luís Montenegro, que iniciou funções, há menos de cinco meses.

O secretário-geral do PS anunciou, há duas semanas, a 15 de outubro, após reunião da Comissão Política Nacional, que o partido se absteria, em relação à proposta de OE2026 na generalidade, o que assegurou a viabilização da proposta, nesta fase. José Luís Carneiro qualificou a posição do PS como “abstenção exigente”, para “assegurar a estabilidade política”, após a verificação de que estavam asseguradas as “condições básicas” colocadas ao primeiro-ministro.

O voto contra do Chega, o segundo maior grupo parlamentar, foi anunciado, em declarações aos jornalistas, na AR, nos minutos finais do debate, por André Ventura, presidente do partido, que justificou a decisão com a suposta “asfixia fiscal” sobre empresas e sobre famílias, para “sustentar uma máquina gigantesca do Estado” e com a irredutibilidade do governo em “impedir que o desconto sobre os combustíveis acabe”.

A seguir, logo a 28 de outubro, começou a discussão do OE2026 na especialidade, na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP), onde serão ouvidos todos os ministros, instituições e organismos como o Tribunal de Contas (TdC), o Conselho Económico e Social (CES) e o Conselho das Finanças Públicas (CFP). As audições terminam a 7 de novembro, a data-limite para os partidos apresentarem propostas de alteração. De 20 a 26 de novembro, ocorrerá a discussão no plenário, da parte da manhã, e as votações na COFAP, à tarde, com o encerramento e a votação final global marcados para o dia 27.

Há um ano, na governação do anterior executivo de Luís Montenegro, o OE2025 foi viabilizado, na generalidade e também na votação final global, pela abstenção do PS, com votos contra de todos os outros partidos da oposição.

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O líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, defendeu que do governo liderado por Luís Montenegro “não se esperam mudanças”, seja “pelo seu viés ideológico”, seja “pelo apoio dado pelo nacional corporativismo” do Chega. “Contudo, não terá álibis ou desculpas. O caminho que escolheu é errado, insustentável, e este orçamento já mostra bem como se esgotou, mas não será o PS que dará, neste orçamento, a este governo uma desculpa para o seu falhanço”, disse, justificando, assim, a abstenção do partido.
Para Brilhante Dias, o OE26 “traduz o desequilíbrio, ainda que democrático, que resultou das eleições de maio de 2025”, pelo que “precisa de uma oposição firme, moderada e responsável, que só o PS, como ficou bem expresso nas últimas eleições autárquicas, pode corporizar”. E é o “fim de festa eleitoralista” de Montenegro nas últimas duas eleições legislativas.
Brilhante Dias apontou um “processo orçamental no limbo, pouco rigoroso e transparente” e citou os pareceres da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e do CFP, que “não deixam margem para interpretações diversas”. “Suborçamentação de despesa e receitas extraordinárias de difícil concretização, um quadro que nos expõe ao primeiro solavanco externo, num orçamento que promove a deterioração do saldo das administrações públicas e vive de um mercado de emprego dinâmico, que funciona no quadro de uma legislação laboral equilibrada e moderada, aprovada durante o último governo do PS, a conhecida ‘Agenda para o Trabalho Digno’, que, aliás, o governo se prepara para destruir”, criticou o deputado do PS.
O líder parlamentar do PS frisou que a diminuição do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) é paga pelos mais jovens, na confluência entre o governo e o Chega.
Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar e porta-voz do Livre, defendeu que o partido “não desiste” de tentar melhorar a proposta de OE 2026 e vai apresentar, na especialidade, vários “cavaleiros orçamentais do bem”, cujo fim o governo tentou ditar. E criticou o executivo por ter tentado ditar “o fim dos cavaleiros orçamentais”, pois, na visão tecnocrática governativa, cavaleiro orçamental é “uma norma do OE2026 que não é estritamente adequada a constar de um Orçamento do Estado, por supostos pressupostos técnicos e logísticos”.
Contudo, para o Livre, o que o governo define como “cavaleiros orçamentais” traduz-se em medidas propostas pela sua bancada, já em fases de especialidade de anteriores orçamentos, e que hoje têm impacto no quotidiano das pessoas, como por exemplo: o passe ferroviário nacional, a semana laboral de quatro dias, o subsídio de desemprego para vítimas de violência doméstica ou o aumento do abono de família.
A IL considerou, pela voz de Mário Amorim Lopes, que a proposta do OE2026 “é poucochinho” e podia ser um orçamento do PS, pela elevada carga fiscal e pela falta de reforma do Estado. Aumenta a receita fiscal, a despesa e o peso do Estado.
O secretário-geral do PCP considerou que as opções do primeiro-ministro presentes na proposta orçamental vão rebentar-lhe nas mãos, a prazo, criticou a viabilização do Orçamento pelo PS e advertiu que, “quanto mais avança a sua propaganda e sua política, mais ficará por recuperar na vida de quem trabalha, de quem trabalhou a vida inteira e da juventude”. E Paulo Raimundo acusou o chefe do governo de não querer ver a realidade.
O deputado João Almeida, do CDS-PP, defendeu que a proposta de OE2026) é de compromisso e não de “aventura”, nem de “carneirismo”, pois não se propõe a dar tudo a todos ao mesmo tempo, nem segue políticas erradas do passado que levaram o país à bancarrota.
A coordenadora nacional do BE, Mariana Mortágua, acusou o PSD, o Chega e o PS de estarem envolvidos num “jogo perigoso” e em “farsas” que terão como consequência a aprovação do OE2026 e da lei da nacionalidade. E insistiu na crítica de que “há um partido que governa sem definir os termos do debate”, o PSD, “outro que define os termos do debate, sem governar”, o Chega, (que vota contra o orçamento na generalidade), e um terceiro que “sem governar e sem definir os termos do debate assina o cheque”, o PS, (que se abstém permitindo a aprovação).
O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, considerou que o voto contra do Chega ao OE2026 é “por birra” e para “não quer ficar na fotografia” ao lado do PS, na aprovação do documento.
Refere Hugo Soares que, “quando o PS está do lado da solução, o Chega quer estar do lado da destruição”. E, saudando a decisão do PS de se abster, recuperou a ideia defendida na véspera pelo primeiro-ministro de que esta abstenção não significava que os socialistas tinham decidido “colocar-se ao lado do governo”.
O líder do Chega apresentou três razões para votar contra: “a pressão fiscal sobre as famílias e as empresas”, algo que pesa “bastante e de forma muito significativa”; o “aumento da receita fiscal na ordem dos três mil milhões de euros”, o que significa que o Estado e o governo continuarão a arrecadar impostos das famílias e das empresas, para sustentarem a máquina gigantesca do Estado; e o facto de as decisões do governo em matéria de IRS, cujas consequências os portugueses sentirão na pele, quando forem apresentar as suas declarações. Enfim, como nos tempos de António Costa, “o governo dá com uma mão e tira com a outra às pessoas”.

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O OE2026 recebe mais críticas da IL: perpetuação de falhas antigas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), não residindo o problema na escassez de fundos, mas na ineficiência crónica; falta de ousadia; priorização de frases de efeito, em detrimento de resultados concretos, sobretudo, na Habitação; total não concretização das promessas (“efeito Midas invertido”); o facto de, na saúde, se discutir, não onde nasce a criança, mas em que quilómetro da estrada, e, na educação, qual o número de docentes que faltam e quantos alunos há sem aulas.
O Chega utilizou a analogia das bolas de sabão, para referir o combate à corrupção, criticando a falta de investimento nos meios da Polícia Judiciária (PJ) e do Ministério Público (MP), e para dizer que “Portugal está capturado e o governo só nos dá pão e circo”.
Também criticou a insistência no “duplo uso” das forças armadas, em tarefas civis, defendendo que as mesmas “servem não só para fazer a guerra, mas também para a ganhar” e que “Portugal merece forças de armadas modernas, equipadas e com militares capazes”.
O Chega critica o governo por não ter adotado medidas “à direita”, apesar de o país ter virado à direita. E, dizendo que o OE2026 é um “número de engenharia orçamental”, a fazer lembrar os orçamentos de Fernando Medina, questiona quanto vão aumentar as transferências para setor empresarial do Estado. Além disso, acusa a promessa de não aumentar os impostos, desfeita pelo aumento da receita fiscal, sendo o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) o único a baixar, e aumentando o valor pago pelos portugueses de imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) e o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), quando metem combustível.
Mariana Mortágua, do BE, pergunta por que “os bancos, com lucros milionários, devem pagar menos impostos, [por que] nós devemos pagar a descida dos impostos da banca [e] como vai [o governo] cobrar, de volta, os 200 milhões que o [mesmo] governo vai devolver à banca”.
Mariana Vieira da Silva, deputada e ex-ministra do PS referiu que, apesar de os portugueses terem elegido a saúde como uma das suas prioridades, “nunca é dada voz à prioridade da Saúde, nem à ministra da Saúde”. E António Mendonça Mendes, também do PS, critica a redução do IRC, que “inviabiliza o crescimento das pensões”, e anota a “inconsistência” das previsões de crescimento económico e de outras variantes.

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É também de registar algo da peroração de membros do governo.
Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, referiu que nunca defendeu a redução dos direitos das mulheres, mas a sua calibração; frisou que o salário médio e o salário mínimo “devem crescer de forma independente” e que o salário mínimo aumentou mais do que o previsto; e advertiu que os aumentos das pensões depende de estimativas da inflação e do aumento do PIB”, aumentando, na pior das expetativas, 0,5%.
O ministro da Economia e da Coesão Territorial, Castro Almeida, diz que “as boas medidas deste governo são para todo o país”: a atribuição dos fundos europeus é, em grande, parte destinada ao interior, ao apoio às autarquias, para a construção de habitações; o OE2026 “baixa impostos e aumenta rendimentos”; faz guerra à burocracia; o objetivo mínimo é atingir a média europeia; o lucro não é problema, mas os prejuízos.
Miranda Sarmento, ministro das Finanças, disse que, “se estivéssemos no governo de maioria absoluta do PS, o apoio da coesão para a Madeira seria zero”; que “este é o primeiro ano em que a quebra de investimento se inverte e começa a crescer, depois de muitos anos a cair”; e que está a fazer “gestão orçamental prudente e realista, vincando que gizou um “orçamento equilibrado”, num “caminho marcado pela transformação e [de] redução da dívida pública”, que visa a “robustez das contas públicas”. “Quem hoje critica o aumento de despesa esteve em silêncio, em 2023 e [em] 2024”, atirou, alertando para a necessidade de “reduzir fortemente a burocracia”.
A proposta de OE2026 deixa de fora matérias polémicas, como a lei laboral ou a Segurança Social, discutidas à parte na AR, por exigência do PS para a viabilizar, nesta fase. Por isso e pelo “poucochinho”, de que falam alguns políticos, é que se trata de OE2026 minimalista.
O governo prevê que o PIB cresça 2%, neste ano, e 2,3%, em 2026, mais do que o previsto, e pretende alcançar excedentes de 0,3% do PIB, em 2025, e de 0,1%, em 2026. Quanto ao rácio da dívida, estima a redução para 90,2% do PIB, em 2025, e 87,8%, em 2026.

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O Orçamento do Estado é o importante instrumento previsional da governação, no âmbito do planeamento anual e no horizonte da legislatura, para concretizar as Grandes Opções do Plano (GOP). Convém, pois, não o subestimar, reduzindo-o a um simples mapa de receitas e de despesas. Também é preciso não o endeusar, a ponto de a sua não aprovação fazer cair a AR e o governo. Com efeito, é possível governar, no regime de duodécimos, com base no orçamento anterior corrigido. Também o governo ou a AR não deveriam legislar, em sede de lei do orçamento, sobre reformas setoriais, como aconteceu com a supressão, em outros tempos, do Trabalho de Projeto, nos ensinos básico e secundário.
Ao invés do que declarou Manuela Ferreira Leite, em recente entrevista ao Diário de Notícias, o Orçamento do Estado não é um instrumento de índole predominantemente técnica, mas um instrumento forte pendor político. Não vá acontecer, ao nível do Estado, o que ouvi, num município, a vereadores da oposição, que votaram a favor do orçamento municipal, “porque as contas estavam bem feitas”. É óbvio que as contas tinham de estar bem feitas, pois os funcionários sabem fazê-las.  Porém, a maior ou menor dotação das diversas rubricas postula opções políticas audazes, em consonância com as GOP, e a previsão de receitas implica, pelo menos, a posterioi, ousadas definições de políticas públicas. Por isso, o governo deveria fazer tudo para a concretização da plena execução física e financeira dos diversos planos e projetos.  
Ora, isso implicaria que o Relatório da Conta do Estado tivesse o elã de discussão semelhante ao do da discussão do Orçamento do Estado.  
Já concordo com Manuela Ferreira Leite, quando, não sendo adepta do défice, julga temerário, em nome da contenção do défice e da dívida, fazer duros cortes em áreas essenciais, como a Saúde e a Educação.
Por fim, teremos um OE2026 minimalista, sem arrojo, mas sancionado, à partida, pela abstenção do PS, em nome da “oposição firme”, provavelmente, diversa da “oposição violenta” preconizada por António José Seguro, nos tempos da troika, deixando o Chega mais livre para votar contra e par a continuar a prosseguir o seu trabalho político antissistema. O governo descansar, que ninguém vai estragar a sua proposta, em sede do debate na especialidade.   

2025.10.30 – Louro de Carvalho


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