Sem
surpresa, a Assembleia da República (AR) aprovou, na generalidade, a 28 de
outubro, a proposta de Orçamento do Estado para 2026 (OE2026). Só votaram a
favor o Partido Social Democrata (PSD) e o partido do Centro Democrático Social
– Partido Popular (CDS-PP), tendo sido a abstenção do Partido Socialista (PS), do
partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e do Juntos pelo Povo (JPP) que permitiu
ao governo fazer passar o documento, pois votaram contra a Iniciativa Liberal (IL),
o Livre, o Partido Comunista Português (PCP), o Bloco de Esquerda (BE) e o
partido do Chega (que manteve o sentido de voto em segredo, quase até ao fim). Como
as intenções de voto foram anunciadas previamente, ainda antes de começar a ser
debatida, a proposta já estava aprovada, mas o debate ocupou cerca de 12 horas.
Este
é o primeiro Orçamento do Estado do XXV Governo Constitucional, o segundo
executivo de coligação PSD/CDS-PP, de Luís Montenegro, que iniciou funções, há
menos de cinco meses.
O
secretário-geral do PS anunciou, há duas semanas, a 15 de outubro, após reunião
da Comissão Política Nacional, que o partido se absteria, em relação à proposta
de OE2026 na generalidade, o que assegurou a viabilização da proposta, nesta
fase. José Luís Carneiro qualificou a posição do PS como “abstenção exigente”,
para “assegurar a estabilidade política”, após a verificação de que estavam
asseguradas as “condições básicas” colocadas ao primeiro-ministro.
O
voto contra do Chega, o segundo maior grupo parlamentar, foi anunciado, em
declarações aos jornalistas, na AR, nos minutos finais do debate, por André
Ventura, presidente do partido, que justificou a decisão com a suposta “asfixia
fiscal” sobre empresas e sobre famílias, para “sustentar uma máquina gigantesca
do Estado” e com a irredutibilidade do governo em “impedir que o desconto sobre
os combustíveis acabe”.
A
seguir, logo a 28 de outubro, começou a discussão do OE2026 na
especialidade, na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP),
onde serão ouvidos todos os ministros, instituições e organismos como o
Tribunal de Contas (TdC), o Conselho Económico e Social (CES) e o Conselho das
Finanças Públicas (CFP). As audições terminam a 7 de novembro, a data-limite
para os partidos apresentarem propostas de alteração. De 20 a 26 de novembro, ocorrerá
a discussão no plenário, da parte da manhã, e as votações na COFAP, à tarde,
com o encerramento e a votação final global marcados para o dia 27.
Há
um ano, na governação do anterior executivo de Luís Montenegro, o OE2025 foi
viabilizado, na generalidade e também na votação final global, pela abstenção
do PS, com votos contra de todos os outros partidos da oposição.
***
O
líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, defendeu que do governo
liderado por Luís Montenegro “não se esperam mudanças”, seja “pelo seu viés
ideológico”, seja “pelo apoio dado pelo nacional corporativismo” do Chega. “Contudo,
não terá álibis ou desculpas. O caminho que escolheu é errado, insustentável, e
este orçamento já mostra bem como se esgotou, mas não será o PS que dará, neste
orçamento, a este governo uma desculpa para o seu falhanço”, disse,
justificando, assim, a abstenção do partido.
Para
Brilhante Dias, o OE26 “traduz o desequilíbrio, ainda que democrático, que
resultou das eleições de maio de 2025”, pelo que “precisa de uma oposição
firme, moderada e responsável, que só o PS, como ficou bem expresso nas últimas
eleições autárquicas, pode corporizar”. E é o “fim de festa eleitoralista” de
Montenegro nas últimas duas eleições legislativas.
Brilhante
Dias apontou um “processo orçamental no limbo, pouco rigoroso e transparente” e
citou os pareceres da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e do CFP, que
“não deixam margem para interpretações diversas”. “Suborçamentação de despesa e
receitas extraordinárias de difícil concretização, um quadro que nos expõe ao
primeiro solavanco externo, num orçamento que promove a deterioração do saldo
das administrações públicas e vive de um mercado de emprego dinâmico, que
funciona no quadro de uma legislação laboral equilibrada e moderada, aprovada
durante o último governo do PS, a conhecida ‘Agenda para o Trabalho Digno’,
que, aliás, o governo se prepara para destruir”, criticou o deputado do PS.
O
líder parlamentar do PS frisou que a diminuição do imposto sobre o rendimento
das pessoas singulares (IRS) é paga pelos mais jovens, na confluência entre o
governo e o Chega.
Isabel
Mendes Lopes, líder parlamentar e porta-voz do Livre, defendeu que o partido
“não desiste” de tentar melhorar a proposta de OE 2026 e vai apresentar, na
especialidade, vários “cavaleiros orçamentais do bem”, cujo fim o governo
tentou ditar. E criticou o executivo por ter tentado ditar “o fim dos
cavaleiros orçamentais”, pois, na visão tecnocrática governativa, cavaleiro
orçamental é “uma norma do OE2026 que não é estritamente adequada a constar de
um Orçamento do Estado, por supostos pressupostos técnicos e logísticos”.
Contudo,
para o Livre, o que o governo define como “cavaleiros orçamentais” traduz-se em
medidas propostas pela sua bancada, já em fases de especialidade de anteriores
orçamentos, e que hoje têm impacto no quotidiano das pessoas, como por exemplo:
o passe ferroviário nacional, a semana laboral de quatro dias, o subsídio de
desemprego para vítimas de violência doméstica ou o aumento do abono de
família.
A
IL considerou, pela voz de Mário Amorim Lopes, que a proposta do OE2026 “é
poucochinho” e podia ser um orçamento do PS, pela elevada carga
fiscal e pela falta de reforma do Estado. Aumenta a receita fiscal, a
despesa e o peso do Estado.
O
secretário-geral do PCP considerou que as opções do primeiro-ministro presentes
na proposta orçamental vão rebentar-lhe nas mãos, a prazo, criticou a
viabilização do Orçamento pelo PS e advertiu que, “quanto mais avança a sua
propaganda e sua política, mais ficará por recuperar na vida de quem trabalha,
de quem trabalhou a vida inteira e da juventude”. E Paulo Raimundo acusou o
chefe do governo de não querer ver a realidade.
O
deputado João Almeida, do CDS-PP, defendeu que a proposta de OE2026) é de
compromisso e não de “aventura”, nem de “carneirismo”, pois não se propõe a dar
tudo a todos ao mesmo tempo, nem segue políticas erradas do passado que levaram o
país à bancarrota.
A
coordenadora nacional do BE, Mariana Mortágua, acusou o PSD, o Chega e o PS de
estarem envolvidos num “jogo perigoso” e em “farsas” que terão como
consequência a aprovação do OE2026 e da lei da nacionalidade. E insistiu
na crítica de que “há um partido que governa sem definir os termos do debate”,
o PSD, “outro que define os termos do debate, sem governar”, o Chega, (que vota
contra o orçamento na generalidade), e um terceiro que “sem governar e sem
definir os termos do debate assina o cheque”, o PS, (que se abstém permitindo a
aprovação).
O
líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, considerou que o voto contra do Chega ao
OE2026 é “por birra” e para “não quer ficar na fotografia” ao lado do PS, na
aprovação do documento.
Refere
Hugo Soares que, “quando o PS está do lado da solução, o Chega quer estar do
lado da destruição”. E, saudando a decisão do PS de se abster, recuperou a
ideia defendida na véspera pelo primeiro-ministro de que esta abstenção não
significava que os socialistas tinham decidido “colocar-se ao lado do governo”.
O
líder do Chega apresentou três razões para votar contra: “a pressão fiscal
sobre as famílias e as empresas”, algo que pesa “bastante e de forma muito
significativa”; o “aumento da receita fiscal na ordem dos três mil milhões de
euros”, o que significa que o Estado e o governo continuarão a arrecadar
impostos das famílias e das empresas, para sustentarem a máquina gigantesca do
Estado; e o facto de as decisões do governo em matéria de IRS, cujas
consequências os portugueses sentirão na pele, quando forem apresentar as suas
declarações. Enfim, como nos tempos de António Costa, “o governo dá com uma mão
e tira com a outra às pessoas”.
***
O
OE2026 recebe mais críticas da IL: perpetuação de falhas antigas no Serviço
Nacional de Saúde (SNS), não residindo o problema na escassez de fundos, mas na
ineficiência crónica; falta de ousadia; priorização de frases de efeito, em
detrimento de resultados concretos, sobretudo, na Habitação; total não
concretização das promessas (“efeito Midas invertido”); o facto de, na saúde,
se discutir, não onde nasce a criança, mas em que quilómetro da estrada, e, na
educação, qual o número de docentes que faltam e quantos alunos há sem aulas.
O
Chega utilizou a analogia das bolas de sabão, para referir o combate à
corrupção, criticando a falta de investimento nos meios da Polícia Judiciária
(PJ) e do Ministério Público (MP), e para dizer que “Portugal está capturado e
o governo só nos dá pão e circo”.
Também
criticou a insistência no “duplo uso” das forças armadas, em tarefas civis,
defendendo que as mesmas “servem não só para fazer a guerra, mas também para a
ganhar” e que “Portugal merece forças de armadas modernas, equipadas e com
militares capazes”.
O
Chega critica o governo por não ter adotado medidas “à direita”, apesar de o
país ter virado à direita. E, dizendo que o OE2026 é um “número de engenharia
orçamental”, a fazer lembrar os orçamentos de Fernando Medina, questiona quanto
vão aumentar as transferências para setor empresarial do Estado. Além disso,
acusa a promessa de não aumentar os impostos, desfeita pelo aumento da receita
fiscal, sendo o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) o único
a baixar, e aumentando o valor pago pelos portugueses de imposto sobre os
produtos petrolíferos (ISP) e o imposto sobre o valor acrescentado (IVA),
quando metem combustível.
Mariana
Mortágua, do BE, pergunta por que “os bancos, com lucros milionários, devem
pagar menos impostos, [por que] nós devemos pagar a descida dos impostos da
banca [e] como vai [o governo] cobrar, de volta, os 200 milhões que o [mesmo] governo
vai devolver à banca”.
Mariana
Vieira da Silva, deputada e ex-ministra do PS referiu que, apesar de os
portugueses terem elegido a saúde como uma das suas prioridades, “nunca é dada
voz à prioridade da Saúde, nem à ministra da Saúde”. E António Mendonça Mendes,
também do PS, critica a redução do IRC, que “inviabiliza o crescimento das
pensões”, e anota a “inconsistência” das previsões de crescimento económico e
de outras variantes.
***
É
também de registar algo da peroração de membros do governo.
Maria
do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social, referiu que nunca defendeu a redução dos direitos das mulheres, mas a sua
calibração; frisou que o salário médio e o salário mínimo “devem crescer de
forma independente” e que o salário mínimo aumentou mais do que o previsto; e advertiu
que os aumentos das pensões depende de estimativas da inflação e do aumento do
PIB”, aumentando, na pior das expetativas, 0,5%.
O
ministro da Economia e da Coesão Territorial, Castro Almeida, diz que “as boas
medidas deste governo são para todo o país”: a atribuição dos fundos europeus é,
em grande, parte destinada ao interior, ao apoio às autarquias, para a
construção de habitações; o OE2026 “baixa impostos e aumenta rendimentos”; faz
guerra à burocracia; o objetivo mínimo é atingir a média europeia; o lucro não
é problema, mas os prejuízos.
Miranda
Sarmento, ministro das Finanças, disse que, “se estivéssemos no
governo de maioria absoluta do PS, o apoio da coesão para a Madeira seria zero”;
que “este é o primeiro ano em que a quebra de investimento se inverte e começa
a crescer, depois de muitos anos a cair”; e que está a fazer “gestão orçamental
prudente e realista, vincando que gizou um “orçamento equilibrado”, num “caminho
marcado pela transformação e [de] redução da dívida pública”, que visa a “robustez
das contas públicas”. “Quem hoje critica o aumento de despesa esteve em
silêncio, em 2023 e [em] 2024”, atirou, alertando para a necessidade de “reduzir
fortemente a burocracia”.
A
proposta de OE2026 deixa de fora matérias polémicas, como a lei laboral ou a
Segurança Social, discutidas à parte na AR, por exigência do PS para a viabilizar,
nesta fase. Por isso e pelo “poucochinho”, de que falam alguns políticos, é que
se trata de OE2026 minimalista.
O
governo prevê que o PIB cresça 2%, neste ano, e 2,3%, em 2026, mais do que o
previsto, e pretende alcançar excedentes de 0,3% do PIB, em 2025, e de 0,1%, em
2026. Quanto ao rácio da dívida, estima a redução para 90,2% do PIB, em 2025, e
87,8%, em 2026.
***
O
Orçamento do Estado é o importante instrumento previsional da governação, no
âmbito do planeamento anual e no horizonte da legislatura, para concretizar as Grandes
Opções do Plano (GOP). Convém, pois, não o subestimar, reduzindo-o a um simples
mapa de receitas e de despesas. Também é preciso não o endeusar, a ponto de a
sua não aprovação fazer cair a AR e o governo. Com efeito, é possível governar,
no regime de duodécimos, com base no orçamento anterior corrigido. Também o governo
ou a AR não deveriam legislar, em sede de lei do orçamento, sobre reformas setoriais,
como aconteceu com a supressão, em outros tempos, do Trabalho de Projeto, nos
ensinos básico e secundário.
Ao
invés do que declarou Manuela Ferreira Leite, em recente entrevista ao Diário
de Notícias, o Orçamento do Estado não é um instrumento de índole predominantemente
técnica, mas um instrumento forte pendor político. Não vá acontecer, ao nível
do Estado, o que ouvi, num município, a vereadores da oposição, que votaram a
favor do orçamento municipal, “porque as contas estavam bem feitas”. É óbvio
que as contas tinham de estar bem feitas, pois os funcionários sabem fazê-las. Porém, a maior ou menor dotação das diversas
rubricas postula opções políticas audazes, em consonância com as GOP, e a
previsão de receitas implica, pelo menos, a posterioi, ousadas
definições de políticas públicas. Por isso, o governo deveria fazer tudo para a
concretização da plena execução física e financeira dos diversos planos e
projetos.
Ora,
isso implicaria que o Relatório da Conta do Estado tivesse o elã de discussão
semelhante ao do da discussão do Orçamento do Estado.
Já
concordo com Manuela Ferreira Leite, quando, não sendo adepta do défice, julga temerário,
em nome da contenção do défice e da dívida, fazer duros cortes em áreas essenciais,
como a Saúde e a Educação.
Por
fim, teremos um OE2026 minimalista, sem arrojo, mas sancionado, à partida, pela
abstenção do PS, em nome da “oposição firme”, provavelmente, diversa da “oposição
violenta” preconizada por António José Seguro, nos tempos da troika, deixando
o Chega mais livre para votar contra e par a continuar a prosseguir o seu
trabalho político antissistema. O governo descansar, que ninguém vai estragar a
sua proposta, em sede do debate na especialidade.
2025.10.30
– Louro de Carvalho
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