segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Tensões globais em torno das “terras raras”

 

Estão a aumentar as tensões globais, em relação aos minerais de terras raras, depois de a China ter aplicado controlos severos à exportação de minerais essenciais, necessários para o fabrico de quase tudo: desde automóveis até armas – medida que suscitou preocupações, quanto à cadeia de abastecimento mundial.
“Minerais de terras raras” ou, simplesmente, “terras raras” são, de acordo com a classificação da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC), um grupo relativamente abundante de 17 elementos químicos, 15dos quais  pertencem, na tabela periódica dos elementos, ao grupo dos lantanídeos (elementos com número atómico entre Z=57 e Z=71, isto é, do lantânio ao lutécio, a que se juntam o escândio (Z=21) e o ítrio (Z=39), elementos que ocorrem nos mesmos minérios, apresentam propriedade físico-químicas similares e são utilizados nas indústrias da defesa, dos veículos elétricos, da energia e da eletrónica. As principais fontes económicas de terras raras são os minerais monazita, bastnasita, xenótimo e loparita e as argilas lateríticas que absorvem iões.
A cedência de exploração de terras raras fazia parte da minuta de acordo subscrita pelos presidentes da Ucrânia e dos Estados Unidos da América (EUA), para se obter o fim da guerra desencadeada pela Rússia em fevereiro de 2022.
Depois, o tema começou a fazer parte de acordos de paz liderados por Donald Trump e de vários acordos comerciais entre países ou blocos de países.

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Entretanto, as principais autoridades económicas da China e dos EUA elaboraram, a 26 de outubro, a estrutura de um acordo comercial para o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente chinês, Xi Jinping, finalizarem, o que interromperá as tarifas norte-americanas mais rígidas e os controlos de exportação de terras raras chinesas e retomará as vendas de soja dos EUA para a China.
Scott Bessent, secretário do Tesouro dos EUA, disse que as negociações paralelas à Cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em Kuala Lumpur, na Malásia, eliminaram a ameaça das tarifas de 100% de Donald Trump às importações chinesas, a partir de 1 de novembro. E espera que a China adie a implementação do regime de licenciamento de minerais de terras raras e ímanes, por um ano, enquanto a política é reconsiderada.
As autoridades chinesas, mais cautelosas, em relação às negociações, não forneceram detalhes sobre o resultado das reuniões. Porém, as autoridades norte-americanas e chinesas disseram que, além das terras raras, discutiram a expansão do comércio, a crise do fentanil nos EUA, as taxas de entrada nos portos dos EUA e a transferência do TikTok para o controlo acionário dos EUA. E Bessent disse ao programa “Meet the Press” da NBC que os dois lados precisam de acertar os detalhes do acordo com o TikTok, permitindo que Donald Trump e Xi Jinping “consumem a transação” na Coreia do Sul.

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Já a União Europeia (UE) sentiu-se prejudicada pela restrição das exportações de terras raras decretada pela China e pensa reagir. Na verdade, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirma que a UE está disposta a utilizar “todos os instrumentos”, em resposta aos controlos chineses das exportações de terras raras, porque a indústria está a sofrer.
Haverá reuniões estratégicas entre funcionários da UE e representantes chineses, tendo já sido feita uma videoconferência, a 27 de outubro, seguida de uma reunião, em Bruxelas, no dia 28.
Entretanto, prevê-se que o presidente dos EUA, Donald Trump se reúna com o homólogo chinês, Xi Jinping, a 30 de outubro, na Coreia do Sul, com os mercados financeiros atentos à possibilidade de as duas maiores potências económicas do Mundo resolverem o problema da guerra comercial.
No centro da disputa está a decisão da China, de 9 de outubro, de restringir as exportações de elementos de terras raras. Embora estes controlos tenham sido, inicialmente, uma resposta aos direitos aduaneiros dos EUA, a UE tornou-se um dano colateral no conflito e está a considerar formas de responder.
As tensões entre os EUA e a China surgiram depois de Donald Trump ter regressado à Casa Branca e ter levado a cabo uma política tarifária agressiva – que a administração diz ser necessária para reduzir um défice comercial crescente – tanto para aliados como para rivais.
A 2 de abril de 2025 – o que Donald Trump definiu como o “Dia da Libertação” dos EUA – Washington anunciou uma tarifa de 34% sobre os produtos chineses importados para o país, que elevou, somada aos 20% existentes, o total de direitos para 54%.
A guerra comercial intensificou-se depois de a China ter respondido com contratarifas, que ultrapassaram o limiar dos 100%, tornando praticamente impossível o comércio entre os dois países. A par dos direitos aduaneiros, a China tentou utilizar como arma o seu monopólio sobre os elementos de terras raras, impondo, a 4 de abril, restrições adicionais à exportação que, desde então, se mantêm em vigor.
O Mundo, incluindo a UE, está fortemente dependente da China, já que o país controla 60% da produção mundial e 90% da refinação, de acordo com a Agência Internacional da Energia (AIE).
Depois de uma curta trégua, o litígio voltou a surgir em setembro e, em 9 de outubro, a China decidiu alargar o seu controlo sobre os elementos de terras raras de sete para 12. O anúncio foi visto como uma forma de a China exercer influência sobre os EUA, pelo que a reunião entre as duas partes é crucial para definir o caminho a seguir.
Embora tais restrições visem, sobretudo, os EUA, afetaram a indústria europeia. Os controlos assumem a forma de licenças difíceis de obter, com as empresas europeias a suportarem o peso, como o Comissário Europeu para o Comércio, Maroš Šefčovič, tem salientado.
Num discurso, a presidente da Comissão Europeia disse que a União está preparada para usar todas as ferramentas de que dispõe, com vista ao combate ao que alguns líderes europeus, incluindo o presidente francês, Emmanuel Macron, descreveram como coerção económica da China. E Ursula von der Leyen aludiu ao instrumento anticoerção, concebido a pensar na China.
O instrumento anticoerção, adotado em 2023, permite que a UE retalie contra um país terceiro, impondo tarifas ou restringindo o acesso a contratos públicos, a licenças ou a direitos de propriedade intelectual. “A curto prazo, estamos a concentrar-nos na procura de soluções com os nossos homólogos chineses”, afirmou a presidente da Comissão Europeia, no dia 25, avisando que “estamos prontos a utilizar todos os instrumentos da nossa caixa de ferramentas para responder, se necessário”.
Por sua vez, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, reuniu-se, no dia 27, com o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, à margem da Cimeira da ASEAN, em Kuala Lumpur, tendo-o exortado a “restabelecer, o mais rapidamente possível, cadeias de abastecimento fluidas, fiáveis e previsíveis”. Ao invés, uma reunião planeada entre Šefčovič e o seu homólogo chinês, Wang Wentao, foi cancelada e substituída por conversações de alto nível entre peritos chineses e europeus, o que foi confirmado por um porta-voz da Comissão Europeia.
Bruxelas insiste em querer chegar a uma solução construtiva, sem escalada, pelo que está a seguir uma estratégia de “desarriscar”, para reduzir a sua dependência dos minerais chineses. A par disso, a Alemanha e a França dispuseram-se a apoiar medidas comerciais mais fortes, se não fosse possível encontrar uma solução global.
Entretanto, Ursula von der Leyen anunciou, no dia 25, novo plano, o RESourceEU, que explora a compra conjunta e a armazenagem de terras raras, bem como projetos estratégicos para a produção e para a transformação de matérias-primas essenciais. Para tanto, a UE espera diversificar os fornecedores, a nível mundial. “Vamos acelerar o trabalho em parcerias de matérias-primas críticas com países, como a Ucrânia e a Austrália, o Canadá, o Cazaquistão, o Uzbequistão, o Chile ou a Gronelândia”, afirmou a líder do executivo europeu.

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Enquanto a China e a UE preparavam a reunião sobre terras raras, as tensões continuavam elevadas. Com efeito, a planeada reunião entre o comissário europeu do Comércio, Maros Šefčovič, e o seu homólogo chinês foi cancelada, no dia 24, porque a Comissão Europeia optou por conversações entre peritos, para atenuar as tensões em torno dos controlos da exportação de terras raras, por parte de Pequim, o que os líderes da UE julgam uma forma de coação económica.
Desde o dia 23, à noite, a Comissão Europeia tem estado sob pressão dos 27 estados-membros, que a exortaram a dar resposta forte às práticas comerciais desleais dos parceiros internacionais e, em particular, da China. Pequim é acusada pelos seus homólogos europeus de estar a utilizar, como arma, as exportações de terras raras, para as quais impôs um regime de licenças kafkiano, desde 9 de outubro. Estes minerais são fundamentais para as indústrias da UE, como as dos setores automóvel, da defesa, da tecnologia verde e digital.
O presidente francês diz que se trata de coerção económica, mas não recomendou a utilização do Instrumento Anticoerção, que é considerado a opção nuclear de defesa comercial.
Em resposta às ameaças comerciais chinesas, os europeus adotaram, já em 2023, um conjunto de ferramentas de combate à pressão de países terceiros, através de medidas, como tarifas ou restrições ao acesso a contratos públicos, a licenças ou direitos de propriedade intelectual.
Para acionar o Instrumento Anticoerção, é necessária uma maioria qualificada dos 27 estados-membros, o que não é garantido, dadas as opiniões divergentes. Falaram sobre ele, mas não tomaram qualquer decisão, segundo o chanceler alemão, Friedrich Merz.
Nem todos os estados-membros da UE defendem os mesmos interesses, em relação ao gigante asiático, tendo em conta os seus laços económicos com Pequim. Não obstante, sob pressão da França, os 27 líderes concordaram, nas conclusões da cimeira da UE, no dia 23, com a necessidade de a Comissão “utilizar, eficazmente, todos os instrumentos económicos da UE”. para dissuadir ou para contrariar ameaças externas. Efetivamente, a questão da China continua a ser problema, para a UE, e Emmanuel Macron referiu “uma economia chinesa que investe fortemente, segundo uma lógica de dumping”, a qual permite à China vender os seus produtos a preços mais baixos no mercado europeu do que no seu mercado interno.
Os europeus, particularmente, no setor siderúrgico, estão a enfrentar esse problema, ao lidarem com o excedente de produção da China. E, face às tarifas impostas pelos EUA, Pequim redireciona as suas exportações para o mercado europeu, colocando pressão adicional sobre a UE. “É preciso iniciar investigações para analisar isso, e é necessária uma abordagem muito mais sistemática, face à segurança económica”, sustenta o presidente francês.

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Bruxelas esperava resolver a questão das tensões sobre as terras raras e as demais relações comerciais com a China, numa cimeira em julho. Não o conseguiu, então, e a questão veio a arrastar-se e intensificou-se, a ponto de a China, a 9 de outubro, ter radicalizado a sua posição.
O problema foi abordado durante a cimeira de líderes do dia 23, apesar de não estar previsto nenhum ponto específico na agenda. “É um tema importante de que os dirigentes estão conscientes”, disse um alto funcionário da UE.
Durante os preparativos para a referida cimeira, a França levantou a questão das terras raras e sugeriu que fosse acrescentada uma referência a ela nas conclusões. A Polónia apoiou a proposta, que não obteve amplo apoio. Assim, o último projeto de conclusões não explicita a China, mas isso não impedia o debate, a nível dos dirigentes.
De acordo com um funcionário da UE, a Alemanha pretendia abordar o tema das terras raras. durante a cimeira. E, tratando-se da maior economia do bloco, poderia influenciar as conversações e levar outros países a seguirem o seu exemplo. Todavia, Berlim tem sido acusada de jogar um jogo duplo, quando se trata da China, devido aos laços profundos que as empresas alemãs têm naquele país asiático. Em 2024, a Alemanha tentou bloquear as tarifas antissubsídios aplicadas aos automóveis elétricos chineses. “As declarações alemãs são uma coisa, mas as ações apontam para o contrário”, disse um diplomata.
Os líderes da UE estão sob pressão das indústrias, prejudicadas pelas novas e rigorosas condições de exportação impostas por Pequim, que atingem sete minerais visados anteriormente. E foram somados outros cinco à lista, ficando abrangidos quase todos os 17 elementos de terras raras.
Assim, as empresas estrangeiras terão de obter a aprovação da China, antes de importarem mercadorias que contenham 0,1% ou mais das terras raras designadas, serão totalmente proibidas as exportações destinadas ao setor da defesa e será introduzido um sistema, caso a caso, para as tecnologias de ponta, como os microchips e a IA, que podem ter implicações de dupla utilização. Serão aplicadas restrições adicionais às tecnologias relacionadas com a extração de terras raras: a fundição, a reciclagem e o fabrico de ímanes.
“No contexto da turbulência e dos frequentes conflitos militares no Mundo, a China tomou nota das importantes utilizações das terras raras médias e pesadas e dos artigos conexos com o domínio militar”, afirmou o Ministério do Comércio chinês, para justificar a ação.
O presidente dos EUA ameaçou aplicar tarifas de 155% aos produtos chineses como retaliação, aumentando ainda mais a guerra comercial entre os EUA e a China. A Comissão Europeia prometeu medidas “decisivas e urgentes” para reforçar a segurança económica e diversificar os fornecedores estrangeiros.
As novas pressões chinesas lançaram luz sobre o “Instrumento Anticoerção” da UE, que pode visar bens, serviços, investimento direto estrangeiro, mercados financeiros, contratos públicos, propriedade intelectual e controlos das exportações. Contudo, as estreitas relações económicas de alguns estados-membros com a China – através dos investimentos de Pequim no setor automóvel em solo europeu, bem como da presença de empresas europeias na China – podem impedir que alguns países ativem este instrumento, que é considerado medida de último recurso. E, na ótica de Bruxelas, “o diálogo é a forma mais adequada e mais eficaz de resolver esta questão”.
O comissário europeu para o Comércio está em contacto com os aliados do G7, para afinar uma resposta coletiva, enquanto a UE faz as suas diligências.

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Enfim, de muitos modos se faz a guerra. E o comércio liderado por decisores políticos poderosos, utilizado como arma, faz definhar a produção, baralha a distribuição, enfraquece as economias e, por conseguinte, prejudica, gravemente o bem-estar das populações, sobretudo, as mais pobres.

2025.10.27 – Louro de Carvalho

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