quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A relevância eclesial e política de São João Paulo II

 

Celebrou-se, a 22 de outubro, a memória litúrgica de São João Paulo II, papa, que governou a Igreja levando a sua presença missionária a todas as partes da Terra, alimentando a doutrina com esclarecidos documentos e convocando todos os homens da sua época a abrir as suas portas ao Redentor. Adormeceu no Senhor, a 2 de abril de 2005.
Nasceu a 18 de maio de 1920, em Wadowice, na Polónia, uma pequena cidade a 50 quilómetros de Cracóvia. Era o mais novo dos três filhos de Karol Wojtyla e Emília Kaczorowska. A mãe morreu em 1929. O irmão mais velho, Edmundo, que era médico, morreu em 1932 e o pai, suboficial do exército, em 1941. A sua irmã Olga morreu antes de ele nascer.
O santo seu onomástico era São Carlos Borromeu. Embora tenham vivido em épocas diferentes, estão unidos por histórias parecidas que o próprio São João Paulo II contou na audiência de 4 de novembro de 1981. Karol é o equivalente polaco a Carlos. Ambos sofreram tentativas de assassinato, participaram em Concílios e sobressaíram no amor pelos pobres e doentes.
O papa polaco foi o primeiro papa não italiano, desde Adriano VI (1522-1523), o que fez mais viagens, somando 129 países, o que mais beatificou e canonizou (1340 beatos e 483 santos) e o primeiro a visitar uma sinagoga, a Casa Branca, nos Estados Unidos da América (EUA) e Cuba.
No seu pontificado, aumentou o número de países que têm relações diplomáticas com a Santa Sé. Passou de 85 países em 1978 para 174 em 2003. Os EUA, que tinham antes, status de delegação junto à Santa Sé, a União Europeia (UE), a Ordem Militar Soberana de Malta e a maioria das nações do antigo bloco comunista estabeleceram relações diplomáticas durante o seu pontificado. E ele estabeleceu “relações de natureza especial” com a Federação Russa e com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP).
O seu amor pelos jovens impeliu-o a iniciar, em 1985, as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ). Nas 19 edições da JMJ celebradas ao longo do seu pontificado, foram reunidos milhões de jovens de todo o Mundo. E a sua atenção para com a família manifestou-se com os encontros mundiais das famílias, inaugurados por ele em 1994.
Em 1948, obteve o doutoramento em Teologia, pela Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino, com tese sobre o tema da fé nas obras de são João da Cruz. Em 1953, obteve o doutoramento em Filosofia, pela Universidade Católica de Lublin, com a tese “Avaliação da possibilidade de fundar uma ética católica sobre a base do sistema ético de Max Scheler”.
A 13 de maio de 1981, recebeu um tiro, na praça de São Pedro, do turco Mehmet Al Agca. A 12 de maio de 1982, em Fátima, Portugal, aonde havia chegado, para agradecer a sua vida, depois do atentado do ano anterior, o padre cismático tentou apunhalá-lo Juan Khron com um sabre-baioneta da Mauser, mas foi preso a poucos metros. E é conhecido, pelo menos, mais um atentado, o de terroristas muçulmanos que tentaram fazer explodir o avião em que viajava para a sua visita a Filipinas, mas autoridades filipinas frustraram-lhes o plano.
A 12 de março de 2000, pediu perdão pelas faltas cometidas por membros da Igreja Católica em toda a sua História, referindo a discriminação das mulheres, dos pobres e das etnias. E, a 15 de junho de 2004, pediu perdão pela inquisição, “por erros cometidos no serviço da verdade, por meio do uso de métodos que não tinham nada a ver com o Evangelho”.
Promulgou o Catecismo da Igreja Católica (CIC), fruto do sínodo especial de bispos de 1985 dedicado ao Concílio Vaticano II. Reformou o Código de Direito Canónico, o Código de Cânones das Igrejas Orientais e reorganizou a Cúria Romana. Os documentos do seu Magistério incluem 14 encíclicas, 15 exortações apostólicas, 11 constituições apostólicas e 45 cartas apostólicas.
A sua beatificação foi a mais rápida dos tempos modernos. O papa polaco morreu a 2 de abril de 2005. A 28 do mesmo mês, o papa Bento XVI dispensou o tempo de cinco anos de espera, após a sua morte, para iniciar a causa de beatificação e canonização. A causa foi aberta oficialmente pelo cardeal Camillo Ruini, vigário-geral para a diocese de Roma, a 28 de junho de 2005. O papa Bento XVI beatificou-o a 1 de maio de 2011 e o papa Francisco canonizou-o, junto com João XXIII, a 27 de abril de 2014.

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É uma das figuras eclesiais mais relevantes do século XX. Suportou a perda da maior parte da sua família, estudou clandestinamente para o sacerdócio, enquanto o seu país estava sob o domínio nazista, e ascendeu na hierarquia da Igreja, nunca deixando de encorajar os compatriotas polacos a manterem a fé, enquanto resistiam à opressão totalitária. Participou no Concílio Vaticano II e, depois de ser eleito papa, tornou-se, provavelmente, a pessoa mais vista na História do Mundo. Era académico de prestígio e também homem de simplicidade e humildade.
Creditou a sua sobrevivência do atentado de 1981, à intercessão de Nossa Senhora e perdoou ao homem que o atacou. “É o exemplo de que uma vida inteiramente dedicada a Jesus Cristo e ao Evangelho é a vida humana mais emocionante possível”, disse o escritor americano George Weigel, biógrafo de são João Paulo II, à CNA, agência em inglês da EWTN News, vincando: “Esse homem viveu uma vida de drama tão extraordinária que nenhum roteirista de Hollywood ousaria inventar tal enredo. Seria simplesmente considerado absurdo.”
A sua história de vida envolvente foi contada muitas vezes, inclusive no cinema, e foi tema de uma história em quadrinhos da Marvel, em 1982. Impressa a cores e apresentando visuais dramáticos e elegantes, essa história narra a vida do papa, desde a sua infância, na Polónia, até ao atentado contra a sua vida.
A Marvel, que a Disney comprou, numa aquisição multibilionária, em 2009, é uma das maiores empresas de entretenimento do Mundo, com personagens como o Homem de Ferro, o Homem-Aranha e o Capitão América.
Um dia, o padre Campion Lally abordou Pelc, no Franciscan Chapel Center, com uma proposta incomum. O 800.º aniversário do nascimento de são Francisco Xavier ocorreria em 1982. E Lally sugeriu que, para o comemorar, a Marvel produzisse uma história em quadrinhos sobre a vida de São Francisco, também para não católicos, para o tirar da bruma do tempo.
Porém, os dirigentes da Marvel não foram favoráveis ​​à ideia, no início, porque ninguém quereria ouvir falar disso no Japão. Logo a seguir, uma editora católica sediada nos EUA mostrou interesse em comprar cerca de 250 mil cópias da história em quadrinhos; e os artistas da Marvel fizeram a sua mágica e produziram a história em quadrinhos intitulada “Francis: Brother of the Universe” (Francisco: Irmão do Universo), que chegou às lojas, em 1980, e foi um sucesso.
O próximo passo foi uma edição análoga para João Paulo II, que era extremamente popular no Mundo, ao tempo, e com agenda para ir ao Japão, tendo lá chegado em fevereiro de 1981, para uma receção pequena, mas entusiasmada. E Pelc analisou a possibilidade de produzir outra história em quadrinhos com tema religioso para a Marvel.
Um amigo de Pelc apresentou-o ao padre Mieczyslaw Malinski, amigo do papa, na Polónia, na II Guerra Mundial. Malinski consultou o papa sobre o que ele pensava sobre a ideia de transformar sua história numa história em quadrinhos. E João Paulo II apoiou a ideia, desde que o próprio Malinski trabalhasse com a equipa de quadrinhos no projeto.
O projeto enfrentou dois grandes obstáculos, no ano anterior ao seu lançamento. O primeiro foi a tentativa de assassinato do Papa, a 13 de maio de 1981, enquanto a história estava a ser produzida, mas a equipa, em vez de abandonar o projeto, escreveu os eventos da tentativa de assassinato no próprio livro. O outro obstáculo foi a aparição, a 13 de dezembro de 1981, do general Wojciech Jaruzelski em aparelhos de televisão por toda a Polónia a declarar a lei marcial no país e a ordenar que as tropas reprimissem o movimento Solidariedade, o sindicato guiado por princípios católicos que se opunha ao comunismo. Muitos trabalhadores em greve do Solidariedade morreram nos dias subsequentes, quando tropas polacas atiraram contra grupos deles.
Depois da visita de João Paulo II à Polónia, em 1979, levaria mais uma década até que o Partido da Solidariedade, com incentivo papal, obtivesse a maioria no parlamento do país e, em grande parte pacificamente, o país se livrasse das amarras do comunismo.
Os comunistas restringiram muitas das comunicações que entravam na Polónia e de lá saíam. Pelc recebeu comunicações contrabandeadas de Malinski, que levou para o seu pai, em Nova Iorque, traduzisse do polaco para o inglês.
Finalmente, em 1982, o gibi (o livro da história aos quadradinhos) chegou às prateleiras e foi distribuído pelo Mundo, cerca de um milhão de exemplares. Entretanto, um executivo da Marvel voou para Roma e presenteou o papa com uma edição encadernada em couro.
Nas quatro décadas desde o lançamento da história em quadrinhos de João Paulo II, vários membros da equipa que trabalhou nela, incluindo o artista que criou os desenhos, morreram.

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São João Paulo II foi o segundo papa com mais tempo de governo na História Moderna, com aproximadamente 27 anos de pontificado, nos quais mudou, para sempre, a face da Igreja.
* Ajudou à queda do comunismo na Europa oriental em 1989. O escritor americano George Weigel, biógrafo oficial do papa, que registou, durante décadas, o envolvimento do papa com líderes civis, diz que o modo como João Paulo II influenciou o cenário político foi enorme. A sua influência política é vista melhor na forma como o seu envolvimento com líderes mundiais ajudou à queda da União Soviética. Dias antes de o presidente dos EUA, Ronald Reagan, pedir ao presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, para derrubar o muro de Berlim, encontrou-se com o papa. Segundo o historiador Paul Kengor, Reagan chamava o papa João Paulo II seu “melhor amigo” e dizia que ninguém conhecia a sua alma melhor do que o papa polaco que também sofreu uma tentativa de assassinato e carregou o fardo da liderança mundial.
Em 38 visitas oficiais e em 738 audiências e reuniões com chefes de Estado, São João Paulo II influenciou líderes civis, em todo o Mundo, na batalha épica contra um regime responsável pela morte de mais de 30 milhões de pessoas. “Ele considerava-se o pastor universal da Igreja Católica, ao lidar com atores políticos soberanos que estavam sujeitos à lei moral universal como qualquer outra pessoa”, disse Weigel.
Estava disposto a assumir riscos, mas achava que a prudência é a maior das virtudes políticas. Assim, era bastante respeitado pelos líderes políticos mundiais, por causa da sua integridade transparente. A sua atitude essencial era saber como ajudar e em quê.
Mais do que tudo, João Paulo II assumia-se como um líder espiritual. Segundo Weigel, o impacto primário do papa na área negocial foi o seu papel central na criação da revolução de consciência que se iniciou na Polónia e varreu a Europa oriental. Essa revolução de consciência inspirou a revolução não violenta de 1989 e o colapso do comunismo na Europa central e oriental, uma conquista política espantosa.
* Beatificou e canonizou mais santos do que qualquer predecessor, tornando a santidade mais acessível às pessoas comuns. Um dos legados mais duradouros de João Paulo II é o grande número de santos que reconheceu. Celebrou 147 cerimónias de beatificação, nas quais proclamou 1338 beatos, e 51 canonizações, para um total de 482 santos. Isso é mais do que a contagem combinada dos seus predecessores, ao longo dos cinco séculos anteriores.
Madre Teresa de Calcutá é talvez a contemporânea mais conhecida de João Paulo II, que é, oficialmente, uma santa, mas a primeira santa do novo milénio e especialmente querida por São João Paulo II foi Santa Faustina Kowalska, a compatriota que recebeu a mensagem da misericórdia divina. “A canonização da irmã Faustina tem uma eloquência particular: por este ato, pretendo hoje passar essa mensagem para o novo milénio […]. Passo-a para todas as pessoas, para que aprendam a conhecer, cada vez melhor, o verdadeiro rosto de Deus e o verdadeiro rosto dos seus irmãos”, disse o papa, na homilia da canonização da santa.
O beato Pier Giorgio Frassati, a quem João Paulo II beatificou, em 1990, e chamou de “homem das bem-aventuranças”, é outro santo popular elevado pelo papa polaco que amava reconhecer a santidade de pessoas simples, vivendo a chamada à santidade com extraordinária fidelidade. À época da sua morte, o italiano de 24 anos era um estudante sem realizações extraordinárias. Mas o seu amor por Cristo na Eucaristia e pelos pobres foi elevado por São João Paulo II como heroico e digno de imitação.
O papa Francisco mais tarde superaria são João Paulo II ao proclamar santos 800 mártires italianos num único dia, em 2013.
* São João Paulo II transformou o cronograma de viagens papais, que chamava peregrinações. Com efeito, durante o seu pontificado, visitou cerca de 129 países, mais países do que qualquer outro papa havia visitado até então. Criou as JMJ, em 1985, e liderou 19 delas como papa. Na verdade, entendia que o papa deve estar presente para o povo da Igreja, onde quer que esteja.
Esse foi o sucessor de Pedro, em peregrinação a várias partes do Mundo, da Igreja. Por isso, tais peregrinações sempre foram construídas em torno de eventos litúrgicos, de oração, de adoração à sagrada Eucaristia, de encontros ecuménicos e inter-religiosos.
Na segunda metade do século XX, uma época de enormes mudanças e convulsões sociais, as extensas viagens de São João Paulo II e a proclamação do Evangelho até os confins da Terra eram exatamente aquilo de que o Mundo precisava.
* Deu contributos extraordinários à doutrina da Igreja. Foi um estudioso que promulgou o CIC, em 1992, reformou os Códigos de Direito Canónico Oriental e Ocidental e escreveu 14 encíclicas, 15 exortações apostólicas, 11 constituições apostólicas e 45 cartas apostólicas. É por isso que Weigel diz que a Igreja ainda está a começar a descobrir o que chama de “magistério” de São João Paulo II, na forma dos seus escritos e da sua influência intelectual. Por exemplo, a Teologia do Corpo de São João Paulo II continua a ser extremamente influente no Mundo todo, embora Weigel tenha dito que mesmo isso ainda precisa ser desvendado.
* O lendário fervor evangélico de João Paulo II incendiou a África. O papa tinha amizade peculiar com o cardeal Bernadin Gantin, de Benin, e visitou a África muitas vezes. As suas visitas inspiraram uma geração de “católicos de João Paulo II” na África e em outras partes do globo. Nos dois sínodos sobre casamento e família, em 2014 e em 2015, algumas das defesas mais fortes da compreensão clássica da Igreja sobre casamento e família vieram de bispos africanos.
A influência de São João Paulo II na África e ao redor do globo transformou o Mundo e transformou, para sempre, a Igreja. É uma figura incontornável.

2025.10.22 – Louro de Carvalho

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