sábado, 4 de outubro de 2025

Hamas e Israel prontos para aceitar o plano trumpiano de paz

 
As últimas tomadas de posição de diversos países de reconhecimento do Estado palestiniano, os largos protestos contra a intercetação da Flotilha Global Sound (depois de muitas outras) e subsequente detenção de ativistas, a obsessão de Donald Trump na demanda do Prémio Nobel da Paz e, provavelmente, o cansaço de guerra levaram o Hamas e Israel a tornarem-se disponíveis para a aceitação do plano de paz que o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) divulgou, a 29 de setembro. Israel deve interromper, imediatamente, o bombardeamento de Gaza, para que possamos retirar os reféns com segurança e rapidez... trata-se da PAZ há muito buscada no Médio Oriente”, escreveu o inquilino da Casa Branca no X, a 4 de outubro.
Depois, o porta-voz oficial do exército de Israel usou a mesma rede social para declarar que, “em conformidade com as diretrizes da cúpula política, o chefe do Estado-Maior Geral instruiu a antecipação dos preparativos para a implementação da primeira fase do plano de Trump para a libertação dos reféns”. De acordo com a mesma publicação, “a segurança das tropas das FDI [forças de defesa israelitas] é uma prioridade máxima e que todas as capacidades das FDI serão alocadas ao Comando Sul, para garantir a proteção das tropas”.
Apesar do apelo oficial do presidente dos EUA, a agência de notícias AFP relata que os bombardeamentos, em Gaza, continuam. “Foi uma noite muito violenta, durante a qual [o exército israelita] realizou dezenas de ataques aéreos e bombardeamentos de artilharia contra a cidade de Gaza e outras áreas da Faixa de Gaza, apesar do apelo do presidente Trump para interromper os bombardeamentos, disse o porta-voz da defesa civil, Mahmud Bassal, à AFP, citado pelo The Guardian, sendo o mesmo facto reportado pela CNN Internacional.
Efetivamente, moradores declararam a este canal que há o registo de, pelo menos, 12 mortos, segundo as autoridades de saúde, em Gaza. “Apesar do apelo de Trump a Israel para que cesse, imediatamente, todos os bombardeamentos, eles continuam”, declarou Mohammad Abu Salmiya, diretor do Hospital Al-Shifa, em declarações à CNN Internacional, na manhã de quatro de outubro, referindo que os bombardeamentos estão em curso desde a noite passada.
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Os EUA divulgaram o “Plano Abrangente para Acabar com o Conflito de Gaza”, um plano detalhado, com o objetivo de pôr fim à guerra na Faixa de Gaza, o qual, supervisionado internacionalmente, através dum comité encabeçado pelo presidente norte-americano, Donald Trump, terá a execução liderada por Tony Blair, antigo primeiro-ministro britânico, entre 1997 e 2007, e conta com o apoio de oito países árabes parceiros, para assegurar o processo de transição para a paz naquele território palestiniano.
Divisam-se, no plano, 18 pontos (há quem diga, 10, 20 e 21), que são:
1. Cessar-fogo imediato. O conflito cessará, logo que as partes concordem com o plano, com a suspensão das operações militares israelitas e a retirada gradual das FDI da faixa de Gaza. As forças israelitas retirar-se-ão para a linha acordada para preparar a libertação dos reféns. Durante este período, todas as operações militares, incluindo bombardeamentos aéreos e de artilharia, serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas, até que sejam cumpridas as condições para a retirada completa.
2. Troca de reféns e prisioneiros. Todos os reféns israelitas (vivos e mortos) serão devolvidos, dentro de 72 horas, após a aceitação do acordo por Israel. Em troca, Israel libertará 250 prisioneiros palestinianos condenados à prisão perpétua e mais de 1700 habitantes de Gaza, detidos desde o início do conflito, incluindo mulheres e crianças. Por cada refém israelita cujos restos mortais forem libertados, Israel libertará os restos mortais de 15 habitantes de Gaza.
3. Desarmamento do Hamas. O Hamas deverá desarmar-se e renunciar ao controlo de Gaza. Os seus membros que aceitarem a convivência pacífica receberão amnistia, ao passo que os que desejarem sair da Faixa de Gaza terão passagem segura para outros países. Gaza será uma zona livre de terrorismo e desradicalizada, já não representando ameaça para os vizinhos.
O Hamas e outras fações concordam em não ter qualquer papel na governação de Gaza, direta, indireta ou de qualquer outra forma. Todas as infraestruturas militares, incluindo túneis e instalações de produção de armas, serão destruídas e não serão reconstruídas. O processo de desmilitarização de Gaza, sob a supervisão de observadores independentes, incluirá a inutilização permanente das armas, através de processo acordado de desativação, apoiado por um programa de recompra e de reintegração financiado internacionalmente, tudo verificado por observadores independentes. A Nova Gaza estará totalmente empenhada em construir uma economia próspera e na coexistência pacífica com os vizinhos.
4. Governo transitório. Será insaturado um governo palestiniano temporário, supervisionado por um “Conselho de Paz” internacional liderado por Donald Trump, com participação de figuras como Tony Blair e contará com o apoio dos parceiros árabes e europeus. Este órgão será responsável pela administração de Gaza, até que a Autoridade Palestiniana (AP) complete um programa de reformas. Ou seja, o governo temporário de palestinianos (um comité tecnocrático e “apolítico”) será responsável por proporcionar serviços públicos diários – centrais e municipais – para as pessoas, na Faixa.
Este órgão estabelecerá o quadro do financiamento para a reconstrução de Gaza e tratará dele, até que AP tenha concluído o seu programa de reformas, conforme descrito em várias propostas, incluindo o plano de paz do presidente Donald Trump, em 2020, e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controlo de Gaza de forma segura e eficaz. E recorrerá aos melhores padrões internacionais para criar uma governação moderna e eficiente que sirva a população de Gaza e seja propícia à atração de investimentos.
5. Ajuda humanitária e reconstrução. A ajuda humanitária será distribuída por organizações internacionais neutras, como as Nações Unidas e a Cruz Vermelha. A reconstrução de Gaza será prioridade, com a entrada de equipamento para a remoção de destroços e para a reabilitação de infraestrutura crucial.
6. Zona económica especial. Será criada uma zona económica em Gaza, com tarifas reduzidas e taxas de acesso negociadas com países parceiros, visando atrair investimento e criar postos de trabalho.
7. Desradicalização e diálogo inter-religioso. Será estabelecido um processo para desradicalizar a população da Faixa de Gaza, incluindo um diálogo inter-religioso, baseado nos valores da tolerância e da coexistência pacífica, com o objetivo de alterar mentalidades e narrativas em Israel e em Gaza, enfatizando os benefícios que podem ser obtidos com a paz.
8. Garantia de segurança. Será oferecida uma garantia de segurança pelos parceiros regionais, para garantir que o Hamas e outras fações de Gaza cumpram as obrigações e que o território deixe de ser ameaça para Israel ou para o seu próprio povo.
9. Força internacional de estabilização. Os EUA trabalharão com os parceiros internacionais, para desenvolver uma força internacional de estabilização (ISF) temporária, que será, imediatamente, mobilizada para Gaza, para garantir a segurança na Faixa. A ISF desenvolverá e dará formação a uma força policial palestiniana, que servirá de corpo de segurança interno, a longo prazo, assim como consultará a Jordânia e o Egito, que têm vasta experiência neste campo.
É essencial impedir a entrada de munições em Gaza, facilitar o fluxo rápido e seguro de mercadorias para reconstruir e revitalizar Gaza e criar um mecanismo de resolução de conflitos.
10. Retirada gradual das FDI. Israel não ocupará, nem anexará Gaza; e as FDI entregarão, gradualmente, o território que atualmente ocupam, à medida que as forças de segurança garantam o controlo e a estabilidade na Faixa.
À medida que a ISF estabelecer o controlo e a estabilidade, as FDI retirar-se-ão, com base em normas, marcos e prazos relacionados com a desmilitarização que serão acordados entre a IDF, a ISF, os garantes e os EUA, com o objetivo de garantir uma Gaza segura que não represente ameaça para Israel, o Egito ou os seus cidadãos. Ou seja, as FDI entregarão, progressivamente, às ISF o território de Gaza que ocupam, segundo o acordo a celebrar com a autoridade transitória, até se retirarem completamente de Gaza, com exceção de uma presença de segurança no perímetro que permanecerá, até Gaza ficar devidamente segura contra qualquer ameaça ressurgente.
11. Plano económico para reconstrução. Será criado o plano económico de reconstrução de Gaza, pela convocação de especialistas com experiência em construção, em cidades do Médio Oriente, e considerando os planos existentes que visam atrair investimento e criar postos de trabalho. Gaza será reconstruída para o benefício do povo de Gaza, que já sofreu mais do que o suficiente.
Muitas propostas de investimento ponderadas e ideias de desenvolvimento empolgantes foram elaboradas por grupos internacionais bem-intencionados, pelo que serão consideradas para sintetizar as estruturas de segurança e de governação para atrair e para facilitar investimentos que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza.
12. Reabilitação de infraestruturas. Será estabelecida uma estrutura para financiar a reconstrução de Gaza até a AP completar o seu programa de reformas.
13. Distribuição de ajuda humanitária. A ajuda será distribuída, sem interferência de nenhum dos lados, pelas Nações Unidas e pela Cruz Vermelha, com outras organizações internacionais, não associadas ao Hamas, nem a Israel. No mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o constante do acordo de 19 de janeiro de 2025 sobre ajuda humanitária, incluindo a reabilitação de infraestruturas (água, eletricidade, esgotos), reabilitação de hospitais e padarias e entrada de equipamentos necessários para remover escombros e abrir estradas e, ainda, o mecanismo da abertura da passagem de Rafah, em ambas, as direções.
14. Incentivo à permanência em Gaza. Ninguém será forçado a sair de Gaza, mas os que escolherem sair poderão fazê-lo e ficarão livres para regressar. Além disso, o povo de Gaza será incentivado a ficar na Faixa e terá a oportunidade de aí construir um futuro melhor.
15. Compromisso com a coexistência pacífica. Os novos dirigentes de Gaza estarão comprometidos com a coexistência pacífica com os países vizinhos.
16. Garantia de segurança regional. Israel aceita não levar a cabo futuros ataques no Catar. Os EUA e a comunidade internacional reconhecem o importante papel de mediação de Doha no conflito de Gaza.
17. Caminho para o Estado da Palestina. Quando a reabilitação de Gaza estiver avançada e o programa de reforma tiver sido aplicado, estarão reunidas as condições para um caminho credível até ao Estado da Palestina, que é reconhecido como objetivo do povo palestiniano. De facto, à medida que o processo de reconstrução de Gaza avança e o programa de reformas da AP é fielmente executado, as condições estarão, finalmente, reunidas para um caminho credível, rumo à autodeterminação e à criação de um Estado palestiniano, que reconhecemos como a aspiração do povo palestiniano.
18. Diálogo entre Israel e palestinianos. Os EUA estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinianos para acordarem um horizonte político para uma coexistência pacífica e próspera.
Caso o Hamas adie ou rejeite esta proposta, o acima exposto, incluindo a operação de ajuda ampliada, prosseguirá nas áreas livres de terrorismo entregues pelas FDI às ISF.
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Donald Trump já pediu a Israel que pare com a ofensiva militar e disse ao Hamas que ou aceita a proposta de paz apresentada pelos EUA ou “enfrentará um inferno nunca visto”.
Entretanto, o Hamas disse estar pronto para libertar todos os reféns israelitas, tanto vivos como mortos, que se encontram na Faixa de Gaza, de acordo com o plano do presidente dos EUA, para colocar o ponto final no conflito, com a retirada das forças israelitas do enclave.
“O movimento afirma a sua prontidão para entrar, imediatamente, em negociações, através de mediadores, para discutir os detalhes deste acordo”, disse o Hamas, numa declaração publicada na rede social Telegram e replicada pela Al Jazeera, na qual diz concordar, ainda, com a entrega da administração de Gaza a um órgão independente, “tendo como base o consenso nacional palestiniano e o apoio árabe e islâmico”.
“Outras questões mencionadas na proposta do presidente Trump sobre o futuro da Faixa de Gaza e os direitos legítimos do povo palestiniano estão dependentes da posição nacional unificada e às leis e resoluções internacionais relevantes”, vincou o Hamas, frisando que tal será “abordado numa estrutura nacional palestiniana abrangente, na qual o Hamas participará e contribuirá de forma responsável”.
Em resposta ao anúncio do Hamas, Donald Trump recorreu à rede social Truth Social para expressar o seu agrado, acreditando que o Hamas está “pronto para uma PAZ duradoura”. Nesse sentido, pediu a Israel para parar os seus bombardeamentos em Gaza.
O presidente da AP, Mahmoud Abbas, comprometeu-se, em declarações à agência de notícias Wafa, em realizar eleições gerais, um ano após o cessar-fogo com Israel. Informou que a AP está a elaborar uma constituição provisória, a concluir no prazo de três meses, que servirá de base para a transição da autoridade no estado da Palestina. E assegurou a sua “determinação em continuar os esforços para ampliar o reconhecimento internacional do Estado da Palestina e garantir a plena filiação às Nações Unidas”. “Nenhum partido, força política ou indivíduo pode concorrer a um cargo, sem se comprometer com o programa político e as obrigações internacionais e legais da Organização para a Libertação da Palestina”, acrescentou Abbas.
Mal foi conhecido o plano, o primeiro-ministro de Portugal saudou-o, garantindo que Portugal apoia a iniciativa que “pode ser o ponto de partida para uma paz justa e duradoura”.
“Saúdo a iniciativa do presidente Donald Trump para acabar com a guerra em Gaza, que concretiza princípios sempre apoiados por Portugal. A abertura do primeiro-ministro israelita, o envolvimento de parceiros árabes e europeus, a recetividade da comunidade internacional são sinais de esperança”, destacou o primeiro-ministro, numa nota na rede social X, vincando que “Portugal apoia esta iniciativa, que pode ser o ponto de partida para uma paz justa e duradoura para ambos os povos”.
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Será que, desta vez, teremos paz no Médio Oriente, com um Estado palestiniano livre e com Israel numa atitude de boa vizinhança? A experiência e a postura israelita, no momento, não são bom augúrio, mas a esperança é a última a morrer.

2025.10.04 – Louro de carvalho


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