quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A guerra da Rússia com a Ucrânia pode durar muito tempo

 

Não vale a pena continuar a aplicar sanções económicas ou outras à Rússia, às suas empresas ou aos seus magnatas.
Recentemente, a União Europeia (UE) estabeleceu o 19.º pacote de sanções à Rússia e os Estados Unidos da América (EUA) repetiram a sua dose contra o agressor da Ucrânia. Por outro lado, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, citando informações de governos ocidentais, sustenta que os ataques de longo alcance da Ucrânia a refinarias na Rússia reduziram a capacidade de refinação de petróleo de Moscovo em 20%.
Não sei se dá para acreditar. Até agora, as sanções económicas impostas pela UE acabaram por desestabilizar as economias europeias, pelo efeito de ricochete. O presidente russo, Vladimir Putin, garante que as sanções decretadas pelos EUA não fragilizam a economia do país invasor. É dito e redito que a economia russa está em recessão. Ora, também a Alemanha foi considerada em recessão técnica e mantém-se de pedra e cal no concerto das nações europeias, com notável capacidade de influência.   
Mais de 90% dos ataques em solo russo referidos pelo líder ucraniano foram efetuados com armas de longo alcance fabricadas na Ucrânia, mas é a Ucrânia que precisa de ajuda financeira externa adicional, para produzir mais, pois, no dizer de Volodymyr Zelenskyy, só precisa de trabalhar nisso, todos o dias.
As exportações de petróleo desempenham papel fundamental no financiamento da invasão da Ucrânia pela Rússia e as novas sanções da UE e dos EUA visam reduzir as receitas de exportação de petróleo e de gás de Moscovo. Contudo, apesar dos renovados esforços de paz liderados sob a égide dos EUA, a guerra não dá sinal de terminar ao fim de quase quatro anos.
O Kremlin não mostra vontade de compromisso e o presidente dos EUA, Donald Trump, aumentou a parada, ao anunciar sanções contra os gigantes petrolíferos russos Rosneft e Lukoil, que entram em vigor a 21 de novembro. E a Casa Branca pode utilizar esta medida como instrumento de pressão ou de diálogo com Moscovo.
A China e a Índia têm sido os maiores clientes do petróleo russo. Ora, a Índia deu sinais de que reduzirá as importações de recursos energéticos da Rússia. O presidente ucraniano esperava que o encontro de Donald Trump com o seu homólogo chinês, Xi Jinping, na Coreia do Sul, permitisse reduzir, ainda mais, as compras de crude russo. E a Lukoil diz que está a vender os seus ativos internacionais, em resposta às sanções impostas pelos EUA, que visam pressionar a Rússia a concordar com um cessar-fogo.
A este respeito, a empresa afirmou, em comunicado, que está a falar com potenciais compradores e que as transações serão realizadas ao abrigo de um período de carência de sanções que permite transações com a Lukoil, até 21 de novembro, estando a empresa a procurar uma extensão desse prazo, se for necessário.
A Lukoil tem participações em projetos de petróleo e de gás em 11 países, refinarias na Bulgária e na Roménia e uma participação de 45% numa refinaria, nos Países Baixos. Por seu turno, a Rosneft tem uma participação numa refinaria em Schwedt, na Alemanha, mas o governo alemão assumiu a custódia da participação e a instalação não envia receitas para a empresa-mãe. O pacote de sanções dos EUA dificulta a atividade da Lukoil e da Rosneft fora da Rússia. E as sanções, além de impedirem as empresas norte-americanas de negociar com estas empresas, implicam a ameaça de sanções secundárias para os bancos estrangeiros que gerem as suas transações.
Sendo assim, qualquer banco que queira manter contacto com o sistema financeiro dominante dos EUA pensará duas vezes, antes de fazer negócios com elas. Contudo, o Kremlin dificilmente se deixará enredar pelas sanções. Efetivamente, o presidente russo desvalorizou as últimas sanções dos EUA, que não terão grande impacto na economia russa ou na sua posição relativa à guerra na Ucrânia. E, questionado, numa conferência de imprensa, sobre essa desvalorização, o presidente norte-americano, despicientemente, ironizou: “Ainda bem que ele pensa assim.”
“A Rússia não cederá às sanções dos Estados Unidos, que são uma tentativa de forçar Moscovo”, afirmou o presidente russo, Vladimir Putin, enfatizando que “nenhum país que se preze faz o que quer que seja sob pressão.”
O líder do Kremlin, classificando as últimas sanções do presidente dos EUA contra Moscovo como um “ato hostil”, que prejudicará as relações Moscovo-Washington, minimizou o seu potencial impacto na economia russa.
Os dirigentes norte-americanos não responderam positivamente a Vladimir Putin. Assim, na linha ironizante de Donald Trump, o secretário da Defesa, Pete Hegseth, reagiu, com um sorriso: “Daqui a seis meses, digo-vos o que se passa. Vamos ver como corre.”
O presidente russo advertiu Washington contra a venda de mísseis Tomahawk à Ucrânia, afirmando que qualquer ataque profundo à Rússia com esta ou com qualquer outra arma de longo alcance será objeto de resposta “devastadora”. “Esta é uma tentativa de escalada. Porém, se essas armas forem utilizadas para atingir o território russo, a resposta será muito séria, se não mesmo devastadora. Deixem-nos pensar nisso”, declarou Vladimir Putin.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que as autoridades russas estão a “analisar as sanções que foram definidas e anunciadas” e que farão o que melhor servir os interesses do seu país. “É esse o principal aspeto das nossas ações. Não estamos a agir contra outra pessoa, estamos a agir em nosso próprio benefício. É isso que vamos fazer”, vincou Peskov.
Os EUA impuseram sanções às duas maiores empresas petrolíferas russas, enquanto a UE aprovou o seu 19.º pacote de sanções, visando bancos, receitas energéticas e redes envolvidas na evasão às restrições existentes. É óbvio que as novas medidas se destinam a pressionar Moscovo a aceitar um cessar-fogo na Ucrânia, após o fracasso das conversações diplomáticas planeadas entre os EUA e a Rússia. Não obstante, apesar de Donald Trump ter anunciado, publicamente, que tinha cancelado o encontro com Vladimir Putin, o presidente russo desmentiu o facto, afirmando que o encontro foi apenas adiado.
Ora, o presidente dos EUA, ao dizer que não quer uma reunião desperdiçada, foi claro: “Cancelámos a reunião com o presidente Putin. Simplesmente, não parecia correto encontrarmo-nos. Não parecia que íamos chegar ao sítio onde tínhamos de chegar. Por isso cancelei-a. […] Sempre que falo com Vladimir, tenho boas conversas e depois não vão a lado nenhum.”
Em contraponto, o presidente russo afirmou que a cimeira foi “adiada” e não cancelada, frisando que seria um erro realizá-la, sem os preparativos necessários. E foi, segundo o Kremlin, o lado americano propôs a reunião e a sua localização.
Vladimir Putin reiterou que Moscovo continua disponível para dialogar, enquanto as autoridades russas e os meios de comunicação social descrevem a cimeira de Budapeste apenas como “adiada”, evitando o termo “cancelamento”. E Kirill Dmitriev, diretor do fundo soberano russo (RDIF) e enviado especial do Kremlin, reuniu-se com funcionários da administração norte-americana, para prosseguir as discussões sobre as relações entre os EUA e a Rússia.

***

A 28 de outubro, a Euronews publicou um artigo de Doloresz Katanich intitulado “Durante quanto tempo poderá a economia russa continuar a financiar a linha da frente?”, referindo que “a economia russa está à beira da recessão”, mas que “a guerra pode durar anos”, e que, segundo especialistas, “o seu financiamento não parece ter grandes obstáculos imediatos”.
Embora a Rússia enfrente uma nova vaga de sanções dos EUA e da UE e a sua economia interna se aproxime da recessão, “tudo isto não é suficiente para travar a sua capacidade de financiar a guerra na Ucrânia”. “A recessão não significa quase nada, para a estabilidade económica e política da Rússia, nos dias que correm”, afirma Vladislav Inozemtsev, cofundador e membro do Conselho Consultivo do Centro de Análise e Estratégias na Europa (CASE), um grupo de reflexão independente sediado na UE.
Apesar de impulsionada pelos gastos militares, a economia russa mostra sinais de recessão ou de estagflação. Estagflação é condição económica rara que combina inflação elevada, desaceleração do crescimento económico (estagnação) e aumento do desemprego. É fenómeno problemático porque os preços sobem, enquanto a economia não cresce.
A inflação continua elevada e está associada a forte abrandamento económico. A inflação atingiu o pico de 10,3%, em março, e diminuiu para 8%, em setembro, o que representa ainda o dobro da meta de 4% do Banco da Rússia. Apesar disso, o banco central vem reduzindo, de forma agressiva, a taxa de juro de referência, tendo a mais recente descida ocorrido a 24 de outubro, com a redução de 50 pontos base, para 16,5% – a 4.ª redução, que é surpresa para os mercados.
As elevadas taxas de juro e a grave escassez de mão de obra (com a taxa de desemprego nos 2,1%) limitaram o crescimento. A economia registou a expansão homóloga de 1,4%, no primeiro trimestre de 2025, e de 1,1% no segundo, contra o crescimento anual de 4,1%, em 2023 e em 2024. O sentimento empresarial tem vindo a enfraquecer. O S&P Global Russia Composite PMI caiu de 49,1 em agosto, para 46,6, em setembro, marcando o quarto mês consecutivo de contração do setor privado e o valor mais baixo, desde outubro de 2022, com o setor industrial e o setor de serviços a serem afetados.
De acordo com a Oxford Economics, a economia russa não esteve em recessão (se definida como dois trimestres consecutivos de contração). Todavia, os economistas daquela empresa de consultoria económica global esperam que o crescimento, no terceiro trimestre, seja tão fraco como 0,2%, face ao anterior. Esperam taxas de crescimento semelhantes, a curto prazo, mas admitem que as recentes sanções petrolíferas levem a economia à recessão.
O economista Vladislav Inozemtsev, do CASE, considera o sentimento empresarial sombrio, com os empresários a anteciparem “o agravamento das condições gerais, a paralisação económica, o declínio da procura dos consumidores e o aumento dos impostos”. E espera que a economia russa sofra uma recessão moderada nos próximos meses, resultando num crescimento anual estável, para 2025, e numa “contração entre 1% e 1,4%, em 2026”.
Um relatório recente do CASE conclui que a economia russa se adaptou à guerra, mantendo-se num estado de equilíbrio, mas prevê um período prolongado de estagnação política e económica na Rússia, sem grande desenvolvimento ou prosperidade, nos próximos dez anos.
As sanções da UE e dos EUA aumentam a longa lista de restrições que têm sido implementadas, desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. Os EUA sancionaram as duas maiores empresas petrolíferas russas, a Rosneft e a Lukoil, e as suas subsidiárias. A UE adotou o 19.º pacote de sanções, incluindo a proibição total do gás natural liquefeito (GNL) russo, a partir de 2027, e a proibição das importações de petróleo e de gás da Rosneft e da Gazprom Neft para a UE, bem como a proibição de a Rússia contornar as restrições anteriores, proibindo o investimento no país e impedindo-a de receber alguns serviços financeiros e infraestruturas, a que se junta a proibição do comércio de materiais críticos de apoio à guerra.
Tudo isto, na ótica da UE, aumenta substancialmente a pressão sobre a economia de guerra russa”, mas, aos olhos do Kremlin, as novas medidas mais rigorosas não terão qualquer impacto na economia russa e na sua estratégia de guerra na Ucrânia.
A Rússia, um alvo muito difícil, devido à sua exportação de muitas mercadorias cruciais, incluindo petróleo e gás, fertilizantes, trigo e metais preciosos, encontrou formas de contornar as sanções e as restrições, incluindo o comércio através de uma “frota sombra” de petroleiros e o aumento das exportações para a China e para a Índia. E os analistas questionam se as sanções pararão os esforços de guerra, embora empurrem a economia do país para a recessão.
As sanções têm impacto nas receitas energéticas da Rússia, mas os produtos energéticos, conquanto “importantes, para o mercado interno e para as exportações, não são fonte substancial de receitas do orçamento para continuar a guerra. O CASE confirma que a dependência do orçamento do petróleo e do gás diminuiu drasticamente. A sua participação nas receitas totais caiu de mais de 50%, em 2011-2014, para apenas 25%, em meados de 2025.
O declínio reflete a queda nos preços do petróleo e na produção petrolífera da Rússia, a par do rápido fortalecimento do rublo e do impacto das sanções ocidentais. E os ataques de drones ucranianos às refinarias de petróleo russas não têm grande impacto nos volumes de exportação, segundo Inozemtsev, já que a Rússia vende tanto petróleo bruto como petróleo transformado e, se uma refinaria for destruída, a quota do petróleo bruto, simplesmente, aumenta, porque vai para os portos sem ser processado.
As receitas da Rússia provenientes da produção de hidrocarbonetos continuam a diminuir, devido à descida dos preços. E a Oxford Economics sustenta que, em setembro, o orçamento recebeu 582,5 mil milhões de rublos em receitas de hidrocarbonetos, menos 25% do que no mesmo mês de 2024. Porém, as sanções têm pouca importância, pois a guerra não é paga, internamente, com os dólares ou com os yuans das exportações, mas com os rublos que o Banco Central da Rússia pode imprimir ou que os serviços fiscais cobram às empresas russas, “que aumentaram 13,2%, em outubro, em relação ao ano anterior”.
A longo prazo, a redução das compras pela Índia e pela China reduzirá as principais receitas, mas, os militares não o sentirão durante, pelo menos, um ano ou até bastante mais. E os peritos da Oxford Economics sustentam que “a guerra pode durar anos”, pois a A Rússia ainda tem dinheiro no seu fundo soberano – 5,9% do produto interno bruto (PIB) no total, em setembro, incluindo 1,9% do PIB em ativos líquidos. E uma das principais fontes de rendimento para financiar o défice, previsto em 2,6% do PIB, é a contração de empréstimos pelo Estado no mercado interno. A dívida pública, em relação ao PIB, deverá situar-se em 17,7%, no final de 2025. Além disso, os depósitos privados nos bancos russos são suficientes, atualmente, cinco vezes mais do que todo o orçamento militar para 2025.
É difícil saber se as exportações cairão. A Rússia pode exportar petróleo, com um desconto maior e através de mais intermediários, para ocultar a origem do petróleo. E é quase impossível monitorizar as transações entre a Rússia e a China. Por isso, no dizer de Inozemtsev, não é de esperar que a diminuição das exportações russas mine, em breve, a capacidade de Vladimir Putin para fazer a guerra.  Até já testou o míssil nuclear Burevestnik, que pode atingir os EUA, e o Poseidon, um drone subaquático com capacidade nuclear.
Portanto, a guerra pode durar anos ou ter um desfecho muito dramático. Os dois líderes mundiais têm poucos escrúpulos.

                                                                                                                                                                                                                                          2025.10.29 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário