quinta-feira, 31 de julho de 2025

A Itália e a Santa Sé assinam acordo para implantar sistema agrovoltaico

 

De acordo com o Vatican News, portal de informação do Vaticano, a 31 de julho de 2025, às 12h00, no Palácio Borromeo, em Roma, sede da Embaixada da Itália junto da Santa Sé, foi assinado o Acordo entre a Santa Sé e a República Italiana para a implantação de um sistema agrovoltaico em Santa Maria di Galeria, área extraterritorial na área rural romana, cujo status remonta a acordos com o governo italiano em 1951.
O projeto a implementar em Santa Maria di Galeria garantirá o fornecimento completo de energia ao Estado da Cidade do Vaticano. E o arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para as Relações com os Estados, considera que o projeto é um bom exemplo de compromisso com o combate às mudanças climáticas e com o investimento em energia renovável.
A instalação da Rádio Vaticano, atualmente usada para transmissões de ondas curtas, está localizada lá, desde 1957. O Papa  leão XIV visitou o local, a 19 de junho para visitar o Centro de Transmissão e o local onde o projeto do sistema agrovoltaico foi desenvolvido, com base no Motu Proprio “Fratello Sole”, de 21 de junho de 2024.
Assinou, pela Santa Sé o arcebispo Paul Richard Gallagher, arcebispo Titular de Hodelm e secretário para as Relações com os Estados e as Organizações Internacionais, e, pela República Italiana, o Dr. Francesco Di Nitto, embaixador da Itália junto da Santa Sé.
Participaram na cerimónia solene, em representação da Santa Sé, o arcebispo Giordano Piccinotti, presidente da Administração do Património da Sé Apostólica (APSA); a Irmã Raffella Petrini, FSE, presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, que assinou a Ata do Acordo. Também estiveram presentes: o professor Venerando Marano, presidente do Tribunal do Estado da Cidade do Vaticano; o Dr. Fabio Gasperini, secretário da Administração do Património da Sé Apostólica; o advogado Giuseppe Puglisi-Alibrandi, secretário-geral do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano; o padre Massimiliano Matteo Boiardi, oficial da Secretaria de Estado, Secção para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais; o padre Carlos Fernando Díaz Paniagua, oficial da Secretaria de Estado, Secção para as Relações com os Estados e Organizações Internacionais; e o engenheiro Diego Malosso, diretor da Área de Gestão Imobiliária da Administração do Património da Sé Apostólica;
Representando a parte italiana, o ministro plenipotenciário Stefano Soliman, chefe do Gabinete Legislativo do Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional; a Dra. Jessica Laganà, primeira conselheira da Embaixada da Itália junto da Santa Sé, assinaram a ata do Acordo. Representantes das administrações central e local italianas que contribuíram para o Acordo também estiveram presentes.
No seu discurso, o arcebispo Paul Gallagher expressou, de início, o seu apreço pelo governo italiano e por todos aqueles que contribuíram para as negociações que levaram ao acordo. Em seguida, recordou esse compromisso com o cuidado da nossa casa comum, tão caro ao Papa Francisco que lhe dedicou “um dos documentos mais significativos do seu pontificado, a encíclica “Laudato si”, cujo décimo aniversário é comemorado neste ano.
O arcebispo citou uma passagem da Laudato Si’, na qual Jorge Mario Bergoglio observou: “No Mundo, é exíguo o nível de acesso a energias limpas e renováveis. Mas ainda é necessário desenvolver adequadas tecnologias de acumulação.” O Papa argentino também enfatizou, no documento, que “houve também alguns investimentos em modalidades de produção e de transporte que consomem menos energia exigindo menor quantidade de matérias-primas, bem como em modalidades de construção ou de restruturação de edifícios para se melhorar a sua eficiência energética. Mas estas práticas promissoras estão longe de se tornar omnipresentes.”
O arcebispo Gallagher inspirou-se neste ponto para enfatizar que “medidas significativas e importantes foram tomadas na última década, mas ainda há muito a fazer, para reduzir as emissões e para acabar com as formas de poluição que envenenam a vida humana e destroem a Terra”. 
O Acordo, composto por cinco artigos, entrará em vigor na data de recebimento da última notificação escrita, pela qual as Partes se comunicaram mutuamente, por via diplomática – a conclusão dos procedimentos internos necessários para sua entrada em vigor.
O Acordo, sinal das excelentes relações bilaterais entre a Santa Sé e a República Italiana, adapta as obrigações contratuais existentes entre as Partes às novas possibilidades abertas pela evolução do conhecimento científico e tecnológico, em relação à produção de energia a partir de fontes renováveis, à luz do compromisso compartilhado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, concluída em Nova Iorque, a 9 de maio de 1992, e do Acordo de Paris relativo à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, adotado em Paris, a 12 de dezembro de 2015.
O Acordo permitirá a construção de uma estação agrovoltaica na região de Santa Maria di Galeria, de propriedade da Santa Sé, para fornecer eletricidade ao Estado da Cidade do Vaticano, a partir de fontes renováveis. A estação utilizará soluções que, no estado atual da ciência e da tecnologia, garantam o maior respeito possível pelo território, conciliando, da melhor forma, os objetivos de preservação do uso agrícola do solo, a manutenção do equilíbrio hidrogeológico da área, a minimização do impacto ambiental, quanto possível, e a garantia da proteção do património cultural, arqueológico e paisagístico.

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A celebração deste acordo vem na sequência das preocupações ecológicas do Papa Francisco e do Papa Leão.

O Santo Padre celebrou, a 9 de julho, a sua primeira missa papal “verde”, utilizando o novo conjunto de orações que imploram o “cuidado com a criação de Deus”. A missa, celebrada nos jardins do novo centro educativo ecológico do Vaticano, na propriedade de verão do Papa, em Castel Gandolfo – residência de férias dos papas, desde o século XVII –, indicou uma forte linha de continuidade do pensamento ecológico do Papa Francisco, que fez da proteção ambiental uma das marcas do seu pontificado, pois direcionou-se para o centro Laudato Si, que recebeu o nome da encíclica ambiental de Francisco, de 24 de maio de 2015, em crítica à forma como os países ricos e as empresas multinacionais, para obterem lucro, exploram a Terra e as pessoas mais vulneráveis,

Leão XIV aprovou a nova fórmula da Missa “para o Cuidado da Criação”, ordenando que fosse acrescentada à lista de 49 missas desenvolvidas, ao longo dos séculos, para uma necessidade ou ocasião específica.

A missa foi elaborada em resposta a pedidos decorrentes da encíclica franciscana, que inspirou todo um movimento e uma fundação da Igreja para educar, defender e sensibilizar o Mundo para o apelo bíblico de cuidar da Natureza.

Sobre as alterações climáticas, o Sumo Pontífice, revelou que tenciona promover o legado ecológico de Francisco, pois, enquanto missionário de longa data no Peru, experimentou, em primeira mão, os efeitos das mudanças climáticas em comunidades vulneráveis, a clamar pela necessidade de justiça climática para os povos indígenas, em particular.

Em mensagem para o Dia de Oração da Igreja pela Criação, Leão XIV criticou “a injustiça, as violações do direito internacional e dos direitos dos povos, as graves desigualdades e a ganância, que estão a gerar desflorestação, a poluição e a perda de biodiversidade”. E, não hesitando em dizer quem será o culpado, considerou que “as alterações climáticas foram provocadas pela atividade humana”. “Até agora, parecemos incapazes de reconhecer que a destruição da Natureza não afeta a todos, da mesma forma. Quando a justiça e a paz são espezinhadas, os mais afetados são os pobres, os marginalizados e os excluídos”, escreveu na referida mensagem.

O Pontífice celebrou a Missa durante os primeiros dias das suas férias em Castel Gandolfo, uma cidade no topo de uma colina com vista para o Lago Albano, a Sul de Roma.

Num outro esforço ambiental, Leão indicou que planeava executar um dos mais importantes legados ecológicos de Francisco: a construção de um campo de 430 hectares, no Norte de Roma, de uma quinta solar que poderá gerar eletricidade suficiente para satisfazer as necessidades do Vaticano e, assim, tornar a Cidade do Vaticano o primeiro Estado neutro em emissões de carbono do Mundo.

O projeto exigirá um investimento de pouco menos de 100 milhões de euros e precisa da aprovação do parlamento italiano, uma vez que o território tem um estatuto extraterritorial que precisa de ser alargado.

Em 2024, Francisco promoveu o desenvolvimento de Santa Maria di Galeria, que foi durante muito tempo fonte de controvérsia, devido às ondas eletromagnéticas emitidas pelas torres da Rádio Vaticano. Leão visitou o local em junho deste ano e considerou-o uma “oportunidade maravilhosa”. Disse à televisão estatal RAI que a criação de uma quinta ecológica “daria um exemplo muito importante: estamos todos conscientes dos efeitos das alterações climáticas e precisamos, realmente, de cuidar de toda a criação, como o Papa Francisco ensinou tão claramente”.

Em vez de se hospedar no Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, o Papa hospedou-se num apartamento reformado na Villa Barberini, um setor de jardins da cidade, durante a sua visita em julho. Deste modo, o Palácio Apostólico e os jardins permaneceram e permanecerão abertos aos visitantes, durante a estadia de verão de Leão XIV.

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O Motu Proprio “Fratello Sole” refere que Francisco, pela Encíclica “Laudato sì”, sobre o cuidado da casa comum, convidara toda a Humanidade a “tomar consciência da necessidade de realizar mudanças nos próprios estilos de vida, na produção e no consumo, a fim de combater o aquecimento global, que tem como uma das principais causas o uso generalizado de combustíveis fósseis”. Na sequência, a 6 de julho de 2022, o Observador Permanente junto à Organização das Nações Unidas (ONU) depositou junto ao Secretariado-Geral da ONU o instrumento pelo qual a Santa Sé, em nome e por conta do Estado da Cidade do Vaticano, adere à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Com este instrumento, Francisco pretendeu contribuir para os esforços de todos os Estados em oferecerem, segundo as respetivas responsabilidades e capacidades, “uma resposta adequada aos desafios impostos à Humanidade e à nossa casa comum pelas mudanças climáticas”.
Precisamos, dizia o Papa, de fazer “a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável que reduza as emissões de gases de efeito estufa, visando a neutralidade climática”, sustentando que “a Humanidade possui os meios tecnológicos para lidar com essa transformação ambiental e suas consequências éticas, sociais, económicas e políticas prejudiciais, e a energia solar desempenha um papel fundamental entre elas”.
Nesse sentindo, o Papa confiou ao presidente do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano e ao presidente da Administração do Património da Sé Apostólica, a tarefa da construção de um sistema agrovoltaico localizado na zona extraterritorial de Santa Maria di Galeria, que garantirá não apenas o fornecimento de energia elétrica para a estação de rádio ali localizada, mas também o fornecimento completo de energia para o Estado da Cidade do Vaticano.
E, “para o exercício desta função, em derrogação da legislação vigente e sem necessidade de qualquer autorização”, aquelas duas personalidades “comissários extraordinários com plena capacidade para praticarem os atos administrativos ordinários e extraordinários necessários”.
Para fins de manutenção dos privilégios de extraterritorialidade garantidos nos termos dos artigos 15 e 16 do Tratado de Latrão – dos quais a área em questão se beneficia, em virtude do Acordo entre a Santa Sé e a Itália para as instalações da Rádio Vaticano, em Santa Maria di Galeria e Castel Romano, de 8 de outubro de 1951, Francisco estabeleceu que os comissários extraordinários podiam comunicar à Autoridade Italiana – nos termos do artigo 15, primeiro parágrafo, do Tratado de Latrão – “a localização, na referida área, de estruturas e de sedes de entidades pertencentes à Santa Sé e ao Governatorato da Cidade do Vaticano”.
Por fim, ordenou à Secretaria de Estado que facilitasse todos os pedidos dos comissários extraordinários e que trabalhasse “para garantir que nada do que até agora esteve à disposição da Sé Apostólica se perca naquele território”.

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Em suma, está de pé o projeto de construção de uma estação fotovoltaica em Santa Maria di Galeria, na Itália, com o objetivo de fornecer energia ao Vaticano. O projeto faz parte de um esforço maior para tornar o Vaticano um estado neutro em emissões de carbono. 

Fica localizado fora do Vaticano, em Santa Maria di Galeria, numa propriedade da Santa Sé, no Norte de Roma. Todavia, por implicar alargamento da zona territorial, carece de autorização do parlamento italiano, cujo processo está bem encaminhado  

O projeto inclui um parque solar de 430 hectares, no Norte de Roma, que irá gerar eletricidade suficiente para atender às necessidades do Vaticano.

O objetivo é transformar o Vaticano no primeiro estado do Mundo neutro, em emissões de carbono. 

O projeto exigirá um investimento de cerca de 100 milhões de euros, de acordo com fontes oficiais, e precisa da aprovação do parlamento italiano, como foi referido e para o que contribuirá o acordo acabado de assinar. 

Além de fornecer energia para o Vaticano, o projeto também visa garantir o suporte energético completo da estação de rádio localizada numa das propriedades extraterritoriais da Santa Sé. 

Adicionalmente, é de relevar que o Papa Francisco tinha nomeado dois comissários especiais para a liderança do projeto, incluindo o presidente da comissão que tratará do parque solar; o projeto está em linha com os esforços ambientais do Papa Francisco, incluindo a construção de um parque solar de grande escala para o Vaticano; e a construção do parque solar é um passo significativo em direção à independência energética do Vaticano e à redução das suas emissões de carbono.

Enfim, a Santa Sé numa das suas melhores iniciativas ecoeconómicas!

2025.07.31 – Louro de Carvalho

Finanças do Vaticano: “um dos melhores balanços dos últimos anos”

 
Foi publicado o balanço da Administração do Património da Sé Apostólica (APSA), em 34 páginas, que evidencia o crescimento da rentabilidade e o aumento da contribuição para a Cúria Romana e para a missão da Igreja, de acordo com o Vatican News.
Um lucro extraordinário – 62,2 milhões de euros (mais de 16 milhões a mais do que em 2023, que foi de 45,9 milhões de euros) – mas também uma contribuição extraordinária: 46,1 milhões de euros (mais de oito dos 37,93 milhões em 2023), para cobrir as necessidades da Santa Sé e o défice da Cúria Romana. Esses são os números que se destacam no balanço 2024 da APSA, recentemente publicado. “Um dos melhores balanços dos últimos anos”, disse à media do Vaticano o arcebispo Giordano Piccinotti, presidente da APSA.
O balanço em referência é o quinto (após a publicação do primeiro para 2020) tornado público pelo órgão criado em 1967, por São Paulo VI para administrar os bens móveis e imóveis da Santa Sé. A mudança é ainda mais percetível no documento, ao destacar o crescimento da lucratividade não como fim em si, mas para garantir maior capacidade de contribuir para as necessidades da Santa Sé e, portanto, para a missão da Igreja e do Papa. “A APSA está a cumprindo o seu dever”, enfatizou Giordano Piccinotti.
As necessidades financeiras da Cúria Romana, no valor de 170,4 milhões de euros, são entendidas como as despesas da APSA para suportar a Santa Sé, ou seja, a soma dos salários e a aquisição de bens e de serviços. Com uma contribuição fixa de 30 milhões de euros e com uma contribuição variável (50% sobre o lucro residual) de 16,087 milhões de euros, o valor total das contribuições da APSA para a Cúria Romana é, portanto, de 46,087 milhões de euros.
No resultante aos lucros, o presidente da APSA lembra que, no plano trienal de há quatro anos, a meta era de 50 milhões de euros. O superavit registado no balanço é, portanto, uma satisfação, resultado, acima de tudo, de melhor administração dos bens móveis e imóveis, visando a valorização e não a redução de despesas ou a venda, tudo segundo processos de “racionalização, transparência, profissionalismo”. “Não é um ponto de chegada. O meu avô costumava dizer que de uma planta de cereja não se pode obter mais de 15 quilogramas de cerejas. Pois bem, estamos quase lá, mas há, certamente margens para melhorias e a gestão já é muito boa, sustenta o arcebispo Giordano Piccinotti, explicitando: “Não se trata apenas de arrendar propriedades vazias; nos últimos anos, houve uma reestruturação não indiferente da administração de propriedades, que nos permitiu alugar a preços de mercado. Isso gera recursos adicionais... Além disso, a APSA está a trabalhar, de forma ética, para que todos os processos sejam formalizados e rastreáveis.”
Os detalhes podem ser vistos no documento, que fornece uma visão geral das duas principais operações de gestão confiadas à APSA (títulos e imóveis). Em relação à primeira, destaca-se que, nos meses de março e abril de 2024, foram implementadas as diretrizes do Comité de Investimentos da Santa Sé, que ordenou, entre outras indicações, que os investimentos fossem feitos em SMAs (Separated Managed Accounts), algo semelhante a fundos de investimento comuns, mas de propriedade da Santa Sé. Tal política resultou em significativa reorganização do portfólio de investimentos que possibilitou preservar o valor dos ativos num momento de contração do mercado e levou a um impacto positivo na fase de reinvestimento subsequente. Graças à tempestividade, à visão e à estratégia, a APSA obteve um retorno gerencial de 8,51 pontos percentuais. Ou seja, vendeu-se, quando o mercado estava em alta, e comprou-se, quando estava em baixa, o que levou a um resultado muito alto, ou seja, 10 milhões de euros a mais do que em 2023.
O resultado da gestão de propriedades permaneceu inalterado, em relação a 2023: 35,1 milhões de euros. É o resultado de um efeito combinado entre o positivo das receitas mais altas das propriedades da APSA na Itália (+ 3,2 milhões de euros) e as das empresas investidas na Itália e no exterior (+ 0,8 milhão de euros), e o negativo (- 3,9 milhões de euros) dos custos mais altos gerados pelas propriedades da APSA (dos quais 3,8 milhões de euros apenas para manutenção).
Até o momento, existem 4234 unidades imobiliárias geridas pela APSA, na Itália: 2866 de sua propriedade (1367 para uso residencial, 395 para uso comercial); 1368 de outras entidades. A gestão imobiliária também é realizada por empresas na Inglaterra, na França, na Suíça e na Itália.
Entre os pontos importantes do balanço, está o atinente aos serviços prestados, que comprometem cerca de 40% dos recursos humanos. “Um trabalho para os outros”, vinca o presidente da APSA, segundo o qual “a administração contribui para a missão da Igreja, ao prestar serviços que são utilizados por outras entidades”, por exemplo, a contabilidade e a manutenção das Nunciaturas.
Por fim, o documento descreve os projetos iniciados e continuados em 2024 e projeta o futuro com ideias e propostas, entre as quais sobressai o projeto Fratello Sole, a construção da instalação agrovoltaica em Santa Maria di Galeria (local visitado, a 19 de junho, pelo Papa Leão XIV), para obter exemplos de transição energética, por meio de energias renováveis.
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As finanças da Santa Sé, sede da Igreja Católica, são complexas e multifacetadas, envolvendo tanto a gestão do Vaticano como as finanças de vários serviços espalhados pelo Mundo. As próprias dioceses prestam contas à Santa Sé
O Vaticano, como microestado, não possui as mesmas fontes de receita de outros estados, designadamente, impostos. Depende, sobretudo de doações, de investimentos e de receitas dos Museus do Vaticano e de taxas por serviços prestados, bem como da gestão do Instituto de Obras de Religião (IOR), o banco do Vaticano. Porém, apesar de não ser instituição com fins lucrativos, a Igreja possui um património significativo, incluindo imóveis, terras e investimentos. 
As fontes de receita da Santa Sé provêm: de doações (as doações de fiéis em todo o Mundo, incluindo o Óbolo de São Pedro, são importante fonte de receita);  de investimentos (o Vaticano possui património diversificado, incluindo imóveis, títulos e outros investimentos); dos Museus do Vaticano (são fonte significativa de receita, especialmente, para a manutenção da máquina pública do Vaticano); e de outras receitas, com realce  para o IOR e para o turismo. 
No capítulo das despesas da Santa Sé, destaca-se: a Manutenção da Cúria Romana (considerável parte das despesas destina-se à manutenção da Cúria Romana, isto é, dos órgãos que compõem o governo da Igreja); a manutenção da máquina pública (ou seja, a manutenção da administração pública do Vaticano, incluindo a Guarda Suíça e outras despesas gerais);  as despesas com pessoal (isto é, gastos com funcionários e com colaboradores da Cúria e de outras instituições vaticanas); as doações (apesar de ser instituição voltada para a caridade, a parcela das despesas destinadas a doações e a obras de caridade é menor do que outras despesas).
As finanças da Santa Sé têm enfrentado desafios financeiros, como: o défice operacional (nos últimos anos, as despesas superaram as receitas); a dependência de doações (que torna as finanças da Santa Sé vulneráveis a flutuações económicas e a mudanças na generosidade dos fiéis); os escândalos financeiros (que envolveram investimentos e gestão financeira, no passado), que afetaram a confiança e geraram perdas financeiras. 
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A gestão financeira do Vaticano tem sido criticada por falta de transparência e eficiência. O Papa Leão XIV herdou uma situação financeira complexa, com desafios a serem enfrentados. O Papa Francisco tentou reformas e maior transparência na gestão financeira e o novo papa terá de dar continuidade a tais medidas, para garantir a sustentabilidade financeira da Santa Sé.
A este respeito, a 6 de maio, Débora Crivellaro referiu à BBC News Brasil a máxima segundo a qual “o valor do património da Igreja Católica é um dos mistérios da fé, tamanho segredo que a instituição guardou, ao longo dos séculos, sobre o assunto”. E a colunista sustenta que, face a tamanho sigilo, se avolumaram as especulações sobre o volume da fortuna da “Santa Madre”, “criando uma mística em torno do tema que beirava a ingenuidade e os comentários, como: “Porque não vende o papa  o Vaticano, para acabar com a fome no Mundo?”
Todavia, desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco, falecido a 21 de abril, esforçou-se por retirar o véu que encobria as finanças da Santa Sé, com medidas que mudaram e enxugaram a engrenagem da máquina vaticana e se repercutiram na Igreja em geral. Uma delas foi divulgar, em 2021, o balanço financeiro público da APSA do ano de anterior, prática que vem sendo seguida, desde então. Foi a primeira vez, desde a criação, em 1967, da APSA, responsável pela gestão de imóveis e de investimentos, que tais cifras vieram a público.
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A Igreja, como instituição religiosa, em tese, não visa o acúmulo de bens ou o lucro, segundo o Código de Direito Canónico. Porém, começou a acumular riqueza a partir do século IV, com o imperador Constantino (272-337 d.C.), que garantiu a liberdade religiosa. Assim, até ao édito de Milão, do ano 313, os cristãos viviam de forma humilde e celebravam o culto nas suas casas e em catacumbas. Isso era natural para os seguidores de uma religião baseada nas palavras e nas ações de um judeu pertencente às castas sociais inferiores, que pregava o comedimento, a sobriedade e ações voltadas aos menos favorecidos. “Esses eventos mudaram a História do Cristianismo e do Império Romano, como escreveu Ney de Souza, professor de História Eclesiástica e especialista em religião e política, no livro História da Igreja (Ed. Vozes).
Deste então, o temporal e o espiritual entrelaçaram os seus destinos. Os séculos seguintes mostraram se essa aliança e as sucessivas foram a melhor estratégia da instituição ou se do martírio dos cristãos e das catacumbas, onde professavam a fé, se passou para os palácios, em grande prejuízo para a vivência da fé cristã, desembocando na Reforma. De perseguida, a Igreja passou a privilegiada e a detentora de muitos bens. A simplicidade dos seguidores, diferencial no início, deu lugar a status e a símbolos de riqueza equiparados a dignitários do império. O perigo de acomodação e de contaminação do poder tornou-se real. “No percurso da História do Cristianismo, é possível verificar que o joio e o trigo estão sempre presentes”, escreveu Souza.
Às vezes, o joio em quantidade maior, outras vezes o trigo. Mas ainda que o trigo seja em número reduzido, é o responsável pela continuidade do seguimento de Jesus. Entre os católicos, nomes como Francisco de Assis e o Papa Francisco seriam os representantes da defesa da simplicidade. Já figuras como o Papa Bento IX (102-1055), que chegou a vender o trono papal, e o cardeal Giovanni Angelo Becciu, substituto para os Assuntos gerais da Secretaria de Estado do último pontificado, afastado após o desvio de 220 milhões de dólares destinados à caridade, para comprar um apartamento em Londres, seriam exemplos em sentido inverso.
Constantino e outros líderes do Império Romano doaram à Igreja palácios, imóveis, terras a perder de vista e termas, além de quantidades inimagináveis de ouro e de prata. A partir daí, estabeleceu-se o mecanismo da doação, em troca de algo, até mesmo para a Igreja se firmar em determinado território. E, no século XVIII, surgiram os Estados pontifícios, territórios na Península Itálica que funcionavam como entidades político-religiosas sob o comando papal, e a hierarquia católica emergiu como autoridade civil, aliada explícita das famílias mais abastadas da Europa.
Apesar de nem sempre ter desfrutado da bonança – a Idade Média foi um período de vacas magras – a Igreja Católica construiu o seu património por meio de doações de fiéis e de pessoas interessadas na sua influência política e social. No século XXI, agrega-se-lhe o seu património cultural, que inclui obras de valor inestimável, museus que recebem milhões de visitantes (pagos), por ano, e os investimentos no mercado financeiro, terreno que foi epicentro de escândalos de grandes proporções.
No centro do poder católico, está o Estado da Cidade do Vaticano, com o regime de governo de monarquia absoluta, titulada pelo Papa, designação do bispo de Roma, que carrega outros títulos como Vigário de Cristo, sucessor do príncipe dos apóstolos e Sumo Pontífice da Igreja Universal.
O Estado do Vaticano se estabeleceu por volta do ano 752, no pontificado de Estevão II (715-757). Os primeiros museus datam da época do papa Júlio II (1443-1513).
O Vaticano é sustentado pela colaboração financeira de todas as dioceses, particularmente, das norte-americanas e alemãs, duas das mais abastadas. Outra fonte de receitas é o turismo.
No interior da cidade, estão os organismos da Cidade-Estado do Vaticano, os dicastérios e serviços da Santa Sé, entre os quais: o Palácio Apostólico, 15 museus, galerias de arte (Capela Sistina, capelas de Rafael, Pinacoteca Vaticana, Museu Missionário Etnológico, Museu Histórico), Biblioteca Apostólica Vaticana, Rádio Vaticana, IOR, Observatório Astronómico, Domus Vaticanae (Casa Santa Marta), Basílica de São Pedro, prédios contíguos à Basílica, Jornal L’Osservatore Romano, Vatican News – Centro Televisivo Vaticano, Libreria Editrice e os arquivos apostólicos. Há 12 prédios ou espaços extraterritoriais que pertencem ao Vaticano, entre os quais as Basílicas Maiores de São João de Latrão, de São Paulo extramuros, de Santa Maria Maior e a paróquia de Santa Ana, além dos escritórios dos dicastérios e a Villa de Castel Gandolfo, conhecida como a residência de verão dos papas.
Há também o óbolo de São Pedro, que consiste em doações voluntárias de fiéis de todo o Mundo. Essas doações são destinadas a obras de cunho social e à manutenção das atividades do Vaticano, ao turismo e aos museus, que mobilizam milhões de pessoas, por ano, para algumas atrações. Entre elas, contam-se o Museu do Vaticano e a Capela Sistina, a venda de selos postais e de moedas comemorativas e, a mais controversa, a atuação de suas instituições financeiras, o IOR, que administra ativos financeiros significativos, e a APSA.
O Vaticano também é detentor de um dos maiores acervos artísticos e culturais do Mundo. No entanto, esses bens são considerados património imensurável e não estão disponíveis para venda ou uso comercial. Boa parte desse património provém de Benito Mussolini (1883-1945), que, em 1929, depositou 1,75 mil milhões de liras nos cofres da Santa Sé, por meio da Conciliação, em ressarcimento pelos bens da Igreja que lhe foram retirados durante a Unificação italiana (1871).
O movimento político-militar consolidou diversos reinos, ducados e estados independentes, entre eles, os Estados Papais, na Itália. Especialmente, entre 1860 1870, muitos bens e territórios foram retirados dos católicos, o que representou um dos momentos mais delicados da História na relação entre a Igreja e Itália unificada.
Cerca de um quarto deste valor foi usado pelo papa Pio XI (1857-1939) para estruturar o novo Estado do Vaticano, erguer os edifícios da Santa Sé (como o palácio de São Calisto, em Trastevere/Roma) e construir moradias para funcionários, próximas do Vaticano. O resto do dinheiro recebido foi aplicado numa série de investimentos, tendo como estratégia o princípio da diversificação, a fim de evitar riscos. Por conta disso, a APSA possui imóveis na Grã-Bretanha, na França e na Suíça, além da Itália, principal país de investimento, sobretudo, em Roma, com 92% das unidades imobiliárias, desde edifícios a escritórios, lojas e restaurantes.
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Atualmente, parte do património imobiliário e a gestão da carteira de investimentos geram rendimentos destinados para a manutenção da Cúria Romana, o órgão gestor da Santa Sé. Esta é a função principal das finanças do Vaticano: sustentar a máquina da Santa Sé, as nunciaturas, as movimentações do Papa e as ações de caridade. Em 2019, questionado sobre as finanças, o Papa Francisco defendeu a necessidade de investir, não para especular, mas para evitar que o capital se desvalorize. “Que se mantenha ou renda um pouco”, afirmou.
Isso é relevante, porque a Santa Sé, apesar de estar amparada pelo Estado do Vaticano, não é, por si só, um Estado, declarou o historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da organização católica Comunidade de Santo Egídio, ao jornal italiano Corriere dela Sera. “Não tem impostos nem dívida pública. Conta com o rendimento dos seus bens e, sobretudo, com as ofertas dos fiéis. A tendência disso está ligada à opinião pública dos católicos. […] Por isso, assim como, por outros motivos, são necessárias transparência orçamentária e ordem na gestão”, diz Riccardi.
No entanto, as receitas e despesas anuais do Vaticano foram, significativamente, subnotificadas, e os seus ativos totais são o dobro do que foi antes declarado (cerca de quatro mil milhões de dólares). A observação é do padre jesuíta espanhol Juan Antonio Guerrero Alves, responsável pela Secretaria de Economia, criada por Francisco, no início da sua reforma económica, em 2014.
Para controlar os gastos excessivos, o Vaticano começou a vender cerca de 20 a 25 milhões de dólares do seu património, todos os anos. “Esses desafios precisam de ser enfrentados e não está claro como uma Igreja que luta com o declínio de membros, em países com as economias mais desenvolvidas do Mundo, pode gerar os recursos necessários para se manter”, previne o vaticanista americano John Allen Jr.
Também, nestas matérias, “Ecclesia semper reformanda est”.

2025.07.31 – Louro de Carvalho


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Só Lucros nos dois maiores bancos portugueses: CGD e BCP

 

A Caixa Geral de Depósitos (CGD), o banco público liderado por Paulo Macedo, anunciou, na manhã de 30 de julho, os resultados relativos ao primeiro semestre de atividade de 2025. Fê-lo em comunicado enviado aos mercados e em sessão de apresentação de resultados, na sede, em Lisboa.
Os lucros subiram 4%, em termos homólogos, para 893 milhões de euros, registando-se uma quebra de 10% da margem financeira, atribuída ao comportamento das taxas de juro.

No volume de negócios, as comissões subiram ligeiramente (1%), abaixo do aumento de 6%, isto é, nove mil milhões de euros. O banco público tais números com a manutenção do preçário e com a aplicação de isenções em algumas das operações.

Além disso, no final do primeiro trimestre, a CGD pagou um dividendo de 850 milhões de euros ao acionista (Estado), sendo o mais elevado de sempre, mas garante que os seus rácios prudenciais estão acima dos 20%, após tal operação, e que é, de novo, a única instituição portuguesa “a integrar a lista dos 200 maiores bancos mundiais, em capital Tier 1, pela revista The Banker 2025, classificando-se na 190.ª posição”, lê-se no comunicado enviado ao mercado.

O banco liderado por Paulo Macedo garantiu um aumento do seu volume de negócio, muito por via do crédito à habitação, que cresceu 63%, em termos homólogos, e com o reforço do seu posicionamento no segmento das Pequenas e Médias Empresas (PME), onde o banco tem vindo a apostar mais paulatinamente. Assim, a CGD mantém-se com uma quota de mercado de 23,9%, no atinente ao crédito à habitação, sendo líder de mercado. Como se lê no documento, este valor é muito impulsionado pelo segmento jovem.

No referente a crédito a empresas e institucionais, garante uma posição de 17,6% no mercado. Já os depósitos e os recursos de clientes cresceram 5%, em termos homólogos, - e 38%, face a 2019, o período pré-pandemia, que tem sido usado, muitas vezes, como marca pelos bancos na sua atividade. Atualmente, a CGD conta com 77 mil milhões de euros em recursos de clientes.

Paulo Macedo reagiu, com comedida indignação, à pergunta sobre se o facto de ter partilhado o Conselho de Ministros com e como Álvaro Santos Pereira não colocaria em causa a independência deste como supervisor da CGD. “A independência é a coisa que mais preocupa o atual governador, o novo governador e a mim”, respondeu, de forma pausada, mas assertiva.

Com efeito, Paulo Macedo conhece Álvaro Santos Pereira, com quem partilhou funções governativas na legislatura de Pedro Passos Coelho: o primeiro foi ministro da Saúde; e o segundo tinha as pastas da Economia e do Emprego. Porém, rejeitou qualquer tipo de questão, no respeitante à independência do supervisor. “Vai ficar admirado, mas várias pessoas são amigas umas das outras e já trabalharam juntas”, ironizou, em resposta a um jornalista do Público. “E a questão não são os conflitos de interesse, mas se esses conflitos são mitigados e se há um disclosure dos mesmos”, referiu, sublinhando que, se fosse uma questão “as pessoas conhecerem-se, ficávamos bastante reduzidos num mercado que já é muito reduzido”.

Instado a comentar a escolha de Álvaro Santos Pereira para suceder a Mário Centeno, Paulo Macedo sustentou que não lhe cabe a si avaliar, mas não deixou de atirar algumas considerações.

“Em termos de CV [Curriculum Vitae], não me parece que se levante qualquer dúvida. Tenho muito apreço pelo trabalho que desenvolveu, academicamente. E tenho uma questão de apreço por alguém que era economista-chefe da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] e vem para Portugal e recebe as manchetes todas dos jornais, no primeiro dia, em que o nome é anunciado”, atirou.

“Quando pessoas se disponibilizam a servir o país, quando podiam estar na OCDE – Paris já não é o que era, mas não está má, posso dizer-vos... – enfim. Ele foi dos poucos economistas-chefes da OCDE, que eu tenha notado, que foi convidado pelo BCE [Banco Central Europeu] para ser ouvido, precisamente pela experiência que tem...”

E acrescentou: “Também quero dizer que a CGD também tem apreço pelo anterior governador e pela forma como se relacionou com os bancos, e como representou Portugal no BCE. Felizmente, estamos a falar de duas personalidades bastante credíveis.”

Durante a conferência de imprensa de apresentação de resultados semestrais da CGD, o seu presidente da Comissão Executiva falou do preço das casas – que não tem parado de subir – frisando que, no segmento de luxo, era natural que os preços subissem, porque “quem compra são pessoas que adquirem casas em toda a parte do Mundo, são investidores externos […]. Quem compra sabe o que pagaria por uma localização alternativa em outro lado do Mundo. E este é o segmento onde o preço tem estado, talvez, a subir mais”, realçou.

Já no mercado do segmento médio baixo, “acho que vai demorar muitos anos até reconstruirmos, em termos de produção, a fileira dos empresários que construíam urbanizações de vários prédios e, depois, as vendiam, e assim sucessivamente...essa fileira ficou bastante reduzida, depois da crise financeira e de falências e de muitas fusões”, observou.

Considera, portanto, que, “enquanto a oferta não estiver restabelecida – e não acho que haja uma silver bullet –, através de diversas medidas, os preços das casas não tendem a baixar, porque a procura é crescentemente maior do que a oferta, em termos de diferencial”.

Diz, ainda, que é importante que os governantes deem ao mercado estabilidade e segurança, sem consecutivas alterações de regras, nomeadamente, no mercado de arrendamento. “Quantas casas não são colocadas no mercado porque não há a mínima previsibilidade sobre as rendas?”, questiona, para sustentar que “isso pode lançar milhares de casas no mercado”.

Contudo, é de anotar que, em Portugal, a capacidade de endividamento das famílias, ajustada à inflação, recuou em cerca de 25%, mas os preços das casas subiram, no período entre 2019 e 2024. E, no final de 2024, Portugal registou a maior subida dos preços das casas na União Europeia (UE).

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Já o lucro do maior banco privado português, o Banco Comercial Português (BCP Millennium), subiu 3,5%, para 502,3 milhões de euros, no primeiro semestre, face ao mesmo exercício do ano anterior (485,3 milhões de euros), como informou a instituição à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Em Portugal, os resultados líquidos ascenderam a 424 milhões de euros, uma subida de 3,2%, tendo o mercado doméstico contribuído com o maior peso na operação.

Como refere a jornalista Rute Simão, do Diário de Notícias (DN), Miguel Maya, presidente do BCP, na conferência de imprensa de apresentação dos resultados, no Taguspark, em Oeiras frisou que os primeiros seis meses do ano ficaram “marcados pela incerteza e pela volatilidade”, no atinente à situação macroeconómica e geopolítica, pautada pela guerra comercial e pelos conflitos armados na Ucrânia e no Médio Oriente, o que não é positivo para a economia”.

A operação na Polónia foi positiva, com o Bank Millennium, detido em 50,1% pelo BCP, a registar lucros de 121,1 milhões de euros, uma subida de 43%, apesar dos condicionamentos dos encargos conexos com a carteira tóxica de crédito em francos suíços.

Os indicadores financeiros do relatório indicam que o  produto bancário, que resulta da soma das comissões, da margem financeira ou dos ganhos em operações financeiras, subiu 5,6%, para 1,8 mil milhões de euros. E a margem financeira (diferença entre os valores que os bancos cobram em juros e o que pagam pelos empréstimos) teve o aumento homólogo de 3,3%, para 1,44 mil milhões de euros. Porém, na operação em Portugal, recuou 2,2%, para 658,8 milhões de euros.

As comissões líquidas da atividade consolidada subiram 4%, para 413,8 milhões de euros, tendo totalizado, na operação doméstica, 307,1 milhões de euros, um acréscimo de 6,7%.

Entre janeiro e junho foi superado um recorde com 106,2 mil milhões de euros em recursos aplicados por clientes, que englobam os depósitos (+5,5%); e a carteira de crédito aumentou 3,4%, para 60,3 mil milhões de euros, com Portugal a atingir os 41,5 mil milhões de euros, numa evolução de 4,6%.

A base de clientes superou a fasquia dos sete milhões de euros, com destaque para o crescimento de 9% dos clientes mobile que representam 73% da base de clientes.

No capítulo da despesa, os custos operacionais tiveram uma subida de 10,5%, para 683,5 milhões de euros, mercê do agravamento na rubrica dos custos administrativos e nos gastos com pessoal. O peso dos custos nos proveitos (cost-to-income) fixou-se em 37%, acima dos 35% registados no primeiro semestre de 2024. Em Portugal, este indicador agravou-se para os 35%, face aos 32% do exercício homólogo.

O BCP indica, ainda, que a rentabilidade dos capitais próprios (ROE), que mede a capacidade do banco gerar retorno para os acionistas, se fixou em 14,3%, abaixo dos 15,4% verificados no primeiro semestre de 2024.

Nos fundos próprios, o rácio de capital mais exigente (CET1) manteve-se nos 16,2% e o rácio de capital total caiu para 20,2% (20,6%, há um ano).

Também Rute Simão anotou que o presidente do BCP, questionado sobre a nomeação de Álvaro Santos Pereira para o cargo de governador do Banco de Portugal (BdP), afirmou que o currículo do sucessor de Centeno “fala por si”. “Nem eu, nem nenhum dos meus colegas nos pronunciamos sobre os governadores, não nos compete. É um currículo que fala por si e não carece de considerações, é solido”, discorreu.

Enfim, tanto Miguel Maya como Paulo Macedo, não se pronunciam sobre os governadores do BdP, mas vão dizendo da sua justiça, atirando-nos com o currículo, com a competência e com a independência.

Também a jornalista do DN registou o apontamento de Miguel da Maya sobre o crédito à habitação. Assim, o BCP já atribuiu uma fatia de 30% da quota referente à garantia pública para a habitação, que totaliza, no caso da instituição, 185 milhões de euros.

O gestor de topo do banco detalhou que os jovens até aos 35 anos representam cerca de 60% do total de pedidos de crédito ao BCP Millennium para a compra da primeira habitação, pesando os empréstimos realizados ao abrigo da medida entre “20% a 30%” do crédito global concedido.

“A garantia pública tem desempenhado um papel que consideramos francamente positivo. A expetativa é a de que, para o Estado, não venha a ter um custo significativo. Não antevemos um grau de incumprimento superior ao crédito que não tem a garantia do Estado”, referiu o presidente do BCP.

Miguel Maya assegurou estar “muito tranquilo”, sustentando que “a maioria das situações de incumprimento dos créditos se devem a situações de divórcio, de doença e de desemprego” e que estes jovens “não têm mais propensão para isto [do que os restantes mutuários]”. “Estes jovens são gente séria, empreendedora e gente que quer ser dona do seu próprio futuro. Às vezes enganamo-nos num ou noutro, mas não estou preocupado”, reiterou.

Sobre o perfil, indicou que “há de tudo”: licenciados e não licenciados, “um padrão muito próximo da população que reside em Portugal”. “E são, essencialmente, jovens que não têm o pai ou a mãe para lhes emprestarem os 10% da entrada para comprar uma casa”, apontou.

Tenho pena de o dizer, mas há aqui, talvez involuntariamente, uma dose de cinismo ou de hipocrisia. Não sei que tipo de clientes tem o BCP, nem me interessa saber. Porém, se se tata de jovens que não têm pai ou mãe que lhes tenham de emprestar os 10% da entrada para comprar uma casa, o BCP sabe escolher os clientes, que não precisavam da garantia do Estado. Por outro lado, a garantia pública está a ser dada a jovens cujos pais lhes dão a entrada para a compra da casa e para o mobiliário, servindo o crédito para não haver levantamento intempestivo de dinheiro do depósito a prazo ou de quebra no investimento mobiliário.       

O presidente do BCP elogiou a medida da garantia pública, mas advertiu que não é através dela que a crise habitacional no país será amenizada. “Não é a garantia pública que resolve o problema da habitação, em Portugal. Permite ao jovens comprarem casa, é um ciclo virtuoso que existe, quando as pessoas têm essa possibilidade. É um contributo positivo, mas não podemos confundir com o problema da habitação que é sério e que não se resolve com soluções simples”, observou, com a pertinência de quem sabe.

De facto, estas ajudas beneficiam, em geral, quem tem mais possibilidades. Não contribuem para a baixa de preços, para efeitos de aquisição, nem para efeitos de arrendamento. É necessário, pois, aumentar a oferta pública de habitação e controlar os preços da construção privada de valor médio. O mercado não regula nada.  

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Não é possível comparar resultados, pois, enquanto os da CGD se referem a um semestre, os do BCP referem-se a um trimestre. Contudo, parece que o BCP está em ascensão de lucro e a tendência, no semestre, parece ser de lucro mais avantajado do que o da CGD, que mantém lucros, mas com tendência a diminuírem.

Não obstante, o banco público devia ter pejo em lamentar a falta de maiores lucros, por via da descida dos juros. Com efeito, cobra menos, mas também paga menos, a não ser que o meu conceito de gestão esteja obsoleto. Por outro lado, a CGD alega com o não aumento das comissões bancárias. Era o que faltava! O banco público deveria preocupar-se mais com o apoio a clientes que, normalmente, não têm possibilidade de escolher outro banco, como tantos beneficiários de pensões misérrimas e mesmo como a maior parte dos funcionários públicos.   

2025.07.30 – Louro de Carvalho

Portugal interessado no programa de empréstimos SAFE para Defesa

 

Em comunicado de 29 de julho, o Ministério da Defesa Nacional (MDN) anunciou que o governo formalizou, em Bruxelas, a manifestação de interesse para aderir ao programa Security Action for Europe (SAFE), o instrumento de ação para a segurança na Europa, ou seja, o programa de empréstimos da Comissão Europeia para rearmar a Europa.
Nesse sentido, o país pretende liderar dois processos de contratação conjunta com outros estados-membros da União Europeia (UE), para a compra de equipamento militar, constituindo esta uma das formas de se aproximar, gradualmente, do cumprimento da meta acordada, no âmbito da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), do orçamento de 5% do produto interno bruto (PIB) no setor da Defesa. E, segundo o Comissário da Defesa e do Espaço, Andrius Kubilius, o SAFE “não é apenas um instrumento financeiro”, mas é “um compromisso político com uma Europa mais segura, mais capaz e mais unida”.
Ora, Portugal tem de passar de um “bom aluno” da UE a interveniente e cooperante.
Embora o governo não tenha revelado a natureza dos projetos apresentados, nem os montantes necessários, garante a cobertura dos três ramos das Forças Armadas, abrangendo necessidades, como “munições, sistemas de satélites, sistemas terrestres, plataformas navais, sistemas não tripulados e outras capacidades”, em alinhamento próximo do que defendia o almirante Gouveia e Melo, enquanto desempenhava o cargo de chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Como refere o jornalista Vítor Matos, no Expresso online, a 29 de julho, a vantagem da contratação conjunta entre países é “gerar economias de escala, desenvolver a indústria europeia e homogeneizar o tipo de armamento usado pelas Forças Armadas dos vários estados europeus”. Por isso, a Comissão Europeia estimula-a, como uma das condições para os países recorrerem ao pacote de 150 mil milhões de euros para empréstimos em condições favoráveis do SAFE.

De acordo com o MDN, a Comissão Europeia indicará, em agosto, o montante do envelope financeiro que se destina a Portugal, devendo a formalização do pedido de assistência financeira ser realizada “apenas em novembro”.

Como insinuámos acima, os montantes para os empréstimos inserem-se num programa mais alargado, o ReArmeurope, cujo objetivo é aumentar as capacidades militares da Europa, por forma a tornar o continente mais autónomo dos Estados Unidos da América (EUA). Por outro lado, é de recordar que Portugal se comprometeu, na cimeira da NATO, realizada em Haia, em junho, em chegar aos 2% do PIB com gastos em Defesa, já neste ano económico.

Segundo Vítor Matos, para estudar a melhor forma de atingir estes objetivos, Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional, criou “o Grupo de Trabalho SAFE, para o desenvolvimento da proposta de manifestação de interesse e [para o] subsequente pedido formal de assistência financeira”, como refere o comunicado em referência. Entregue a proposta em Bruxelas, o grupo de trabalho, “entrará na fase seguinte dos trabalhos para a qual foi mandatado, focando-se no desenvolvimento técnico dos projetos e na preparação do pedido formal de assistência financeira até 30 de novembro de 2025”, diz o comunicado.

O pedido de empréstimo, conforme informação do MDN, será “acompanhado por um plano de investimento detalhado na indústria europeia de Defesa, com especial enfoque na integração da indústria nacional nas futuras cadeias de valor promovidas pelos projetos financiados ao abrigo do SAFE”.

Recorda Vítor Matos que, embora o MDN não avance pormenores, Portugal já participa no fabrico de componentes do avião de transporte KC-390, da brasileira Embraer e, recentemente, assinou um protocolo para a possibilidade de adquirir 10 destes aviões para os revender a países da NATO ou da UE. Outra possibilidade é Portugal contribuir com os Super Tucano, os aviões de ataque ao solo do mesmo fabricante, com que a Força Aérea trabalhou nos requisitos NATO. Outra possibilidade é a área dos drones ou de munições.

Aliás, Ricardo Pinheiro Alves, presidente da idD Portugal Defence, a holding do Estado para as indústrias de Defesa, pormenorizou ao Jornal de Notícias (JN) sobre a fábrica de munições de que Nuno Melo já tinha falado. Será uma fábrica de munições de pequeno calibre, a instalar em Alcochete, num investimento que rondará os 40 milhões de euros. O projeto está concluído e será apresentado ao governo nos próximos meses, segundo avançou o JN. O tríplice objetivo é capacitar as Forças Armadas com este tipo de projéteis, exportar para países da NATO e marcar o regresso de Portugal à produção destas munições.

A fábrica funcionará junto da unidade de desmilitarização da idD, contará com uma participação do Estado entre 35% e 60%, terá capacidade para produzir 50 milhões de munições, por ano, e criar 70 postos de trabalho.

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O site da Comissão Europeia dá a explicação do processo de criação do SAFE, como se explicita aqui, de forma sucinta (cf https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_25_1340).
Em março de 2025, a Comissão Europeia propôs o “Livro Branco para a Defesa Europeia – Preparação 2030 e o seu Plano ReArm Europe/Preparação 2030” como o pacote ambicioso de Defesa que fornece alavancas financeiras aos estados-membros da UE para impulsionar o aumento das capacidades de Defesa. A ativação da cláusula de derrogação nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) para Defesa, com o SAFE, constituem, segundo o executivo comunitário, a espinha dorsal do Plano ReArm Europe/Preparação 2030, permitindo aos estados-membros aumentar, substancial e rapidamente, os investimentos na Defesa europeia.
Ao abrigo do empréstimo SAFE, a Comissão angariará até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, com base na abordagem de financiamento unificada e consolidada. Embora, ao abrigo da cláusula de derrogação nacional, os estados-membros beneficiem de uma margem adicional para despesas de Defesa, as regras orçamentais da UE continuam a aplicar-se na íntegra.
Quaisquer desvios das trajetórias de despesas líquidas aprovadas, além dos especificados, serão monitorados de acordo com o Regulamento (UE) 2024/1263, durante todo o período de ativação.
O custo de componentes originários de fora da UE, dos Estados EEE-EFTA e da Ucrânia não deve exceder 35% do custo estimado dos componentes do produto final, reforçando o princípio de “gastar europeu”, nos termos do acordo. O SAFE define condições de elegibilidade para contratantes e subcontratantes, garantindo que os investimentos atendam aos interesses de segurança e defesa da UE e reforcem a Base Tecnológica e Industrial Europeia de Defesa (BITDE).
É, pois, natural que a Comissão Europeia tenha acolhido com satisfação o acordo alcançado a 27 de maio de 2025, no Conselho da UE, sobre o SAFE. Assim, garantiu: “Conforme proposto no Plano ReArm Europe/Readiness 2030, a Comissão angariará até 150 mil milhões de euros nos mercados de capitais, proporcionando aos estados-membros da UE alavancas financeiras para aumentarem os investimentos em áreas-chave da Defesa, como a defesa antimísseis, os drones ou os facilitadores estratégicos.”
A este respeito, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou: “Tempos excecionais exigem medidas excecionais. Saúdo o acordo de hoje sobre o SAFE, o nosso instrumento de Empréstimo para a Preparação Industrial em Defesa, como um passo crucial em frente. A Europa deve, agora, assumir uma maior quota-parte de responsabilidade pela sua própria segurança e defesa. Com o SAFE, não estamos apenas a investir em capacidades de ponta para a nossa União, para a Ucrânia e para todo o continente; estamos também a reforçar a base tecnológica e industrial de Defesa europeia. Trata-se de prontidão. Trata-se de resiliência. E trata-se de criar um mercado verdadeiramente europeu para a Defesa. A Europa está a avançar, com propósito, [com] unidade e [com] um roteiro claro para a Preparação 2030.”
Os fundos serão angariados nos mercados de capitais e desembolsados aos estados-membros interessados, mediante pedido, com base nos seus planos de investimento na indústria europeia de Defesa. O SAFE, que incentivará os estados-membros a investir e a adquirir capacidades em cooperação, é “um ambicioso instrumento de defesa, aumentará as capacidades de defesa europeias, reforçando, simultaneamente, a competitividade e a interoperabilidade de uma forte base industrial europeia de Defesa”, pode ler-se no site da Comissão Europeia.
Os estados-membros estão a usufruir do prazo de seis meses, a partir da entrada em vigor do Regulamento, para apresentarem os seus planos nacionais iniciais, que serão, posteriormente, avaliados pela Comissão. Na sequência de proposta da Comissão, o Conselho adotou decisões de execução, que incluem o montante do empréstimo e qualquer pré-financiamento. O pré-financiamento, que pode ascender a até 15% do empréstimo, garantirá que o apoio possa ser pago rapidamente para cobrir as necessidades mais urgentes, potencialmente a partir de 2026. Os estados-membros terão de apresentar relatórios sobre o progresso da implementação quando apresentarem os seus pedidos de pagamento, o que pode ser feito duas vezes, por ano. A última aprovação para desembolsos pode ocorrer até 31 de dezembro de 2030.
Além da presidente da Comissão Europeia, também Andrius Kubilius, Comissário da Defesa e do Espaço, saudou o acordo sobre o SAFE, proferindo as seguintes asserções: A aprovação do instrumento de empréstimo para a defesa SAFE representa um passo crucial no reforço da prontidão da Europa, em matéria de Segurança e de Defesa. Saúdo este acordo dos nossos estados-membros, [que] envia um sinal claro de que a Europa está pronta para investir na sua própria defesa, resiliência e base industrial. Juntos, os estados-membros podem, agora, também comprar com a Ucrânia, para a Ucrânia e na Ucrânia. Este não é apenas um instrumento financeiro; é um compromisso político com uma Europa mais segura, mais capaz e mais unida.”

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Portugal espera, com a adesão a este programa europeu de empréstimos a condições favoráveis para o reforço da Defesa, cobrir necessidades prioritárias das Forças Armadas.

Ora, do meu ponto de vista, essa expectativa pode sair gorada, pois o SAFE foi criado para apoiar os estados-membros em investimentos urgentes na base tecnológica e industrial de Defesa, através de empréstimos com prazos até 45 anos, com períodos de carência de até 10 anos e com possibilidade de pré-financiamento de até 15%. Não se trata de cobrir, por exemplo, a necessidade de reorganização das Forças Armadas, ao nível do número de efetivos, da formação militar de base ou do funcionamento normal das diversas unidades militares.

Entende-se que o governo, para satisfazer os compromissos com a NATO, veja nisto a galinha dos ovos de ouro, mas pode receber, em troca, a galinha morta sem ovos. A compra conjunta faz ganhar escala, mas exige sábia gestão dos recursos e do tempo. Os assessores do MDN devem saber como esta gestão de verbas é escrutinada pelas instâncias europeias e, sobretudo, do lado dos países ricos (ditos frugais, que os do Sul chamam forretas).

Depois, o pacote ambicioso é de 150 mil milhões de euros em empréstimos a condições favoráveis para compras conjuntas que reforcem a Defesa comunitária, mas a que podem candidatar-se os 27 estados-membros. E ou os países candidatos mostram grande capacidade de execução física e financeira na aplicação das verbas ou elas ficam pelo caminho. A este propósito, gostava de saber que parte do bolo dos cerca de 78 mil milhões euros emprestada a Portugal pela troika não foi efetivamente aplicada.   

Além disso, como se trata de empréstimo, apesar das condições favoráveis, é preciso pagar oportunamente. E, aqui, aplica-se a dúvida de Santana Lopes expressa, há dias: “Há um zunzum de que não se mexe no Estado Social, para reforçar o investimento na Defesa. Então mexe-se onde? Nalgum lado tem de haver corte. Só quero dizer que na ferrovia é um erro crasso.” (Revista Sábado, 23 de julho).

Pode o Estado Social não sofrer cortes por esta via, no nosso tempo, mas sofrê-los-á, com as gerações vindouras. Aliás, 45 anos passam depressa.

Também não acredito que o investimento na Defesa reentre no Estado Social pelo lado da Economia, através dos impostos como afirma o candidato presidencial Gouveia e Melo.

Porém, governa-se através de opções políticas e, neste caso, de acordo com o comunicado em referência, Portugal pretende alinhar todos os investimentos realizados, neste âmbito, com os objetivos da NATO, no sentido de amplificar as capacidades operacionais que foram identificadas no desenho estratégico do sistema de forças português e dos seus compromissos de ordem internacional.

É a vida política e diplomática! Prefere-se as armas à negociação da paz e à criação e manutenção de condições de vida digna para todos.

2025.07.30 – Louro de Carvalho


terça-feira, 29 de julho de 2025

Responsabilidade da comunidade internacional pelo que se passa em Gaza

 

Num editorial do Vatican News, Andrea Tornielli refere que o presidente Emmanuel Macron anunciou que a França reconhecerá o Estado da Palestina e que o anúncio solene será feito em setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Entretanto, trabalha-se na organização da “Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados”, que devia ter sido realizada na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, em junho, sob a direção dos governos da França e da Arábia Saudita, mas que foi adiada, devido ao ataque israelita ao Irão.
Vale a pena assumir os dados fundamentais do referido editorial.  
O drama de Gaza, os repetidos massacres de dezenas de milhares de civis inocentes que perderam a vida, sob as bombas, e que morrem, agora, de fome e de privações (a fome foi escolhida como arma de guerra), ou são atingidos, enquanto tentam obter alguma comida, são, por si mesmos, um gravíssimo problema, que devia, no dizer do editorialista, “tornar evidente, aos olhos de todos, a urgência de parar os ataques militares que provocam uma carnificina”, ou um genocídio, como referem vários observadores, julgando insustentável que os Judeus estejam a fazer aos Palestinianos o mesmo (ou pior ainda) que os nazis fizeram ao povo judeu.  
Ao mesmo tempo, de acordo com Andrea Tornielli, “tornou-se imprescindível uma solução para a questão palestiniana, solução que a Santa Sé invoca, constantemente, há décadas, e que nunca pode acontecer sem a contribuição efetiva da comunidade internacional, além dos países diretamente envolvidos.
É de recordar que a Santa Sé assinou, há 25 anos, um acordo básico com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Dez anos depois, assinou um Acordo Global com o Estado da Palestina, que entrou em vigor em janeiro de 2016. Uma decisão e um reconhecimento em linha com a preocupação dos Sumos Pontífices, desde 1948, pela situação dos Lugares Santos e pelo destino dos Palestinianos. São Paulo VI foi o primeiro Papa a afirmar, explicitamente, que “eles eram e são um povo, e não apenas um grupo de refugiados de guerra”. Na mensagem de Natal de 1975, o Papa Montini pedia aos filhos do povo judeu, que viam, agora, consolidado o seu Estado soberano de Israel, que “reconhecessem os direitos e as legítimas aspirações do outro povo que também sofreu durante muito tempo, o povo palestiniano”.
No início dos anos 90, São João Paulo II estabeleceu relações tanto com o Estado de Israel (em 1993) como com a OLP (em 1994), num momento em que parecia que as partes estavam próximas de um acordo e do reconhecimento dos dois Estados. Em fevereiro de 2000, alguns meses antes da entrada de Ariel Sharon, primeiro-ministro israelita, na Esplanada das Mesquitas, que iniciou a segunda Intifada, a Santa Sé assinou o já mencionado acordo básico com a OLP. Ao chegar a Belém, em março de 2000, São João Paulo II declarou: “A Santa Sé sempre reconheceu que o povo palestiniano tem o direito natural de ter uma pátria e o direito de viver em paz e em tranquilidade com os outros povos desta região. A nível internacional, os meus predecessores e eu proclamámos, repetidamente, que não seria possível pôr fim ao triste conflito na Terra Santa, sem garantias sólidas dos direitos de todos os povos envolvidos, com base no direito internacional e nas importantes resoluções e declarações das Nações Unidas.”
Nove anos depois, Bento XVI, em visita à Terra Santa, reiterou: “Que seja universalmente reconhecido que o Estado de Israel tem o direito de existir e de gozar de paz e de segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. Que seja, igualmente, reconhecido que o povo palestiniano tem direito a uma pátria independente e soberana, a viver com dignidade e a viajar livremente. Que a “solução de dois Estados” se torne realidade e não permaneça um sonho”. Em 2012, a Santa Sé apoiou a admissão do Estado da Palestina como membro observador na ONU.
Francisco, na viagem à Terra Santa, em maio de 2014, repetiu, ante Mahmoud Abbas, presidente palestiniano: “Chegou o momento de todos terem a coragem da generosidade e da criatividade ao serviço do bem, a coragem da paz, que se baseia no reconhecimento, por parte de todos, do direito de dois Estados a existirem e a gozarem de paz e segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas”. E, pela primeira vez, referiu-se ao país que o acolhia como “Estado da Palestina”.
Assim se chegou ao Acordo Global entre a Santa Sé e o Estado da Palestina, de junho de 2015, que insiste na solução de dois Estados, já contemplada na resolução n.º 181 da ONU, de novembro de 1947. O preâmbulo do Acordo, em referência ao direito internacional, enquadra alguns pontos-chave, como: a autodeterminação do povo palestiniano, o objetivo da solução de dois Estados, o significado não apenas simbólico de Jerusalém e o seu caráter sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos, o seu valor religioso e cultural universal como tesouro para toda a Humanidade. Depois, reafirma o direito do povo palestiniano “à liberdade, à segurança e à dignidade, num Estado independente próprio”, um “Estado da Palestina independente, soberano, democrático e viável, com base nas fronteiras anteriores a 1967, na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, e em Gaza, que viva, lado a lado, em paz e segurança com todos os seus vizinhos”.
Recordando o Acordo Básico com a OLP de 2000, o Acordo Global renova o pedido de uma “solução justa para a questão de Jerusalém, baseada nas resoluções internacionais”, sustentando que “decisões e ações unilaterais que alteram o caráter e o status específicos de Jerusalém são moral e legalmente inaceitáveis” e que “qualquer medida unilateral ilegal, de qualquer tipo, é nula e sem efeito” e “constitui um obstáculo à busca da paz”.
Os factos, segundo o editorialista, atestam a linearidade e o realismo da posição contida nos apelos dos últimos Pontífices, nas declarações da Santa Sé à ONU e nos acordos assinados. Logo após o ataque perpetrado pelo Hamas, 7 de outubro de 2023, Francisco condenou o massacre e pediu, publicamente, por várias vezes, a libertação de todos os reféns. Porém, embora reconhecendo o direito de Israel de se defender, a Santa Sé pediu, repetidamente, em vão, que não fosse atingido, indiscriminadamente, todo o povo palestiniano presente na Faixa, e que fossem interrompidos os ataques dos colonos contra a população palestiniana que vive nos territórios do Estado da Palestina, comumente indicados como Cisjordânia. Infelizmente, como acentua Andrea Tornielli, isso não acontece: em Gaza, e não só em Gaza, assistimos a ataques que injustificáveis e que representam um massacre a pesar na consciência de todos.
Como disse, clara e inequivocamente, Leão XIV, no Angelus de 20 de julho, é urgente e necessário “observar o direito humanitário” e “respeitar a obrigação de proteger os civis, bem como a proibição da punição coletiva, do uso indiscriminado da força e da deslocação forçada da população”. A comunidade internacional não pode a assistir passivamente ao massacre em curso. Espera-se que a Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina e a Implementação da Solução de dois Estados, compreendendo a urgência de resposta comum ao drama dos Palestinianos, prossiga, com determinação, em busca de solução que garanta a este povo um Estado com fronteiras seguras, respeitadas e reconhecidas.

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Sobre o mesmo tema, pronunciou-se, a 28 de julho, o secretário de Estado do Vaticano, em conversa com jornalistas, à margem do evento que marcou o Jubileu dos Influenciadores, enfatizando a importância de reconhecer os dois Estados, Israel e Palestina, “a viver lado a lado, de forma autónoma, mas também em cooperação e segurança”. O seu pensamento também se voltou para a “solução para o conflito” na Ucrânia, para as relações com o Patriarcado de Moscovo e para a dor pelo ataque a uma igreja católica na República Democrática do Congo.

De tal conversa de Pietro Parolin entabulada com os jornalistas, dá conta Giada Aquilino no referido órgão de comunicação social do Vaticano.

A Santa Sé “já o reconheceu”, há algum tempo, clamou o cardeal Secretário de Estado, após o anúncio do presidente, Emmanuel Macron, sobre o Estado da Palestina, de que a França o reconhecerá, em setembro. E, interpelado por jornalistas à margem de um evento para o Jubileu dos Influenciadores, o purpurado recordou que a solução é “o reconhecimento de dois Estados, a viver lado a lado, de forma autónoma, mas também em colaboração e segurança”.

Respondendo a uma pergunta sobre as alegações dos que julgam “prematuro” reconhecer o Estado da Palestina, o cardeal afirmou: “Porquê prematuro? Ou seja, em nossa opinião, a solução reside no diálogo direto entre as duas partes, com vista ao estabelecimento de dois Estados autónomos.”

Certamente – observou – “está a tornar-se cada vez mais difícil, também devido à situação que surgiu e está a surgir na Cisjordânia”, em relação aos assentamentos israelitas nesses territórios: “Isso, certamente, não favorece, do ponto de vista prático, o estabelecimento do Estado da Palestina”. Daí a esperança de que as reuniões, por ocasião da Conferência Internacional de Alto Nível para a Resolução Pacífica da Questão Palestiniana e a Implementação da Solução de Dois Estados, deem “algum fruto”.

Em relação à investigação sobre o ataque israelita contra a Igreja da Sagrada Família em Gaza, a 17 de julho, cujas conclusões iniciais indicam que o tiro disparado contra o prédio, que matou três pessoas e feriu 10, não só não terá sido intencional, nem tampouco causado por erro humano –, mas pelo mau funcionamento do projétil ou do mecanismo da peça de artilharia que o lançou –, o cardeal Parolin declarou não ter “outros elementos para fazer uma avaliação diferente”. “Não pudemos realizar uma investigação independente. Consideramos como válidas as conclusões apresentadas pelo exército israelita e pelo governo israelita, mas insistindo que se preste atenção, porque – sustentou – a impressão é de que esses erros se repetem com frequência. E será necessário colocar particular atenção para evitar que locais de culto e instituições humanitárias sejam, novamente, atingidos pela violência”, discorreu o secretário de Estado. “Cabe a Israel encontrar uma maneira de garantir que esses erros não se repitam. Acredito que, caso se queira, pode-se encontrar uma maneira”, reforçou.

Também enfatizou a gravidade da crise em Gaza e a necessidade de ajuda humanitária: “Espero que chegue [a ajuda humanitária], porque a situação é insustentável. E, de facto, como muitas agências internacionais vêm relatando, uma nova arma agora é a da starvation (fome), a da carestia e da falta de alimentos.”

Sobre a outra frente de guerra, uma mediação e um encontro de paz entre Rússia e Ucrânia, Pietro Parolin declarou não acreditar que “o Vaticano possa ser acusado de não ser neutro. Sempre procuramos, mesmo dizendo as coisas como elas são, estar próximos de ambos os lados e, acima de tudo, ajudar a encontrar uma solução para o conflito.”

Respondendo a uma pergunta sobre a audiência do Papa Leão XIV, no dia 26, no Vaticano, com o Metropolita de Volokolamsk, Antonij, responsável pelas Relações Exteriores do Patriarcado de Moscovo, o chefe da diplomacia vaticana classificou o encontro como “positivo”, porque “é importante dialogar, é importante manter contacto e, portanto, tudo isso pode ajudar a restabelecer, gradualmente, as relações com o Patriarcado de Moscovo de forma mais cordial e construtiva”.

O pensamento do purpurado também se dirigiu para o “sinal perigoso”, para os cristãos, que foi o ataque do fim de semana contra uma igreja católica em Ituri, no Leste da República Democrática do Congo (RDC), que resultou em dezenas de vítimas. O ataque, feito por homens armados das Forças Armadas Democráticas Africanas (ADF), “forças que são, praticamente, uma expressão da Jihad Islâmica e que se impõem com força e violência”, como observou Pietro Parolin, ocorreu na região, “onde há já tantos conflitos de natureza étnica, cultural e sociopolítica”. Somar-lhe o aspeto religioso, vincou, “agrava ainda mais o problema”.

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Não faltam alertas de organizações humanitárias e internacionais, nem imagens, nem relatos de quem vive o desespero em Gaza. Contudo, o Mundo tem convivido, quase passivamente, com o que lá se passa. O horror se vive no enclave palestiniano resultante dos ataques de Israel, com o argumento da defesa contra as ações terroristas do Hamas, atingiu proporções impensáveis e intoleráveis, que suscitam, cada vez mais, tomadas de posição oficiais contra a ação do governo israelita, a apelar ao fim do conflito e à garantia de condições para a chegada de alimentos, de água e de medicamentos a centenas de milhar de adultos e de crianças já em estado de desnutrição ou que para lá caminham. Até Donald Trump disse que algo tem de mudar: “Há fome a sério em Gaza. Temos de garantir que aqueles miúdos são alimentados”, declarou no dia 28.

Quase uma em cada três pessoas não come, há vários dias, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), da ONU; uma em cada quatro crianças entre os seis meses e os cinco anos sofre de desnutrição – são números que falam por si. A fome mata crianças, a alta velocidade, em Gaza, o que é trágico, até por ser morticínio “completamente causado pelo homem”.

A 28 de julho, duas reconhecidas organizações não-governamentais (ONG) israelitas – B’Tselem e Médicos pelos Direitos Humanos – declararam, inequivocamente, que o seu país está a cometer “genocídio”, em gaza, “atuando, de forma sistemática e intencional, para destruir a sociedade palestiniana, matando em massa, causando danos físicos e mentais severos e gerando condições catastróficas que impedem a continuação da sua existência em Gaza”. Enfim, Israel promove – e di-lo abertamente – “uma limpeza étnica e a destruição das infraestruturas que permitem a sobrevivência dos indivíduos e do grupo, com dois milhões de pessoas a passar fome, deslocadas, bombardeadas e deixadas morrer pelo Mundo. O genocídio tem de ser parado”, lê-se na apresentação do relatório “Our Genocide”, da B’Tselem. E, no dizer de Yuli Novak, sua diretora, “isso não poderia acontecer sem o apoio do Mundo ocidental.
Até agora, o que tem sido feito são palavras de condenação e de apelo. Porém, recentemente, 25 países, entre os quais Portugal, através dos ministros dos Negócios Estrangeiros assinaram um documento a exigir o fim da guerra. Condenam a construção de colonatos, em toda a Cisjordânia, e o aumento da violência contra os Palestinianos, por parte dos colonos (como o retratou a última reportagem da edição impressa do Expresso) e manifestaram a sua oposição a “qualquer alteração territorial ou demográfica na região”.
No dia 28, na sede da ONU, numa conferência internacional dedicada à questão palestiniana e à solução dos dois Estados, a França, um dos mais recentes países a anunciar que reconheceria oficialmente o Estado da Palestina e o primeiro membro permanente do Conselho de Segurança da ONU a fazê-lo, apelou a que mais países sigam este caminho. Portugal não o fez, mas está aberto a tal possibilidade, declarou Paulo Rangel, há alguns dias.
Que os países passem das palavras aos atos e que esta “conferência não seja mais um exercício de retórica bem-intencionada” foi o voto do secretário-geral da ONU, António Guterres, que merece todo o apoio.

2025.07.29 – Louro de Carvalho